Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4881/18.3T8VNF.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: CONSUMIDOR
LOCATÁRIO
BEM DEFEITUOSO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Partindo da conceção prevista na Lei n.º 24/96, de 31-07 (bem como no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04), a jurisprudência maioritária vem entendendo que se deve atender ao conceito restrito, funcional de consumidor, segundo o qual consumidor é aquele que destina o bem adquirido predominantemente para uso privado – “uso pessoal, familiar ou doméstico” –, sendo meramente instrumental, ténue ou acidental o seu aproveitamento para uso profissional.
II- Estando provado que a autora destinou a viatura objeto do contrato de locação financeira (ou de ALD) à sua utilização pessoal e como meio de transporte nas deslocações profissionais enquanto advogada, não deixa aquela de se encontrar na situação de inferioridade relativamente à contraparte profissional (locadora financeira), no que respeita tanto ao poder de negociação como ao nível de informação, o que justifica que beneficie do sistema de proteção instituído pelo direito de consumo.
III- Conquanto a responsabilidade pela reparação dos vícios do veículo automóvel objeto da locação seja do vendedor, posto a locadora financeira não responder pelos vícios da coisa locada (art. 12º do Dec. Lei n.º 149/95), a locatária financeira/consumidora beneficia, contra o vendedor, do exercício dos direitos relativos ao bem locado previstos no art. 4º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 63/2003, nos termos do art. 13º do Dec. Lei n.º 149/95, designadamente o pedido de reparação das desconformidades e de substituição do bem locado e, inclusivamente, de resolução do contrato da própria compra e venda celebrada entre o locador financeiro e a empresa fornecedora do bem locado.
IV- A resolução do contrato de compra e venda origina a consequente anulação ou rescisão do conexo contrato de locação financeira, embora a resolução deste contrato não ocorra de modo automático.
V- A resolução do contrato de locação financeira, por estar em causa um locatário/consumidor, atenta a sua eficácia retroativa, determina a devolução de todas as prestações (rendas) já percebidas.
VI- Não obstante a locadora financeira ter já procedido ao pagamento ao vendedor do veículo da totalidade do valor de aquisição do mesmo, como decorrência da resolução dos contratos o reembolso do financiamento feito pela sociedade de leasing ao vendedor fica assegurado pela devolução do preço pago (art. 289º do CC).
VII- A caducidade do direito de resolução do contrato pelo consumidor prevista no art. 5.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 63/2003, está estabelecida em matéria não excluída de disponibilidade das partes, pelo que, nos termos dos arts. 303.º e 333.º, n.º 2, ambos do Cód. Civil, não pode a mesma ser oficiosamente conhecida, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita e no momento oportuno.
VIII- Perante um objeto defeituoso sobre que incide um contrato de locação financeira integrado numa relação de consumo, o consumidor tem ao seu dispor um leque de meios de reação previstos no art. 4º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 63/2003, podendo livremente exercer qualquer um dos direitos imediatamente, salvo com os limites decorrentes da natureza das coisas ou do abuso do direito (n.º 5 do mesmo artigo).
IX- No contexto fáctico apurado – estando em causa um veículo automóvel novo de gama média/alta objeto de locação financeira que, antes de um ano de circulação, passou a apresentar, na parte dianteira, um ruído semelhante ao de uma peça solta, ao mesmo tempo que se notava uma folga na respetiva direção, sendo que aquele se agravava precisamente quando se virava a direção, o qual, após reiteradas denúncias de tais desconformidades, foi por diversas vezes intervencionado pela vendedora com vista à sua regularização, com pelo menos duas substituições da caixa de direção, sendo que tais falhas não só persistiram como se agravaram, tendo nessa sequência inclusivamente a autora exigido a substituição da viatura por outra de iguais caraterísticas e sem deficiências, sem que tenha obtido qualquer resposta –, ao resolver os contratos nos termos em que o fez, não se poderá concluir que a locatária financeira/consumidora não agiu dentro dos limites que lhe são impostos pelo critério do abuso de direito que decorre do art. 4º, n.º 5 do Dec. Lei n.º 67/2003.
X- Tendo a autora resolvido o contrato e por sua iniciativa entregue a viatura objeto do contrato de locação financeira, da indemnização pela destruição da relação contratual estão excluídos os danos da privação do uso da viatura, visto que não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento dos danos resultantes da frustração das utilidades proporcionadas pela própria prestação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

P. M. instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra 1ª- X – Comércio de Automóveis, SA (doravante X); 2ª- Y Financial Services Portugal – Sociedade Financeira de Crédito, SA (doravante Y Financial Services); 3ª- Y Portugal, SA (doravante Y Portugal), pedindo,

- A título principal:
1. A resolução do contrato com o n.º ......6 (junto sob documento n.º 1 à petição inicial);
2. A condenação solidária das Rés no pagamento à Autora:
a) Da quantia de € 23.648,57 (vinte e três seiscentos e quarenta e oito euros e cinquenta e sete cêntimos), que inclui todos os desembolsos feitos pela Autora ao abrigo do contrato e os juros moratórios vencidos desde as datas dos desembolsos e até 2018.07.14, acrescida, quanto à de € 21.992,80, dos juros que se vencerem desde a referida data e até efetivo pagamento;
b) Da quantia correspondente às rendas vincendas que a Autora venha a desembolsar, acrescida de juros moratórios a contar desde as datas dos desembolsos e até efetivo pagamento;
c) Da quantia de € 2.925,00 (dois mil novecentos e vinte e cinco euros) (€ 75,00 x 39 dias – de 07.06 a 16.07), bem como as quantias que se vencerem à razão diária de € 75,00 (setenta e cinco euros), de indemnização devida pela imobilização do veículo e a sua não substituição pelas Rés;
d) Da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais;

- A título subsidiário:
3. A resolução do contrato com o n.º ......6 (junto sob documento n.º 1 à petição inicial);
4. A condenação da 1ª Ré a substituir o veículo em causa por outro, com as mesmas características, no estado de novo, sem qualquer avaria ou deficiência, obtendo-o junto da 3ª Ré, sendo esta condenada a fornecê-lo, e a 2ª Ré condenada a celebrar contrato de aluguer de longa duração, tendo-o por objeto, em idênticas condições às do junto como documento n.º 1;
5. A condenação solidária das Rés no pagamento à Autora:
a) Da quantia de € 2.925,00 (dois mil novecentos e vinte e cinco euros), bem como as quantias que se vencerem à razão diária de € 75,00 (setenta e cinco euros), a título de indemnização devida pela imobilização do veículo e a sua não substituição por elas;
b) Da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais.

Para tanto alegou, em resumo, que, em dezembro de 2015, propôs-se adquirir uma viatura da marca Y, modelo C259 T-Modell, matrícula QR, pelo preço ajustado de € 52.300,00; para esse efeito, por intermédio da 1.ª Ré, celebrou com a 2.ª Ré um contrato de aluguer de longa duração a consumidor, com a duração de 48 rendas mensais, no montante de € 390,56 (acrescida de € 2,20 para portes), com opção de compra no respetivo termo; o veículo destinava-se a ser utilizado nas suas deslocações familiares e profissionais; decorridos alguns meses de utilização da viatura, surgiu um ruído anormal na parte dianteira semelhante ao de uma «peça solta», ao mesmo tempo que se notava uma folga na direção, estando os pneus muito desgastados; por sugestão da 1.ª Ré, a questão foi analisada na data da primeira revisão, altura em que propôs a mudança da caixa de direção, ao que anuiu; porém, decorridos mais alguns meses, a viatura recomeçou a manifestar os mesmos barulhos, agravados com um zumbido constante; a viatura foi sujeita a nova intervenção, tendo-lhe sido transmitido que a caixa de direção foi substituída; decorrido mais 2/3 meses, porque o problema se agravou, voltou a reclamar junto da 1.ª Ré, tendo sido acordado que a viatura seria analisada na data da segunda revisão; por essa ocasião, voltou a ser necessário mudar os pneus; tendo o veículo sido entregue, as deficiências mantiveram-se, tendo exigido da 1.ª Ré a substituição daquele; uma vez que não obteve resposta, enviou à 1.ª Ré a carta junta como documento n.º 2, por via da qual resolveu o contrato; foi depois contactada pela 1.ª Ré, tendo-lhe sido dito que aguardavam uma resposta da Y; entretanto, recebeu da 3.ª Ré a carta junta como documento n.º 3; após troca de correspondência entre os I. Advogado da Autora e da 1.ª Ré, a 1.ª Ré solicitou-lhe a realização de um testdrive, com o que concordou; não tendo recebido, depois desse teste, qualquer comunicação da 1.ª Ré, contactou com duas empresas especializadas na marca Y, tendo estas confirmado a existência das queixas, mas tendo sido referido pela sociedade C. S., L.da, que a viatura já se encontrava fora do prazo de garantia; posto isso, dirigiu-se, de novo, às instalações da 1.ª Ré, onde entregou a viatura e a respetiva chaves, não tendo desde essa data recebido qualquer comunicação da parte daquela; por se encontrar privada de veículo, viu-se forçada a recorrer ao auxílio de familiares e amigos que pontualmente lhe facultam viaturas para as suas deslocações; sente-se triste e desgostosa, por ter efetuado um investimento de vulto num automóvel que, a final, não correspondia ao esperado em condições normais.
*
Citadas, todas as Rés apresentaram contestação, pugnando pela improcedência da ação.
- A 1ª Ré, X (cfr. fls. 82 a 84), embora admitindo a celebração do contrato de aluguer de longa duração (com o prazo de 48 meses), tendo como objeto a viatura a que se alude na petição inicial, sustentou que a queixa apresentada pela Autora – de ruído na frente em piso irregular – estava relacionada com a utilização daquela em pisos excessivamente irregulares e que, perante isso, e de molde a adaptá-la ao tipo de utilização que lhe era dada, procedeu à substituição da caixa de direção, com o que visou apenas satisfazer a Autora; efetuada essa substituição, como a Autora persistiu na queixa (referindo, contudo, que o ruído só era percetível em pisos muito irregulares), decidiu consultar a 3ª Ré para saber se seria possível fazer alguma intervenção no sentido de otimizar a viatura e adequá-la ao tipo de uso que lhe era conferido, tendo-lhe sido indicado para proceder à instalação de nova caixa de direção, o que fez; após essa intervenção, a Autora apresentou nova reclamação, mas, efetuado teste à viatura, não foi detetada a sua existência; o ruído de que a Autora se queixa não decorre de qualquer defeito, mas apenas ao seu tipo de utilização, sendo apenas audível por uma condutora com especial sensibilidade auditiva; a Autora, no dia 17.06.2018, depositou a viatura nas instalações da 1ª Ré, sendo a si devida a privação cujo ressarcimento reclama.
- A 2ª Ré, Y Financial Services (cfr. a fls. 44 a 60), invocou, a título de exceção, a incompetência territorial do Tribunal, a ineptidão da petição inicial e a sua ilegitimidade; a título de impugnação, alegou que a escolha da viatura foi realizada pela Autora, sendo à mesma que competia assegurar a manutenção, conservação e reparação do veículo, assim como os respetivos custos, e ainda comunicar à locadora qualquer vício, defeito ou deterioração anormal do veículo, o que não fez. Por outro lado, recusou que a Autora possa gozar do estatuto de consumidor, desde logo por confessar na petição inicial que destinava a viatura às suas deslocações profissionais e que, de qualquer modo, a 3ª Ré não foi nem vendedora, nem produtora da viatura. Por fim, quanto aos danos não patrimoniais, sustentou que, para além do mais, eles não merecem a tutela do direito.
- A 3ª Ré, Y Portugal (cfr. fls. 92 a 94), alegou, em resumo, que é alheia ao contrato celebrado a respeito da viatura, embora corresponda à verdade que a 1ª Ré, em abril de 2017, submeteu um pedido de assistência técnica àquela relativo, reportando a existência de um ruído (aquando da circulação em piso irregular), tendo a contestante aconselhado a substituição da caixa de direção, após o que lhe foi informado que aquele desaparecera; mais tarde, em novembro de 2017, na sequência de contacto da 1ª Ré, sugeriu que fosse realizado um teste dinâmico, após o que foi confirmada a existência de um ruído, mas apenas em piso irregular. Posto isso, em março de 2018, sugeriu à 1ª Ré verificar o veículo de forma presencial, o que, porém, segundo informação daquela, não foi autorizado pela Autora. A respeito da ação de serviço a que a Autora se reporta, a contestante disse que ela em nada se relaciona com as reclamações da Autora, rejeitando a existência de qualquer defeito de fabrico ou que não ofereça as condições de segurança ou de conforto. Impugnou, por último, os prejuízos de natureza não patrimonial alegados.
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A Autora respondeu às exceções através do articulado de fls. 98 a 104, pugnando pelo seu indeferimento.
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Realizou-se a audiência prévia, que se encontra documentada a fls. 109 a 110, onde, frustrada a resolução consensual do litígio, foi proferido despacho sobre o valor da causa, na sequência do que o Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão - J3 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga declarou-se incompetente para a apreciação da causa.
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Remetido o processo ao Juízo Central Cível de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi realizada a tentativa de conciliação, a que se reporta a ata de fls. 128, que resultou infrutífera (cfr. fls. 130 a 133).
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Proferiu-se, a fls. 134 a 136, despacho saneador, no qual foram desatendidas as exceções de incompetência territorial, de ineptidão e de ilegitimidade, afirmando-se a validade e a regularidade da instância. Fixou-se o objeto do litígio e selecionaram-se os temas da prova, nos termos que resultam de fls. 136 a 137/verso, não tendo havido reclamações.
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Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 158 a 160 e 173 a 174).
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 175 a 201), nos termos da qual decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:

1. Declarou resolvido o contrato a que se alude no item 3.º da fundamentação de facto;
2. Condenou a 2.ª Ré Y Financial Services na restituição à Autora P. M. das prestações por esta realizadas no montante de € 53.28.459,72;
3. Condenou a 2.ª Ré Y Financial Services no pagamento à Autora P. M. dos juros de mora legais incidentes sobre a quantia de € 22,175,56 desde a citação e sobre a quantia de € 6.284,16 desde a presente data até integral satisfação;
4. Condenou a 1.ª Ré X no pagamento à Autora P. M. da indemnização de € 1.500,00, a título de danos não patrimoniais;
5. Absolveu a 1.ª e a 2.ª Rés X e Y Financial Services, respetivamente, dos demais pedidos contra elas formulados;
6. Absolveu a 3.ª Ré Y Portugal de todos os pedidos contra ela formulados.
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Inconformadas, quer a autora, P. M., quer a 2ª Ré, Y Financial Services, interpuseram recurso da sentença (cfr. fls. 204 a 214 e 216 a 229).

