Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
409/14.2T8VRL - C.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUROS MORATÓRIOS
FUNDAP E FAT
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Os juros moratórios destinam-se a ressarcir o credor pelo retardamento no pagamento por banda do devedor.
II – Configurando a mora um retardamento por facto imputável ao devedor, no caso o empregador, no cumprimento da prestação que lhe incumbe, não pode o FAT ser responsabilizado pelos ditos juros já que nunca se encontrou em mora.
III – A responsabilidade quer do FUNDAP, quer do FAT não garante o pagamento de juros de mora das prestações pecuniárias em atraso devidos pelo empregador.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
APELANTE: M. G.; S. J. e R. P..
APELADO: FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real – Juiz 2

I – RELATÓRIO

Em sede do incidente processual suscitado pelos Apelantes com vista ao chamamento do FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO (doravante FAT) gerido pela AUTORIDADE DE SUPERVISÃO DE SEGUROS E FUNDOS DE PENSÃO (ASF) para pagar as pensões e respectivos juros, por morte, incluindo o 13.º mês, resultantes do falecimento de L. G., que era casado com a recorrente M. G. e era pai dos recorrentes S. J. e R. P., pensões essas cuja responsabilidade pelo pagamento era do empregador (J. T.; M. T.; D. M. – Desaterros Rompimentos e Equipamentos Agrícolas Limitada e Vinhos T), o qual por total inexistência de bens comprovada no âmbito da execução apensa, não satisfez a sua obrigação, foi proferido o seguinte despacho a propósito da reclamação do pagamento de juros.

Quanto aos juros de mora.
Regra geral, às pensões e indemnizações em dívida acrescem juros de mora, nos termos do art. 135º, do Cod. Proc. Trabalho, à taxa legal, desde a data do seu vencimento.
Sucede que, nos termos do n.º 6 do art. 1º do Dec. Lei n.º 142/99, de 30/04, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei n.º 185/2007, de 10/05 – diploma que alterou o regime jurídico do Fundo de Acidentes de Trabalho, criado pelo citado Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril -, “o FAT não garante o pagamento de juros de mora das prestações pecuniárias em atraso devidos pela entidade patronal”.
Como se refere no preâmbulo do citado diploma legal, a exclusão do pagamento de juros de mora imputados à entidade empregadora, justifica-se pelo facto de os mesmos não serem uma prestação devida por acidente de trabalho, mas sim consequência da mora do responsável no pagamento dessas prestações.
Daqui se infere que, sendo a responsabilidade do FAT em substituição da entidade patronal “F. Engenharia e Construção, Lda.”, declarada insolvente, não abrange o pagamento dos juros de mora por esta devidos.
Na verdade, como decidiu o Ac. da RL de 22 de Junho de 2011 (Relatora Maria João Romba), disponível in www.dgsi.pt., não podemos deixar de ter em conta que o FAT não intervém nos autos como responsável pela reparação do acidente, mas, por imposição legal, em substituição do responsável, em face da impossibilidade de cumprimento deste, mercê da respectiva insolvência. Nos termos da lei (art. 39º, n.º 1 da Lei n.º 100/99, e 1º n.º 1 al. a) do Dec. Lei n.º 142/99), o FAT garante o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho. Ora, os juros de mora não integram o acervo das prestações devidas por acidente de trabalho, uma vez que, como tal, apenas podemos considerar as previstas no art. 10º da LAT aprovada pela Lei n.º 100/97. É essa a razão referida no preâmbulo do Dec. Lei n.º 185/2007 para a consagração no n.º 6 do art. 1º do Dec. Lei n.º 142/99 da norma que expressamente exclui os juros de mora.
Embora seja uma prestação de natureza ressarcitória, que visa reparar os danos causados pela mora no cumprimento de uma obrigação pecuniária, só é devida se a mora for imputável ao devedor e no caso não o é.
Nesta conformidade, não está o FAT obrigado no pagamento dos juros de mora indicados pelos beneficiários/executados.
(…)”
Inconformados com esta decisão vieram os beneficiários/exequentes arguir a nulidade e interpor recurso deste despacho que declarou não estar o FAT obrigado ao pagamento dos juros de mora indicados pelos beneficiários.
O Tribunal a quo pronunciou sobre a arguida nulidade, concluindo pela sua inexistência.

