Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4677/15.4T8GMR.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: RECONVENÇÃO
ADMISSÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora).

I. A absolvição dos réus da instância, não obsta à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, se este não for dependente do formulado pelo autor.

II. No caso dos autos, não sendo o pedido reconvencional deduzido pelos réus condicional aos pedidos do autor (pois que não está subordinado à condição de a pretensão do autor proceder), é o mesmo admissível.

III. Não se pode confundir litigância de má-fé com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

José (..) intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, no actual Juízo Central Cível de Guimarães, J1, contra (…) e mulher (…), pedindo que seja declarada a anulabilidade do negócio jurídico em causa – compra e venda do prédio objecto da escritura pública celebrada em 20 de Maio de 2015 – e concomitante anulabilidade do registo de propriedade do prédio então efectuado a favor dos réus, dado que estes, dolosamente através de recurso a um artifício/embuste, o induziram em erro, do qual resultou a falsidade da declaração exarada na escritura pública no que concerne ao recebimento do preço do prédio objecto da compra e venda, declaração que jamais ocorreria se não tivesse sido, dolosamente, induzido e mantido em erro pelo réu marido; ou a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia de € 55.000 acrescida de juros à taxa comercial, contados a partir da data de entrada em juízo da presente acção até integral pagamento de tal quantia, despesas judiciais, procuradoria e tudo o mais que vier a ser apurado.

Alegou para tal que, na titularidade de procuração outorgada por M. S., que lhe conferiu poderes para vender o prédio urbano sito no lugar da ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., concretizou esse negócio com os réus, outorgando escritura pública em 20 de Maio de 2015.

Contudo, apesar ter ficado a constar que declarava ter recebido o preço e de, face à questão suscitada pela Notária, ter esclarecido que as contas já estavam feitas, nesse momento os réus ainda não tinham pago € 55.000, que haviam prometido efectuar imediatamente a seguir à outorga da escritura; no entanto, esse pagamento não foi concretizado com invocação de dificuldades financeiras imediatas e que não logrou convencer o réu a regressar ao Cartório para anular ou rectificar a escritura de forma a ficar registada a existência da dívida e condicionar o registo definitivo da propriedade ao pagamento integral; tendo em vista ultrapassar a situação, ainda solicitou a entrega de um cheque pré-datado naquele valor ou uma confissão de dívida, o que foi negado.

Os réus contestaram, invocando a excepção de ilegitimidade activa por entenderem que a acção devia ser intentada em nome da representada e não do seu procurador, pois este age no interesse e em representação daquela.

Contrapuseram que em 30 de Novembro de 2009 celebraram com o autor, que interveio em representação de M. S., um contrato promessa de compra e venda do aludido imóvel, acordando o preço de € 175.000, entregando, então, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 3.000; ficou estipulado que o promitente vendedor se comprometia a obter licença de habitabilidade nos serviços camarários até à data da celebração da escritura; porém, os anos passaram sem que licença fosse obtida pois o imóvel tinha várias construções não licenciadas, pelo que decidiram renegociar o preço e, em 28 de Setembro de 2012, celebraram novo contrato promessa acordando que o preço era de € 100.000, que foi recebido pelo demandante em três cheques datados de 20 de Dezembro de 2012, ficando estipulado que lhes caberia obter a licença; pagaram, para o efeito, os honorários de técnicos e trataram eles próprios dos actos preparatórios a essa emissão, o que apenas alcançaram em Março de 2015 e permitiu agendar a escritura que veio a celebrar-se em 20 de Maio desse ano; o preço encontrava-se pago pelo que o autor na qualidade de procurador da vendedora declarou tê-lo recebido; na escritura declararam o preço de € 117.000 em razão da avaliação matricial do prédio e das regras do IMT.

Deduziram reconvenção pedindo a condenação do autor a reconhecer que são donos e legítimos proprietários do prédio urbano composto de rés-do-chão e primeiro andar, sito no lugar da ..., freguesia de ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º.

Reiteraram as anteriores alegações acrescentando que em decorrência do segundo contrato promessa o prédio foi-lhes entregue para que o usassem e fruíssem, como aconteceu e que perante a celebração do negócio por escritura pública registaram-no em seu nome.

Terminaram pedindo a condenação do autor como litigante de má fé em multa e indemnização a seu favor não inferior a € 1.500 com o fundamento de que aquele alegou factos que sabe não serem verdadeiros, com vista a obter de si quantia a que sabe não ter direito.

O autor replicou reiterando o que já alegara na petição inicial e acrescentou que o segundo contrato apenas foi celebrado com objectivos de natureza tributária e no interesse dos réus, que omitiram a razão pela qual o preço declarado é superior ao indicado no contrato promessa.

No exercício do contraditório relativamente à excepção o autor argumentou que as procurações que juntou lhe conferem poderes especiais para em seu próprio nome propor qualquer tipo de acção.
O autor comprovou o registo da acção.

Dispensada a audiência prévia, a reconvenção foi admitida, tendo sido proferido despacho saneador que julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa, absolvendo os réus da instância, decisão que veio a ser confirmada em sede de recurso; relativamente aos restantes pressupostos processuais, pronunciou-se pela sua validade e regularidade, estado em que, aliás, se mantêm.

Foram enunciados os temas da prova, sem reclamação.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“VI. Decisão
Em face do exposto, o Tribunal:
a) julga a reconvenção provada e procedente, condena o Reconvindo José a reconhecer que os Reconvintes F. L. e mulher P. S. são proprietários do prédio urbano composto por rés-do-chão e primeiro andar, dependência e logradouro, situado no lugar de ... ou da ..., freguesia de ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artigo ...;
b) julga o incidente de litigância de má fé provado e procedente condenando o Autor na multa de 10 (dez) UCs e na indemnização que vier a ser fixada relativamente a honorários e despesas decorrentes da presente lide para os Réus.
Custas a cargo do Autor.
Registe e notifique.
Após trânsito, notifique os Réus para, em dez dias, apresentar nota de despesas e honorários para efeitos do disposto no artigo 543º do Código de Processo Civil.”
*
Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

“Conclusões

Em síntese e na substância, o presente Recurso confina-se a saber se:

a) O pedido reconvencional formulado pelos Reconvintes é susceptível de apreciação pelo tribunal à luz do disposto no artº 266º, nº 6, in fine do Cód. Proc. Civil.
b) Admitindo, sem conceder, que tal pedido reconvencional é susceptível de apreciação pelo tribunal, o mesmo deve ser julgado improcedente face à prova provada nos autos.
c) A condenação do Reconvindo em litigância de má-fé, revela-se absolutamente destituída de suporte factual e legal passível de ancilar a mesma.