A autora, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1- Constitui objecto do presente recurso, por um lado, a parte da sentença que não reconheceu à Autora o direito a ser indemnizada pelo período de privação de uso do veículo e, por outro, no quantum indemnizatório que fixou a título de danos não-patrimoniais.
2- Para negar à Autora este tipo de indemnização, a sentença recorrida teve o seguinte raciocínio: «A entrega da viatura efetuada pela Autora decorreu da iniciativa por si tomada de resolver o contrato, que apenas exerceu quanto à 2a Ré através da presente acção. Essa faculdade tem como consequência a obrigação para a Autora de restituir a viatura, pelo que não faz sentido falar em privação do veículo quando a entrega se faz por força da opção tomada no sentido de provocar a extinção do vínculo contratual» .
3- Salvo todo o devido respeito, a asserção vinda de transcrever enferma de duas inexactidões essenciais: em primeiro lugar, não se afigura acertado afirmar que a Autora apenas terá exercido a iniciativa da resolução do contrato relativamente à 2a Ré através da presente acção:
4- Não obstante a carta por via da qual a Autora procedeu à resolução do contrato (datada de Outubro de 2017) ter sido remetida à la Ré, na verdade o respectivo conteúdo - manifestação da resolução -produziu os efeitos pretendidos também na esfera jurídica da 2a Ré:
5- Na verdade, todos os contactos/reclamações da Autora relativamente aos defeitos do veículo foram-no com a la Ré: foi com 1ª Ré que a Autora ajustou locar a viatura; foi à la Ré que a Autora cometeu as revisões e reparações; foi junto da la Ré que a Autora apresentou as suas reclamações; e foi a la Ré quem as recebeu e aceitou.
6- Tal não obstante ela, la Ré, nunca ter sido proprietária do veículo - pois que originariamente ele foi da 3a Ré e em seguida da 2ª - e por seu turno, a 3a Ré, não obstante o veículo já não lhe pertencer (por o ter vendido à 2a Ré) foi quem autorizou reparações e substituições e se pronunciou sobre a manutenção de garantias, ou não, e seus prazos.
7- Segue-se, por lógica implicância, que a la Ré, nos seus contactos com a Autora, representava as 2ª e 3ª Rés por via de um mandato tácito(Cód. Civil, art. 2170) - pois que ela, la Ré, actuou relativamente ao veículo como se este lhe pertencesse, o que não era o caso, não pedindo autorização à «dona» formal (2ª Ré), pedindo-a, ao invés ... a quem não era «dono» (formal): a 3ª Ré.
8- Dito de outra forma: a Autora ajustou a locação, apresentou reclamações e ajustou reparações com quem não figurava como proprietária do veículo (a 1ª Ré) - e esta tudo recebeu e aceitou da Autora; por sua vez, essa «não-proprietária» requeria autorização para as reparações a quem ... também não era proprietária (a 3a Ré), que as autorizava; tudo isto apenas poderia, apenas pôde, ocorrer, por elas la e 3a Ré terem o consentimento, a autorização, o beneplácito, de quem formalmente detinha a qualidade de proprietária do veículo - a 2a Ré.
9- Daí o mandato que esta última lhes conferira para o efeito - pelo menos, tácito, pois que se deduz dos referidos factos que, com toda a probabilidade, o revelam, sobretudo tendo em conta que as três Rés se tratam de empresas que integram o mesmo grupo, «dividindo» funções entre elas relativamente aos veículos negociados, sendo absolutamente destituído de senso que ala e 3a Rés, ao procederem da forma descrita, o estivessem a fazer à revelia e «às escondidas» da 2a Ré, na total ignorância desta, isto é, sem que esta as tivesse mandatado para o efeito.
10- Deverá, pois, concluir-se que a declaração de resolução da Autora de Outubro de 2017 produziu os seus efeitos também relativamente à 2a Ré.
11- Em segundo lugar, quando a sentença afirma que a resolução do contrato implica ipso facto, como sua consequência, a entrega do veículo, daí concluído «não fazer sentido» falar na privação de uso, olvida ¬salvo o devido respeito - que a resolução despoleta uma «estrada de duas vias»: por um lado, a obrigação de entrega do veículo; e pelo outro lado, a obrigação de restituição das quantias entregues ao abrigo do contrato.
12- A Autora cumpriu com a parte que lhe competia, restituindo a viatura; porém, nenhuma das Rés, maxime, a 2a Ré, aceitou a resolução como válida, não tendo restituído à Autora as quantias por esta despendidas enquanto o contrato esteve em vigor (ou facultado à Autora um veículo com idênticas características, sem deficiências).
13- Era essa a finalidade da resolução- que por via dela a Autora pudesse ter um veículo (um outro veículo) para as suas deslocações, daí que, nos termos do art. 436º nº 1 in fine, não se verifica o efeito retroactivo da resolução.
14- E, tendo a Autora continuado a entregar as rendas do veículo objecto do contrato resolvido, era-lhe impossível tomar de locação outro veículo - haja em vista o «plano de vida» em que se integrava a celebração do aludido contrato.
15- Como não restituíram o dinheiro à Autora - e deveriam tê-lo feito, tal como a sentença entendeu, e bem -, a resolução produziu os seus efeitos e, como tal, a restituição do dinheiro era uma obrigação concomitante à devolução do veículo, pelo que as Rés (maxime, a 2 Ré) privaram-na, a ela Autora, ilicitamente, do uso de um veículo.
16- Crê-se que o raciocínio da douta sentença terá sido o seguinte: em princípio, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade dos negócios jurídicos (Cód. Civil, art. 433°), o que, à primeira vista, obstaria ao ressarcimento do interesse contratual positivo, limitando-se esse ressarcimento ao interesse contratual negativo - a restituição das quantias entregues pela Autora ao abrigo do contrato.
17- Contudo, quer a jurisprudência maioritária, quer a Doutrina (cfr. Vaz Serra e Baptista Machado) defende que a resolução contratual pode bem, em determinadas circunstâncias, gerar o direito a uma indemnização pelos danos derivados do interesse contratual positivo: cfr., por todos, os Acórdãos do STJ de 2010.10.21 (Proc. nº 1285/ 07.7TJVNF. P1.S1) e de 2009.02.12 (em www.dgsLpt/jstjf.nsf),parcialmente citados na presente alegação,
18- dos quais se extrai, na senda de muitos outros, que se deve aceitar, em certos casos, a indemnização pelo interesse contratual positivo numa situação de resolução contratual - desde que tal não acarrete qualquer situação geradora de desequilíbrios ou benefícios injustificados.
20- E o caso vertente é um deles: ao não terem cumprido a obrigação correlativa da entrega do veículo pela Autora, de a indemnizarem pela restituição de tudo quanto ela havia entregue ao abrigo do contrato, as Rés, maxime a 2a Ré, geraram para a Autora um dano específico - e mais: fizeram-no contrariando a finalidade da resolução, que era, para a Autora, como se disse, a compra/locação de um outro veículo.
21- E isso por forma alguma acarreta qualquer «situação geradora de desequilíbrios» ou «benefícios injustificados», pois, tivessem as Rés, maxime a 2a Ré, cumprido a parte delas, como deviam, a Autora teria providenciado um outro veículo, o que apenas não fez por a contraparte não ter cumprido, como devia.
22- Tal como vem formulado na petição inicial, as Rés, maxime, a 2a Ré, deverão ser solidariamente condenadas a indemnizar a Autora pela privação do uso do veículo, à razão de € 75,00 por dia, desde a data em que a Autora entregou a viatura (2018.06.07) e até que lhe entreguem os montantes que ela desembolsou ao abrigo do contrato.
23- No que respeita à indemnização por danos não patrimoniais, salvo melhor opinião, a sentença recorrida foi demasiado moderada na quantia que a esse título lhe atribuiu, pois que face aos factos provados sob os nºs 46, 47, 48, 49, 50 e 43 a gravidade dos danos sofridos pela Autora deverá ser computada em montante bem superior.
24- É hoje comummente aceite que as indemnizações por danos não patrimoniais não devem pautar-se por critérios miserabilistas, antes devem constituir uma real e efectiva compensação, para o lesado - assim como uma sanção adequada para o causador dos danos.
25- No caso, as Rés são empresas poderosas e financeiramente sólidas, que comercializam a marca tida como estando entre as duas melhores do mundo, extremamente reputada.
26- E aproveitam-se do seu imenso poder para procurarem impor ao público viaturas com defeitos, na expectativa de as pessoas lesadas não se quererem (ou não poderem) «meter» com empresas tão possantes em longas e desgastantes batalhas judiciais.
27- Foi essa atitude sobranceira e prepotente que tiveram para com a Autora, causando-lhe a angústia, tensão, preocupação, tristeza e desgaste, patentes nos factos provados, ao mesmo tempo que frustrou os seus planos económicos de «vida», pois o que pretendia era que o pagamento das rendas terminasse imediatamente antes do ingresso de sua filha no ensino superior.
28- Crê, por isso, fundadamente, a Autora, que o pedido indemnizatório que formulou a este título, de € 10.000, se mostra justo e equilibrado - tanto no que respeita à compensação que se destina a conferir-lhe, como à sanção a impor às poderosas empresas Rés, que futuramente «pensarão duas vezes» antes de tomarem com outro cliente atitudes semelhantes.
29- A indemnização atribuída à Autora a esse título mostra-se, assim, demasiado reduzida, pelo que, e sempre sem perder de vista o poder económico das Rés, afigura-se que os danos sofridos pela Autora merecem fixação em montante superior, concretamente, no que foi ab inicio peticionado.
30- Na sentença recorrida encontram-se interpretados e aplicados por forma inexacta, salvo o devido respeito, os art.s 433º, 434º e 496º do Cód. Civil.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que é objecto do mesmo, em conformidade com as conclusões que antecedem.
Com o que apenas se fará JUSTIÇA!»
*
A 2ª Ré, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. A sentença proferida pelo Tribunal a quo condenou a 2.ª Ré, ora Recorrente, em linhas gerais, no pagamento à Autora do valor de EUR 28.459,72, acrescido dos juros de mora.
II. A Recorrente não concordando com a decisão em apreço, pretende a mesma seja apreciada.
III. No que à ora Recorrente diz respeito, a temática dos presentes autos versou sobre a possibilidade da Autora poder resolver o contrato de aluguer de longa duração celebrado com a aqui Recorrente, em virtude da existência de alegadas desconformidades com o veículo locado e quais as consequências de tal resolução.
IV. Em traços gerais, as presentes alegações de recurso irão versar sobre:
a. Os factos que determinaram a qualificação da Autora como consumidora e as suas aplicações práticas;
b. A exclusão da responsabilidade do locador pelos danos/vícios do bem locado;
c. O regime jurídico de venda de coisa defeituosa e da caducidade do direito da Autora

Vejamos,
V. A sentença de que ora se recorre considerou como facto não provado que “A destinação principal da viatura é para deslocações profissionais.”
VI. A verdade é que a Autora refere na petição inicial que trabalha como Advogada e que “destinava o veículo a ser utilizado nas suas deslocações familiares mormente com os seus filhos menores, designadamente em períodos de férias e, principalmente, nas suas deslocações profissionais, estas nas mais variadas localidades do País”, tendo a ora Recorrente aceite esta confissão e tendo esta adquirido força probatória plena, pelo que deveria constar nos factos dados como provados. Tal entendimento é perfilhado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 14-06-2018, no âmbito do processo n.º472/15.9T8VRL.G1.S1.
VII. O Tribunal a quo optou por uma interpretação diferente, contrariando as próprias testemunhas apresentadas pela Autora que afirmaram que o veículo era utilizado para fins profissionais.
VIII. As várias definições de consumidor encontradas na doutrina e jurisprudência são claras quando referem que se um bem for usado por alguém para um fim profissional não se pode considerar aquele consumidor.
IX. Assim, não é consumidor quem atua com objetivos inerentes à sua atividade profissional, pelo que é imperativo que o bem seja utilizado somente para fins pessoais, o que não ocorreu no caso em apreço.
X. Resulta dos factos provados da sentença que o veículo foi utilizado com objectivos inerentes à actividade profissional da Autora, pelo que esta não deveria ter sido qualificada como consumidora.
XI. O Tribunal a quo recorreu à adoção do critério da predominância do destino do uso e/ou da utilização efetiva do bem para justificar a qualificação da Autora como consumidora, ignorando que a Autora confessou (e foi aceite) que o veículo era utilizado principalmente para fins profissionais.
XII. Mesmo adotando o critério misto do Tribunal a quo o resultado seria o mesmo, ou seja, a não qualificação da Autora como consumidora.
XIII. A equiparação dos trabalhadores liberais aos trabalhadores por conta de outrem não pode ser efetuada, uma vez que a esfera profissional dos trabalhadores por conta de outrem não se mistura com a esfera profissional, tal como ocorre no presente caso.
XIV. Assim, a Autora não passará a ser consumidora só porque utilizou o veículo para alguns fins pessoais, pelo que, adotando-se tanto um critério estrito ou misto no conceito de consumidor, não se poderá concluir que a Autora poderá ser qualificada como tal.
XV. Nestes termos, o Tribunal a quo procedeu mal ao não ter dado como não provado o facto que “A destinação principal da viatura é para deslocações profissionais.” e, por conseguinte, ao qualificar a Autora como consumidora.
XVI. Razão pela qual deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere como provado o facto confessado (e aceite) pela Autora e não a qualifique como consumidora, excluindo, consequentemente, a aplicação do LDC, do DL 67/2003 e do DL 133/2009.
XVII. Sem prejuízo, sempre se diga que a aplicação do LDC, do DL 67/2003 e do DL 133/2009 não introduziria grandes alterações ao resultado final.

Continuando,
XVIII. É importante perceber como funcionam, na prática, os contratos de aluguer de longa duração ou locações financeiras de veículos.
XIX. A locatária, como é o caso da ora Autora, escolhe o bem que pretendeu usufruir e após a escolha do bem em causa, efetua um pedido de aluguer/financiamento junto de uma locadora. Caso tal pedido seja aceite, a locadora adquire junto do concessionário o respetivo bem indicado pela locatária. Neste ponto cumpre salientar que não é adquirido qualquer bem, mas sim o bem específico escolhido pela locatária. Em momento algum a locadora tem intervenção na escolha do veículo, limitando-se a adquiri-lo, segundo as indicações da locatária.
XX. Após a aquisição do veículo, este é disponibilizado à locatária, sendo o vendedor/concessionário que proceda à entrega do mesmo. Novamente, em momento algum, a locadora tem contacto com o veículo em causa.
XXI. Assim se compreende a razão pela qual existem determinadas cláusulas no contrato de aluguer de longa duração celebrado entre a Autora e a aqui Recorrente, designadamente a Cláusula 3.ª, n.º 5 e 6, a Cláusula 7.ª, alínea g) e a Cláusula 9.ª, n.º 1 e 2.
XXII. Estas cláusulas existem porque a Recorrente já despendeu os valores na aquisição do veículo escolhido pela própria Autora, pelo que não lhe poderá ser imputada a responsabilidade pela escolha efetuada própria Autora.
XXIII. Razão pela qual a Autora nunca procurou a reparação dos aparentes vícios do veículo junto da aqui Recorrente, pois bem sabia que a responsabilidade era do vendedor do veículo, aqui 1.ª Ré.
XXIV. Razão igualmente pela qual a Autora nunca deixou de liquidar os alugueres contratados junto da Recorrente, pois bem sabia que esta não era responsável pelos vícios no veículo (aliás, a Recorrente desconhecia os vícios do veículo).
XXV. Contudo, saliente-se que a Autora nunca comunicou à Recorrente, conforme contratualmente lhe competia, a existência dos vícios no veículo, tal como resulta do facto provado 61.º da sentença ora recorrida.
XXVI. Esta exclusão de responsabilidade do locador prevista no contrato supra referido é reflexo das disposições legais presentes nos artigos 1032.º, 1033.º, 1044.º do Código Civil (doravante “CC”) e 12.º, 13.º, 15.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho que aprovou o Regime Jurídico Do Contrato De Locação Financeira (doravante “RJLF”).
XXVII. As disposições contratuais (aceites por ambas as partes) e legais são claras quando excluem a responsabilidade do locador e são facilmente compreendidas quando se analisa a realidade dos factos subjacentes ao negócio realizado. Saliente-se que, independentemente do contrato de aluguer de longa duração se encontrar pendente, o vendedor do veículo já recebeu a totalidade do valor de aquisição do mesmo, pelo que a imputação da responsabilidade sobre o locador colocará sobre o mesmo um duplo prejuízo.
XXVIII. Assim, no entendimento da Recorrente, dúvidas não existem de que esta não poderá ser responsabilizada pelos vícios existentes no veículo, sob pena de existir um autêntico enriquecimento sem causa de terceiros à conta da Recorrente, uma vez que já pagou a totalidade do preço de aquisição do veículo (não escolhido por esta) e ficará com um veículo aparentemente com vícios e será ainda responsabilizada perante a locatária na devolução dos montantes resultado do contrato de locação.
XXIX. Aliás, a construção jurídica efetuada pelo Tribunal a quo peca quando entende aplicar-se à situação em apreço uma resolução do contrato com eficácia ex tunc, mas exclui da equação a vendedora do veículo (1.ª Ré), beneficiando-a em detrimento da aqui Recorrente.
XXX. Recorrendo à jurisprudência dos Tribunais superiores, sempre se dirá que o contrato de ALD é uma coligação funcional de três tipos contratuais distintos que constituem o seu esqueleto estrutural: um contrato de aluguer de longa duração, um contrato de compra e venda a prestações e um contrato promessa de compra e venda do bem alugado, pelo que qualquer solução jurídica terá de envolver todas as partes envolvidas e não somente o locador que, no caso em apreço, só atuou como mera entidade financeira.
XXXI. Em suma, não existiu uma correta valoração das disposições legais e contratuais aplicáveis ao caso em concreto, tendo originado na condenação da Recorrente de um facto sobre a qual esta está excluída de responsabilidade.
XXXII. Acresce que, no entendimento da aqui Recorrente, o Tribunal a quo não atendeu a um juízo de equidade ao ter condenado somente a Recorrente em resultado da resolução do contrato, não incluindo a 1.ª Ré em tal situação, apesar desta estar estritamente envolvida no negócio em si e ter beneficiado com o mesmo. A 1.ª Ré é igualmente parte nos presentes autos, pelo que deveria ter sido tentada a justa composição do litígio.
XXXIII. Face ao supra exposto, a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que procure a justa composição do litígio, tendo por base as condições contratualmente acordadas entre as partes e as disposições legais aplicáveis. Continuando,
XXXIV. Resulta dos factos provados nos presentes autos que o veículo locado padecia de aparentes vícios. Resulta igualmente dos factos provados que a aqui Recorrente desconhecia tais vícios.
XXXV. Conforme já se teve oportunidade de explanar, não poderá ser aplicado o LDC, o DL 67/2003 e do DL 133/2009, uma vez que a Autora não poderá ser qualificada como consumidora.
XXXVI. Verificada a existência de vícios no veículo locado, aplicar-se-ão os artigos 913.º e seguintes do CC.
XXXVII. Se a coisa objeto da venda sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor, ou necessárias para a realização daquele fim, é reconhecido ao comprador ou, in casu, ao Locatário, o direito à anulação do contrato de compra e venda, nos termos do artigo 905.º do CC, ou à redução do preço, nos termos do artigo 911.º do CC e ainda a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, nos termos dos artigos 908.º e 909.º do CC.
XXXVIII. Para além do direito de anulação do contrato de compra e venda, o regime da venda de coisa defeituosa confere ainda à locatária ou, in casu, a Autora, os direitos à reparação ou substituição da coisa, nos termos do artigo 914.º do CC, à indemnização em caso de simples erro, nos termos do artigo 915.º do CC, ao cumprimento coercivo ou à indemnização respetiva, nos termos do artigo 918.º do CC e ainda à garantia de bom funcionamento, nos termos do artigo 921.º do CC.
XXXIX. Face ao supra exposto, a primeira medida a ser implementada pelo Tribunal a quo não deveria ter sido a resolução, sem mais, do contrato e deveria o Tribunal a quo ter procurado uma solução que implicasse a reparação do veículo por parte de uma entidade externa e idónea, com o consequente alargamento do contrato de aluguer (desde a privação do uso do veículo – 07-06-2018, conforme facto provado 50.º), sem qualquer custo acrescido para a Autora.
XL. Como segunda hipótese, poderia ter sido equacionado a substituição do veículo, facultando-se à Autora um veículo similar ao anterior, com o consequente alargamento do contrato de aluguer (desde a privação do uso do veículo – 07-06-2018, conforme facto provado 50.º), sem qualquer custo acrescido para a Autora.
XLI. Também poderia ser equacionada, por parte do Tribunal a quo a redução do preço, ou seja, a devolução dos alugueres pagos pela Autora desde a privação do uso do veículo, sendo tal devolução responsabilidade da vendedora do veículo e não a Recorrente, conforme supra mencionado (a Recorrente já pagou a totalidade do preço pela aquisição do veículo).
XLII. A solução encontrada pelo Tribunal a quo, ou seja, a resolução do contrato de aluguer de longa duração com eficácia ex tunc, é excessiva e coloca a Autora numa clara situação de enriquecimento sem causa, um vez que resulta dos factos provados que esta beneficiou e usufruiu do veículo locado desde a celebração do contrato – 17-12-2015 até à entrega do veículo nas instalações da 1.ª Ré – 07-06-2018.
XLIII. Ora, atendendo que o contrato de aluguer delonga duração tinha uma duração 48 meses, ou seja, 4 anos, é facto assente que Autora usufruiu do veículo por 903 dias, ou seja, sensivelmente 30 meses, o que equivale a 62,5% do tempo do contrato.
XLIV. Resulta da prova apresentada e dos factos provados que a Autora pôde beneficiar em pleno do contrato de aluguer de longa duração, pelo que é expectável que remunere a Recorrente por fruição do veículo locado.
XLV. Sem prejuízo do supra exposto, não se poderia olvidar dos prazos de denúncia e caducidade previstos nos artigos 916.º e 917.º do CC.
XLVI. Resulta da prova apresentada e dos factos provados que decorridos alguns meses de utilização do veículo, a Autora tomou conhecimento dos aparentes defeitos do mesmo.
Através do facto provado 10.º é possível precisar que tal conhecimento ocorreu antes de setembro de 2016 (junho de 2016).
XLVII. Desde junho de 2016 até 16/07/2018 (data da propositura da ação) ocorreram dois anos e um mês, pelo que o direito de anulação encontra-se caducado, nos termos do artigo 917.º do CC.
XLVIII. A caducidade é de conhecimento oficioso e pode ser alegada em qualquer fase do processo, segundo o artigo 333.º do CC, extinguindo, por conseguinte, o direito de ação da Autora.
XLIX. À cautela e por mero dever de patrocínio, sem conceder, sempre se dirá que a aplicação dos direitos previstos no LDC, no DL 67/2003 e no DL 133/2009 também se encontram ultrapassada.
L. Se, porventura, fosse aplicável ao caso em apreço as disposições legais supra referidas, ter-se-ia de ter em atenção os artigo 5.º, n.º 1 do 67/2003 que prevê que o consumidor pode exercer os direitos dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respetivamente, de coisa móvel ou imóvel.
LI. Atendendo que a entrega ocorreu em 17-12-2015 (facto provado 5.º) o direito de resolução da Autora caducou em 17-12-2017, por via do artigo 5.º do DL 67/2003, pelo que se extinguiu o direito da Autora a partir dessa data, não podendo ter efeitos práticos a ação instaurada pela mesma em 16/07/2018.
LII. Por via do artigo 5.º-A do DL 67/2003, face à denúncia ocorrida em junho de 2016 (presume-se 30.06.2016) o direito da Autora caducou em 30.06.2018, sendo que a caducidade é de conhecimento oficioso e pode ser alegada em qualquer fase do processo, segundo o artigo 333.º do CC.
LIII. Sem prejuízo, caso assim não se entenda, sempre se dirá que a solução preconizada pelo Tribunal a quo – a resolução do contrato com eficácia ex tunc – é excessiva constituindo uma situação de abuso de direito, tal como já foi supra exposto.
LIV. O artigo 4.º, n.º 5 do DL 67/2003 dispõe que o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
LV. Também o Supremo Tribunal de Justiça, citado pela sentença ora recorrida, menciona a possibilidade de se estar perante um abuso de direito ao exigir a resolução do contrato.
LVI. Em prol da celeridade processual, a aqui Recorrente dá por reproduzidos os argumentos aduzidos quanto à desproporcionalidade da resolução do contrato versus as restantes soluções legislativas para a justa composição do litígio.
LVII. O próprio artigo 4.º do DL 67/2003 refere que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato, demonstrando uma aparente hierarquia de soluções.
LVIII. Não se podendo olvidar o artigo 434.º, n.º 2 do CC que dispõe que nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.
LIX. Assim, resulta claro que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não teve por base um juízo de equidade, condenando as RR. sem valorar a totalidade dos regimes jurídicos aplicáveis ao caso em apreço, resultando na prolação de uma decisão injusta e desproporcional.
LX. Face ao exposto, entende a Recorrente que a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que aprecie a caducidade do direito da Autora e procure a justa composição do litígio através dos mecanismos legais existentes.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deverá ser dado provimento ao recurso interposto, devendo, em consequência, ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com as devidas consequências, sendo esta substituída por outra que valore corretamente a prova produzida e absolva a ora Recorrente, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!»
*
Contra-alegaram a autora e a 2.ª Ré, pugnando pelo não provimento dos recursos interpostos pela parte contrária (cfr. fls. 231 a 236 e 238 a 248).
*
Os recursos foram admitidos como de apelação, a subirem imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo o interposto pela autora e com efeito suspensivo o deduzido pela 2ª ré (cfr. fls. 250).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objeto dos recursos.