Os Recorrentes concluíram a sua alegação de recurso da seguinte forma:

“1ª – A instância “a quo” violou, com o devido respeito, o preceituado no Artigo 615º, N.º 1, alínea c) do C.P.C., aplicável ao caso vertente por força do disposto no ARTIGO 77.º, n.º 1 DO C.P.T.
2ª – Tal violação afecta de nulidade o supra-alegado despacho/decisão, com legais consequências, o que adrede se invoca.
3ª – O Sr. Juiz da causa ao denegar no douto despacho recorrido a concessão de juros moratórios vencidos, devidos aos AA/BENEFICIÁRIOS, em conformidade com o vertido no Requerimento que serviu de forma à instauração da presente “RENOVAÇÃO DA ACÇÃO EXECUTIVA”, para pagamento de quantia certa, bem como o constante do “INCIDENTE PROCESSUAL”, deduzido para efeitos de pagamento, por parte do FAT, das quantias peticionadas pelos AA/EXEQUENTES, prevaleceu-se de fundamentos absolutamente insubsistentes e destituídos do mais ténue apoio legal.
4ª – Com efeito, a instância “a quo”, em vez de se ater, única e exclusivamente, ao regime consagrado no dito Organismo (FAT), aprovado pelo DL 142/99, de 30/04/1999, na sua versão primitiva, socorreu-se das alterações que lhe foram introduzidas pelo DL N.º 185/2007, de 10/5/2007, que, aliás, não podem ser aplicadas ao caso concreto, porquanto este diploma legal só operou para o futuro, não funcionando para os casos em que os Acidentes de Trabalho tenham ocorrido em data anterior, entendimento este defendido, fundada e convictamente, pela douta jurisprudência dos nossos tribunais.
5ª – Mal andou ainda a instância “a quo” ao concluir que os juros moratórios peticionados pelos AA/BENEFICIÁRIOS não lhes são devidos, uma vez que foram os próprios a dar causa à mora, posição rotundamente falsa, sempre com o devido respeito, uma vez que, os Co-Executados/Devedores, logo após a produção do aludido e trágico Acidente de Trabalho, puseram a salvo todo o seu património, a fim de se eximirem às obrigações perante os entes queridos do malogrado L. G..
6ª – Daí que a mora no tocante aos pagamentos, em apreço, seja exclusivamente imputável aos Co-Executados/Devedores, como decorre do supra-alegado e de tudo o mais que os autos comportam, bem como o estatuído nos ARTIGOS 804º, N.ºs 1 e 2, 805.º, N.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) e 806, N.ºs 1 e 2, todos do Código Civil.
7ª – Os AA/EXEQUENTES pugnam, por isso, pela total revogação do despacho/decisão em crise, com legais consequências, por forma a que os mesmos vejam, judicialmente reconhecidos, todas as quantias invocadas e peticionadas.