Da admissibilidade do pedido reconvencional.

— Como se provou e demonstrou à saciedade no âmbito das alegações constantes do presente Recurso, o pedido reconvencional deduzido pelos Réus/Reconvintes está, intrinsecamente, dependente do pedido formulado pelo Autor/Reconvindo.
— Nesta conformidade, a absolvição dos Réus da instância que, de facto, ocorreu, obsta à apreciação daquele pedido - cfr. artº 266º, nº 6, in fine, C. P. Civil.
— Assim sendo, como é, a decisão recorrida deve ser revogada sendo substituída por outra que determine o impedimento do tribunal para apreciar o mérito do pedido reconvencional deduzido pelos Réus/Reconvintes - cfr. artº 266º, nº 6, in fine, C. P. Civil.

Da decisão sobre o pedido reconvencional.

— Em sede de pedido reconvencional, os Réus peticionaram que o Reconvindo lhes reconheça o direito de propriedade sobre o prédio urbano composto por rés-do-chão e primeiro andar, dependência e logradouro, situado no Lugar de ..., freguesia de ..., Guimarães, descrito na CRP sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artº ...º.
— A Meritíssima Juiz do Tribunal à Quo, sem prova e contra a prova julgou procedente, aquele pedido reconvencional.
— Sem recurso à filigrana jurídica, o cerne da questão para decidir sobre a procedência ou improcedência do pedido reconvencional, consiste, justamente, em saber se os Réus tinham pago na íntegra o preço estabelecido pela aquisição do imóvel em causa e se tal preço foi fixado em 155.000,00 €.
— A resposta a esta questão é só uma — os Réus não pagaram o preço fixado em 155.000,00 € —.
— Com efeito, à luz da matéria de facto provada nos pontos 6 - 7 - 8 da douta sentença recorrida, conjugada com as declarações de parte do Réu/Reconvinte F. L. e dos depoimentos das testemunhas H. G. e I. F., respectivamente passagens:
00:19:27 - 00:19:30 - 00:20:54 - 00:21:00 - 00:21:04 - 00:21:05 - (F. L.), 00:02:15 - 00:02:22 - 00:02:52 - 00:02:54 - 00:04:18 - 00:04:54 - 00:06:26 - 00:06:31 - 00:06:37 - 00:06:46 - 00:07:01 - 00:07:05 - 00:07:07 - (H. G.), 00:01:15 - 00:03:31 - 00:03:45 - 00:04:36 - 00:05:11 - (I. F.), resulta claro que o preço final fixado pelas partes para aquisição do prédio em causa foi de 155.000,00 € (cento e cinquenta mil euros).
— Resulta também claro da matéria de facto dada como provada nos pontos 6 - 7 – 8 da douta sentença recorrida, conjugados com as declarações de parte do Reconvinte F. L., cujas passagens supra se identificaram e depoimento das testemunhas H. G. e I. F., passagens também supra identificadas, que os Réus/Reconvintes apenas pagaram 100.000,00 €, relativamente ao preço de 155.000,00 € estabelecido para a aquisição do prédio em causa, restando em dívida 55.000,00 €.
— Nesta conformidade, a Meritíssima Juiz do Tribunal a Quo, julgou incorrectamente a matéria de facto supra elencada e, à luz deste julgamento incorrecto da matéria de facto, decidiu - mal - no sentido de julgar procedente o pedido reconvencional deduzido pelos Réus/Reconvintes.
— A apreciação escorreita por parte da Meritíssima Juiz do Tribunal à Quo relativamente aos meios probatórios constantes nos autos, designadamente a matéria de facto dada como provada nos pontos - 6 - 7 - 8 da sentença recorrida, conjugados com as declarações de parte do reconvinte F. L. e testemunhas H. G. e I. F. - passagens supra identificadas - apenas poderia conduzir a total e absoluta improcedência do pedido reconvencional deduzido pelos Réus/Reconvintes.
— Objectivamente a decisão a proferir sobre aquelas questões de facto deve ser no sentido de considerar provado e demonstrado que o preço fixado pelas partes para aquisição do prédio em causa foi de 155.000,00 € e que, relativamente a tal preço, apenas foi paga a quantia de 100.000,00 € restando em dívida a quantia de 55.000,00 €.

Da condenação em litigância de má-fé.

