Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2867/16.1T8VNF.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
RECURSO COM EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO
EFEITOS SOBRE A EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A regra de que a sentença só constitui título executivo depois de transitada em julgado comporta a exceção estabelecida na 2ª parte do n.º 1 do art. 704º do CPC, posto que podem ser executadas sentenças ainda não definitivas, contanto que contra elas esteja pendente, na Relação ou no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), recurso com efeito meramente devolutivo.

II - Nos termos da 1ª parte do n.º 2 do art. 704º do CPC, se da sentença condenatória da 1ª instância for interposto recurso com efeito meramente devolutivo e se o Tribunal da Relação ou o Supremo Tribunal de Justiça, a título definitivo, revogar ou modificar essa sentença, a execução extingue-se “ex tunc” ou modifica-se em conformidade com essa decisão definitiva.

III - A 2ª parte do n.º 2 do art. 704º do CPC regula a hipótese de a decisão (provisoriamente) executada vir a ser revogada ou modificada pelo tribunal imediatamente superior, mas a decisão deste segundo tribunal não ser «definitiva», mas sim intermédia, por dela ter também havido recurso.

IV – Considerando a decisão anulatória, transitada em julgado, proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães sobre a sentença condenatória que serviu de título executivo, sem que desta tenha subsistido qualquer segmento condenatório, tal determina a extinção da execução provisória, e não a sua mera suspensão, em conformidade com a 1ª parte do n.º 2 do art. 704º do CPC”.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

O exequente António instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa contra o executado José.

Ofereceu como título executivo a sentença condenatória, ainda não transitada em julgado, datada de 09 de Dezembro de 2015, no âmbito da Acção de Processo Ordinário nº514/09.7TBBCL, da Instância Central Cível de Braga – J2, que condenou o réu a pagar-lhe o montante de €418.701,72, bem como o montante de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora
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Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 16 de Março de 2017, transitado em julgado no dia 28 de Abril de 2017, foi decidido “(…) anular a decisão proferida na 1ª instância para ampliação da matéria de facto, mediante a repetição do julgamento relativamente aos factos acima indicados, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições”.
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O executado requereu a extinção da instância por inexistência de título executivo (cfr. fls. 73 e 74).
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Em resposta, o exequente pugnou pelo indeferimento da requerida extinção da instância executiva (cfr. fls. 112)
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Por despacho datado de 6/11/2017, o Mm.º juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho (cfr. fls. 117 e 118):

«(…).
Nos termos do artigo 734º, nº1, do Código de Processo Civil, o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.

O artigo 703º, nº1, alínea a), do Código de Processo Civil, preceitua que podem servir de base à execução as sentenças condenatórias.

O artigo 704º, subsequente, estabelece no seu nº1, que a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.
No nº2, deste normativo, prevê-se que a execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão; as decisões intermédias podem igualmente suspender ou modificar a execução, consoante o efeito atribuído ao recurso que contra elas se interpuser – sublinhado e destacado nossos.

(…)
No caso vertente, salvaguardando o devido respeito por entendimento distinto, discordamos da posição sustentada pelo exequente no requerimento que dirigiu aos autos no dia 06 de Junho de 2017 (cfr. referência nº5462482), quando alude à existência de uma decisão intermédia.

Com efeito, afigura-se-nos indiscutível, por resultar expressamente do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, que a decisão oferecida à execução foi anulada.

Por força do referido Acórdão, em consequência da anulação dessa decisão, os autos regressaram à fase do julgamento para ampliação da matéria de facto, não sendo possível executar nenhum dos seus segmentos condenatórios.
Aliás, o regresso à fase do julgamento implicará, necessariamente, a prolação de uma nova sentença.