NESTES E NOS MELHORES DE DIREITO E SEM PREJUÍZO DO MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS:
Deve ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação e, consequentemente:
Declarando-se a alegada Nulidade que afecta o despacho/decisão, que suscitou a presente Apelação ou, se assim não for entendido, concluindo-se sempre pela sua revogação, por total carência de fundamentos e, consequentemente, que seja proferido douto Acórdão, no sentido de serem pagos os supra-alegados juros moratórios contemplados no despacho em crise, objecto do presente recurso, por serem devidos aos AA/BENEFICIÁRIOS.
SÓ ASSIM SERÁ FEITA JUSTIÇA”
O FAT não tomou posição quanto ao recurso interposto.
O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
Após a remessa dos autos à 1ª instância para se proceder à fixação do valor da causa e nada obstando ao conhecimento do recurso, foi dado cumprimento ao disposto no art.º 87.º n.º 3 do CPT.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
Os recorrentes vieram responder ao parecer, manifestando a sua discordância e concluem em conformidade com o por si defendido em sede de alegação de recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre agora apreciar e decidir.
*
II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, nº 4, 637.º n.º 2 e 639.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), as questões que cumpre apreciar são as seguintes:
- Da nulidade da decisão por violação do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC;
- Pode ou não o FAT ser responsabilizado pelo pagamento dos juros de mora devidos pelo atraso no pagamento das prestações.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os que constam do relatório a que acrescem os seguintes, dados como provados em 1ª instância:
1. O acidente de trabalho mortal participado nos autos ocorreu em 24/03/1999;
2. Por decisão judicial neles proferida em 17/09/2007, a responsabilidade pela reparação e pagamento das prestações devidas aos beneficiários recaiu, solidariamente, sobre os Réus/Empregadores J. T. e mulher M. T., D. M., Ldª. e Vinhos T, Ldª. – tendo os mesmos sido condenados, além do mais, a pagar:
i) À viúva do sinistrado (M. G., nascida a -/04/1966) uma pensão anual e vitalícia no valor de €.3169,84, a partir de 25/03/99;
ii) Aos filhos do sinistrado S. J. (nascida a -/03/88) e R. P. (nascido a -/08/95) uma pensão anual e temporária, a cada um deles, no valor de €.2113,23, desde a mesma data e até perfazerem, no máximo, 24 anos de idade (cfr. fls 467/478 e 594/610);
3. Os beneficiários intentaram acção executiva contra os obrigados em 17/10/2008, para cobrança coerciva das pensões devidas desde 24/03/1999 até 30/09/2006, das despesas de funeral e de transportes, bem como dos juros de mora, tudo no montante de €133,669,67 (R.E. 58871 –fls.2 e ss);
4. Em 09/06/2010, os beneficiários/exequentes declararam na acção executiva terem recebido a totalidade da peticionada quantia exequente, o que levou à extinção da execução – cfr. fls. R.E.75937 –fls. 95/96 e 99 e 102;
5. Os beneficiários/exequentes requereram a renovação da acção executiva em 22/03/2019, peticionando a cobrança coerciva das pensões que se tinham vencido a partir de 01/10/2008 e respectivos juros de mora;
6. Por despacho com a R.E. 343792378, de 24/10/2019 (fls. 254 a 257), foi deferido ao Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), o pagamento das pensões (com a actualizações decorrentes da lei) aos beneficiários M. G.; S. J. e R. P., respectivamente, viúva e filhos do falecido/sinistrado L. G., em substituição dos obrigados/responsáveis J. T.; M. T.; D. M.-DESATERRO ROMPIMENTOS E EQUIPAMENTOS AGRÍCOLAS, LIMITADA, e VINHOS T.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Da nulidade da decisão recorrida

Defendem os recorrentes que a decisão recorrida, no que respeita à exclusão dos juros moratórios, é nula por violação do disposto no art.º 615.º, nº. 1, alínea c) do Cód. Proc. Civil, aplicável por força do art.º 77º, nº. 1 do Cód. Proc. Trabalho.

Por força do disposto no art.º 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1.º do Código de Processo do Trabalho, a sentença é nula quando:

“a) Não contenham a assinatura do juiz;
b) Não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Como é sobejamente sabido as nulidade da sentença/despacho respeitam apenas aos vícios taxativamente previstos no citado artigo 615.º n.º 1 do CPC., que geram dúvidas sobre a sua autenticidade, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide em determinado sentido e não noutro, ou porque essa explicação conduz, logicamente a resultado diverso do seguido, quer ainda por falta de tomada de posição sobre questões (de facto ou de direito) suscitadas com vista à procedência ou improcedência do pedido, não se confundindo nem com os erros de julgamento – errada subsunção dos factos ao direito – nem com as nulidades processuais, que se traduzem em desvios ao formalismo processual previsto na lei.
Assim, para que ocorra a nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão judicial impõe-se que exista uma verdadeira contradição entre os fundamentos e a decisão, apontando a fundamentação num sentido e a decisão num sentido diferente. Tal verifica-se quando a sentença sofre de um vício intrínseco à sua própria lógica, traduzido no facto da fundamentação em que se apoia não poder suportar o sentido da decisão que vem a ser proferida.
Como escreve Alberto dos Reis in CPC. anotado Vol. V, (reimpressão) pág. 141, a este propósito: “No caso considerado no n.º 3 do artigo 668º a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”
Como também refere o Prof. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 689, o seguinte: “a lei refere-se, na alínea c) do n.º 1 do artigo 668º à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nos casos abrangidos pelo artigo 668º, 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos direcção diferente.”
Em suma, estamos na presença desta nulidade quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vem expresso na decisão, ou seja a esta padece de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, já que a sua argumentação aponta de forma clara para um determinado sentido e não obstante, a decisão é proferida em sentido oposto.
Não ocorre a referida nulidade quando o resultado a que o juiz chega na sentença deriva, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados.
Defendem os recorrentes que estando em causa juros moratórios cuja condenação no seu pagamento resulta da decisão proferida nos autos principais, não podia agora invocando legislação, que considera não ser aplicável ao caso em apreço, o tribunal a quo entender que o FAT que se substitui ao empregador no pagamento das prestações em falta não é responsável pelo pagamento dos juros.
Salvo o devido respeito, por opinião em contrário não se nos afigura que exista a alegada contradição entre a fundamentação e a decisão, isto sem prejuízo de se discordar da interpretação e da aplicação do direito, o certo é que a argumentação de facto e de direito que consta da decisão recorrida é coerente, adequada e inevitavelmente conduz ao resultado obtido, ou seja antes de operar a responsabilidade direta do FAT, este não responsável pelo pagamento dos juros de mora imputados ao empregador e que incidem sobre as prestações vencidas e vincendas.
É de salientar que a decisão recorrida não padece de qualquer violação às regras necessárias à sua construção lógica, já que os fundamentos que dela constam não conduzem logicamente a conclusão oposta ou diferente da que se encontra nela enunciada.
O facto de os recorrentes discordarem da aplicação do direito aos factos não consubstancia qualquer contradição lógica entre os fundamentos de facto e de direito considerados pelo tribunal a quo. Podemos quanto muito estar perante um erro de julgamento, que interferirá apenas com o mérito da decisão e não com a sua conformidade lógico-formal.
Tal como refere a este propósito o Procurador Geral-Adjunto no parecer junto aos autos “…analisado o texto da decisão na sua globalidade, é possível compreender qual foi o pensamento do julgador e as premissas em que assenta, não se podendo concluir que o raciocínio seguido é ambíguo por poder comportar mais que um sentido de decisão.”
Improcede assim a arguida nulidade da sentença

- Do pagamento dos juros de mora a cargo do FAT

Antes de mais cumpre-nos desde já deixar consignado que atenta a data em que ocorreu o acidente a que os autos se reportam - 24-03-1999 - os direitos decorrentes da ocorrência de tal acidente são os definidos pelo regime jurídico resultante da Lei n.º 2127 de 13/08/1965 e pelo diploma que a regulamentou, o Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, que na altura vigoravam (cfr. art.º 41.º n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13/09).
Resulta dos autos, que em face da insuficiência económica do empregador foi chamado a intervir o FAT, razão pela qual também é aplicável o DL n.º 142/99 de 30/04.
Importa salientar que o Fundo de Acidentes de Trabalho foi criado, na sequência do disposto no art.º 39.º da Lei n.º 100/97, de 13/09 com a denominação de FAT (Fundo de Acidentes de Trabalho), veio a substituir o Fundo de Actualização de Pensões de Acidentes de Trabalho (FUNDAP), assumindo mais competências e foi criado pelo Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de abril, diploma que sofreu alteração pelo Decreto-Lei nº 185/2007, de 10-05.
Cabe-nos agora fazer o enquadramento legal das relações estabelecidas entre o FUNDAP e o FAT.
A Base XLV da Lei nº 2127, de 3/8/1965, criou o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, constituído na Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, destinado a assegurar o pagamento das prestações, por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes (n.º 1), e que ficava sub-rogado em todos os direitos das vítimas de acidentes e seus familiares para reembolso do montante das prestações que tenha pago (n° 3).