— O artº 542º, nº 2, alínea a) b) c) d) tipifica como litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
— Regressando ao caso em apreço e tendo em consideração toda a factualidade vertida no mesmo, só por ironia, lapso ou qualquer outro motivo que não se descortina, é entendível a condenação do Autor? (os Réus foram absolvidos da instância) Reconvindo em litigância de má-fé.
— Na verdade, atento tudo que foi alegado e provado em sede de alegações do presente Recurso, designadamente nos artºs 72º a 102º inclusive e que aqui, por economia processual, se dão por integralmente reproduzidos, conjugados com as declarações de parte do Reconvindo José - passagens:
00:18:08 - 00:18:12 - 00:18:14 - 00:18:22 - 00:18:23 - 00:18:35 - 00:18:46 - 00:19:11 - 00:19:14 - 00:19:21 - 00:19:42 - 00:19:44 - 00:19:46 - 00:19:49 - 00:19:51 - 00:20:00 - 00:20:08 - 00:20:27 - 00:20:36 - 00:20:41, não subsistem dúvidas que muito mal andou a Meritíssima Juiz ao condenar o Reconvindo como litigante de má-fé.
— Aliás, tendo sido os Réus/Reconvintes absolvidos da instância, não se entende a que titulo o Reconvindo litiga de má-fé em sede de pedido reconvencional – mutatis mutandis aqui os «Autores» são os Reconvintes - o Reconvindo é «Réu».
— Nesta matéria - condenação em litigância de má-fé -, a Meritíssima Juiz do Tribunal à Quo, com o devido respeito e, é muito, além de julgar incorrectamente a matéria de facto, alterou o sentido da mesma - vide - artigos 90º - 91º - 92º - 93º das alegações, conjugadas com as declarações de parte do Reconvindo - passagens 00:18:08 - 00:18:12 - 00:18:14 - 00:18:22 - 00:18:23 - 00:18:35 - 00:18:46 - 00:19:11 - 00:19:14 - 00:19:21 - 00:19:42 - 00:19:44 - 00:19:46 - 00:19:49 - 00:19:51 - 00:20:00 - 00:20:08 - 00:20:27 - 00:20:36 - 00:20:41.
— Nestas circunstâncias, a decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal à Quo no que concerne à condenação do Reconvindo como litigante de má-fé, deve ser revogada no sentido de considerar que o mesmo agiu à luz dos mais elementares princípios que devem nortear as partes que recorrem a juízo para fazer valer o direito ou direitos que no seu sério entender lhes assistem.

Nestes termos deve:

a) Ser revogada a douta sentença recorrida dado que à luz do disposto no artº 266º, nº 6, in fine do Cód. Proc. Civil, o Tribunal à Quo está impedido de apreciar o mérito da causa no que concerne ao pedido reconvencional deduzido pelos Réus/Reconvintes ou, se assim não se entender,
b) Deve ser revogada a douta sentença recorrida no que concerne ao pedido reconvencional, dado que, atenta a prova produzida nos autos, o mesmo apenas poderia ter sido julgado totalmente improcedente.
c) Deve ser revogada a douta sentença recorrida no que tange à condenação do Reconvindo como litigante de má-fé, dado que o mesmo agiu sempre na estrita observância dos mais elementares princípios que devem nortear todos aqueles que recorrem a juízo, não existindo, por isso, fundamentação de facto e direito passível de justificar a condenação como litigante de máfé.
Fazendo-se, assim, Justiça.”.
*
Os réus apresentaram contra-alegações, terminando as mesmas com as seguintes conclusões, que se transcrevem.

“Em conclusão
1. No presente recurso o Apelante insurge-se contra a decisão da admissibilidade do pedido reconvencional, contra a decisão sobre o pedido reconvencional e contra a decisão da condenação do A./reconvindo em litigância de má-fé;
2. No que concerne à questão da admissibilidade do pedido reconvencional, com a devida vénia e salvo melhor entendimento, não assiste razão ao recorrente quando alega que o artigo 266.º, n.º 6, in fine, obstaria à apreciação do pedido reconvencional, na justa medida em que o pedido reconvencional não é dependente do pedido formulado pelo A.;
3. O pedido reconvencional dos aqui Reconvintes emerge do fundamento da defesa, uma vez que a propositura da ação põe em causa a titularidade do direito de propriedade pelos RR. através da arguição de um vício da declaração da vontade, vício esse que os RR. contrapõem com argumentos que afastam a dúvida suscitada pelo A., e nessa medida o pedido reconvencional revela-se autónomo e subsistente mesmo com a ilegitimidade passiva do A. na acção principal;
4. Repare-se que na petição inicial o A. nunca pôs em causa o valor da venda do imóvel declarado na escritura, mas tão só que não recebeu a quantia de 55.000,00 €;
5. O A. alegou que não lhe pagaram a quantia de 55.000,00 € correspondente ao restante ainda em dívida relativa ao preço global do prédio, mas em momento algum da sua p.i. diz qual o preço global do imóvel;
6. De modo que, salvo melhor entendimento, o facto do A. não ser parte legítima para demandar a presente acção, não lhe confere ilegitimidade passiva perante a reconvenção na justa medida em que o mesmo veio a juízo sindicar a posição jurídica dos RR. quanto ao prédio;
7. No caso em apreço, o pedido reconvencional não é dependente do pedido formulado pelo A., na medida em que o A. pretende que os RR. Sejam condenados a pagar-lhe 55.000,00 €, ao passo que os RR. pretendem o reconhecimento do direito de propriedade independentemente do alegado valor em dívida subsistir ou não;
8. Nessa medida, entendem os recorridos que o pedido reconvencional revela-se autónomo e por conseguinte admissível, pelo que não merece a sentença a quo qualquer censura nesta parte;
9. Com o devido respeito por opinião contrária entendem os recorridos que a conjugação dos factos dados como provados nos pontos 6, 7 e 8 da sentença com as declarações de parte do R. e das testemunhas H. G. e I. F. em nada alteram a matéria de facto e sobretudo em nada provam que as partes tivessem fixado o preço final de 155.000,00 € para a aquisição do prédio em causa; Senão vejamos:
10. Nas declarações de parte do R./ Reconvinte F. L. o mesmo em momento algum das suas declarações refere que foi acordado fixar o preço final de 155.000,00 € pela aquisição do imóvel (veja-se suas declarações gravadas em registo digital na acta de audiência de julgamento de 31/01/2019, entre as 17:17:13 e as 17.56:04);
11. As testemunhas H. G. e I. F. não assistiram a quaisquer negociações entre as partes e não sabem sequer qual o alegado valor em dívida, apenas relataram que se deslocaram com o A. a ... a casa do R., tendo a testemunha H. G. referido que “Ouvi-o dizer que ele (réu) resolvia o problema, para ele estar descansado” (Veja-se passagens dos 00:06min37seg gravadas em registo digital na acta de audiência de julgamento do 31/01/2019);
12. Por sua vez a testemunha I. F. no seu depoimento referiu “”ouvi para o senhor José ir embora descansado que iria receber tudo aquilo que devia, que lhe ia pagar, para o homem ir dormir descansado. Foram essas as palavras que ele lhe disse” (Veja-se depoimento desta testemunha gravado em registo digital na acta de audiência de julgamento de 31/01/2019 Passagens aos 05min11 seg);
13. A respeito dos depoimentos destas duas testemunhas e como a sentença a quo bem referiu em sede de motivação, “Existe contradição entre o depoimento das duas testemunhas, em particular acerca das palavras que atribuíram ao Réu, sendo certo que a expressão “pode ir descansado”, consoante o contexto, poderia ter um significado diverso. Estranha-se que tendo referido ambos a entrada do Mandatário do Autor, nenhum tenha mencionado a saída, isoladamente ou em conjunto, o que deixa dúvidas sobre a efectiva presença das testemunhas no local. Por outro lado, a indicação temporal da segunda testemunha que poderia ser segura, por referência ao seu aniversário, acaba por se revelar errada na medida em que a escritura pública foi celebrada a 20 de Maio, ou seja, mais de seis semanas e não duas ou três.”
14. A única pessoa que em sede de audiência de julgamento referiu que o preço final acordado para a aquisição do imóvel teria sido de 155.000,00 € foi o A. Em declarações de parte que, com a devida vénia, se revelaram pouco credíveis na justa medida em que o mesmo pouco ou nada soube esclarecer quanto ao momento e termos para se fixar o preço naquela quantia;
15. Repare-se nas declarações de parte do A. gravadas em registo digital na acta de audiência de julgamento de 31/01/2019, passagens dos 03min 02seg aos 04min35seg;
16. Com a devida vénia, destas declarações desde logo “salta à vista” que o A. referiu que “ele (réu) disse fazemos uma coisa faz por 155 mil euros e não me ocupo de nada”, daqui depreende-se que este alegado preço seria se o R. não se ocupasse de nada, ou seja, de todos os procedimentos de legalização que se encontravam em falta;
17. O que acabou por não ser o que se passou, pois foi o R. que tratou de todas as legalizações como o próprio A. admite;
18. Por outro lado, as declarações do A. revelam-se incongruentes na medida em que ficou provado no ponto 13 dos factos provados da sentença que “Em escrito datado de 28 de Setembro de 2012, assinado pelo A., ficou a constar que este, na qualidade de procurador de M. S., declarava prometer vender aos Réus o imóvel identificado em 1) pelo preço de €100.000”;
19. Não se concebe que o A., como admitiu em audiência de julgamento que assinou o escrito datado de 28 de Setembro de 2012, tenha por escrito estipulado um preço e verbalmente tenha acordado outro;
20. Não é plausível à luz das regras da lógica e da experiência comum firmar um contrato oralmente e depois assinar por escrito, diante de um advogado, diferentes condições do mesmo negócio;
21. Também não é plausível à luz da lógica e das regras da experiência comum que a justificação para o negócio escrito ser diferente do verbal assente na “confiança”, confiança essa de um promitente comprador (Réu) que mal conhece e do advogado deste que também mal conhece ou pelo menos não há qualquer relação de amizade, familiar ou comercial para essa “confiança”;
22. Acresce ainda que, à luz das regras da lógica e da experiência comum não é normal os outorgantes irem para a sala de leitura da escritura sem antes, em norma até ocorre imediatamente antes, ser entregue ao vendedor o cheque para pagamento;
23. Não é, assim, com o devido respeito por opinião contrária, credível que o A. tenha declarado perante a Notária que recebeu o preço sem o ter recebido, mormente quando alegadamente estão em causa 55.000 €;
24. Na verdade, o A. não logrou demonstrar em juízo o acordo relativamente a uma contrapartida acrescida de 55.000 €, bem como não logrou demonstrar que o preço final fixado foi de 155.000 €;
25. O A. em momento algum da sua petição inicial alegou o montante concreto do preço global do imóvel, limitando-se a sustentar a dívida de um remanescente de 55.000,00 €;
26. Resulta da conjugação da prova documental junta aos autos, mormente o contrato promessa datado de 28 de setembro de 2012, o teor da Escritura definitiva de compra e venda, e dos comprovativos do pagamento da quantia de 100.000 € (Vide factos provados nos pontos 1, 4, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 – não postos em causa pelo recorrente - que a sentença a quo procedeu a uma adequada interpretação e subsunção jurídica da factualidade provada ao concluir que o preço foi integralmente pago em Dezembro de 2012;
27. Além disso, o julgamento dado ao caso sub judice é consentâneo em termos de coerência intrínseca, lógica da vida comum e regras da experiência comum, não merecendo qualquer censura;
28. Razão porque bem andou o Tribunal a quo na decisão que proferiu, não havendo, pois, qualquer reparo a fazer na subsunção da matéria de facto provada ao direito e normas jurídicas aplicadas.
29. Salvo melhor entendimento, também não assiste razão ao recorrente quando alega que o reconvindo não deveria ter sido condenado como litigante de má-fé;
30. Porquanto, o A. alterou factos que bem sabia não serem verdadeiros, alterando a verdade que bem conhecia com vista a obter dos RR. quantia a que sabe não ter direito;
31. Também nesta parte e com a devida vénia se dá aqui como integrada e reproduzida toda a douta fundamentação da sentença quanto à aplicação e interpretação das pertinentes regras de direito aplicáveis à relação sub judice e bem assim quanto à melhor doutrina e jurisprudência nela invocada;
32. Face a tudo o que antecede, deve manter-se integralmente a douta sentença improcedendo a apelação do douto recurso, uma vez que a douta sentença não merece qualquer reparo por ter realizado correcta aplicação da lei;

Assim e em conclusão, devem improceder todas as conclusões do Apelante, e consequentemente confirmar-se in totum a sentença, assim se fazendo J u s t i ç a!
*
O recurso foi admitido, por despacho de 26 de Junho de 2019, como de apelação, a subir nos próprios autos, e com efeito devolutivo.
*
Entendendo a ora relatora que o efeito do recurso interposto, na parte referente à condenação do autor como litigante de má-fé, tem efeito suspensivo, ao abrigo do disposto pelo art. 654º nº 1 do Código de Processo Civil, determinou-se a notificação das partes para sobre tal, querendo, se pronunciarem.

O autor veio pronunciar-se no sentido de concordar com esse efeito.

Assim, o recurso veio a ser admitido neste Tribunal como de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito suspensivo na parte referente à condenação do autor como litigante de má-fé, e com efeito meramente devolutivo quanto ao restante.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1 – Da admissibilidade do pedido reconvencional;
2 – Em caso de resposta afirmativa à questão anterior: da impugnação da matéria de facto;
3 – Em caso de procedência da impugnação da matéria de facto, se deve ser alterada a decisão de direito;
4 – Da litigância de má-fé do autor.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:

“Resultaram provados os seguintes factos fixados na sequência da análise dos documentos juntos e por confissão, como resulta do despacho proferido em 16 de Julho de 2017, a fls. 137 vº e 138 e da prova produzida em julgamento relativamente aos temas de prova na parte que se mantinha controvertida após a prolação do aludido despacho:

1. Por escritura pública celebrada a 20 de Maio de 2015, no Cartório Notarial da Dr.ª M. D., sito na Rua …, Vizela, o Autor José, outorgando na qualidade de procurador de M. S., conforme procuração que a Notária arquivava, declarou, na referida qualidade, vender ao Réu F. L., casado no regime de comunhão de adquiridos com a Ré P. S., pelo preço de € 117.000, já recebido, o prédio urbano composto por rés-do-chão e primeiro andar, dependência e logradouro, situado no lugar de ... ou da ..., freguesia de ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., registado a seu favor pela inscrição apresentação 31 de 18 de Abril de 2007 e inscrito na matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 144.800 [alínea A) do despacho em referência e documento de fls. 24 a 27].
2. Na escritura identificada em 1) o Réu declarou aceitar o contrato nos termos exarados e que o referido imóvel se destinava exclusivamente à sua habitação própria permanente [alínea B) do despacho em referência e documento de fls. 24 a 27].
3. A Notária identificada em 1) consignou que fora exibido o alvará de licença de utilização nº 130/15 emitido em 27 de Março de 2015 pelo Município de Guimarães [alínea C) do despacho em referência e documento de fls. 24 a 27].
4. O prédio identificado em 1) encontra-se registado a favor dos Réus pela Ap. 5797 de 20 de Maio de 2015 [alínea D) do despacho em referência e documento de fls. 80/81].
5. O Autor foi expressamente questionado pela Notária quanto ao recebimento do preço tendo declarado que “as contas estavam feitas” [resposta aos artigos 8º, 9º da petição inicial].
6. No dia 20 de Maio de 2015, à noite, o Autor deslocou-se a casa dos Réus com vista a obter destes uma confissão de dívida no valor de € 55.000, o que os mesmos recusaram [resposta ao artigo 18º da petição inicial].
7. Com data de 8 de Julho de 2015 o Autor remeteu aos Réus missiva instando-os a, no prazo de cinco dias após a receção, procederem junto da sua pessoa ao pagamento da quantia de € 55.000 em dívida e que deveria ter sido paga no ato da escritura identificada em 1) e que até ao momento não fora paga [resposta ao artigo 23º da petição inicial – segmento “interpelados pelo Autor”].
8. Por escrito datado de 30 de Novembro de 2009, o Autor, invocando a qualidade de procurador de M. S., declarou prometer vender, em nome da sua representada, aos Réus, os quais declararam prometer comprar, pelo preço de € 175.000, o imóvel identificado em 1) [resposta ao artigo 12º da contestação].
9. Ficou a constar desse escrito que os Réus haviam entregue o montante de € 3.000 a título de sinal e princípio de pagamento do qual o Autor declarou dar quitação [resposta aos artigos 13º, 14º da contestação].
10. No referido escrito o Autor declarou comprometer-se a obter a licença de habitabilidade para o prédio nos competentes serviços da Câmara Municipal de …, até à data da celebração da escritura [resposta ao artigo 15º da contestação].
11. O imóvel tinha várias construções clandestinas não licenciadas na Câmara Municipal não tendo o Autor logrado obter a licença de utilização do imóvel até Setembro de 2012 [resposta ao artigo 16º da contestação].
12. Devido ao referido em 11), Autor e Réus decidiram renegociar as condições anteriormente acordadas [resposta aos artigos 17º, 34º da contestação].
13. Em escrito datado de 28 de Setembro de 2012, assinado pelo Autor, ficou a constar que este, na qualidade de procurador de M. S., declarava prometer vender aos Réus o imóvel identificado em 1) pelo preço de € 100.000 [resposta aos artigos 18º, 35º da contestação].
14. Para pagamento do valor identificado em 13), com data de 20 de Dezembro de 2012, a Ré emitiu os seguintes cheques da conta nº 003520400001914… da Caixa …:
a) nº 7152702120, no montante de € 20.000;
b) nº 8052702119, no montante de € 20.000;
c) nº 6252702121, no montante de € 60.000 [resposta aos artigos 19º, 20º da contestação]
15. Os cheques identificados em 14) a) e b) foram debitados em 26 de Dezembro de 2012 após apresentação à compensação junto do Banco … [resposta aos artigos 22º, 23º, 28º da contestação].
16. O montante referido em 14) c) foi, a pedido do Autor, transferido da conta identificada em 14) para a conta nº 2040.037750300, titulada por P. J., em 30 de Dezembro de 2012, com cancelamento ulterior do cheque [resposta aos artigos 22º, 23º, 28º da contestação].
17. No escrito referido em 13) ficou estabelecido que que a escritura de compra e venda seria realizada num cartório notarial do concelho ... ou de outro limítrofe deste, até ao dia 30 de Dezembro do ano de 2012 [resposta ao artigo 24º da contestação].
18. Em face das dificuldades na obtenção da licença de utilização do imóvel não foi possível celebrar a escritura na data referida em 17), assumindo os Réus o encargo de realizar as diligências necessárias para esse efeito [resposta aos artigos 24º, 25º da contestação].
19. A emissão do alvará identificado em 3) implicou a realização de atos preparatórios e o pagamento a técnicos para o efeito contratados pelos Réus [resposta ao artigo 26º da contestação].
20. A partir da assinatura do escrito identificado em 13) o imóvel foi entregue aos Réus para que o habitassem e fruíssem [resposta aos artigos 36º da contestação]..”
*
Foram dados como não provados os seguintes factos:

“Não resultaram provados os seguintes factos alegados:

- nos artigos 6º, 10º a 12º, 15º a 17º, 19º, 31º da petição inicial;
- no artigo 30º da contestação;
- no artigo 15º da réplica.
A alegação contida nos artigos 4º, 20º a 22º, 24º a 29º, 32º a 43º da petição inicial, 29º, 38º, 40º a 45º da contestação, 11º a 13º, 20º da réplica constitui matéria conclusiva ou de Direito.
As alegações contidas nos artigos 11º, 31º, 32º da contestação e 3º a 11º 16º, 19º da réplica destinam-se ao cumprimento do ónus de impugnação especificada.
A alegação contida nos artigos 1º a 4º da petição inicial, da contestação e 1º a 12º do articulado do exercício do contraditório apresentado em 12 de Julho de 2016 reporta-se à invocação da exceção de ilegitimidade já apreciada em sede de despacho saneador.
A restante matéria de facto alegada apenas foi julgada provada na exata medida do conteúdo da fundamentação de facto no seu conjunto..”
*
IV. Do objecto do recurso.

1. Da admissibilidade do pedido reconvencional.

Dispõe o artigo 266º nº2 do Código de Processo Civil que a reconvenção é admissível nos seguintes casos:

“a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter”.

No caso dos autos, manifesto é que, considerando a forma como foi intentada a presente acção, e a configuração dada ao pedido reconvencional, só se pode discutir se este “emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa”.

Como é sabido, é a causa de pedir que serve de fundamento à acção, isto é, o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo pelo autor (artigo 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

Assim, se a reconvenção se baseia nesse facto, passam a existir dois pedidos que se cruzam, mas com uma origem comum.

Por outro lado, se o fundamento da reconvenção emerge da defesa, torna-se necessário que o facto invocado produza efeito útil defensivo.

Com efeito, tem sido entendimento pacífico quer na doutrina quer na jurisprudência que, de acordo com a primeira parte da expressão “quando o pedido do réu emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa”, admite-se a reconvenção quando o pedido reconvencional tem a mesma causa de pedir da acção, isto é, o mesmo facto jurídico em que o autor fundamenta o direito que invoca.

Por seu lado, de acordo com a segunda parte dessa mesma expressão, a reconvenção só é admissível quando o réu invoque como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor (neste sentido, nomeadamente, Acs. RP. de 25/06/2007; de 05/07/2011; e de 27/07/2011, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

De facto, tratando-se de uma contra-pretensão, dentro do mesmo processo, a reconvenção deve ter uma certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, razão pela qual tem de ter a sua génese na causa de pedir invocada pelo autor-reconvindo, ou na qual o réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo autor.

Como refere Jacinto Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, 3ª ed., pág. 32: “Partindo do pressuposto irrefutável que toda a acção tem como causa de pedir um certo acto ou facto jurídico, para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da referida alínea a) exige-se que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir que serve de suporte ao pedido da acção ou emirja do acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa, embora desse acto ou facto jurídico se pretenda, nesse caso, obter um efeito distinto, naturalmente favorável ao réu, reduzindo, modificando ou extinguindo o pedido do autor”.

E como afirmam Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, pág. 530: “Na previsão da alínea a) cabem duas hipóteses: o pedido reconvencional pode fundar-se na mesma causa de pedir – ou em parte dessa mesma causa de pedir – que o pedido do autor, ou pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos – em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial”.

No caso dos autos, como bem se refere na decisão de admissão do pedido reconvencional, os réus pediram que o autor seja condenado a reconhecer que são donos e legítimos proprietários do prédio urbano composto de rés-do-chão e primeiro an-dar, sito no lugar da ..., freguesia de ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artigo ...º.

Para tanto, deram por reproduzida a matéria da impugnação na qual alegaram que o Autor, na qualidade de procurador de M. S., em 30 de Novembro de 2009, celebrou consigo um contrato promessa de compra e venda do imóvel por € 175.000, tendo pago € 3.000 a título de sinal, ficando estipulado que o promitente vendedor se comprometia até à data da escritura a obter licença de habitabilidade; devido à existência de várias construções ilegais e não licenciadas, decidiram renegociar o preço, celebraram novo contrato promessa acordando que o preço seria de € 100.000 e entregaram, antes desse ato o montante de € 80.000, estipulando que a parte restante de € 20.000 seria paga até à escritura ou na data da sua realização, a celebrar até 30 de Dezembro de 2012; através de três cheques datados de 20 de Dezembro de 2012, dois de € 20.000 e um de € 60.000 pagaram a quantia global de € 100.000, emitindo o Autor declaração em como os tinha recebido; a escritura acabou por não se realizar por dificuldades na obtenção da licença de habitabilidade, acabando por assumir eles próprios tal responsabilidade, com êxito, agendando a escritura que veio efectivamente a realizar-se em 20 de Maio de 2015.

Ora, na acção, o autor alegou que, não obstante tenha ficado a constar da escritura pública de compra e venda, a sua declaração, enquanto representante da vendedora, de ter recebido o respectivo preço, na verdade, os réus ainda não tinham pago o montante de € 55.000 e que agiram com dolo afirmando, momentos antes daquele ato de solenização, que o fariam imediatamente a seguir à outorga, o que não cumpriram subsequentemente, alegando dificuldades financeiras imediatas, tendo também recusado rectificação da escritura, assim como a entrega de cheque pré-datado ou confissão de dívida.

A ser assim, verifica-se que estamos, de facto, perante uma reconvenção que emerge do fundamento da defesa, já que a propositura da acção põe em causa a titularidade do direito de propriedade pelos réus, através da arguição de um vício da declaração de vontade, à qual estes contrapõem argumentos para verem afastada a dúvida suscitada pelo demandante.

Por outro lado, o pedido formulado revela-se autónomo e subsistente mesmo com a ilegitimidade activa do demandante anteriormente decidida, que não impede de forma alguma o prosseguimento do pedido reconvencional.

Com efeito, como se afirma no sumário do Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 18.02.2002, disponível in www.dgsi.pt: “Sumário: I-- O n.º 6 do artigo 274.º do CPC, ao estabelecer que a improcedência da acção e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional, ressalva a hipótese de o pedido reconvencional se “dependente do formulado pelo autor”, querendo com isso significar “quando o pedido do réu for condicional ao pedido do autor”, isto é, “quando estiver subordinado à condição de a pretensão do autor proceder”.
II-- Sendo o pedido reconvencional deduzido por mais de um réu, a absolvição da instância de um deles não obsta à apreciação do pedido reconvencional.
III-- A ilegitimidade passiva de um dos réus não contende com a sua legitimidade activa relativamente ao pedido reconvencional.”.

No caso dos autos, é manifesto que o pedido reconvencional deduzido pelos réus não é condicional aos pedidos do autor, pois que não está subordinado à condição de a pretensão do autor proceder. Assim, é o mesmo admissível.

Improcede, pois, nesta parte, a apelação.
*
2. Da impugnação da matéria de facto.

2.1. Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Dispõe o artigo 640º do CPC, que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) (…);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

No caso dos autos, verifica-se que o recorrente não indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso.

Contudo, lendo as suas alegações e conclusões, e fazendo um esforço de interpretação, parece retirar-se daí que o que este pretende é que se considerem como provados os factos por si alegados na petição inicial em 6, e 10 a 12, que resultaram não provados. Ou melhor, entende o autor que se deveria ter dado como provado que “O preço fixado pelas partes para aquisição do prédio em causa foi de € 155.000,00 e que de tal preço, apenas foi paga a quantia de € 100.000,00, restando em dívida € 55.000,00”, factualidade que por este nunca foi alegada.
Por outro lado, o recorrente indicou os meios probatórios que na sua óptica impõe a pretendida alteração, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640.º.
Assim, este presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.
*
2.2. Parece resultar das conclusões do recorrente que este não concorda com as respostas aos pontos 6 e 10 a 12 da petição inicial, que foram considerados como não provados na sentença recorrida.
Entende o autor que tal matéria deveria ter sido dada como provada, ou melhor, entende o autor que se deveria ter dado como provado que “O preço fixado pelas partes para aquisição do prédio em causa foi de € 155.000,00 e que de tal preço, apenas foi paga a quantia de € 100.000,00, restando em dívida € 55.000,00”.
Contudo, sem qualquer razão.
Aliás, basta ler as transcrições dos depoimentos por si efectuados, para se verificar que dos mesmos não resulta, de forma alguma, a prova da factualidade em causa.
É que, o réu/reconvinte, em momento algum das suas declarações de parte, refere que foi acordado fixar o preço final da venda do imóvel de 155.000,00 €.
Por seu turno, as testemunhas referidas pelo autor/apelante, não assistiram a quaisquer negociações havidas entre as partes, não sabendo sequer qual o valor que afirmam estar em dívida.

E quanto ao depoimento das mesmas, como bem se refere na sentença recorrida:

Existe contradição entre o depoimento das duas testemunhas, em particular acerca das palavras que atribuíram ao Réu, sendo certo que a expressão “pode ir descansado”, consoante o contexto, poderia ter um significado diverso. Estranha-se que tendo referido ambos a entrada do Mandatário do Autor, nenhum tenha mencionado a saída, isoladamente ou em conjunto, o que deixa dúvidas sobre a efectiva presença das testemunhas no local. Por outro lado, a indicação temporal da segunda testemunha que poderia ser segura, por referência ao seu aniversário, acaba por se revelar errada na medida em que a escritura pública foi celebrada a 20 de Maio, ou seja, mais de seis semanas e não duas ou três.”
Concorda-se integralmente com o aí afirmado, pois que é o que resulta de tais depoimentos.
A ser assim, temos que a única pessoa que em sede de audiência de julgamento referiu que o preço final acordado para a aquisição do imóvel era de 155.000,00 € foi o autor em declarações de parte.
Contudo, também estas, se não mostraram de molde a convencer da verdade do por si afirmado quanto a esta matéria, pois que são em si mesmas contraditórias, bem como contraditórias com a prova documental junta aos autos, nomeadamente com o documento de 28 de Setembro de 2012, assinado pelo próprio autor.
Assim, da reapreciação de toda a prova produzida no seu conjunto efectuada por este Tribunal, não se mostram evidenciadas quaisquer razões para nos afastarmos da convicção da 1.ª instância. Com efeito, não se vislumbra qualquer desconformidade entre a dita prova e a respectiva decisão, em violação dos princípios que devem presidir à apreciação da prova, isto é, critérios de valoração lógica, objectiva e racional dos meios de prova por parte do julgador.
Da análise crítica da prova indicada como fundamento da impugnação, conjugada esta com toda a demais prova produzida, não resulta, a nosso ver, a convicção indicada pelo recorrente, muito pelo contrário.
Diga-se, aliás, que a motivação da decisão de facto efectuada pelo tribunal de 1ª instância se mostra criteriosa, objectiva e fundamentada e tem pleno suporte nos meios probatórios constantes dos autos, tendo sido feita pelo tribunal recorrido uma correcta análise do seu valor probatório.
O que, em conclusão, significa que é de manter na íntegra a decisão de facto quanto aos pontos impugnados.
*
2.3. Considerando que não houve qualquer alteração introduzida na decisão relativa à matéria de facto, a factualidade (provada) a atender para efeito da decisão a proferir é a já constante do ponto III.
*
V. Reapreciação de direito.

Cabe agora verificar se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo – no seguimento da impugnação do autor/apelante - decidindo-se pela procedência da acção.

Como resulta das conclusões do recurso do autor/apelante, é manifesto que a pretendida alteração da decisão, na parte da matéria de direito, dependia integralmente da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.

Com efeito, não suscitou o autor/apelante quaisquer outras questões relacionadas com uma eventual e pretensa interpretação e aplicação erradas das regras de direito pertinentes à matéria de facto tal como a mesma foi fixada pelo tribunal a quo.

Contudo, como já se viu, considerou este tribunal da Relação ser de improceder o recurso na parte referente à reapreciação da decisão da matéria de facto, razão pela qual não se introduziram modificações nas respostas que foram dadas pela primeira instância aos concretos pontos de facto impugnados pelo autor/apelante.

Assim, considerando o disposto pelo artº 608º nº2 aplicável ex vi do nº2, do artº 663º, ambos do Código de Processo Civil, e não se nos impondo tecer quaisquer considerações quanto à bondade e acerto da decisão da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, temos que a apelação terá de inevitavelmente improceder, mantendo-se e confirmando-se a sentença recorrida.

Nestes termos, também neste segmento, improcede o recurso do autor.
*
Finalmente cabe sindicar a condenação do autor como litigante de má-fé.
Na decisão sob recurso, foi o autor/reconvindo condenado como litigante de má-fé no pagamento de multa processual no valor de € 10 UC`s, e na indemnização que vier a ser fixada relativamente a honorários e despesas decorrentes da presente lide para os réus.
Insurge-se o autor contra tal condenação, por entender que não existiu qualquer má-fé.
Vejamos.
Nos termos do disposto pelo artº 542º nº 1 do CPC, deve ser condenado como litigante de má-fé, quem, nomeadamente, deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar (artº 542º nº2 al. a) do CPC); quem tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal (artº 542 nº 2 al. d) do CPC).
Deste preceito infere-se que é sancionável a título de má-fé, não só a lide dolosa, mas também a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.
Há que averiguar, então, se no caso dos autos, o autor ultrapassou os limites toleráveis de exercitação dos meios legais de reacção ao seu alcance, em termos de podermos considerar a sua litigância como uma afronta dos princípios da boa-fé e da lisura processuais.
Na verdade, a litigância de má-fé só é censurável se na dedução da sua pretensão, as partes não ignoravam a falta de fundamento dos factos alegados.
No caso dos autos, o que se verifica é que o autor veio, na sequência da celebração de um contrato de compra e venda de um imóvel aos réus, em que interveio como procurador da vendedora, tentar fazer valer um direito que entende ter (ao pagamento de uma quantia que insiste que se mantém em dívida).
Na pendência do processo manteve essa sua posição, e não actuou de forma diligente na cooperação com o Tribunal com vista à descoberta da verdade.
Mas, será tal actuação processual do autor de tal modo relevante que seja censurável a ponto de ser condenado como litigante de má-fé?
Pensamos que não.
De facto, exige-se que as partes ajam com probidade processual nas acções por si propostas ou contestadas, ou seja, não devem fazer “um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão” – cfr. artº 542º nº2 al. d) do CPC.
Para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má-fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devesse ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, de acordo com o artº 542º nº2 do CPC.
Com efeito, o dever de litigar de boa-fé, isto é, com respeito pela verdade, mostra-se como um corolário do princípio do dever de probidade e de cooperação, fixados nos artºs 7º e 8º do CPC para além dos deveres que lhe são inerentes, imposto sempre às respectivas partes.
Se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé.
Mas tem-se entendido que tal sanção apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca em descobrir a verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo.
E esta actuação da parte, conforme se vinha entendendo na doutrina e Jurisprudência, exige que haja dolo ou negligência grave do actuante (Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 343 e Alberto dos Reis, Código Proc. Civil Anotado, II, pág. 259 e Ac. TRL de 09.01.97, Col. Jur., Ano XXII, Tomo I, pág. 88).
Como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/5/2019, disponível in www.dgsi.pt: “Vem hoje constituindo entendimento prevalecente na nossa jurisprudência, que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito em que vivemos, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artº. 542º do nCPC, havendo sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, e daí que se recomende uma certa prudência e razoabilidade, na formulação do juízo sobre essa má fé. Donde que, como constitui hoje entendimento claramente prevalecente na nossa jurisprudência, a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal. (No sentido do que se deixou exposto, vide, entre, outros, Acs. do STJ de 21/04/2018, proc. nº. 487/ 17.5T8PNF.S; de 26/01/2017, proc. nº. 402/10.4TTLSB.L1.S1; de 02/06/2016, proc. nº. 1116/11.3TBVVD.G2.S1; de 21/04/2016, proc. nº. 497/12.6TTMR.E1.S1, de 11/9/2012, proc. nº. 2326/11; Ac. da RC de 16/12/2015, proc. 298/14.7TBCNT-A.C1, e Ac. da RE de 26/02/2014, todos publicados in www.dgsi.pt)”.
Assim, não podemos confundir litigância de má-fé com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova e de não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento, na eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, ou com discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou até na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer (Vide Ac. TRP de 09/03/2006 disponível em www.dgsi.pt).
No caso dos autos cremos seguramente que o autor apenas actuou na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo lograr convencer.
Assim, entendemos que o autor não litigou com má-fé, razão pela qual não deveria ter sido condenado, nessa parte.
Nesta conformidade, procede o recurso, neste segmento, devendo ser revogada a decisão da 1ª instância, nesta parte, com a consequente absolvição do autor do pedido de condenação como litigante de má-fé.
*
*
VI. Decisão.

Perante o exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e consequentemente revogar a decisão recorrida no segmento em que condenou o autor como litigante de má-fé, absolvendo-o de tal pedido, e confirmando em tudo o restante a decisão recorrida.
Custas da acção e do recurso pelo autor/recorrente, na proporção de 19/20 e pelos réus/recorridos, na proporção de ½.
Guimarães, 5 de Dezembro de 2019

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Alexandra Viana Lopes
Anizabel Pereira

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)