Em face do supra exposto, nos termos do artigo 704º, nº2, 1ª parte e do artigo 734º, ambos do Código de Processo Civil, declara-se extinta a execução.
Em conformidade, determina-se o levantamento da(s) penhora(s) efectuada(s) nos autos.
(…)».
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Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o exequente (cfr. fls. 119 a 133), e formulou, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem (1)):

« - Nos termos do disposto no artigo 853º, nº 2, alínea b) do CPC, cabe recurso de apelação da decisão que determine a extinção da execução.
- Sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 852º do CPC, aos recursos de apelação proferidos no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração.
- Nos termos do disposto na alínea e), nº 3, do artigo 647º do CPC, tem efeito suspensivo da decisão a apelação das decisões previstas nas alíneas e) e f) do nº 2 do artigo 644º do CPC.
- Dispõe o artigo 644º, nº 2, alínea f), que cabe recurso da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo.
- Tendo o despacho em crise ordenado a extinção da execução e o levantamento do registo das penhoras efectuadas nos autos executivos, deve tal despacho ser suspenso até trânsito em julgado da decisão em crise.
- Efeito suspensivo da presente apelação, com base nas alegadas disposições legais que expressamente se requer.

Por outro lado,
- O recorrente não pode conformar-se com o douto despacho proferido no qual promoveu a extinção da presente instância executiva e ordenou o levantamento das penhoras.
- Não existem dúvidas que a execução fundada em sentença pendente de recurso a que foi atribuído efeito devolutivo, não obstante constituir título executivo, é pela sua natureza provisória.
- Ora, interposto recurso da sentença e decidido o recurso nos termos em que o foi – anulação da sentença condenatória- tal decisão, que ainda não é definitiva mas intermédia, repercute o seu efeito na execução.

NA VERDADE,
10º - No caso concreto, a Relação não conheceu de fundo, apenas se limitou a ampliar a matéria de facto, ordenando a repetição do julgamento aos factos aditados.
11º- O acórdão da Relação de Guimarães não extinguiu a relação jurídica que faz parte da decisão que serviu de base à execução, nem extinguiu o direito que se peticiona nos autos, pelo que, esta é uma decisão intermédia.
12º - Por isso, é nosso humilde entendimento, que não estamos perante uma situação de extinção da instância executiva, mas, em face desta decisão intermédia, de uma situação de suspensão da instância, nos termos dos artigos 704º, n.º 2, segunda parte e 272º n.º 1, ambos do C.P.C.
13º - Claro que esta situação não serve os interesses do executado, que pretende continuar a alienar ou onerar o seu património, evitando que no futuro o recorrente receba a indemnização a que tem direito.
14º - Mais, por uma questão de garantia patrimonial e economia processual, a suspensão é o instituto a aplicar nos presentes autos, pois, em caso de extinção, o aqui recorrente será obrigado a instaurar nova ação executiva, promover novas penhoras de bens, proceder ao pagamento de taxas e encargos, entre outros actos.
15º - O que não é o fim do direito, sendo certo que a decisão proferida nos presentes autos, viola princípios sacramentais do nosso ordenamento jurídico, como o princípio da justiça.
16º - Nos termos do disposto no artigo 704º n.º 2, 2º parte do CPC, deve a instância executiva e respectivos apensos serem suspensos até prolação de sentença transitada em julgado.
17º - Entendimento que tem sido partilhado por toda a jurisprudência conforme podemos constatar, como exemplos, pelos seguintes arestos jurisprudenciais:

“I – Tendo-se baseado a execução em acórdão da Relação que foi posteriormente anulado por acórdão do STJ, a execução deixou de ter título em que se fundamentou.
II – Não tendo o STJ conhecido de fundo e tendo-se limitado a anular formalmente a decisão da Relação, tem aplicação ao caso a 2ª parte do nº 2 do artº 47º do CPC, isto é, a modificação ou suspensão da execução.”

- Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 9-11-2004, processo 2985/04, in: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/be17c04dab03770580256f540053bbaa?O penDocument
“I-A execução fundada em sentença pendente de recurso a que foi atribuído efeito meramente devolutivo, não obstante constituir título executivo, é pela sua própria natureza provisória (art. 47, nº1, e 2 do CPC).
II- Interposto recurso da sentença e decidido o recurso nos termos em que o foi (com a anulação da sentença no segmento relativo à indemnização) tal decisão, que ainda não é definitiva mas intermédia, repercute o seu efeito na execução.
III-E, neste caso em que apenas se aguarda o acerto do montante indemnizatório a consequência terá de ser a suspensão da execução até que esteja definitivamente assente por sentença transitada em julgado a pretensão substantiva relativa à indemnização. Só nesse momento se sabe com certeza qual o montante indemnizatório que constituirá, afinal, a quantia exequenda.
IV- Não se trata de uma situação de extinção da execução mas de suspensão da execução.”
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 05-06-2008, processo 3294/2008-1, in:http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/7cffef3818df5d7b802574a4005201c7?OpenDocument
18º - Pelo que, o despacho recorrido viola os artigos704º, n.º 2, segunda parte e artigo 272º n.º 1, ambos do C.P.C.

Termos em que, deve revogar-se o douto despacho recorrido, em conformidade com o atrás exposto, determinando-se a suspensão da execução, nos termos supra expostos, tudo com as legais consequências devidas, fazendo V. Exas. a habitual JUSTIÇA!».
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O recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção do despacho recorrido.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 36).
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Por despacho de 26 de abril de 2018, o juiz relator a quem o processo foi distribuído reformulou o efeito atribuído ao recurso interposto, fixando-lhe o efeito suspensivo da decisão recorrida nos termos dos arts. 644º, n.º 2, al. f), 647º, n.º 3, al. e) e 852º, todos do CPC (cfr. fls. 158 a 160).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Objecto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se, na sequência do acórdão do Tribunal da Relação, transitado em julgado, que anulou a sentença proferida em primeira instância para ampliação da matéria de facto, a execução provisória (da sentença) iniciada na pendência do recurso deve ser extinta ou, antes, suspensa, nos termos do disposto no art. 704º, n.º 2 do C.P.C.
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III. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que decorrem do relatório supra.
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IV. Fundamentação de direito

1.1. Nos termos do n.º 5 do art. 10º do CPC, “[t]oda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.

Considera-se que o título executivo é condição necessária da execução na medida em que os actos executivos em que se desenvolve a ação apenas podem ser praticados na presença dele (nulla executio sine titulo). Sem o demandante se apresentar munido de um título executivo a execução não pode ser intentada ou, se intentada, prosseguir. Por outro lado, diz-se que o título executivo é condição suficiente da ação executiva, na medida em que na sua presença segue-se imediatamente a execução, sem ser necessário indagar previamente sobre a real existência do direito a que se refere. Presume-se a sua existência, cabendo ao executado excecionar ou impugnar a sua formação, subsistência, validade ou eficácia, através da competente oposição à execução ou mediante embargos de executado

Podem servir de base à execução, entre outros títulos, as sentenças condenatórias (art. 703º, n.º 1, al. a) do CPC).
No que concerne aos requisitos da exequibilidade da sentença, prescreve o art. 704º, n.º 1 do CPC que a “sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo”.

Segundo o art. 628º do CPC, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja passível de recurso ordinário ou de reclamação, ou seja, quando insuscetível de substituição, alteração ou de modificação por qualquer tribunal, incluindo o tribunal que a tenha proferido.

A regra de que a sentença só constitui título executivo depois de transitada em julgado comporta a exceção enunciada na 2ª parte do n.º 1 do art. 704º do CPC, posto que podem ser executadas sentenças ainda não definitivas, contanto que contra elas esteja pendente, na Relação ou no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), recurso com efeito meramente devolutivo (2).

Neste caso, ainda que a decisão não possua o valor de caso julgado por ser passível de impugnação através de recurso ordinário ou de reclamação, e mesmo existindo o risco de a mesma vir a ser modificada ou revogada, o legislador permite ao credor executar provisoriamente essa decisão, privilegiando, por isso, os interesses do credor (3) (que não tem de aguardar pelo trânsito em julgado da decisão para promover a execução), além de que pretende evitar a interposição de um recurso pelo demandado com a única finalidade de obviar à execução da decisão que o condenou a cumprir uma obrigação (4). Nas elucidativas palavras de Alberto dos Reis (5), o “interesse da rapidez prevalece sobre o interesse da justiça da execução. A lei consente o risco da execução injusta para assegurar ao credor a vantagem da execução pronta”.

Sendo executada sentença pendente de recurso ao qual foi atribuído efeito meramente devolutivo, há que ter presente o regime especial estabelecido no n.º 2 do art. 704º do CPC que estabelece as consequências da decisão que a causa venha a ter nas instâncias superiores, nos termos do qual:

«A execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão; as decisões intermédias podem igualmente suspender ou modificar a execução, consoante o efeito atribuído ao recurso que contra elas se interpuser».