O Anexo à Portaria n.° 642/83, de 01/06, diploma que regulou o funcionamento e regime do FUNDAP, estabelecia o seguinte:

"Artigo 1º
Nos termos da Base XLV da Lei n.º 2127, compete à Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais a gestão do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, destinado a assegurar o pagamento das prestações, por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes.
Artigo 4º
1. A Caixa Nacional, na qualidade de gestora do Fundo de Garantia, fica autorizada a, por ordem do respectivo tribunal, assegurar o pagamento de prestações resultantes de acidentes de trabalho sempre que, em execução judicial da entidade responsável, se verifique a impossibilidade de pagamento das correspondentes pensões por insuficiência de meios e enquanto se verificar essa impossibilidade.
2. O Fundo fica sub-rogado em todos os direitos dos pensionistas para reembolso do montante das prestações que tenha pago.
Artigo 5º
"A Caixa Nacional pagará, mediante despacho do Ministro dos Assuntos Sociais, pelo Fundo de Garantia as pensões de incapacidade permanente devidas por acidente de trabalho, em situações em que se verifique ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação das entidades responsáveis".
Por sua vez, a Lei n.º 100/97, de 13.9, que sucedeu à Lei n.º 2127, de 3/8/1965, previu, no seu art.º 39º, n.º 1, a criação por lei de um fundo, dotado de autonomia administrativa e financeira, destinado a garantir o pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária, e que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica.
Mais previu um regime transitório a aplicar ao referido fundo que deveria resultar do diploma que regulamentar a Lei (art.° 41°, n° 2, al. b)).
A concretização destas normas programáticas veio a ser operada pelo DL n° 142/99, de 30/4, que criou o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), prescrevendo o seu artigo 1º o seguinte:
1 - É criado o Fundo de Acidentes de Trabalho, dotado de personalidade judiciária e de autonomia administrativa e financeira, adiante designado abreviadamente por FAT, ao qual compete:

a) Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável;”.
O FAT foi assim criado para garantir o pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas na lei sempre que ocorram as situações supra citadas, que correspondem exclusivamente às previstas no artigo 296.º do C.T. de 2003, não contemplando indemnizações por danos não patrimoniais nem os demais casos previstos no DL n° 142/99, de 30/4, na redação que lhe foi dada pelo DL. n.º 185/2007 de 10/05.
Nos termos do n.º 2 do art.º 15.º do DL n.º 142/99, de 30/04 foi extinto o Fundo de Garantia e Actualização das Pensões, determinando ainda que as respectivas responsabilidades e saldos transitassem para o FAT, nos termos e condições a definir por portaria dos Ministros das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade, o que veio a ser consagrado na Portaria n° 291/2000, de 25/5, na qual se prescrevia o seguinte:
"1º. O Fundo de Garantia e Actualizações de Pensões considera-se extinto a partir de 15 de Junho de 2000, continuando a assegurar, até esta data, o pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte em caso de acidente de trabalho da responsabilidade de entidades insolventes ou equiparadas.
(...)
3º. As responsabilidades do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, que transitam para o Fundo de Acidentes de Trabalho, correspondentes a acidentes ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, ficam limitadas às obrigações legais e regulamentares do anterior fundo".
De tudo isto resulta que a responsabilidade do FUNDAP e posteriormente do FAT não é autónoma ou principal, mas é de garantia ou subsidiariedade relativamente às obrigações que impendiam sobre as entidades responsáveis pela reparação dos acidentes de trabalho, a actuar apenas nas situações em que o sinistrado ou beneficiários não pudessem cobrar as respectivas quantias às entidades empregadoras.
Acresce dizer que a responsabilidade do FAT, como sucessor do FUNDAP, no que respeita aos acidentes ocorridos até 31/12/1999, é determinada pela lei que regulava este Fundo e não pela que passou a reger o FAT. Tal significa que nestas situações a medida da responsabilidade do FAT não é definida pela lei vigente à data em que se equaciona ou decide dessa sua responsabilidade, mas pela lei que regia o FUNDAP, mais concretamente pela lei que o regia, à data do acidente.
Assim, em face dos regimes consagrados no que respeita a cada um dos respectivos Fundos temos por certo que a sua responsabilidade pressupõe a prévia definição da responsabilidade das entidades responsáveis pela reparação do acidente (empregador), pois assenta sobre a mesma, embora possa não cobrir algumas das prestações em que tais entidades foram condenadas. Assim, por força do disposto no art.º 6º do Anexo à citada Portaria n.º 642/83, o FUNDAP não assegurava as indemnizações resultantes de incapacidades temporárias.
Contudo quanto às prestações garantidas por qualquer um destes Fundos, a sua medida coincide com as verbas em que as entidades responsáveis pelo acidente de trabalho foram condenadas a pagar.
Analisemos agora a questão relativa aos juros de mora.
O Tribunal a quo entendeu que o FAT não responde pelos juros de mora reclamados pelos beneficiários da reparação do acidente de trabalho.
Não sendo sequer necessário colocar a questão à luz do DL n.º 142/99, de 30/4, na redação que lhe foi dada pelo DL. n.º 185/2007 de 10/05, do qual resulta inequívoca a exclusão do pagamento de juros de mora imputados à entidade empregadora, o certo é que os juros não resultam directamente do acidente, nem constituem uma qualquer prestação devida por acidente de trabalho, mas sim resultam na mora do responsável pelo pagamento das prestações devidas pelo acidente, no caso o empregador. Ou seja têm por fim ressarcir o credor pelo atraso do pagamento da prestação devida por parte do devedor.
Assim, configurando a mora um retardamento por facto imputável ao devedor, no cumprimento da prestação que lhe incumbe, não pode o FAT ser responsabilizado pelos ditos juros já que nunca se encontrou em mora.
Não incorrendo o FAT em mora no que respeita às prestações vencidas a cargo do empregador, não se vê como possa responder por tal pagamento moratório que não lhe é imputável.