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, por ordem lógica da sua apreciação, apresentam-se as seguintes questões a decidir:

A) Quanto ao recurso de apelação interposto pela (2ª) co-ré Y Financial Services Portugal:
i) - Da alteração da matéria de facto.
ii) Da qualidade de consumidora da autora.
iii) Da exclusão da responsabilidade do locador pelos danos/vícios do bem locado;
iv) Do regime jurídico de venda de coisa defeituosa e da caducidade do direito resolução da Autora.

B) Quanto ao recurso de apelação deduzido pela autora P. M.:
v) Da indemnização pela privação de uso do veículo.
vi) Do valor fixado a título de danos não patrimoniais.
*

III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

a. - A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1.º Em dezembro de 2015, a Autora propôs-se adquirir, junto da 1ª Ré, uma viatura marca Y, Modelo C250 d T-Modell, matricula QR, com os seguintes «extras»:
- Pintura metalizada cinzento Iridium;
- Sistema de estacionamento activo;
- Pré-instalação par Garmin MAP PILOT;
- Garmin MAP PILOT;
- Faróis Led;
- Vidros Laterais traseiros e óculo traseiro;
- Pack de iluminação interior;
- Pack Espelhos;
- Linha de design AMG.
2.º O preço global ajustado foi de € 52.300,00, IVA incluído.
3.º Foi acordado entre Autora e 1ª Ré que para a aquisição pretendida seria celebrado entre aquela e a ora 2ª Ré o acordo designado de «Contrato de Aluguer de Longa Duração a Consumidor n.º ......6» tendo por objeto a dita viatura, com a duração de 48 rendas mensais e opção de compra no respetivo termo, nele figurando a 1ª Ré como intermediária de crédito de fornecedora.
4.º Esse acordo veio a ser celebrado e subscrito em 2015.12.17, tendo a Autora entregue à 2ª Ré a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de «1º aluguer» e € 210,00 de taxa de ativação e tendo esta entregue à 1ª Ré o preço atrás referido.
5.º A 1ª Ré entregou à Autora nessa data a referida viatura, da qual tomou posse, tendo ficado de entregar à 2ª Ré as rendas mensais seguintes, em número 47, do montante de € 390,56 cada uma (€ 317,53 + IVA), acrescida de € 2,20 referentes a portes, num total, pois, de € 392,76.
6.º A Autora trabalha como advogada e destinava o veículo a ser utilizado nas suas deslocações familiares, mormente com os seus dois filhos menores, designadamente em períodos de férias, e nas suas deslocações profissionais.
7.º Decorridos alguns meses de utilização da viatura, surgiu um ruído na parte dianteira, semelhante ao de uma peça solta, ao mesmo tempo que se notava uma folga na respetiva direção, sendo que aquele se agravava precisamente quando se virava a direção.
8.º Paralelamente, os pneus da parte dianteira denotavam um desgaste anómalo para o tempo de uso da viatura.
9.º A Autora transmitiu estes factos à 1ª Ré poucos meses volvidos de ter o automóvel na sua posse, tendo-a alertado para a existência dessas deficiências, assim como o anormal desgaste dos pneus dianteiros, que, como se disse, já então se verificava.
10.º Mediante sugestão dos serviços técnicos da 1ª Ré, foi ajustado que o problema seria analisado por ocasião da primeira revisão periódica da viatura, ou seja, aos 25.000,00 km, o que veio a realizar-se em setembro de 2016.
11.º Entretanto, houve necessidade de trocar os pneus do veículo, pois os dianteiros já estavam gastos «no limite» (sendo que eram os de origem).
12.º Nessa altura, para a resolução das queixas da Autora, a 1.ª Ré transmitiu que ira substituir a caixa de direção, e que, substituindo-a, tudo ficaria solucionado, pelo que, com a anuência da Autora, a 1ª Ré procedeu a essa intervenção.
13.º Porém, decorridos dois/três meses, a viatura recomeçou a manifestar os mesmos sintomas, agravados com um barulho/zumbido constante, mesmo sem que se virasse a direção.
14.º A Autora voltou a dirigir-se à 1ª Ré, que lhe solicitou que deixasse a viatura nas respetivas instalações durante dois ou três dias, com a finalidade de reparar a deficiência, no que a Autora anuiu, tendo-a entregue à 1ª Ré.
15.º A Autora procedeu ao levantamento da viatura no dia que a 1ª Ré a contactou para o fazer e, de imediato, constatou que ela estava igual, pelo que voltou a reclamar junto dos serviços dela 1ª Ré poucos dias depois.
16.º Em maio de 2017, a solicitação e por iniciativa da 1ª Ré, a viatura foi novamente intervencionada, tendo sido substituída a caixa de direção.
17.º Novamente na posse da viatura, decorridos mais dois ou três meses, o problema não só se mantinha, como também se agravara, pois que, para além do referido barulho na parte da frente, o carro fazia um zumbido generalizado quando em andamento continuando a constatar-se um desgaste anormal dos pneus, principalmente dos dianteiros.
18.º Em setembro 2017, a Autora voltou a reclamar junto da 1ª Ré, salientando que o problema não estava solucionado, antes se exacerbara.
19.º Uma vez que se aproximava a altura de proceder à segunda revisão periódica, ficou acordado com a 1ª Ré que a viatura seria, nessa altura, analisada, e reparado o que tivesse de o ser, a fim de evitar à Autora mais transtornos.
20.º Para esse fim, a Autora voltou a depositar o veículo nas instalações da 1ª Ré no dia 19 de setembro seguinte, onde teve de permanecer mais tempo do que o habitual, pois que, segundo ela 1ª Ré, esta aguardava a chegada de umas peças para as aplicar nele.
21.º Nesta altura, voltou a ser necessário mudar os pneus, dado o desgaste que, entretanto, tinham tido.
22.º Por ocasião dessa entrega, a Autora comunicou à 1ª Ré que, se o problema da viatura não ficasse definitivamente solucionado, resolveria o contrato que celebrara, pois que temia que a qualquer momento sucedesse algo que provocasse um acidente, por outro, não era admissível que um carro desta gama demonstrasse estes defeitos que, além de causarem um desgaste anómalo na viatura e nos seus pneus, paralelamente criavam na Autora uma sensação de desconforto e, sobretudo, de insegurança.
23.º Tendo o veículo sido novamente entregue à Autora, após (pelo menos) duas substituições da caixa de direção, as falhas persistiam.
24.º A Autora deslocou-se às instalações da 1ª Ré, onde exigiu que a viatura fosse substituída por outra de iguais características e sem deficiências.
25.º Não tendo tido qualquer resposta a essa proposta, a Autora remeteu à 1ª Ré uma carta em 2017.10.20, com o seguinte teor:
«Assim, atendendo ao facto de a viatura continuar com o mesmo problema, aliás está pior do que o que demonstrava aquando da V. ultima intervenção, venho por esta via informar, que perante a faculdade que me é permitida na Lei, atenta a incapacidade de suprirem os defeitos conforme V. foi facultado, por várias vezes, que dou por resolvido o contrato de compra e venda celebrado, e nesta senda, pretendo devolver a QR, contra a consequente devolução de todas as quantias que foram entregues a título de preço bem como aquelas que forem liquidadas no âmbito do contrato de financiamento».
«Aguardo o prazo de 15 dias a contar da recepção da presente para que indiquem dia e hora para entregar a viatura contra a devolução das quantias supra referidas».
26.º Duas ou três semanas depois, a Autora foi contactada por um engenheiro, que se identificou como integrando o departamento de qualidade da 1ª Ré e que a informou que a situação da viatura em causa, e da Autora, fora exposta à «Y» e que aguardavam uma resposta, sendo que logo que a tivessem, de imediato contactariam a Autora.
27.º Todavia, o tempo foi correndo e a Autora não recebeu qualquer comunicação da 1ª Ré.
28.º Veio, sim, a receber uma da 3ª Ré, datada de 2018.05.08, na qual esta, nomeadamente, afirmou: «(…) constatamos que na sua viatura a coluna de direção poderá não se encontrar devidamente ligada à massa. É possível que, em combinação com algum dano interno dos contactos do módulo do tubo envolvente, possa provocar-se uma ativação sem motivo aparente do airbag do condutor, caso ocorra uma descarga eletrostática. Uma ativação sem motivo do airbag do condutor poderia aumentar o risco de lesões físicas do condutor bem como incrementar o risco de um possível acidente».
«Por este motivo, solicitamos que contacte a sua Oficina Autorizada Y de modo a que seja agendada uma visita para a sua viatura com a maior brevidade. Como parte desta visita, será estabelecida preventivamente uma ligação à massa adequada na coluna de direcção da sua viatura. No âmbito desta Acção de Serviço, estes trabalhos serão efectuados sem quaisquer encargos para o cliente e têm duração aproximada de uma hora».
29.º Após uma troca de correspondência entre os advogados da Autora e da 1ª Ré, no sentido de chegarem a um consenso, a 1ª Ré solicitou à Autora que fosse realizado um testdrive (ensaio de condução em estrada) no veículo, no que a Autora anuiu.
30.º Realizado esse teste, o engenheiro da 1.ª Ré por dizer que os barulhos seriam «uma característica normal da viatura».
31.º A Autora não recebeu qualquer outra comunicação da 1ª Ré, nem de qualquer outra das Rés.
32.º A Autora, no sentido de se assegurar que as deficiências se verificavam, contactou duas pessoas especializadas na marca em questão: a primeira, em Baltar (onde dispõe de uma oficina para veículos da marca Y), no dia 29.05, fez um testdrive e atribuiu o ruído à caixa de direção, tendo alvitrado que a concessionária da marca da cidade do Porto (Sociedade Comercial C. S., L.da) solucionaria a situação.
33.º Ele próprio contactou essa concessionária, tendo agendado dia e hora para a Autora levar o automóvel às respetivas instalações, designadamente tendo contactado uma pessoa, que como responsável assistiria a Autora nessa diligência.
34.º No dia e hora agendados (07.06.2018), a Autora dirigiu-se às instalações da Sociedade Comercial C. S., L.da, no Porto, tendo sido chamado um técnico que optou por dar uma volta no veículo, conduzindo-o.
35.º O referido técnico logo detetou o barulho na parte da frente do veículo.
36.º Transmitiu à Autora que a viatura parecia apresentar uma folga na direção que seria necessário corrigir (sendo necessário submetê-la a diagnóstico).
37.º A Autora pretendeu então cometer a essa sociedade uma inspeção geral ao veículo.
38.º Nessa data, os pneus apresentavam desgaste.
39.º Nessa data, foi-lhe comunicado que a viatura já não estaria dentro do prazo de garantia, que era de dois anos, pelo que a Autora teria de custear do seu bolso a reparação.
40.º A Autora deslocou-se nesse mesmo dia às instalações da 1ª Ré, onde manifestou a intenção de falar com alguém da administração, expondo o vindo de relatar, tendo-lhe, porém, sido dito que não se encontrava aí qualquer elemento da administração.
41.º Pelo que foi novamente atendida pelo engenheiro com quem tinha sido realizado o testdrive referido em 30º, a quem transmitiu que nesse ato fazia a devolução do veículo, entregando a respetiva chave.
42.º Desde então que o veículo restituído se encontra na posse da 1ª Ré.
43.º Tendo-se a Autora visto forçada a socorrer-se do auxílio de familiares e amigos que lhe facultam pontualmente um veículo para as suas deslocações.
44.º A Autora continuou a pagar as rendas contratuais à 2ª Ré sem usufruir da viatura desde a data indicada em 40.º.
45.º Desde então e até hoje, a Autora nenhuma comunicação recebeu, continuando a 2.ª Ré a embolsar as rendas.
46.º Paralelamente, a situação criada causou angústia e tristeza à Autora.
47.º A insegurança que sentia quando o conduzia provocava-lhe uma tensão e preocupação permanentes, por si e por seus filhos, e desgostava-a e desgosta-a ter-se submetido a um investimento de vulto no automóvel para a final constatar que este não correspondia ao que devia corresponder em situações normais.
48.º A Autora viu a sua vida agravada pelos contactos e deslocações descritos devido ao estado do veículo, ao que acresce as perdas de tempo que essas iniciativas implicaram, pois que se deslocou várias vezes às instalações da 1ª Ré, e uma ao Porto e outra a Baltar.
49.º Acresce que a aquisição/locação do veículo pela Autora se integrava num plano de vida que tinha em termos de dispêndios.
50.º A Autora viu-se privada do uso do veículo desde o passado dia 07.06.2018.
51.º As queixas apresentadas pelo Autora verificavam-se sobretudo em piso irregular.
52.º No exercício da sua atividade comercial, a 3.ª Ré Y Portugal importa para Portugal produtos da marca Y e K, produzidos pela sociedade de direito alemão W AG.
53.º A ação de serviço lançada pelo fabricante não tem relação com os ruídos produzidos pelo veículo.
54.º A Autora procedeu ao pagamento das 48 rendas aludidas no acordo referido em 1.º.
55.º Aquando da celebração do acordo referido em 1.º, a Autora «declarou expressamente ter, livre, esclarecidamente e com total conhecimento, escolhido o veículo objeto do contrato, bem como o respetivo fornecedor, com quem acordou todos os aspetos constantes das Condições Particulares relativos ao veículo, nomeadamente as suas características, preço e condições de pagamento, bem como a 13 data de entrega e o local de entrega do veículo, sem que o locador, tenha tido qualquer intervenção em tais acordos».
56.º Após a receção do veículo, a Autora remeteu à 2.ª Ré o respetivo auto de receção, onde a 1.ª Ré, fornecedora, declarou ter entregue o veículo à Autora, locatária, e esta, por sua vez, declarou que o veículo lhe fora entregue nas condições acordadas com o fornecedor, que estava conforme à nota de encomenda enviada à 2.ª Ré e que aceitou o veículo sem restrições nem reservas.
57.º Na cláusula 3.ª/1 das Condições Gerais do acordo referido em 1.º consta que:
«Após a aprovação do pedido de crédito (…) o locatário rececionará o veículo, em nome e representação do locador, procederá a uma inspeção completa do mesmo e, caso conclua que o veículo está de acordo com a encomenda, se encontra em bom estado, reúne as características do veículo pretendido e as especificações de utilização, manutenção e conservação estabelecidas são do seu conhecimento, subscreverá, em conjunto com o fornecedor, um auto de receção certificando esses factos.»
58.º E no n.º 3 da mesma cláusula 3.ª consta que:
«O auto de recepção, devidamente assinado e datado pelo fornecedor e pelo locatário, deverá ser remetido por este ao locador, constituindo a respetiva receção autorização bastante para que este proceda ao pagamento do preço ao fornecedor e prova suficiente da efectiva concessão do gozo do veículo pelo locador ao locatário, sendo a data dessa receção a data da entrega do veículo.»
59.º Na cláusula 7.ª, alínea e) do acordo referido em 1.º, obrigou-se a Autora a «assegurar a manutenção, conservação e reparação, normal ou extraordinária, do veículo, cumprindo nomeadamente as instruções do fornecedor, fabricante e/ou importador, suportando os respetivos custos (…) e na alínea g) da mesma cláusula 7.ª obrigou-se a Autora a «avisar imediatamente o locador de qualquer vício, defeito ou deterioração anormal do veículo bem como qualquer perigo que o ameace e, ainda, de qualquer (…) outro facto que represente uma ofensa ao direito de propriedade do locador e/ou à utilização ou gozo do veículo pelo locatário e a praticar todos os atos que se mostrem adequados à prevenção ou supressão.»
60.º Na cláusula 9.ª das Condições Gerais do acordo referido em 1.º consta:
«1. Os riscos de perda, deterioração, defeito de funcionamento e imobilização do veículo correm por conta do locatário, o qual será responsável por tais factos perante o locador, caso este não venha a ser ressarcido por terceiro dos danos verificados no veículo.
2. A imobilização do veículo ou privação do respetivo uso não imputável ao locador não exime o locatário da obrigação de pagamento dos alugueres nos termos do presente Contrato, não ficando o locador obrigado a proceder à substituição do veículo imobilizado ou de cujo uso o locatário tenha sido privado.
61.º A existência de quaisquer vícios ou defeitos nunca foi comunicada pela Autora à 2.ª Ré, nem lhe foi enviada a carta a que se alude em 25.º.
62.º A Autora procedeu ao pagamento integral das prestações indicadas em 3.º e 4.º.
*
b. - E deu como não provados os seguintes factos:
63.º A destinação principal da viatura é para deslocações profissionais.
64.º Na data da primeira revisão, a 1ª Ré transmitiu à Autora que a série de automóveis em que se incluía o em causa evidenciavam um defeito de fabrico na caixa de direção.
65.º O engenheiro da 1.ª Ré admitiu, na data indicada em 30.º, a existência de um ruído anormal.
66.º O técnico da Sociedade Comercial C. S. que experimentou o veículo apercebeu-se do ruído sem sequer sem ter chegado a uma estrada de paralelepípedo (numa estrada de asfalto).
67.º A Autora deslocou-se catorze vezes às instalações da 1.ª Ré.
68.º O ruído de que a Autora se queixa emerge da utilização que é feita da viatura e da falta de cuidado na condução.
69.º As intervenções realizadas na viatura pela 1.ª Ré tentaram otimizar a viatura e adaptá-la ao tipo de utilização que era efetuada pela Autora.
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V. Fundamentação de direito.

1) Da apelação interposta pela co-ré Y Financial Services Portugal.
1.1. Da alteração da matéria de facto.
Insurge-se a recorrente contra a decisão da matéria de facto na parte em que o Tribunal “a quo” incluiu, nos factos não provados, que “a destinação principal da viatura é para deslocações profissionais” (ponto 63).
Aduz a recorrente que, por referência à matéria alegada pela autora no art. 7º da petição inicial, cuja confissão foi objecto de aceitação expressa no art. 105.º da sua contestação, nos termos dos arts. 465.º e 574.º, ambos do CPC, independentemente da sua não aceitação pelos restantes réus, impunha-se a demonstração daquela facticidade, visto aquela confissão revestir força probatória plena.

Lida a petição inicial, constata-se efetivamente que, no seu art. 7º, a autora alegou:

A autora, que, como se disse, trabalha como Advogada, destinava o veículo a ser utilizado nas suas deslocações familiares mormente com os seus filhos menores, designadamente em períodos de férias e, principalmente, nas suas deslocações profissionais, estas nas mais variadas localidades do País”.
No art. 105.º da contestação da Recorrente, esta aceitou expressamente a confissão da Autora (para não mais ser retirada nos termos do disposto nos arts. 465.º e 574.º do CPC) que o veículo objecto do contrato de ALD se destinou a ser utilizado “principalmente, nas suas deslocações profissionais, estas nas mais variadas localidades do País”.
Todavia, os restantes réus impugnaram a referida facticidade alegada no art. 7º da p.i., como se depreende do art. 1º da contestação da 1ª Ré (cfr. fls. 82/v.º) e do 8º da contestação da 3ª Ré (cfr. fls. 93).
A questão colocada pela recorrente, não tendo a ver com a apreciação da prova produzida em julgamento, prende-se, antes, com a violação das regras de direito probatório material, mais precisamente de disposições legais expressas que fixam a força probatória de determinado meio de prova, isto é, um verdadeiro erro de aplicação de direito (1).
Preceitua o art. 607º, n.º 4, do CPC que, «[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
Embora o legislador tenha consagrado o princípio da livre convicção da prova, não deixou de instituir limitações a esse princípio.
Isso mesmo resulta do estatuído no n.º 5 do art. 607º do CPC, nos termos do qual o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, sendo que essa “livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (sublinhado nosso).
Tais factos cuja prova resulta por confissão, estão submetidos ao regime da prova legal (tabelada ou tarifada), impondo-se ao juiz a força probatória de tais meios de prova, não tendo aquele qualquer margem de valoração acerca da factualidade expressa por tais meios probatórios (2).
Segundo o disposto no art. 352º do Código Civil (CC), confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
A confissão pode ser judicial ou extrajudicial. A confissão extrajudicial só pode ser feita por escrito (art. 313º, n.º 2 do CC).
A confissão judicial é a que é feita em juízo, competente ou não, mesmo quando arbitral, e ainda que o processo seja de jurisdição voluntária (art. 355º, n.ºs 1 e 2 do CC).
A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. É espontânea quando produzida por iniciativa do confitente. É provocada quando feita em depoimento de parte (por iniciativa do juiz ou a requerimento da parte contrária) ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal (n.º 2 do art. 356º do CC).
A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente (art. 358º, n.º 1 do CC).
As afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente (art. 46º do CPC).
E o art. 465º do CPC, com a epígrafe “Irretratabilidade da confissão”, estatuiu, no seu n.º 1, que “a confissão é irretratável”, ressalvando, porém, no seu n.º 2, que “as confissões expressas de factos, feitas nos articulados, podem ser retiradas, enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente”.
O que significa que, no caso da confissão emergente dos articulados, assiste à parte o direito de se retratar, isto é, retirar a confissão, enquanto a mesma não for aceite especificadamente pela parte contrária (3).
Por fim, sob a epígrafe “Ónus de impugnação”, prescreve o art. 574º do CPC, no seu n.º 1, que, ao contestar, o réu deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor, estatuindo no n.º 2 que, “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior”.
Revertendo ao caso dos autos, não obstante a 2ª ré ter especificadamente aceitado a facticidade alegada no art. 7º da p.i, a verdade é que as demais Rés não deixaram de impugnar especificadamente esse mesma factualidade, pelo que a mesma não podia deixar de ser controvertida e, como tal, carecida de ser demonstrada.
Não colhe a argumentação de que “tal interpretação abriria “portas” à instauração de ações contra múltiplos réus, com o único objetivo de um dos réus “minar” todo o processado contra os restantes”.
Desde logo porque, a demonstrar-se, tal nos reconduziria à verificação de uma situação de litigância de má-fé instrumental ou, até mesmo, de simulação processual, que a lei sanciona (arts. 542º, n.ºs 1 e 2, al. d) e 612º do CPC).
Acresce que, a colher-se a posição propugnada pela recorrente – da admissão daquele facto, por confissão –, o argumento por si invocado não deixaria igualmente de poder conduzir a efeitos perversos ou nefastos, na medida em que não estaria excluída a possibilidade de abrir “portas” à instauração de ações contra múltiplos réus, com o único objetivo de um dos réus, aceitando expressamente determinados factos por se mostrar conluiado com o autor, “minar” todo o processado contra os restantes, na medida em que ao impor-se a aceitação daquele facto os demais réus poderiam ver a sua posição processual e substantiva prejudicada.
Termos em que se conclui que, ao não excluir a referida facticidade da prova a produzir, por a mesma se mostrar controvertida, o Tribunal “a quo” não desrespeitou qualquer norma de direito probatório material.
Por fim, não há que sindicar a decisão da matéria de facto sobre a resposta ao ponto 63 dos factos não provados, uma vez que a discordância da recorrente reconduz-se unicamente ao erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
A entender-se de outro modo, sempre seria de rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto por a recorrente não ter integralmente cumprido o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo previsto no art. 640º do CPC (4).
Termos em que improcede o referido fundamento da apelação.
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1.2. Da qualidade de consumidora da autora.

Através da presente ação, a Autora pretende, a título principal, resolver o contrato (denominado de aluguer de longa duração) celebrado com a 2.ª Ré (Y Financial Services), por intermediação da 1.ª Ré (X), e, bem assim, ser indemnizada (por todas as Rés) pelos danos decorrentes do seu incumprimento, com fundamento no facto de a 1.ª Ré ser a entidade que se propôs fornecer o veículo, a 2.ª Ré por ser a financiadora do negócio e a 3.ª Ré por ser a entidade que forneceu o veículo (cfr. art. 57º da petição inicial).
Em termos normativos, a Autora fundamentou o seu direito no art. 4º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08.04, atinente à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.
Atendendo ao facto de a Autora utilizar a viatura, quer nas deslocações destinadas à sua vida pessoal, quer nas deslocações profissionais enquanto advogada, a sentença recorrida qualificou a demandante como consumidora, concluindo que tal lhe permite beneficiar do regime jurídico de proteção previsto no citado Dec. Lei n.º 67/2003.
A recorrente insurge-se contra esse entendimento, propugnando que, quer adotando um critério estrito ou misto do conceito de consumidor, não se poderá concluir que a Autora poderá ser qualificada como tal.
Desta forma, impõe-se apreciar se a autora detém, ou não, a qualidade de consumidora no negócio em causa, o que determina que se proceda à densificação do conceito de consumidor (5).
Como tem sido salientado, o direito positivo português não consagra um conceito unitário e universal de consumidor para a generalidade das relações contratuais, sendo necessário perceber em cada caso qual o âmbito subjetivo de aplicação do diploma em causa (6).
O conceito de consumidor, enquanto conceito normativamente operativo, não se reconduz, assim, no sistema jurídico vigente, a uma noção prevista com vocação de aplicação geral, mas antes a uma pluralidade de noções legalmente formuladas para contextos delimitados (7).
Tomando como referencial a noção de consumidor prescrita na Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31-07 - LDC) – dado se tratar do diploma que incorpora os princípios gerais do direito do consumo e se apresentar com vocação de aplicação supletiva, sempre que o conceito não seja especificamente formulado por outro diploma para determinada área temática –, diz-nos o art. 2.º, n.º 1, que «considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios».
É assim a finalidade do ato em causa que determina, essencialmente, a qualificação do consumidor como sujeito do regime de benefício que aquele diploma instituiu (8).
Partindo daquela conceção legal, a jurisprudência maioritária vem entendendo que se deve atender ao «conceito restrito, funcional, segundo o qual consumidor é a pessoa singular, destinatário final do bem transaccionado, ou do serviço adquirido, sendo-lhe alheio qualquer propósito de revenda lucrativa» (9), ou, noutra formulação, a «pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, não abrangendo quem obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa» (10) ou, ainda noutra enunciação, consumidor é “aquele que adquirir bens ou serviços para satisfação de necessidades pessoais e familiares (uso privado) e para outros fins que não se integrem numa actividade económica levada a cabo de forma continuada, regular e estável”, “[r]elevante é que não seja dado ao bem adquirido um uso profissional” (11).
Paralelamente a tal conceito geral, existem determinadas noções setoriais ou especiais de consumidor que apenas são válidas e aplicáveis para efeitos de determinado diploma legal, em particular (12).
É o caso do regime previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08.04 (alterado pelo Dec. Lei n.º 84/2008, de 21/05), que «procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores» (art. 1º, n.º 1), o qual, sendo «aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores», «é, ainda, aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo» (art. 1º-A).
Locação de bens de consumo” é, seguramente, o aluguer de longa duração, nomeadamente de automóveis, bem como o leasing ou locação financeira mobiliária ou imobiliária, regulado pelo Dec. Lei n.º 149/95, de 3/11, incluindo a chamada locação-venda (13).
O art. 1.º-B/a do citado Dec. Lei n.º 67/2003 define «Consumidor» como «aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho».

É, igualmente, o caso do Dec. Lei n.º 133/2009, de 2/06, relativo aos contratos de crédito aos consumidores, que, no seu art. 4.º, n.º 1, al. a), dispõe:

“«Consumidor» a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente decreto-lei, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional”.
A Directiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/10/2011, relativa aos direitos dos consumidores, no art. 2º, n.º 1, define «Consumidor» “como qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional”.
Ao nível da jurisprudência no sentido da densificação do conceito de consumidor, em sede da graduação de créditos em insolvência, há a destacar o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2014, de 20/03/2014, in D.R., 1.ª série, n.º 95, de 19/05/2014, págs. 2882 sgs., no qual se firmou a seguinte jurisprudência:
No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º, nº 1, alínea f) do Código Civil”.

Mais recentemente, refira-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2019, de 12.02.2019, in D.R., n.º 141/2019, Série I, de 25/07/2019, que firmou a seguinte jurisprudência:
“Na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”.
Ao nível da doutrina, João Calvão da Silva (14), depois de postular que o n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 24/96 representa a consagração da noção de consumidor em sentido estrito, como sendo a mais corrente e generalizada na doutrina e nas Directivas comunitárias, define o consumidor como a “pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico (…) – de modo a satisfazer necessidade pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens ou serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa”. Continuando: razão pela qual “todo aquele que adquira bens ou serviços destinados a uso não profissional – ao seu uso privado, pessoal, familiar ou doméstico, portanto, por oposição a uso profissional – será uma pessoa humana ou pessoa singular, com exclusão das pessoas jurídicas ou pessoas colectivas, as quais adquirem bens ou serviços no âmbito da sua actividade, segundo o princípio da especialidade do escopo, para a prossecução dos seus fins, actividades ou objectivos profissionais (art. 160º do CC e art. 6º do CSCom” (15). A referida necessidade de proteção, como sublinha o mesmo Autor, tem subjacente a "ideia básica do consumidor como parte fraca, leiga, profana, a parte débil economicamente ou menos preparada tecnicamente de uma relação de consumo concluída com um contraente profissional, uma empresa". Acrescenta o citado Autor que "se a ratio do direito do consumo repousa na assimetria formação-informação-poder, com desvantagem para o consumidor; a sua aplicação não pode nem deve conduzir à protecção especial de profissional que compra ao consumidor um objeto destinado a uso profissional ou de alguém que, conquanto formalmente actue in casu na veste de consumidor, materialmente seja pessoa dotada de competência técnico-profissional" (16). Rematando, finalmente, que a «noção estrita de consumidor – pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional –, que defendemos em geral e temos por consagrada no nº 1 do art. 2º da LDC (…) impõe-se pertinente e inquestionavelmente in casu à luz do princípio da interpretação conforme à Directiva, em que se define consumidor como “qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente Directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional” (al. a) do nº 2 do art. 1º)».
Carlos Ferreira de Almeida (17) explicita, por sua vez, que: “(...) parece, em princípio, mais ajustado que, quando se adopte um conceito genérico e supletivo de consumidor, ele se contenha em limites restritos, relacionados apenas com o uso pessoal ou familiar de bens fornecidos (ou disponíveis para fornecer) por quem exerça uma actividade profissional”.
E Jorge Morais de Carvalho (18), depois de sublinhar que o conceito de consumidor pode ser analisado com referência a quatro elementos (subjetivo, objetivo, teleológico e relacional), explicita que, relativamente ao elemento teleológico, a finalidade pode ser revelada por forma positiva (“uso privado”) ou por via negativa (“uso não profissional”), sendo que o conceito de “uso não profissional” se afasta da noção de “destinatário final” mais ampla utilizada em ordenamentos jurídicos de outros países. Acrescenta o citado autor que o nosso ordenamento jurídico acolheu a doutrina finalista (“interpretação mais restritiva do conceito, não podendo o objeto ter uso profissional”), e não a doutrina maximalista (“interpretação ampla do conceito, estando em causa a retirada do bem do circuito de produção”) e que “o elemento teleológico exclui do conceito todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que atuam no âmbito de uma atividade profissional, independentemente de terem ou não conhecimentos específicos no que respeita ao negócio em causa”.
Adverte igualmente que, sendo o bem ou serviço destinado a uso misto, ou seja, simultaneamente a uso profissional e pessoal ou familiar (por ex. automóvel para utilizar no exercício da sua atividade profissional - o que não é confundível com deslocações para o trabalho - e na vida privada), o melhor critério para determinar se se trata de uma relação de consumo parece consistir no uso predominantemente dado ao bem, independentemente de este corresponder ao seu uso normal (19) (20) (21) (22). Nessas situações de aquisição dos bens com uma finalidade mista, a solução apenas poderá ser encontrada caso a caso, atentas as circunstâncias concretas e concomitantes (23).
Por fim, dizer que cabe ao interessado em beneficiar das disposições de tutela do consumidor fazer a prova dos factos constitutivos que sustentam a sua qualidade de consumidor (art. 342º, n.º 1 do CC), sem embargo de recair sobre o réu-fornecedor do bem ou prestador do serviço o encargo de demonstrar que não reveste a qualidade de empresário ou profissional (24).
Não se pode perder de vista que a razão de ser da consagração do regime normativo do direito do consumo “reside na constatação de que, nas modernas sociedades de consumo, os destinatários ordinários dos bens e serviços constituem a parte economicamente mais débil ou tecnicamente leiga ou profana das relações juseconómicas estabelecidas com os empresários e profissionais dotados de superior capacidade financeira e conhecimentos técnicos” (25).
Como se refere na fundamentação do citado AUJ n.º 4/2019, do STJ de 12.02.2019, no quadro normativo das relações jurídico-económicas de consumo o legislador não deixou a composição dos interesses das partes no puro domínio da liberdade contratual (art. 405º, n.º 1 do CC). Estabeleceu (antes) “regras de tutela de um dos contratantes - aquele que tiver a qualidade de consumidor - tomando como padrão o adquirente médio e atendendo à típica inferioridade do seu poder negocial, decorrente da inferioridade económica, informacional ou técnica, bem como à tipicamente menor experiência contratual”, dessa forma reequilibrando as posições negociais e tendo em vista “também um funcionamento mais saudável, porque menos litigioso, das relações contratuais em geral”.

Diz-se na sentença recorrida o seguinte:
«No caso concreto, não se apurou, nem tal foi alegado, que a Autora, quando adquiriu o veículo ou durante a sua utilização, tenha perspetivado ou tenha efetuado qualquer operação rentável sobre o veículo (por exemplo, de aluguer ou de transporte remunerado). Provou-se tão-só que a viatura foi comprada e efetivamente destinada à sua utilização pessoal e nas deslocações profissionais enquanto advogada.
Atendendo a um panorama médio, a jornada de trabalho é uma parte componente do dia: a par das deslocações motivadas pela profissão, abundam as relacionadas com afazeres ou atividades estritamente pessoais (idas a estabelecimentos escolares ou extracurriculares frequentados pelos filhos, deslocações para compras, consultas ou exames médicos, visitas a familiares, e um sem-fim de compromissos pessoais), em períodos diários pré e pós-laborais, assim como nos períodos de descanso (férias e fins de semana).
A diferença que é introduzida na presente situação pelo facto de a Autora ser profissional liberal não leva à exclusão da qualidade de consumidora: salvo melhor opinião, não há razão que justifique a recusa dessa categoria normativa, porque o veículo destinou-se tão só a servir de meio de transporte. O poder negocial da Autora, por ser advogada e por utilizar a viatura nas deslocações profissionais, não diferiu de outra pessoa – por exemplo, do trabalhador por conta de outrem – que visasse a aquisição de um automóvel para os trajetos in itinere (de ida e de regresso do local de trabalho), uma vez que não foi no âmbito da sua atividade que fez essa compra.
Perante o panorama de facto adquirido, entende-se que a situação de desequilíbrio que é comum na relação de consumo não foi alterada, pelo facto de a Autora ser advogada, já que, como se referiu, aquela atuou fora do quadro de exercício da sua atividade profissional (…)».
A orientação seguida pela sentença recorrida no sentido de, no caso dos autos, subsumir a autora ao conceito de consumidora, o que lhe permite beneficiar do regime jurídico de proteção previsto no citado Decreto-Lei n.º 67/2003, afigura-se correta e devidamente fundamentada.
Na verdade, propondo-se a Autora adquirir, junto da 1ª Ré, uma viatura marca Y, Modelo C250 d T-Modell, matricula QR, foi acordado entre ambas que, para a aquisição pretendida, seria celebrado entre aquela e a 2ª Ré o acordo designado de «Contrato de Aluguer de Longa Duração a Consumidor n.º ......6» tendo por objeto a dita viatura, com a duração de 48 rendas mensais e opção de compra no respetivo termo, nele figurando a 1ª Ré como intermediária de crédito de fornecedora, acordo esse que veio a ser celebrado e subscrito em 2015.12.17.
A Autora trabalha como advogada e destinava o veículo a ser utilizado nas suas deslocações familiares, mormente com os seus dois filhos menores, designadamente em períodos de férias, e nas suas deslocações profissionais.
Daqui resulta que a autora propôs-se adquirir o referido veículo automóvel com uma finalidade mista de utilização na sua vida privada/familiar e nas suas deslocações profissionais, enquanto advogada.
Ora, exercendo a autora a atividade profissional de advogada e utilizando o veículo automóvel nas suas deslocações profissionais é duvidoso que, para efeitos de aferição dos quadros do direito de consumo, essa utilização consubstancie uma efetiva utilização no exercício da sua atividade profissional, já que a mesma, na prática, se reconduz com deslocações para os locais de trabalho.
Em jeito complementar ao que foi circunstanciadamente explicitado na sentença recorrida, permitimo-nos acrescentar as seguintes breves notas:
Se atentarmos no «Contrato de Aluguer de Longa Duração a Consumidor n.º ......6» celebrado tendo por objeto a viatura que a autora se propôs adquirir (cfr. fls. 14 a 22), constatamos que esta, enquanto locatária, interveio na veste de pessoa física/individual, e não como profissional, o que reforça o entendimento de que o ato foi praticado em vestes pessoais e não profissionais.
Apresentando-se sob esse veste, a contraparte (locadora) ficou habilitada a saber que estava a contratar com uma consumidora, e não com um profissional, e, portanto, que tinha de cumprir regras específicas naquela relação contratual.

Ora, nos casos em que o bem é adquirido com uma finalidade predominantemente (ainda que não exclusivamente) pessoal, afigura-se que razões de equidade intercedem no sentido de considerar tais relações como relações de consumo, mesmo considerando a noção restrita de consumidor a que acima se fez referência, uma vez que o bem foi adquirido, também aqui, para “uso pessoal, familiar ou doméstico”, sendo meramente instrumental ou acidental o seu aproveitamento para uso profissional (26). Tal interpretação encontra ainda apoio na letra da lei, uma vez que nela não se diz que a destinação tem que ser absoluta e exclusivamente não profissional, cumprindo-se de outro lado a finalidade do regime de conferir protecção ao elo mais fraco da relação. Entendimento diverso equivaleria a excluir do âmbito de protecção do regime adquirentes de bens e consumos em situação de perfeita paridade com aqueles que destinam os mesmos bens a um uso exclusivamente pessoal ou doméstico. Acresce que muitos dos bens adquiridos com esta estrita finalidade poderá ser dada, num momento ou outro, uma afetação profissional (27), sem que a relação de consumo deva, em nosso entender, ser posta em causa.
Ao celebrar o referido contrato de ALD com a 2ª Ré, a autora, não obstante ser advogada, atuou para fins que não entram no quadro da sua atividade profissional.
Com efeito, a autora ao outorgar, com a 2ª Ré agindo esta no quadro da sua atividade profissional, o referido contrato que não diz respeito à sua atividade profissional de advogada, não deixa aquela de se encontrar na situação de inferioridade relativamente à contraparte profissional, no que respeita tanto ao poder de negociação como ao nível de informação, o que justifica que beneficie do sistema de proteção instituído pelo direito de consumo (28).
Subscreve-se, por isso, a qualificação jurídica feita na sentença recorrida no sentido de a autora dever ser considerada consumidora, justificando-se a concessão da proteção devida aos consumidores conferida pelo citado Dec. Lei n.º 67/2003.
Termos em que improcede este fundamento da apelação.
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1.3. Da exclusão da responsabilidade do locador pelos danos/vícios do bem locado.

Na sentença recorrida, depois de se ter declarado resolvido o contrato a que se alude no item 3.º da fundamentação de facto, foi a 2ª Ré condenada na restituição à Autora das prestações por esta realizadas no montante de € 28.459,72.

A recorrente discorda desse segmento decisório aduzindo, em resumo, os seguintes argumentos:

- Tendo em conta as peculiaridades dos contratos de aluguer de longa duração ou locações financeiras de veículos, algumas das cláusulas existentes no contrato de aluguer de longa duração celebrado entre a Autora e a Recorrente devem-se ao facto desta ter já despendido os valores na aquisição do veículo escolhido pela própria Autora;
- A responsabilidade da reparação dos aparentes vícios do veículo era do vendedor do veículo, a 1.ª Ré.
- As disposições contratuais (aceites por ambas as partes) e legais excluem a responsabilidade do locador.
- Independentemente do contrato de aluguer de longa duração se encontrar pendente, o vendedor do veículo já recebeu a totalidade do valor de aquisição do mesmo, pelo que a imputação da responsabilidade sobre o locador colocará sobre o mesmo um duplo prejuízo.
- A Recorrente não poderá ser responsabilizada pelos vícios existentes no veículo, sob pena de existir um autêntico enriquecimento sem causa de terceiros à conta da Recorrente, uma vez que esta já pagou a totalidade do preço de aquisição do veículo (não escolhido por esta) e ficará com um veículo aparentemente com vícios e será ainda responsabilizada perante a locatária na devolução dos montantes resultado do contrato de locação.
- A construção jurídica efetuada pelo Tribunal a quo peca quando entende aplicar-se à situação em apreço uma resolução do contrato com eficácia ex tunc, mas exclui da equação a vendedora do veículo (1.ª Ré), beneficiando-a em detrimento da Recorrente.
- Não existiu uma correta valoração das disposições legais e contratuais aplicáveis ao caso em concreto, tendo originado na condenação da Recorrente de um facto sobre a qual esta está excluída de responsabilidade.

Delineados os argumentos aduzidos pela recorrente, na apreciação da questão em apreço seguiremos, de perto a sequência e fundamentação/valoração explicitada na sentença recorrida, sem embargo da introdução de alguns desenvolvimentos complementares sempre que tal se revele necessário.
Como ponto de partida, importa qualificar juridicamente o contrato celebrado entre os litigantes para, de seguida, se atender ao respetivo regime jurídico aplicável.
Nesta sede, concorda-se integralmente com a qualificação jurídica do contrato ajuizado feita pela Mm.ª Juíza “a quo”, nos termos do qual o mesmo consubstancia um efetivo contrato de locação financeira e não um aluguer de longa duração.
Segundo a noção estabelecida no art. 1º do Dec. Lei n.º 149/95, de 24/06 (Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira), alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 265/97, de 02/10, 285/2001, de 03/11, e 30/2008, de 25/02, a “[l]ocação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”.
Configura a locação financeira uma técnica de financiamento que permite ao interessado obter e utilizar uma coisa sem ter de pagar imediatamente o preço, formando-se de modo sucessivo mediante um processo em várias fases que liga três pessoas: fornecedor da coisa, seu utilizador e financiador da operação.
O fornecedor vende a coisa à sociedade de leasing e esta paga o preço e dá-a imediatamente em locação ao utilizador (locatário) contra o pagamento de renda periódica. Temos assim coenvolvidas na operação três pessoas e dois contratos firmados: por um lado, o contrato de compra e venda entre o fornecedor e a sociedade de leasing, e, por outro, o contrato de locação financeira propriamente dito entre a sociedade de leasing e o utilizador (29).
O locador está obrigado a adquirir ou mandar construir o bem a locar, conceder o gozo do bem para os fins a que se destina e a vender o bem ao locatário, caso este assim o queira, no fim do contrato (art. 9º, n.º 1 do citado Dec. Lei).
Estabelecido o contrato de locação financeira, a sociedade locadora compra ao fornecedor a coisa locada, tornando-se proprietário desta, a fim de poder conceder o gozo da coisa ao locatário. Concessão de gozo que se concretiza na entrega da coisa ao locatário feita diretamente ou através da cooperação do fornecedor.
Por sua vez, o modelo negocial do chamado aluguer de longa duração (“ALD”) tem sido considerado como um contrato legalmente atípico – porventura socialmente típico – podendo configurar-se como um contrato indireto, sendo o tipo de referência o aluguer e o fim indireto a venda a prestações com reserva de propriedade (30).
Também neste caso um contraente concede ao outro o gozo temporário e retribuído de determinada coisa, sendo que o objeto do contrato são quase sempre automóveis. Contudo, a esse contrato associa-se uma promessa (unilateral ou bilateral) de venda ou uma proposta irrevogável de venda inserida na própria locação. Naquele caso, a transferência da propriedade ocorre com a posterior celebração do contrato de compra e venda); no segundo caso, tal efeito dá-se com a simples aceitação do locatário da proposta de venda, deste modo se considerando concluído o contrato de compra e venda (31).
Não obstante o “ALD” apresentar inegáveis afinidades com o contrato de locação financeira, a generalidade dos autores que se pronunciaram sobre a natureza, qualificação e regime do contrato em causa estão de acordo no seguinte ponto: “- o denominado contrato de “ALD”, concebido como um contrato misto indirecto ou como uma pluralidade de contratos interligados numa relação de coligação funcional (…), não se mostra naturalmente assimilável ao contrato de locação em geral, seja porque no valor da retribuição entra, em regra, uma componente destinada à amortização do preço da coisa locada, a exceder a que corresponderia ao mero gozo, seja porque se convenciona a aquisição do bem pelo locatário para o termo do prazo do contrato – mediante inclusão de promessa de compra e/ou venda ou uma proposta irrevogável de venda -, o qual tenderá a ficar integralmente pago com a liquidação da ultima renda” (32).
Na verdade, a aquisição do bem será o objetivo primordial do locatário (“ALD”), dado que no termo do contrato já o pagou na totalidade. Não dispõe, pois, o locatário (“ALD”), da tripla possibilidade de escolha (faculdade de compra, faculdade de não aquisição, prorrogação de contrato), que subjaz ao locatário financeiro (33).

No caso concreto, a 2.ª Ré (sociedade financeira e proprietária do bem por o ter adquirido à 1.ª Ré) acordou com a Autora de que lhe cederia o gozo do veículo automóvel, mediante o pagamento mensal de 48 alugueres, com a opção de compra para a locatária, findo o prazo convencionado, por um preço previamente estipulado.
Constata-se que as rendas fixadas não perfazem o valor do veículo no final do período ajustado, posto que as partes convencionaram que, findo o prazo fixado, de 48 meses, assiste ao locatário a opção de compra mediante o pagamento do «valor de compra e venda» (cláusula 11.ª, n.º 1), que equivale ao valor residual (no caso, de montante aproximado a metade do preço do bem adquirido – € 27.810,13).
Logo, tal como se concluiu na sentença recorrida, «[e]ste elemento relativo à opção de compra por um valor residual é o traço distintivo da locação financeira, devendo, por isso, ser qualificado dessa forma o celebrado entre as partes».
De qualquer modo, ainda que se mantivesse a qualificação jurídica do contrato atribuída pelas partes no contrato outorgado - «Contrato de Aluguer de Longa Duração a Consumidor n.º ......6» - sempre seria lícito o recurso à analogia no tocante a algumas normas da locação financeira, designadamente o art. 13º do Dec. Lei n.º 149/95 (34).
O citado normativo, sob a epígrafe “Relações entre o locatário e o vendedor ou o empreiteiro”, prescreve que o “locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada”.
Por força deste normativo, e não obstante não ser parte no contrato de compra e venda celebrado entre o locador e a empresa que forneceu o bem locado, entende-se que – em atenção à fisionomia global do contrato de locação financeira e à respetiva funcionalidade típica, envolvendo a plena fruição do bem pelo locatário e a expectativa de, a final, o adquirir por valor determinado – o locatário financeiro beneficia, não apenas do exercício contra o vendedor dos direitos e faculdades que se revelam compatíveis com a subsistência daquela relação contratual, mas também das que podem implicar o termo ou rescisão da própria compra e venda, celebrada entre o locador financeiro e a empresa fornecedora do bem locado, dispondo, assim, o locatário, no âmbito da relação contratual global existente, de uma legitimidade substantiva para destruir os efeitos da venda celebrada com o locador, com base nomeadamente na verificação de defeitos ou deficiências que inviabilizam a normal utilização da coisa, implicando o definitivo incumprimento do contrato (35).
Em igual sentido, como se afirma no Ac. do STJ de 15/05/08 (relator Lázaro de Faria), in www.dgsi.pt., o “locatário tem legitimidade para exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado, incluindo o direito de anulação ou de resolução do contrato de compra e venda, nomeadamente, no caso do bem não satisfizer as características que haviam sido exigidas pelo locatário e garantidas pelo vendedor à data do contrato de compra e venda e que eram essenciais ao fim a que o bem se destinava” (36).
A tal não obsta o disposto no art. 12º do Dec. Lei n.º 149/95, de 26/06, nos termos do qual o “locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato, salvo o disposto no artigo 1034.º do Código Civil” (37).
Na verdade, como refere Fernando Gravato Morais (38), o locador não se torna responsável por esta via responsável perante o locatário. Simplesmente, por força da resolução da venda o contrato de locação financeira extingue-se, porque o locador não pode cumprir a obrigação fundamental de conceder o gozo da coisa, em virtude desta dever ser restituída ao vendedor.
Porém, a resolução do contrato de locação financeira não ocorre de modo automático. Deve o locatário, invocando a resolução por si efetuada do contrato de compra e venda, também provocar a extinção do contrato conexo. Tal pressupõe a instauração de uma ação judicial, não só contra o vendedor, mas também contra o locador financeiro, para que se produza idêntico efeito.
Contudo, é precisamente para equilibrar as coisas de não colocar o locatário financeiro numa posição injustificadamente onerosa que o legislador lhe confere os direitos referidos no citado art. 13º.

No caso em apreço, face às desconformidade quanto à qualidade e desempenho apresentadas pelo veículo objeto do contrato de locação, posto que, decorridos alguns meses de utilização da viatura - da marca Y, Modelo C250 d T-Modell, em estado de nova, pelo preço global de € 52.300,00 -, surgiu um ruído na parte dianteira, semelhante ao de uma peça solta, ao mesmo tempo que se notava uma folga na respetiva direção, sendo que aquele se agravava precisamente quando se virava a direção, e não obstante as tentativas feitas pela 1ª Ré com vista à sua regularização (que demandaram, pelo menos, duas substituições de caixa de direção), falhas essas que, não só se mantiveram, como se agravaram, a autora, por carta de 20/10/2017, resolveu o contrato de compra e venda [(subentendendo-se como tal o celebrado entre o fornecedor - 1ª Ré - e a compradora/locadora financeira - 2ª ré].
E com a dedução da presente ação resolveu o contrato de locação financeira celebrado com a 2ª ré.
Ora, como se explicou na sentença recorrida, a resolução do contrato de compra e venda determina, bem assim, a do contrato de locação financeira, sendo que este configura um contrato de crédito ao consumo, regido pelo Dec. Lei n.º 133/2009, de 2/06 (39) (40).
Para efeitos desse diploma, contrato de crédito é o contrato por meio do qual um credor (“pessoa, singular ou coletiva, que, no exercício da sua atividade comercial ou profissional, concede crédito”) concede ou promete conceder a um consumidor (pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangido por esse diploma, “atua com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional”) “um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante” (cfr. art. 4º, n.º 1, als. a), b) e c), do diploma citado)

Por referência a este último segmento legal (“qualquer outro acordo de financiamento semelhante”), que reveste natureza residual, o contrato de locação financeira, o contrato de aluguer de longa duração ou a locação-venda – no pressuposto de que, em qualquer dos casos, estejam em causa móveis de consumo duradouros – configuram, entre outros, contratos de crédito nos termos do mencionado diploma (41).
E, por força do estatuído no art. 18º, n.º 3, conjugado com o art. 4º, n.º 1, al. o), ambos do Dec. Lei n.º 133/2009, entende-se ser aplicável o regime especial dos contratos coligados à locação financeira para consumo ou ao aluguer de longa duração para consumo (42).

Estipula o citado art. 18º, n.º 3, que, no “caso de incumprimento ou de desconformidade no cumprimento de contrato de compra e venda ou de prestação de serviços coligado com contrato de crédito, o consumidor que, após interpelação do vendedor, não tenha obtido deste a satisfação do seu direito ao exato cumprimento do contrato, pode interpelar o credor para exercer qualquer uma das seguintes pretensões:

a) A exceção de não cumprimento do contrato;
b) A redução do montante do crédito em montante igual ao da redução do preço;
c) A resolução do contrato de crédito”.

Verificada uma das hipóteses enunciadas, exige-se que o consumidor atue perante o vendedor, interpelando-o tendo em vista o exato cumprimento do contrato (a entrega da coisa, a reparação da coisa ou a substituição da coisa, conforme o caso).
Apenas quando o consumidor (locatário financeiro) não obtém do vendedor a satisfação do direito ao exato cumprimento do contrato no quadro do Dec. Lei n.º 67/2003, é que se justifica dirigir-se ao credor/financiador (locador financeiro).
O consumidor pode, assim, dirigir-se ao credor, exercendo os correspondentes remédios jurídicos – a exceção de não cumprimento do contrato, a redução do montante do crédito em montante igual ao da redução do preço ou a resolução do contrato de crédito – na medida, e apenas na medida, em que não obtém a satisfação, temporária ou definitiva, do seu direito (43).
Posto que a resolução visa repor a situação pré-existente à celebração do contrato, a lei - ou a vontade das partes - reconhece-se-lhe eficácia retroativa (arts. 432.º, n.º 1 e 434.º, n.º 1, do CC), estando os seus efeitos equiparados aos efeitos da nulidade ou anulação dos contratos (art. 289.º “ex vi” do art. 433.º, ambos daquele diploma). Assim, deve ser restituído tudo o que houver sido prestado de modo a colocar as partes, tanto quanto possível, na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado (44).
No entanto, tal como explicitou a Mmª Juíza “a quo”, louvando-se no entendimento de Gravato Morais (45), «enquanto nos regimes gerais (desde logo, da locação financeira), o direito à resolução teria eficácia ex nunc, ou seja, exoneraria o locatário do pagamento das prestações vincendas, já no caso da locação financeira de consumo, a declaração de resolução tem eficácia ex tunc, abrangendo a restituição das prestações já realizadas».
E o art. 18º, n.º 4, do citado Dec. Lei n.º 133/2009 estatui que, em caso de resolução do contrato de crédito, “o consumidor não está obrigado a pagar ao credor o montante correspondente àquele que foi recebido pelo vendedor”.
O citado normativo regula sobre as relações de liquidação subsequentes à, entre outras, resolução dos contratos de compra e venda e de crédito.
Recorrendo mais uma vez ao ensinamento de Gravato Morais (46), refere este Professor que “o credor, embora sendo formalmente estranho ao contrato de compra e venda, tem um interesse próprio na operação complexa, pelo que alguns dos efeitos do contrato (de compra e venda) se repercutem na sua esfera jurídica. Decorrem daqui duas consequências: do lado do consumidor, a faculdade de exercício do direito de resolução e da pretensão restitutória correspondente, mas também – inversamente – a transmissão ope legis para o credor (por efeito da relação de liquidação no quadro desta coligação de contratos) do direito a exigir do vendedor (e não do consumidor) o montante mutuado”. Só deste modo se transfere do consumidor para o credor (locador financeiro) o risco de insolvência do vendedor, impedindo o financiador de exigir do beneficiário do crédito a restituição do montante do crédito recebido pelo vendedor.
E, como já vimos, a resolução do contrato de fornecimento ou de compra e venda importa a resolução do contrato de locação financeira.
Com efeito, não é possível ao locatário cindir, na relação contratual complexa existente entre as várias partes, o negócio de compra e venda e o contrato de locação financeira/ALD, de modo a pôr termo ao primeiro, sub-rogando-se ao comprador do veículo no exercício do direito potestativo de resolução, mas mantendo intocada a típica eficácia da locação financeira, permanecendo na fruição do veículo durante o respetivo prazo de duração e exercitando mesmo, a final, a opção de compra. Na verdade, o efeito típico da resolução do contrato, tal como é definido nos arts. 433º e 434º do CC, priva irremediavelmente de base ou suporte a própria locação/ ALD, por tal efeito extintivo da relação contratual de compra e venda inviabilizar de pleno a fruição e ulterior aquisição pelo locatário do bem locado, implicando a resolução da venda a irremediável preclusão ou caducidade da locação financeira (47).
Operada a resolução dos contratos, as subsequentes relações de liquidação processam-se do seguinte modo:
O consumidor/locatário financeiro deve devolver ao locador financeiro o objeto dado em locação, devendo este, por sua vez, reembolsar aquele das rendas vencidas e pagas. Seguidamente, o vendedor encontra-se adstrito à entrega ao locador do “montante mutuado” contra a restituição da coisa por parte deste (48).

Feitos estes considerandos resta concluir pelo acerto da sentença recorrida quando conclui que:
i) - Embora os efeitos da restituição se estendam às prestações realizadas (antes e depois da declaração resolutiva), a condenação na sua entrega à Autora apenas poderá ser determinada à 2.ª Ré, que concluiu o contrato de locação financeira, face ao princípio da relatividade dos contratos (cfr. art. 406º, n.º 2, do CC);
ii) - A relação de liquidação do preço da venda que é desencadeada pela declaração resolutiva já terá lugar entre o vendedor e o credor (financiador).

Em contraponto, responder-se-á aos argumentos esgrimidos pela recorrente nos seguintes termos:
- Sendo certo que a responsabilidade pela reparação dos vícios do veículo objeto da locação era do vendedor do veículo (a 1.ª Ré), posto a locadora não responder pelos vícios da coisa locada (art. 12º do Dec. Lei n.º 149/95), certo é também que a locatária financeira/consumidora exerceu (previamente) contra o vendedor os direitos relativos ao bem locado previstos no art. 4º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 63/2003, de 8/04, nos termos do art. 13º do Dec. Lei n.º 149/95, designadamente o pedido de reparação das desconformidades e de substituição do bem locado e, subsequentemente, a resolução do contrato.
- Estando apurado que a Autora/locatária não comunicou à locadora financeira, conforme lhe competia (nos termos do contrato e do regime da locação financeira – art. 10º, al. i), do Dec. Lei n.º 149/95), as desconformidades de que se queixou perante a 1.ª Ré, essa falta de comunicação, podendo gerar uma obrigação de indemnização pelos prejuízos sofridos pelo locador financeiro (49) - tal como se refere na sentença recorrida -, “não limita o exercício do direito à resolução; o que acontece é que, no que se reporta à 2.ª Ré, ele só se efetiva através da presente ação (que é quando chega à esfera de conhecimento da 2.ª Ré)”, em conformidade com o disposto no art. 436º, n.º 1, do CC (50).
- Tratando-se da locação financeira de um veículo automóvel novo de gama média/alta que, decorridos alguns meses de utilização da viatura, apresentava um ruído na parte dianteira, semelhante ao de uma peça solta, ao mesmo tempo que se notava uma folga na respetiva direção, sendo que aquele se agravava precisamente quando se virava a direção, e não obstante as diversas e reiteradas denúncias feitas à 1ª Ré com vista à sua regularização (que demandaram, pelo menos, duas substituições de caixa de direção), falhas essas que, não só se mantiveram, como se agravaram, a locatária financeira/consumidora, no âmbito da relação contratual global existente, dispõe de legitimidade substantiva para requerer a resolução do contrato da venda celebrada com o locador, com base nomeadamente na verificação de defeitos ou deficiências que inviabilizam a normal utilização da coisa, implicando o definitivo incumprimento do contrato.
- Conclui-se estar plenamente provada a justa causa resolutiva da compra e venda (como adiante melhor desenvolveremos), não sendo exigível que a Autora permanecesse vinculada ao contrato celebrado.
- A resolução do contrato de compra e venda origina a consequente anulação ou rescisão do associado contrato de locação financeira.
- A resolução do contrato de locação financeira, por estar em causa um locatário/consumidor, atenta a sua eficácia retroativa, determina a devolução de todas as prestações (rendas) já percebidas.
- Não obstante a locadora financeira ter já procedido ao pagamento ao vendedor do veículo da totalidade do valor de aquisição do mesmo, como decorrência da resolução dos contratos o reembolso do financiamento feito pela sociedade de leasing ao vendedor fica assegurado pela devolução do preço pago (art. 289º do CC) (51).
- Embora o locador corra os riscos da insolvência do vendedor quanto ao preço da aquisição e quanto ao valor dos prejuízos eventualmente causados pela resolução, certo é que tais riscos podem sempre ser contratualmente acautelados aquando da celebração do contrato, nomeadamente através de uma garantia.
Nesta conformidade, é de concluir que a solução adotada na sentença recorrida é compatível com o regime decorrente do art. 12º do Dec. Lei n.º 149/95 (nos termos do qual o locador não é responsável, perante o locatário, pelos vícios da coisa locada) (52).
Termos em que improcede este fundamento da apelação.
*
1.4. Do regime jurídico de venda de coisa defeituosa e da caducidade do direito de resolução da Autora.

Tendo-se concluído que a autora reveste a qualidade de consumidora, o regime legal aqui aplicável é o da Defesa do Consumidor – Lei n.º 24/96, de 31/07 – e da venda de bens de consumo – Dec. Lei n.º 63/2003, de 8/04 –, e não o regime do Código Civil.
Carecem, assim, de fundamento as conclusões insertas nas conclusões XXXV a XLI, nas quais a recorrente faz apelo ao disposto nos arts. 905º, 908º, 909º, 911º, 913º a 918º e 921 do CC.
Prosseguindo, sustenta a recorrente que a solução encontrada pelo Tribunal “a quo”, qual seja, a resolução do contrato de aluguer de longa duração com eficácia “ex tunc”, é excessiva e coloca a Autora numa clara situação de enriquecimento sem causa, um vez resultar dos factos provados que esta beneficiou e usufruiu do veículo locado desde a celebração do contrato (17-12-2015) até à entrega do veículo nas instalações da 1.ª Ré (07-06-2018), ou seja, 903 dias, o que equivale a 62,5% do tempo do contrato de locação, acrescentando que, por ter podido beneficiar em pleno do contrato de aluguer de longa duração, seria expectável que a Autora remunerasse a Recorrente por fruição do veículo locado (conclusões XLII a XLIV).
As razões por que se determinou que a resolução teria eficácia retroativa foram já explicitadas no ponto antecedente.
Quanto ao mais, constata-se que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a alegada excessividade dessa solução jurídica.
Mas essa não pronúncia simplesmente ficou a dever-se ao facto dessa “nova” questão estar para além da defesa vertida nos articulados das contestações apresentadas, pois em parte alguma as Rés suscitaram a questão atinente à eventual excessividade da devolução das rendas já pagas e/ou do enriquecimento sem causa.
Só agora, em sede de recurso, é que a recorrente veio deduzir a aludida questão.
Ora, como é sabido, os recursos – ordinários – visam permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, o que tem direta repercussão na delimitação das questões que lhe podem ser dirigidas.
O ponto de partida do recurso é sempre uma decisão que recaiu sobre determinada questão, de facto e/ou de direito, visando-se com ele apreciar da manutenção, alteração ou revogação daquela
Sendo um meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir, em regra, sobre questões concretas, de facto ou de direito, que tenham sido anteriormente apreciadas pelo tribunal recorrido, não podendo o tribunal “ad quem” confrontar-se com questões novas (ou seja, sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida e sobre pedidos que nela não foram formulados), salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso (como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis e se não estiverem já resolvidas por decisão transitada em julgado) e o processo contenha os elementos imprescindíveis. É o que resulta da conjugação dos arts. 627º, n.º 1, 635º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 608º, n.º 2, do CPC. Tal regra justifica-se quer em atenção ao princípio da preclusão, quer para impedir que seja desprezada a finalidade dos recursos (art. 676º, n.º 1 do CPC), quer para não possibilitar a supressão de graus de jurisdição (53).
Nesta conformidade, constituindo a aludida questão agora invocada pela recorrente uma questão completamente nova, que não foi colocada nem alegada na 1.ª Instância, e que esta não decidiu por não ter sido chamada a decidi-la, nem sendo a mesma de conhecimento oficioso (54), está-nos vedado de a conhecer.
Para o caso de se entender que a questão deveria ser objeto de conhecimento por este Tribunal de recurso, sempre se dirá que a resolução potestativa do contrato tem efeito retroativo, nos termos do art. 434º, n.º 1 do CC, e a falta de conformidade do bem presume-se existente no momento da entrega (art. 3º do Dec. Lei n.º 63/2003), pelo que a regra – aplicável também ao caso – é a de que o consumidor não tem de pagar qualquer valor pela utilização do bem (55).
Suscita, igualmente, a recorrente a caducidade do direito de resolução/anulação da autora, afirmando que a caducidade é de conhecimento oficioso e pode ser alegada em qualquer fase do processo, segundo o disposto no art. 333.º do CC (conclusões XLV a LII).

Conforme resulta do disposto no art. 333º (“Apreciação oficiosa da caducidade”) do CC:

1. A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.
2. Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º”.

E, segundo este último artigo, o Tribunal não a pode suprir de ofício; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita.
Ora, a caducidade não é, na situação dos autos, do conhecimento oficioso.
É que a caducidade do direito de resolução do contrato prevista no art. 5.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 63/2003 (56), está estabelecida em matéria não excluída de disponibilidade das partes.
E, por isso, nos termos dos arts. 303.º e 333.º, n.º 2, ambos do CC, a caducidade do direito de resolução pelo consumidor não pode ser oficiosamente conhecida, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita e no momento oportuno.
Sabido que a caducidade do direito de resolução do contrato exercido pelo consumidor aproveita ao vendedor/locador, incumbirá a este o respetivo ónus de alegação e prova, enquanto facto extintivo do direito invocado pelo consumidor, conforme decorre do disposto no art. 342.º, n.º 2, do Código Civil.
E o momento oportuno para o fazer é o da apresentação da respetiva defesa, ou seja, através da respetiva contestação, aí deduzindo os meios de defesa – por impugnação e/ou por exceção – que tenha por pertinentes contra a pretensão do consumidor e tendo em vista neutralizar ou extinguir eventuais direitos deste (57).
A recorrente invoca a caducidade do direito de resolução apenas em sede de recurso para esta Relação, não a tendo alegado na contestação.
Em recurso de apelação, a Relação apenas conhece de questões decididas pela 1ª instância e não de questões novas.
Ora, não tendo a recorrente excecionado a caducidade em sede de contestação e não tendo a mesma sido objeto de apreciação não pode, agora, ser invocada e decidida pela Relação.
Assim sendo, abstemo-nos de tomar conhecimento da exceção de caducidade em causa por a mesma consubstanciar uma questão nova.
Por último, defende a recorrente que a solução preconizada pelo Tribunal “a quo” – a resolução do contrato com eficácia ex tunc – é excessiva constituindo uma situação de abuso de direito, nos termos do art. 4º, n.º 5 do Dec. Lei n.º 63/2003. Existirá, acrescenta, uma “desproporcionalidade da resolução do contrato versus as restantes soluções legislativas para a justa composição do litígio”.
Vejamos se lhe assiste razão.
Perante um objeto defeituoso sobre que incide um contrato de locação financeira integrado numa relação de consumo, o consumidor tem um leque de meios de reação previstos no art. 4º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 63/2003.
Este preceito prescreve que, “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”.
E, o seu n.º 5 estipula que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”.
Como é sabido, a questão de saber se o regime do Dec. Lei n.º 67/2003 estabelece, ou não, uma ordem de hierarquia entre os vários direitos do consumidor em caso de falta de conformidade não é unívoca.
Contudo, a jurisprudência maioritária vai no sentido de que o consumidor pode exercer qualquer um dos direitos imediatamente com o limite do abuso de direito, ou seja, no sentido da inexistência de hierarquia (58).
De facto, a lei atual parece clara, não só no sentido de não existir uma ordem entre os direitos, mas também no sentido de a escolha caber ao consumidor (59). O resultado da coordenação entre os n.ºs 1 e 5 do art. 4º do Dec. Lei n.º 67/2003 está em que a relação entre os quatro direitos – reparação, substituição do bem, redução do preço ou resolução do contrato – é uma relação de alternatividade. O vendedor que não cumpre à primeira pode não ter a oportunidade de cumprir à segunda (60).
Por força do art. 4º, n.º 5, o princípio geral é o de que o consumidor é livre de exercer em alternativa um qualquer desses direitos, escolhendo aquele que melhor serve os seus interesses, salvo com os limites decorrentes da natureza das coisas ou do abuso do direito (fundamental para prevenir exercícios arbitrários e desproporcionados por parte do comprador, em ostensiva lesão dos legítimos interesses do vendedor) (61).
O abuso de direito constitui, assim, um limite da escolha (do exercício dos direitos) feita pelo consumidor.
Preceitua o art. 334º do Cód. Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Para Manuel de Andrade, “há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual” (62).

No entendimento de Vaz Serra, o ato abusivo é, em regra, o exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na coletividade social. Só excecionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede (63).
Nas palavras de Antunes Varela, “para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito” (64).
Daí que, segundo Pires de Lima e Antunes Varela (65), o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido “em termos clamorosamente ofensivos da justiça” ou “do sentimento jurídico socialmente dominante”.
Como refere Almeida Costa (66), o princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, às consequências da rígida estrutura das normas legais.
O abuso de direito surge, pois, como uma forma de adaptação do direito à evolução da vida, funcionando, por um lado, “como válvula de escape a situações que os limites apertados na lei não regulam por forma considerada justa pela consciência social em determinado momento histórico”, e obstando, por outro, a que, “observada a estrutura formal do poder que a lei confere, se exceda manifestamente os limites que se devem observar, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo” (67).
Ressalve-se, no entanto, que “a utilização do abuso do direito não deve constituir panaceia fácil de toda e qualquer situação de exercício excessivo de um direito, em que o respectivo excesso não seja manifesto ou que só aparentemente se apresente como manifestamente excessivo” (68). Importa evitar a todo o custo «a utilização da boa fé como um “nevoeiro” que serve para tudo» (69).
O abuso de direito pressupõe logicamente que o direito existe, embora o seu titular se exceda no exercício dos seus poderes.
A fórmula adotada no atual Código Civil não se delimita tão só ao ato de emulação, entendido como o exercício de um direito sem utilidade própria e só para prejudicar outrem. Numa visão bem mais abrangente e ampla, o citado preceito normativo abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à sua intensidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular, e as consequências que outros têm de suportar (70).

Segundo o legislador, a determinação da legitimidade ou ilegitimidade do exercício do direito, ou seja, da existência ou não de abuso do direito, afere-se a partir de três conceitos: a boa fé, os bons costumes e o fim social ou económico do direito (71).
A manifestação mais clara do abuso do direito é a chamada conduta contraditória (“venire contra factum proprium”) em combinação com o princípio da tutela da confiança - exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada e de boa fé a programar a sua vida e a tomar decisões (72).

A caracterização da proibição do comportamento contraditório, nos seus elementos fundamentais, mostra-se feita no Ac. do STJ de 12/11/13 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt., nos seguintes termos:

«Assim, há desde logo um primeiro e fundamental pressuposto a considerar: a existência de um comportamento anterior do agente (o factum proprium) que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança. Em segundo lugar exige-se que, quer a conduta anterior (factum proprium), quer a actual (em contradição com aquela) sejam imputáveis ao agente. Em terceiro lugar, que a pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa fé, vale por dizer, que tenha confiado na situação criada pelo acto anterior, ignorando sem culpa a eventual intenção contrária do agente. Em quarto lugar, que haja um “investimento de confiança”, traduzido no facto de o confiante ter desenvolvido uma actividade com base no factum proprium, de modo tal que a destruição dessa actividade pela conduta posterior, contraditória, do agente (o venire) traduzam uma injustiça clara, evidente. Por último, exige-se que o referido “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjectiva objectivamente fundada; terá que existir, por conseguinte, causalidade entre, por um lado, a situação objectiva de confiança e a confiança da contraparte, e, por outro, entre esta e a “disposição” ou “investimento” levado a cabo que deu origem ao dano. Os pressupostos enumerados não podem em caso algum ser aplicados automaticamente pois, (…), o venire contra factum proprium é, em última análise, “uma técnica que não dispensa, e antes pressupõe, um controlo da adequação material da solução, com uma valoração global de todos os elementos à luz do ponto de vista da tutela da confiança legítima”; por isso, todos aqueles pressupostos “deverão ser globalmente ponderados, em concreto, para se averiguar se existe efectivamente uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objectivo».
No caso, como já vimos, tratando-se de um automóvel novo de gama média/alta objeto de locação financeira que, antes de um ano de circulação, passou a apresentar, na parte dianteira, um ruído semelhante ao de uma peça solta, ao mesmo tempo que se notava uma folga na respetiva direção, sendo que aquele se agravava precisamente quando se virava a direção, o qual, após reiteradas denúncias de tais desconformidades, foi por diversas vezes intervencionado pela 1ª ré com vista à sua regularização, com pelo menos duas substituições da caixa de direção, sendo que tais falhas não só persistiram como se agravaram, tendo a autora nessa sequência inclusivamente exigido à 1ª ré a substituição da viatura por outra de iguais caraterísticas e sem deficiências, sem que dela tenha obtido qualquer resposta, ao resolver os contratos nos termos em que o fez, de modo algum se poderá concluir que não agiu dentro dos limites que lhe são impostos pelo critério do abuso de direito que decorre do art. 4º, n.º 5 do Dec. Lei n.º 67/2003 (73).
No contexto fáctico apurado – seja por inépcia ou por incapacidade revelada pela 1ª ré na resolução das reclamadas (e comprovadas) deficiências, denúncias essas que não se reconduzem a uma situação isolada, sendo que, pelo menos, em quatro ocasiões a viatura foi disponibilizada à vendedora para esta providenciar pela eliminação de tais defeitos, seja por impossibilidade da sua reparação (dada a natureza do vício de que a coisa padecia), e não tendo sido dada qualquer resposta à pretensão de substituição da viatura viciada –, é de concluir que a utilização do meio legal resolução do contrato pela autora atentas as circunstâncias do caso concreto, não envolve a violação da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito em causa.
Não deixa de se assinalar que a autora em momento algum agiu de modo não condizente com a conduta que anteriormente assumira, atuando, sim, de acordo com os ditames da boa fé, posto que inicialmente denunciou os defeitos e pediu a sua eliminação; numa segunda fase, face à persistência e agravamento dos defeitos, exigiu que a viatura fosse substituída por uma equivalente e só na decorrência da omissão de qualquer resposta a esta pretensão é que enveredou pela resolução dos contratos.
Não faz qualquer sentido fazer apelo à opção da redução do preço, visto que o exercício desse direito pressuporia a vontade do consumidor de ficar com o bem, mesmo desconforme, e essa não era o propósito da autora, visto que os defeitos que a viatura apresentavam criavam nela uma sensação de desconforto e, sobretudo, de insegurança.
De resto, em regra (e o caso em apreço não foge a essa regra), a não reposição da conformidade do bem com o contrato por parte do vendedor, nomeadamente através da reparação (ou de substituição), afasta a qualificação como abusiva da escolha pelo consumidor de outro direito, como seja a resolução do contrato (74).
Improcede, por isso, este fundamento da apelação.
Consequentemente, a apelação interposta pela 2ª ré é totalmente improcedente.
*
2) Da apelação interposta pela autora.

2.1. Da indemnização pela privação do uso do veículo.
Na petição inicial, a autora pediu a condenação solidária das Rés no pagamento da quantia de € 2.925,00 (€ 75,00 x 39 dias – de 07.06 a 16.07), bem como das quantias que se vencerem à razão diária de € 75,00, de indemnização devida pela imobilização do veículo e a sua não substituição pelas Rés.
Na sentença recorrida, depois de se ter particularizado que a pretensão indemnizatória só poderia ser exercida pelo locatário em face do vendedor (ou seja, da 1.ª Ré X), por força da isenção de responsabilidade do locador prevista no art. 12º do Dec. Lei n.º 149/95, concluiu-se pela improcedência da referida pretensão, dado que, tendo a autora/locatária resolvido o contrato, a entrega da viatura surgiu como decorrência da opção de extinguir o vínculo contratual.
A recorrente discorda do assim decidido, porquanto, refere, ao não terem cumprido a obrigação correlativa da entrega do veículo pela Autora de a indemnizarem pela restituição de tudo quanto ela havia entregue ao abrigo do contrato, as Rés, sobretudo a 2ª Ré, geraram à Autora um dano específico, e mais, fizeram-no contrariando a finalidade da resolução, que era, para a Autora, a compra/locação de um outro veículo.
Antes propriamente de nos debruçarmos sobre o instituto da resolução e dos seus efeitos importa, ainda que sinteticamente, refutar alguns dos argumentos esgrimidos pela recorrente que servem como ponto de partida à sua pretensão recursória.
i) - A resolução do contrato operada pela carta de 2017.10.20 (cfr. fls. 37), apenas produziu efeitos em relação à 1ª ré, posto ter sido essa a única entidade destinatária daquela missiva através da qual manifestou a declaração de resolução do contrato, não sendo demais relembrar tratar-se de uma declaração unilateral receptícia ou recipienda, cujos efeitos se produzem, nos termos gerais, quando for recebida ou conhecida pelo destinatário (arts. 436º, n.º 1 e 224º, n.º 1, ambos do CC).
ii) - Dos factos provados não decorre que a 1ª ré, nos seus contatos com a A., representava a 2ª e 3ª Rés.
iii) - Trata-se de entidades jurídicas distintas, não se mostrando comprovada da existência, entre elas, de uma relação de coligação societária, de participações recíprocas, de domínio ou de grupo ou que mantenham estruturas organizativas comuns.
iv) - Logo, quanto à 2ª ré, tem-se por ineficaz a referida declaração de resolução efetivada através da carta de 2017.10.20, sendo que apenas com a citação efetivada na presente ação judicial é possível concluir que a Autora exerceu a iniciativa da resolução do contrato de locação financeira.
v) - Não decorre da facticidade apurada que a finalidade da resolução era, para a autora, a compra/locação de um outro veículo.
Conclui-se assim que, nos pontos supra enunciados, a recorrente dá como adquiridas suposições ou conjeturas sem que as mesmas se mostram suportadas na matéria de facto provada.
Vejamos, agora, o mérito da questão em apreço.
Não oferece dúvidas que a cessação dos contratos operou por resolução promovida pela autora (por via extra judicial, em relação à 1ª Ré, através da carta de 2017.10.20, e por via judicial, quanto ao contrato de locação financeira em relação à 2ª ré, mediante a dedução da presente ação).
O regime da resolução encontra assento geral nas normas dos arts. 432º a 436º, 801º, n.º 2 e 802º do CC.
A resolução consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato (75), que tende a colocar as partes na situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado.
Constitui uma forma de extinção dos contratos, consubstanciada numa declaração de vontade unilateral e, normalmente, vinculada (e não discricionária), no sentido de que se encontra condicionada por um motivo previsto na lei ou de uma convenção entre as partes (art. 432º, n.º 1 do CC), sendo que, em caso de litigio, o contraente fiel que pretende extinguir a relação contratual tem o ónus de alegar e provar o fundamento resolutivo (arts. 801º, n.º 2 e 802º, n.º 1 do CC) (76).
Fundando-se num direito potestativo extintivo, a resolução do contrato opera através de uma declaração receptícia dirigida pelo credor ao devedor, pois só se torna eficaz quando chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida, momento a partir do qual se torna irrevogável (arts. 436º, 224º e 230º, todos do CC).
A resolução do contrato, na falta de disposição especial, tem como efeito legal a aplicação do regime da nulidade e da anulação do negócio jurídico (art. 433º do CC).
Tais efeitos estão previstos no art. 289º do CC, o qual impõe que seja “restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
O que significa que as partes devem ficar na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato, pretendendo-se, pois estabelecer o status quo ante (77).
E, segundo o art. 290º do CC, as obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à exceção de não cumprimento do contrato.
A equiparação dos efeitos da resolução aos efeitos da declaração de nulidade e da anulação do negócio jurídico só ocorre na falta de disposição especial e com a ressalva do disposto nos arts. 434º e 435º do CC (parte final do art. 433º do CC).
A resolução tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução” (art. 434º, n.º 1 do CC).
Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas” (n.º 2 do mesmo artigo).
Estipula o art. 801º, n.º 2, do CC que, “[t]endo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”.
Quer dizer, mesmo quando o credor opte pela resolução a lei prevê que ele possa cumular o direito a indemnização.
Trata-se da indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou, por outras palavras, do prejuízo que ele não sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado (...) que é a indemnização do chamado interesse negativo ou de confiança. Desde que o credor opte pela resolução do contrato, não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento do benefício que normalmente lhe traria a execução do negócio. O que ele pretende, com a opção feita, é antes a exoneração da obrigação que, por seu lado assumiu (ou a restituição da prestação que efectuou) e a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo)” (78).
Portanto, tratando-se de negócio bilateral “o credor (…) tem nesse caso que optar ou pela resolução do contrato (com a possível indemnização do interesse contratual negativo) ou pela manutenção dele (com direito, nesse caso, à indemnização do interesse contratual positivo)” (79).
Não se desconhece uma mais recente corrente doutrinária e jurisprudencial que se tem vindo a afirmar e que defende que a indemnização pela destruição da relação contratual, por efeito da resolução, não está limitada ao interesse contratual negativo, podendo ainda abranger, excecionalmente, o interesse contratual positivo, competindo à parte que resolveu o contrato alegar e provar, além do mais, os factos que possam integrar essa situação de excepcionalidade (80).
Revertendo ao caso sub júdice, entende-se inexistir fundamento para dissentir da solução jurídica aí acolhida.
Como (bem) se explicitou, a entrega da viatura efetuada pela Autora, em 07.06.2018, «decorreu da iniciativa por si tomada de resolver o contrato, que apenas exerceu quanto à 2.ª Ré através da presente ação. Essa faculdade tem como consequência a obrigação para a Autora de restituir a viatura, pelo que não faz sentido falar em privação de veículo quando a entrega se faz por força da opção tomada no sentido de provocar a extinção do vínculo contratual».
Para rebater a pretensão da recorrente apenas acrescentaremos não fazer sentido invocar a não aplicabilidade do efeito retroativo da resolução, posto que, como anteriormente referimos aquando da apreciação da apelação interposta pela 2ª Ré, foi precisamente por força do reconhecimento dos efeitos “ex tunc” da resolução que se concluiu pela restituição por inteiro de todas as rendas pagas pela autora, e não apenas das vincendas.
Salvaguardando sempre o devido respeito, não pode esta pretender o melhor de dois mundos, alternando de posição jurídica em conformidade com os seus interesses.
Além de que a procedência da pretensão em apreço equivaleria, na prática, à cumulação da indemnização pelo interesse contratual positivo com a indemnização pelo interesse contratual negativo, e essa é uma solução que carece de fundamento legal (81).
Pelo exposto, tendo a autora resolvido os contratos e por sua iniciativa entregue a viatura em causa, da indemnização pela destruição da relação contratual estão excluídos os danos da privação do uso da viatura, visto que não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento dos danos resultantes da frustração das utilidades proporcionadas pela própria prestação. Ao resolver o contrato, a autora exonerou-se da sua própria obrigação, mas em contrapartida deixou de ter qualquer pretensão baseada no contrato, seja relativa ao seu cumprimento, seja com base no não cumprimento (82).

Improcede, pois, este fundamento de apelação.
*
2.2. Adequação/justeza do valor compensatório arbitrado para ressarcimento dos danos não patrimoniais.

Segundo a recorrente, tendo em conta a gravidade da conduta das rés, empresas poderosas e financeiramente sólidas, que comercializam a marca tida como estando entre as duas melhores do mundo, que se aproveitam do seu imenso poder para procurarem impor ao público viaturas com defeitos, na expectativa de as pessoas lesadas não se quererem (ou não poderem) «meter» com empresas tão possantes em longas e desgastantes batalhas judiciais, tendo sido essa atitude sobranceira e prepotente que tiveram para com a Autora, causando-lhe a angústia, tensão, preocupação, tristeza e desgaste, a indemnização arbitrada à Autora (1.500.00 €) mostra-se demasiado reduzida, devendo, ao invés, ser fixada no montante ab inicio peticionado (10.000,00 €).
Haverá, pois, tão só de averiguar se estão, ou não, corretamente fixados os questionados danos não patrimoniais sofridos pela autora.
Na sua vertente não patrimonial, o dano abrange os prejuízos (como, por exemplo, as dores físicas, os desgostos morais ou por perda de capacidades físicas ou intelectuais, os vexames, sentimentos de vergonha, estados de angústia, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização (83).
A nossa lei, no art. 496º do CC, não determina quais os danos não patrimoniais que são compensáveis, limitando-se a fixar um critério geral que é o da gravidade desses danos.
Segundo o n.º 1 do citado normativo, «[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (84), «a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)». O mesmo é dizer que a gravidade deve ser apreciada em termos objetivos, evitando estados de especial sensibilidade (85).
Já os simples incómodos ou as meras contrariedades não serão, em regra, suficientes para justificar uma indemnização.
Por conseguinte, para serem indemnizáveis exige-se que os danos não patrimoniais sejam graves e que mereçam, por essa gravidade, a tutela do direito.
A doutrina e a jurisprudência têm teorizado sobre os modos de expressão do dano não patrimonial, nele distinguindo, como mais significativos e importantes, o chamado “quantum doloris”, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima, o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, designadamente na vertente familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica, o prejuízo da “saúde geral e da longevidade” (aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar), que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o encurtamento na expectativa de vida, o “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida (86).
Reconhece-se não ser fácil avaliar na prática os danos não patrimoniais. Na maioria das vezes não existe uma evidência física dos prejuízos e, mesmo quando ela exista, torna-se difícil conhecer as suas reais consequências.
Segundo o n.º 4 do art. 496º do CC, o cálculo do montante da compensação monetária por danos não patrimoniais deve obedecer a um juízo equitativo – não podendo, por definição, ser feita através da fórmula ou da teoria da diferença (87) –, tendo em atenção a natureza e intensidade dos danos causados, o grau de culpabilidade do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias atendíveis, nomeadamente, as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, as flutuações do valor da moeda, não devendo perder-se de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, de modo a procurar alcançar, até por uma questão de justiça relativa, uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC (88).
Como ensina o Prof. Antunes Varela (89), e como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que a sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só compensar o dano sofrido, mas também reprovar, de algum modo, a conduta lesiva.
Daí que se entenda que, sem embargo da função punitiva que outrossim reveste, a compensação por danos não patrimoniais “tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral” (90).

Em suma, firmado o critério da gravidade (art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil), são essencialmente três os princípios relativos à indemnização dos danos não patrimoniais (91):

1º - A compensação dos danos não patrimoniais deve fazer-se em espécie (arts. 70º, n.º 2 e 566º, n.º 1, do CC);
2º - A compensação em dinheiro dos danos não patrimoniais será fixada equitativamente pelo tribunal (art. 496º, n.º 4 do Cód. Civil);
3º - A compensação em dinheiro dos danos não patrimoniais será fixada equitativamente pelo tribunal, “tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º” (art. 496º, n.º 4 do Cód. Civil).

Para responder atualizadamente ao comando do art. 496.º do CC e constituir uma efetiva possibilidade compensatória, deverá ter-se ainda presente que a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a compensação tem de ser significativa, e não miserabilista ou meramente simbólica, de modo a viabilizar um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar (92); o que não significa, em contraponto, que deva ser uma indemnização arbitrária. Na verdade, a atividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjetiva, não se pode reconduzir ao puro arbítrio (93).
A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso concreto (94). "Na verdade, "os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial” (95).
O que significa que, aquando da fixação da indemnização, o julgador deverá ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações similares, o que é exigido por uma interpretação e aplicação uniformes do direito (art. 8º, n.º 3 do CC).
Diga-se, por fim, que o juízo de equidade da 1ª instância, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deverá ser mantido sempre que, situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida, se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspetiva actualística, generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade (96).

Na sentença recorrida foram salientadas/ponderadas as seguintes circunstâncias:

- Após decidir-se pela aquisição (com recurso a financiamento) de um automóvel novo de gama média/alta, que, em princípio lhe ofereceria a garantia de segurança, qualidade e conforto, a Autora viu-se confrontada, a menos de um ano de utilização, com um ruído semelhante ao de uma peça solta e vibração na direção, problemas que se mantiveram e se agravaram após sucessivas reclamações e intervenções na oficina da 1.º Ré (que passaram, entre o mais, pela substituição, por duas vezes, da caixa de direção), o que se protraiu por mais de 1 (um) ano;
- Por força disso, teve de se deslocar várias vezes às instalações da 1.ª Ré e de recorrer a avaliação de outras entidades, o que tudo lhe causou perdas de tempo, transtornos e desgaste;
- A situação dos autos, pelo seu prolongamento no tempo e pela frustração e incómodos e transtornos gerados à Autora, deve merecer proteção jurídica;
- Além dos padecimentos sofridos pela Autora com vista à resolução da questão tal situação frustrou as suas expetativas (não só com a aquisição da viatura em si mesma e no gozo que lhe proporcionaria, mas também ao nível do seu planeamento familiar).
A Mm.ª Juíza “a quo” considerou equilibrado fixar a indemnização devida nesta sede em € 1.500,00.
Este Tribunal subscreve na íntegra a fundamentação da sentença recorrida, já que a mesma consubstancia uma adequada e equilibrada ponderação de todas circunstâncias que era possível extrair do caso.

Por fim, e sem especiais preocupações de exaustividade, enunciamos algumas decisões, proferidas pelos nossos Tribunais Superiores, acerca da fixação dos danos não patrimoniais em situações similares à dos autos:
- No Ac. desta Relação de 01.02.2018 (relator António Penha), tendo por objeto um contrato de compra e venda de bem (veículo) de consumo, defeituoso, foi mantida a condenação no pagamento da indemnização no montante de 1.000,00 a título de danos morais.
- No Ac. da RC de 1/03/2016 (relator Jorge Arcanjo), versando sobre um contrato de compra e venda veículo para consumo, com defeito, foi arbitrada a quantia de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais.
- No Ac. da RL de 8/10/2009 (relatora Catarina Arêlo Manso), estando em causa um contrato de compra e venda de veículo de consumo, com defeito, foi mantida a condenação no pagamento do montante de € 750,00 fixado pelos danos não patrimoniais.

Assim, tudo ponderado e tendo presentes os valores habitualmente atribuídos pela jurisprudência e em especial os atribuídos a situações próximas da ora em apreço (97), não vemos razões para considerar desajustada (por defeito, como entende a autora) a compensação fixada pela 1ª instância a título de danos não patrimoniais. Estes, merecendo tutela jurídica dada a sua gravidade, não apresentam a “elevada gravidade” com que a autora os adjetiva, ao ponto de justificar a desproporcionada compensação por esta reclamada (que, a ser concedida, estaria desfasada quer das circunstâncias fácticas ponderadas, bem como do padrão jurisprudencial supra enunciado).
Assim sendo, afigurando-se-nos justo e equitativo e longe de se configurar como meramente simbólico ou miserabilista, entende-se ser de manter inalterado o montante arbitrado na sentença recorrida a título de danos não patrimoniais (1.500,00€).
Improcede, por conseguinte, este fundamento da apelação.
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Em suma, merecendo plena confirmação a (bem elaborada) sentença recorrida, improcedem ambas as apelações.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Assim, atento o seu integral decaimento, as custas dos recursos interpostos são integralmente da responsabilidade dos respetivos recorrentes,
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):
I - Partindo da conceção prevista na Lei n.º 24/96, de 31-07 (bem como no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04), a jurisprudência maioritária vem entendendo que se deve atender ao conceito restrito, funcional de consumidor, segundo o qual consumidor é aquele que destina o bem adquirido predominantemente para uso privado – “uso pessoal, familiar ou doméstico” –, sendo meramente instrumental, ténue ou acidental o seu aproveitamento para uso profissional.
II - Estando provado que a autora destinou a viatura objeto do contrato de locação financeira (ou de ALD) à sua utilização pessoal e como meio de transporte nas deslocações profissionais enquanto advogada, não deixa aquela de se encontrar na situação de inferioridade relativamente à contraparte profissional (locadora financeira), no que respeita tanto ao poder de negociação como ao nível de informação, o que justifica que beneficie do sistema de proteção instituído pelo direito de consumo.
III – Conquanto a responsabilidade pela reparação dos vícios do veículo automóvel objeto da locação seja do vendedor, posto a locadora financeira não responder pelos vícios da coisa locada (art. 12º do Dec. Lei n.º 149/95), a locatária financeira/consumidora beneficia, contra o vendedor, do exercício dos direitos relativos ao bem locado previstos no art. 4º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 63/2003, nos termos do art. 13º do Dec. Lei n.º 149/95, designadamente o pedido de reparação das desconformidades e de substituição do bem locado e, inclusivamente, de resolução do contrato da própria compra e venda celebrada entre o locador financeiro e a empresa fornecedora do bem locado.
IV - A resolução do contrato de compra e venda origina a consequente anulação ou rescisão do conexo contrato de locação financeira, embora a resolução deste contrato não ocorra de modo automático.
V - A resolução do contrato de locação financeira, por estar em causa um locatário/consumidor, atenta a sua eficácia retroativa, determina a devolução de todas as prestações (rendas) já percebidas.
VI - Não obstante a locadora financeira ter já procedido ao pagamento ao vendedor do veículo da totalidade do valor de aquisição do mesmo, como decorrência da resolução dos contratos o reembolso do financiamento feito pela sociedade de leasing ao vendedor fica assegurado pela devolução do preço pago (art. 289º do CC).
VII - A caducidade do direito de resolução do contrato pelo consumidor prevista no art. 5.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 63/2003, está estabelecida em matéria não excluída de disponibilidade das partes, pelo que, nos termos dos arts. 303.º e 333.º, n.º 2, ambos do Cód. Civil, não pode a mesma ser oficiosamente conhecida, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita e no momento oportuno.
VIII - Perante um objeto defeituoso sobre que incide um contrato de locação financeira integrado numa relação de consumo, o consumidor tem ao seu dispor um leque de meios de reação previstos no art. 4º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 63/2003, podendo livremente exercer qualquer um dos direitos imediatamente, salvo com os limites decorrentes da natureza das coisas ou do abuso do direito (n.º 5 do mesmo artigo).
IX - No contexto fáctico apurado – estando em causa um veículo automóvel novo de gama média/alta objeto de locação financeira que, antes de um ano de circulação, passou a apresentar, na parte dianteira, um ruído semelhante ao de uma peça solta, ao mesmo tempo que se notava uma folga na respetiva direção, sendo que aquele se agravava precisamente quando se virava a direção, o qual, após reiteradas denúncias de tais desconformidades, foi por diversas vezes intervencionado pela vendedora com vista à sua regularização, com pelo menos duas substituições da caixa de direção, sendo que tais falhas não só persistiram como se agravaram, tendo nessa sequência inclusivamente a autora exigido a substituição da viatura por outra de iguais caraterísticas e sem deficiências, sem que tenha obtido qualquer resposta –, ao resolver os contratos nos termos em que o fez, não se poderá concluir que a locatária financeira/consumidora não agiu dentro dos limites que lhe são impostos pelo critério do abuso de direito que decorre do art. 4º, n.º 5 do Dec. Lei n.º 67/2003.
X - Tendo a autora resolvido os contratos e por sua iniciativa entregue a viatura objeto do contrato de locação financeira, da indemnização pela destruição da relação contratual estão excluídos os danos da privação do uso da viatura, visto que não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento dos danos resultantes da frustração das utilidades proporcionadas pela própria prestação.
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VI. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos, confirmando a sentença recorrida.
Custas das apelações a cargo dos respetivos apelantes (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 15 de abril de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr. Ac. do STJ de 03/12/2015 (relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt. Nas palavras de J.P. Remédio Marques, designa-se por direito probatório material as normas que, atendendo à substância do ato de produção da prova (capacidade, legitimação, falta de vontade da parte que confessa factos), regulam os ónus da prova, a inversão do ónus da prova, a admissibilidade dos meios de prova e a força probatória de cada um deles, estando por isso mesmo mais ligadas ao direito material, ao direito substantivo (cfr. Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 389).
2. Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 354 e Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, pp.196/200.
3. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 528.
4. Designadamente, não especificou, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (arts. 640º, n.º 1, al. b) do CPC), bem como a falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que a recorrente se funda (art. 640º, n.º 2, al. b) do CPC).
5. A qualificação jurídica de consumidor é matéria de direito, pelo que o tribunal está obrigado, sempre que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para tal ou deles possa dispor mediante mero pedido de esclarecimento, a verificar se o comprador pode ser qualificado de consumidor, sem necessidade de expressa alegação nesse sentido [cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça de 04/06/2015, no proc. C-497/13, Froukje Faber vs. Autobedrijf Hazet Ochten BV, ECLI:EU:C:2015:357, Ac. da RP de 20/02/2020 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), in www.dgsi.pt. e José Engrácia Antunes, Direito do Consumo, Almedina, p. 47 (nota 87)].
6. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, Manuel de Direito de Consumo, 5ª ed., 2018, Almedina, p. 23, e José Engrácia Antunes, obra citada, p. 49.
7. Cfr. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2019, de 12/02/2019, in D.R., Série I de 2019-07-25.
8. Cfr. Ac. do STJ de 14/02/2017 (relator João Camilo), in www.dgsi.pt.
9. Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 17/11/2015 (relator Fonseca Ramos), disponível in www.dgsi.pt.
10. Cfr., Ac. do STJ de 25.11.2014, (relator Fernandes do Vale), disponível in www.dgsi.pt.
11. Cfr. Ac. do STJ de 13/07/2017 (relator Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt.
12. Cfr. José Engrácia Antunes, obra citada, p. 72.
13. Cfr. João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo”, 4ª Ed. (2010), Almedina, pp. 66/67.
14. Cfr. Venda de Bens de Consumo, p. 55 e segs..
15. Cfr. Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 2001, Almedina, pp. 112/114.
16. Cfr. Compra e Venda de Coisas Defeituosas, p. 114.
17. Cfr. Direito do Consumo, Almedina, 2005, p. 50.
18. Cfr. obra citada, pp. 25/29.
19. Cfr. obra citada, p. 30.
20. Sobre os denominados «contratos com dupla finalidade», quer ao nível da legislação europeia, quer das decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, ver o Ac. da RP de 22/05/2019, (relator Aristides Rodrigues de Almeida), in www.dgsi.pt., no qual se salienta existir no direito nacional norma legal que aborde essa questão em nenhum dos domínios da tutela dos consumidores (v.g. Lei 24/96, Decreto-Lei n.º 446/85, Decreto-Lei n.º 133/2009, Decreto-Lei n.º 74-A/2017).
21. Em sentido divergente, Calvão da Silva, depois de admitir a complexidade da questão atinente aos bens adquiridos para uso pessoal ou familiar e uso profissional e ponderar que “[n]o mínimo, deve dizer-se que só haverá contrato de consumo se a coisa comprada for principalmente ou predominantemente destinada a uso não profissional”, acaba por concluir que “(…) quem adquire um bem com intenção de o usar na sua profissão e na vida privada não deixa de actuar na veste de um profissional, com a suposta qualificação técnica e aptidão para a negociação contratual inerentes ao status de quem atua no âmbito da sua actividade profissional, qualificação ou competência que não perde pelo facto de destinar a coisa ainda e também a uso não profissional” (cfr. Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pp. 114/115).
22. Sobre o tema, mas reportado ao conceito de consumidor previsto no art. 4.º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei n.º 133/2009, de 2/06, relativo aos contratos de crédito aos consumidores, abordando as especiais dificuldades na formulação de um critério rígido e absoluto para se saber quando o consumidor atua com “objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional”, Gravato Morais enuncia que, no caso de “atuação com finalidades mistas” – v.g, o comprador (advogado) utiliza automóvel adquirido a crédito no exercício da sua atividade e simultaneamente para uso pessoal – o critério mais adequado parece ser o do “fim predominante”, de sorte que a destinação preponderante de utilização do bem, seja ela pessoal ou profissional, impõe ou exclui a aplicação do regime (cfr. Crédito aos Consumidores – Anotação ao Decreto-Lei n.º 133/2009, Coimbra, Almedina, 2009, p. 26).
23. Cfr. José Engrácia Antunes, obra citada, p. 72.
24. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 36, e José Engrácia Antunes, obra citada, p. 51.
25. Cfr. José Engrácia Antunes, obra citada, p. 67.
26. Cfr. Paulo Duarte, “O conceito Jurídico de consumidor, segundo o art. 2.º/1 da Lei da Defesa do Consumidor”, in Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXV, Coimbra, 1999, pp. 678 e seguintes.
27. Cfr. Ac. da RC de 15/12/2016 (relatora Maria Domingas Simões), in www.dgsi.pt.
28. Cfr. Em sentido similar, o TJUE de 3 de setembro de 2015 (“Horațiu Ovidiu Costea” contra “SC Volksbank România SA”), nos termos do qual o “artigo 2.°, alínea b), da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa singular que exerce a profissão de advogado, que celebra um contrato de crédito com um banco, sem que a finalidade do crédito seja precisada nesse contrato, pode ser considerada um «consumidor», na aceção desta disposição, quando o referido contrato não esteja ligado à atividade profissional desse advogado. A circunstância de o crédito nascido do referido contrato ser garantido por uma hipoteca constituída por essa pessoa na qualidade de representante do seu escritório de advogados e que tem por objeto bens destinados ao exercício da atividade profissional da referida pessoa, como um imóvel pertencente a esse escritório, não é pertinente a tal respeito”, in https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=166821&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=3570600.
29. Cfr. João Calvão da Silva, Locação Financeira e Garantia Bancária, Estudos de Direito Comercial (Pareceres), Almedina, p. 15.
30. Cfr. Ac. do STJ de 25/10/2011 (relator Alves Velho) e Ac. da RP de 17/12/2014 (relator Fernando Samões), in www.dgsi.pt.
31. Cfr. Fernando Gravato Morais, Manual de Locação Financeira, 2.ª ed., Almedina, 2011, pp. 71/73 e Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, Almedina, p. 278.
32. Cfr. Ac. do STJ de 25/10/2011 (relator Alves Velho), in www.dgsi.pt., do qual consta a enunciação dos autores que tomaram posição sobre o tema.
33. Cfr. Fernando Gravato Morais, Manual de Locação Financeira, p. 73.
34. Cfr. Fernando Gravato Morais, Manual de Locação Financeira, p. 74 e o Ac. do STJ 10.09.2015 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt.
35. Cfr. Ac. do STJ 10.09.2015 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt.
36. Cfr. No mesmo sentido, Calvão da Silva, estudo citado, p. 24 e Gravato de Morais, Manual de Locação Financeira, pp. 190/191 e 196/200, este último incidindo especialmente sobre o reconhecimento do exercício do direito potestativo de resolução do contrato de compra e venda.
37. Como salienta Calvão da Silva, “[c]ompreende-se que assim seja. Por um lado, a vocação principal do locador é a de intermediário financeiro, de “capitalista” financiador; Por outro lado, foi o locatário que fez a prospecção do mercado, que escolheu o equipamento destinado à sua empresa e é ele que o vai utilizar, com opção de compra findo o contrato (…) No fundo é co-natural ao leasing que a sociedade locadora se obrigue a adquirir e a conceder o gozo da coisa ao locatário mas se desinteresse ou exonere dos ricos e da responsabilidade relativos à sua utilização” (cfr. estudo citado, p. 23).
38. Cfr., Manual de Locação Financeira, p. 205/206.
39. Que procede à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/04, relativa a contratos de crédito aos consumidores, na parte referente às alterações introduzidas pela Diretiva n.º 2011/90/UE da Comissão, de 14/11.
40. Cfr. No sentido de a disciplina do crédito ao consumo (na parte aplicável ao contrato de locação financeira) dever ser considerada como lei especial em relação à lei geral (Dec. Lei n.º 149/95), por consagrar um regime diferente para um círculo mais restrito de pessoas (os consumidores-locatários financeiros), Gravato Morais, Manual de Locação Financeira, p. 218.
41. Cfr. Gravato Morais, Crédito aos Consumidores (…), p. 28.
42. Cfr. Gravato Morais, Crédito aos Consumidores (…), p. 36.
43. Cfr. Gravato Morais, Crédito aos Consumidores (…), pp. 88/90.
44. Cfr. Ac. do STJ de 11/04/2019 (relator Joaquim Piçarra), in www.dgsi.pt., e José Carlos Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil, Do Enquadramento e do Regime, Coimbra Editora, p. 22 e ss..
45. Cfr. Manual de Locação Financeira, pp. 205 a 207 e 224.
46. Cfr. Crédito aos Consumidores (…), p. 92.
47. Cfr. Acs. do STJ 10/09/2015 (relator Lopes do Rego) e de 15/05/08 (relator Lázaro de Faria), in www.dgsi.pt. Nas palavras de Calvão da Silva, “a anulação da venda e a redução do preço acarretarão, consequentemente, a anulação do contrato de locação financeira e a redução proporcional da renda a pagar pelo locatário, respetivamente” (estudo citado, p. 24).
48. Cfr. Gravato Morais, Manual de Locação Financeira, pp. 225.
49. Cfr. Gravato Morais, Manual de Locação Financeira, p. 225.
50. No nosso sistema jurídico a resolução pode fazer-se mediante declaração unilateral e, em regra, não carece de recurso judicial (art. 436º, n.º 1 do CC). Mas se a parte a quem assiste o direito de resolver o contrato, em vez de emitir a declaração negocial, intenta uma ação judicial em que pode a apreciação do direito, o contrato cessa com a decisão judicial, se na ação, além da apreciação do direito, também se tiver formulado o pedido de resolução do contrato. (cfr. Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3ª ed., Almedina, p. 171).
51. Cfr. Calvão da Silva, estudo citado, p. 24, nota 17.
52. Cfr., no mesmo sentido, Gravato Morais, Manual de Locação Financeira, p. 208.
53. Cfr. Abrantes Geraldes, obra citada, pp. 28, 29, 109 e 110, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2º ed., 1997, Lex, p. 395, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª Ed., Almedina, p. 566; Acs. STJ 3-02-2011 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 12-5-2011 (relator Sérgio Poças), de 5/05/2016 (relator Oliveira Vasconcelos), Ac. da RC de 22.10.2013 (relator Barateiro Martins) e Ac. da RG de 23/11/2017 (relator Beça Pereira), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
54. Cfr., no sentido de que o enriquecimento sem causa não é de conhecimento oficioso, tendo que ser oportunamente invocado pelo interessado, que dele beneficie, no articulado respetivo, entre outros, Acs. do STJ, de 15/10/98 (relator Noronha do Nascimento), in www.dgsi.pt., e de 17/06/2010, Revista 5339/07.1TVLSB.S1-2ª Secção.
55. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 325.
56. Tratando-se de coisa móvel, a garantia legal de conformidade tem a duração de dois anos a contar da entrega do bem (art. 5º, n.º 1), presumindo-se que quaisquer desconformidades manifestadas durante esse período existiam já na data da entrega (art. 3º, n.º 2). Sob pena de caducidade dos direitos que lhe assistem (art. 5º-A, n.º 1), impõe-se que o comprador proceda à denúncia da conformidade do bem vendido no prazo de dois meses a contar da data em que a tenha detetado (art. 5º-A, n.º 2), e que exerça, judicial ou extrajudicialmente, tais direitos dentro do prazo de dois anos a contar da data da denúncia (art. 5º-A, n.º 3).
57. Trata-se do princípio da concentração da defesa, estabelecido na primeira parte do art. 573.º, n.º 1, do CPC, que dispõe que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei manda deduzir em separado”.
58. Cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 5/05/2015 (relator João Camilo), Ac. da RP de 16/05/2015 (relator Manuel Domingos Fernandes), Ac. da RG de 14/04/2016 (relatora Purificação Carvalho) e Ac. da RC de 16/02/2016 (relator Arlindo Oliveira), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
59. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 314/315.
60. Cfr. Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 875.
61. Cfr. José Engrácia Antunes, obra citada, p. 162.
62. Cfr. Teoria Geral das Obrigações, 3ª ed., Almedina, pp. 63-64.
63. Cfr. Abuso de Direito, BMJ n.º 85, p. 253.
64. Cfr. Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, Almedina, p. 546.
65. Cfr. Código Civil Anotado, Vol. 1, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 299.
66. Cfr. Direito das Obrigações, 6ª ed., Almedina, p. 64.
67. Cfr. Acs. do STJ de 13/03/2008 (relator Santos Bernardino) e de 8/10/2009 (relator Serra Baptista), disponíveis em www.dgsi.pt.
68. Cfr. Ac. do STJ de 24/01/2002, CJSTJ, 2002, T. I, pp. 53/54
69. Cfr. Paulo Mota Pinto, Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Civil, BFDUC, Volume Comemorativo (2003), p. 302.
70. Cfr. neste sentido, entre outros, J. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, Vol. II, p. 102, Antunes Varela, RLJ, ano 114º, p. 75 e Das obrigações Em Geral Vol. I, 6ª ed., p. 515 e o Ac. do STJ de 28.11.1996, CJSTJ, 1996, T. III, p. 118.
71. O agir de boa fé envolve, além do mais, no quadro das relações jurídicas, a atuação honesta e conscienciosa, isto é, numa linha de correção e probidade, não procedendo de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável tolera. Os bons costumes, por seu turno, são, grosso modo, o conjunto de regras de comportamento relacional acolhidas pelo direito, variáveis no tempo e, por isso, mutáveis, conforme as conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade. Por fim, o fim económico e social de um direito traduz-se, essencialmente, na satisfação do interesse do respetivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos. – cfr. Acs. do STJ de 25 de Junho de 2009 (relator Salvador da Costa) e de 8/10/2009 (relator Serra Baptista), disponíveis em www.dgsi.pt.
72. Cfr. Vaz Serra, RLJ, 111º, p. 296.
73. Cfr., em sentido similar tendo por objeto negócios de compra e venda de veículos automóveis novos de gama média/alta, Ac. do STJ de 5/05/2015 (relator João Camilo) e Ac. da RL de 14/04/2015 (relatora Maria Amélia Ribeiro), disponíveis in www.dgsi.pt.
74. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 317.
75. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 4.ª ed., Almedina, 1990, p. 265.
76. Cfr. Catarina Monteiro Pires, Contratos, Perturbações na Execução, Almedina, p. 85.
77. Cfr. Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3ª ed., Almedina, p. 181.
78. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, (…), p. 104.
79. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, (…), p. 105.
80. Cfr., Na doutrina, entre outros, Ana Prata, Cláusulas de Exclusão e Limitação da responsabilidade, p. 479 e segs.; Pedro Romano Martinez, obra citada, pp. 195/204; Paulo Mota Pinto, Interesse contratual Negativo e Interesse contratual Positivo, Vol. II, p. 1604 e segs. Catarina Monteiro Pires, obra citada, p. 122; na jurisprudência, Acs. do STJ de 12/01/2009 (relator João Bernardo), de 21/10/2010 (relator Barreto Nunes), de 24/01/2017 (relator Pinto de Almeida), de 15/02/2018 (relator Manuel Tomé Soares Gomes) e de 17/05/2018 (relatora Maria da Graça Trigo), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
81. Cfr., Ac. do STJ de 17/05/2018 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt.
82. Cfr., Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 2002, p. 260.
83. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, (…), p. 601.
84. Cfr. Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 499.
85. Cfr. Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Principia, p. 304.
86. Cfr. Ac. do STJ de 6/07/ 2000, CJSTJ, Ano VIII – T. II, 2000, pp. 145.
87. Cfr. Ac. do STJ de 16/03/2017 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt.
88. Cfr., Ac. do STJ de 13/07/2017 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt.
89. Cfr. obra citada., pp. 607/608; em sentido convergente, Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, p. 387, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª ed., Almedina, 2002, p. 318.
90. Cfr. Ac. do STJ de 24/04/2013 (relator Pereira da Silva), in www.dgsi.pt.
91. Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira Pinto, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, p. 6987.
92. Cf. Acórdão para uniformização da jurisprudência n.º 4/2002, Diário da República, I série-A, n.º 146, de 27 de Junho de 2002 (Revista ampliada n.º 1508/2001 da 1ª Secção).
93. Cfr. Ac. do STJ de 25/06/2002, CJSTJ, Ano XX, T. II – 2002, pp. 128/135.
94. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 31/05/2012 (relatora Maria dos Prazeres Beleza) e de 31/01/2012 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
95. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 04/06/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza) e de 31/01/2012 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
96. Cfr. Acs. do STJ de 22/02/2017 (relator Lopes do Rego) e de 29/06/2017 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt.
97. Diga-se, em jeito de parêntesis, que nenhum dos arestos invocados pela autora é similar à situação fáctica retratada nos autos, sendo que, no caso do acórdão desta Relação de 13/09/2018 (relatora Margarida Almeida Fernandes), proc. n.º 749/15.3T8BCL.G1, eram dois (e não um) os autores a quem foi atribuída a compensação por danos não patrimoniais.