Nele estão previstas e reguladas duas situações distintas: por um lado, os efeitos da decisão definitiva da causa no destino final da execução (visto que esta revestia natureza provisória); por outro, os efeitos da decisão intermédia no andamento da execução na pendência do recurso.

Segundo a 1ª parte do citado preceito, se da sentença condenatória da 1ª instância foi interposto recurso com efeito meramente devolutivo e se o Tribunal da Relação ou o Supremo Tribunal de Justiça, a título definitivo, revogar ou modificar essa sentença, a execução extingue-se “ex tunc” ou modifica-se em conformidade com essa decisão (6).
A segunda parte do normativo em apreço regula a hipótese de a decisão (provisoriamente) executada vir a ser revogada ou modificada pelo tribunal imediatamente superior, mas a decisão deste segundo tribunal não ser «definitiva», por dela ter também havido recurso (7).
É aqui que relevam as apodadas “decisões intermédias”, que se consubstanciam nas decisões «proferidas em recurso e a seu turno recorridas» (8).

Concretizando: sendo executada sentença da qual foi interposta apelação com efeito meramente devolutivo, se o Tribunal da Relação revogar (totalmente) essa sentença, mas deste acórdão for interposto recurso de revista para o STJ, dúvidas não subsistirão de que a decisão da Relação não foi definitiva (caso em que esse acórdão assume a natureza de decisão intermédia ou decisão interlocutória e que se repercute, ou não, no andamento da execução, consoante o efeito que se tiver atribuído ao recurso de revista), não lhe sendo aplicável o 1º período, mas sim o 2º período do n.º 2 do art. 704º do CPC; se a revista tiver efeito meramente devolutivo, a execução da sentença suspender-se-á, em harmonia com o acórdão da Relação até que o STJ decida em definitivo; por sua vez, se o acórdão do Tribunal da Relação alterou a sentença da 1ª instância (por ex., revogação parcial), a execução tem de ser modificada (para menos, no caso), em conformidade com esse acórdão; diversamente, se a revista tiver efeito suspensivo, a execução não se suspende nem modifica em virtude do acórdão recorrido da Relação.

Já no caso de ser proferida uma decisão definitiva, ou seja, transitada em julgado pelo STJ (ou pela Relação), o destino da execução provisoriamente instaurada fica dependente dessa decisão: se o tribunal superior confirmar a sentença da 1ª instância, a execução prossegue os seus termos sem qualquer modificação, nos exatos termos em que havia sido promovida, tornando-se em definitiva a execução que foi instaurada como provisória; se revogar (totalmente) a sentença que serviu de título executivo, a execução extinguir-se-á; se o tribunal superior alterar (para mais ou para menos) a sentença exequenda, a execução provisória modificar-se-á em conformidade com essa alteração. Nesta hipótese em análise, só a decisão do tribunal superior transitada em julgado será definitiva e importará aplicação do regime previsto no 1º período do n.º 2 do art. 704º do CPC.

Em anotação ao art. 704º do CPC, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo (9) dizem que, “(…) de acordo com o n.º 2, a execução (provisória) modifica-se ou extingue-se em conformidade com o teor da decisão final proferida em sede de recurso. Neste contexto, a execução prosseguirá na parte alterada se a sentença, parcialmente revogada, mantiver um qualquer segmento condenatório, e extinguir-se-á, não só quando a sentença exequenda haja sido totalmente revogada, mas também no caso de ter sido anulada, ainda que para a realização de novo julgamento, designadamente para ampliação da matéria de facto. Extinta a execução, deverá ser determinado o levantamento de todas as penhoras efectuadas, ficando sem efeito as vendas realizadas, nos termos do artigo 839.º, n.º 1, alínea b), restituindo-se ao executado a totalidade dos bens apreendidos, sem qualquer custo para o mesmo”.

Esta posição merece-nos inteira adesão, dado fazer uma abordagem que reputamos como adequada do regime especial estabelecido no art. 704º, n.º 2 do CPC respeitante às decisões exequendas não transitadas em julgado.

E, como bem se referiu na decisão recorrida, não há que trazer à colação a figura da decisão intermédia, pois o caso em apreço subsume-se, não à 2ª parte, mas sim à 1ª parte do n.º 2 do art. 704º do CPC.

Com efeito, tendo sido proferida sentença condenatória na 1ª instância, da qual foi interposto recurso de apelação com efeito meramente devolutivo, o autor optou desde logo por promover a presente execução (com carater provisório), sendo que por acórdão desta Relação datado de 16 de março de 2017, transitado em julgado, foi decidido “(…) anular a decisão proferida na 1ª instância para ampliação da matéria de facto, mediante a repetição do julgamento relativamente aos factos acima indicados (…)”.
O referido acórdão transitou em julgado, pois dele não foi interposto recurso de revista (10) (que, de resto, não era admissível – art. 662º, n.º 4 e 671º, n.º 1, ambos do CPC), tendo como consequência imediata a anulação (total) da sentença dada à execução.

Por conseguinte, a primitiva sentença deixou de produzir quaisquer efeitos na ordem jurídica, uma vez que, como se aduz na decisão recorrida, “por força do referido Acórdão, em consequência da anulação dessa decisão os autos regressaram à fase do julgamento para ampliação da matéria de facto, não sendo possível executar nenhum dos seus segmentos condenatórios”, sendo que “o regresso à fase do julgamento implicará, necessariamente, a prolação de uma nova sentença”.

Tudo se passa, no fundo, como se não tivesse sido proferida nenhuma sentença nos autos, encontrando-se o autor no estado em que se encontrava antes da prolação da primitiva sentença anulada, o mesmo é dizer que não dispõe de título executivo, ainda que provisório, para prosseguir ou manter a execução.

Como refere Alberto dos Reis (11), se “o credor promove a execução com base numa sentença pendente de recurso com efeito meramente devolutivo corre o risco de ver inutilizado o processo executivo e de ter, consequentemente, de pagar as custas deste processo e restituir o que já tenha recebido, se o recurso tiver provimento.
É de toda a evidência que não pode subsistir uma execução baseada numa sentença que posteriormente é revogada ou anulada. Nesta hipótese, o título executivo cai e com ele tem de cair a execução que no título se apoiava” (sublinhado nosso).
Não há, por outro lado, fundamento para a suspensão da presente execução provisória, uma vez que, mercê da anulação definitiva da sentença exequenda, o exequente deixou de dispor de título executivo (suficiente) que possa servir de base à execução e, como decorre da conjugação dos arts. 10º, n.º 5 e 703º, do CPC, sem título executivo a execução não pode prosseguir (12).

Na verdade, o título executivo deve existir desde que a execução é iniciada e subsistir durante toda a execução (13).
Ademais, no caso das decisões intermédias, a modificação e a suspensão da execução (provisória) está na dependência do efeito atribuído ao recurso que contra ela se interpuser, e essa questão não está em causa nos presentes autos; já nas decisões definitivas não faz sentido falar-se em suspensão da execução, pois que a execução iniciada na pendência do recurso extingue-se ou modifica-se – mantendo-se na parte que, eventualmente, não tenha sido revogada –, consoante a decisão revogatória seja total ou parcial.

Igualmente, não são atendíveis as razões de garantia patrimonial e economia processual invocadas pelo apelante com vista à obtenção da suspensão da execução, uma vez que esta foi deduzida com base numa sentença pendente de recurso e com efeito meramente devolutivo, entretanto definitivamente anulada, pelo que o exequente deixou de deter título executivo para alicerçar a pendência da execução, ainda que suspensa, com os efeitos pretendidos, nomeadamente a manutenção das penhoras já decretadas e das taxas e encargos já pagos. Ao optar por instaurar de imediato a execução e revestindo esta natureza provisória, o autor terá de arcar com as consequências derivadas da inutilização do processo executivo decorrentes da anulação da sentença condenatória.

Por último, umas breves palavras para dizer que, contrariamente ao propugnado pelo recorrente, a posição sufragada no citado Ac. da RC de 09-11-2004 (relator Garcia Calejo), in www.dgsi.pt., não é transponível para o caso em apreço, na medida em que na situação aí versada o acórdão do STJ que determinou a anulação da decisão da Relação foi perspetivado como uma mera decisão intermédia e não definitiva; diversamente, na nossa situação o acórdão desta Relação que anulou “a decisão proferida na 1ª instância para ampliação da matéria de facto”, como já explicitámos, não corresponde na sua rigorosa aceção jurídica a uma decisão intermédia, mas sim a uma decisão definitiva, porque transitada em julgado (constituindo caso julgado formal, de acordo com o art. 620º do CPC), ainda que não tenha incidido sobre o mérito da causa.

No tocante ao segundo acórdão invocado pelo apelante [Ac. da RL de 5.6.2008 (Relatora Maria Rosário Barbosa), in www.dgsi.pt.], sem quebra do devido e merecido respeito pelo entendimento contrário aí aduzido, nele não nos revemos. Isto porque o citado acórdão recorreu à figura da decisão intermédia para ancorar a solução alcançada e, como já tivemos oportunidade de assinalar, no caso em discussão nestes autos julgamos estar antes em causa uma decisão definitiva, e não uma decisão intermédia.
Em resumo: considerando a decisão anulatória, transitada em julgado, que foi proferida pelo Tribunal desta Relação sobre a sentença condenatória que serviu de título executivo, sem que desta tenha subsistido qualquer segmento condenatório, tal determina a extinção total da execução provisória, em conformidade com a 1ª parte do n.º 2 do art. 704º do CPC.
A decisão recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões do apelante.
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*
V. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante.
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Guimarães, 10 de maio de 2018


Alcides Rodrigues
Espinheira Baltar
Eva Almeida


1. Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo gralhas evidentes e a ortografia utilizada.
2. Presentemente, quer o recurso de apelação, quer o recurso de revista, têm, por regra, efeito meramente devolutivo (arts. 647º, n.º 1, e 676º, n.º 1, este por interpretação “a contrario” do CPC), pelo que mesmo que o réu/reconvindo interponha recurso da sentença condenatória nada obsta a que o autor/reconvindo promova, ainda que provisoriamente, a execução da sentença ou do acórdão (arts. 704º, n.º 1, 649º e 676º, n.º 3, do CPC).
3. Cfr., Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, p. 59.
4. Cfr., Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, 1998, Almedina, pp. 79/80.
5. Cfr. Processo de Execução, Vol. 1º, 3ª ed. Reimpressão, Coimbra Editora, 1985, p. 130.
6. Cfr., Marco Carvalho Gonçalves, obra citada, p. 61.
7. Cfr. Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed. (Reimpressão), Almedina, 1992, p. 53.
8. Cfr. Ary de Almeida Elias da Costa, Fernando Carlos Ramalho da Silva Costa, João A. Gomes Figueiredo de Sousa, Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 1º vol., Almedina, 1972, p. 405. Expressivamente, refere Lebre de Freitas tratar-se de decisão proferida pelo tribunal de recurso que, por sua vez, seja objeto de recurso para um tribunal superior (cfr. A Ação Executiva Depois da Reforma, 4ª ed., Coimbra Editora, 2004, p. 41). Segundo Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, p. 85, as “decisões intermédias” são «as decisões que são proferidas pela Relação no recurso interposto da decisão executada», subentendendo-se também da abordagem sobre o tema explicitada pelo citado autor não se tratar de decisões definitivas por delas ser interposto recurso para o STJ.
9. Cfr. A Acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, p.169.
10. Daí, cremos, não fazer sentido falar-se em decisão intermédia, pois esta, como se disse, pressupõe uma decisão de um tribunal superior que tenha sido objeto de recurso para um tribunal superior.
11. Cfr. obra e local citados.
12. Diversa é a situação quando a sentença recorrida principiou por ser exequível, mas que por efeito do recurso recebido (quanto a uma decisão intermédia da Relação) deixou de o ser, caso em que a execução se suspende, e não se extingue (cfr. 2ª parte do n.º 2 do art. 704º do CPC), até ser proferida uma decisão definitiva pelo STJ.
13. Cfr., Bruno Cirillo citado por Marco Carvalho Gonçalves, in obra citada, p. 61.