Sobre esta questão os Tribunais superiores já se pronunciaram várias vezes, em termos que merecem a nossa concordância, designadamente o STJ nos Acórdãos de 15/11/2006, Proc. n.º 06S3408 e de 18/01/2006, Rec. n.º 3478/05, 4ª secção, tendo-se ai escrito a propósito de situação idêntica o seguinte:

«Os juros moratórios destinam-se a ressarcir o credor pelo retardamento no pagamento por banda do devedor.
As prestações a cargo do FAT não visam substituir definitivamente as obrigações judicialmente impostas à entidade responsável pela reparação do sinistro e, nessa medida, destinam-se antes a proporcionar o pagamento de prestações "a forfait", parcelarmente idênticas às que decorrem da sentença condenatória.
Assim sendo (...) não faria qualquer sentido que o FAT pudesse ser responsabilizado por um pagamento moratório que não lhe é imputável».
O Acórdão do STJ de 23-04-2008, refere também a propósito da responsabilidade do FAT que “já não engloba os juros de mora que também lhe foram atribuídos, uma vez os juros de mora não fazem parte do elenco das prestações referidas no art.º 1.º, n.º 1, al. a), do D.L. n.º 142/99 e no art.º 39.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97.”, acrescentando, em nota de rodapé (7), que “Actualmente, por força das alterações de que o D.L. n.º 142/99 foi alvo por parte do D.L. n.º 185/2007, de 10/5, e que ao caso não são aplicáveis, a lei diz claramente que “[o] FAT não garante o pagamento de juros de mora das prestações pecuniárias em atraso devidos pela entidade responsável” (art.º 1.º, n.º 6, do D.L. n.º 142/99). Todavia, já anteriormente se entendia que o FAT não respondia pelos juros de mora imputáveis à entidade responsável (vide acórdão de 18.1.2006, proc. 3478/05, da 4.ª Secção, de que foi relator o conselheiro Sousa Grandão).”.
É este também o nosso entendimento, no âmbito da legislação em vigor à data do acidente, ao considerar que a obrigação de juros não é uma obrigação própria do FAT, mas sim uma obrigação da então entidade empregadora, que não pagou atempadamente e cujo pagamento o FAT não é responsável, pois não visa substituir definitivamente as obrigações impostas à entidade responsável pela reparação do sinistro. Neste mesmo sentido ver entre outros Ac. RL de 7/10/2015, Proc. n.º 404/04.0TTLSB.L1; Ac. RP de 22/11/2010, Proc. 408/05.5TTVRL.1.P1; de 23-04-2007, Proc. 0710935; de 17-09-2001, Proc. 0140585e da RC de 12-05-2005, Proc. 143/05.
Em suma, não está transferida para o FAT a obrigação do pagamento de juros de mora sobre as prestações pecuniária em atraso devido pela entidade empregadora, razão pela qual improcede o recurso e com ele o pedido de condenação do FAT no pagamento aos beneficiários dos juros de mora.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos beneficiários, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Notifique.
13 de Julho de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga