Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
67/22.0T9CHV-B.G1
Relator: FLORBELA SEBASTIÃO E SILVA
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCECIONAL
REVISÃO DE MEDIDA DECOAÇÃO
REVISÃO DE MEDIDA DE COAÇÃO
REQUERIMENTO ANÓMALO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. Nos termos do artº 531º do CPC, aplicável ex vi o artº 521º do CPP “por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.”
II. Como se sabe as medidas de coacção regem-se pelo princípio rebus sic stantibus, só podendo ser alteradas, ou revogadas, se houver alteração nos pressupostos que determinaram a sua aplicação.
III. Ora, o arguido, que está devidamente representado em juízo por ilustre mandatário, tinha a obrigação de saber que, em sede de revisão de uma medida de coacção, para que a mesma possa ser alterada e substituída por uma menos gravosa é mister apresentar factos novos que justifiquem uma alteração posterior.
IV. Como também tem a obrigação de saber que não podia, no âmbito de um pedido de alteração da medida de coacção, suscitar factos que teriam de ter sido suscitados em sede de interrogatório judicial, sendo essencial notar-se que, podendo o arguido ter recorrido da decisão que lhe aplicou a prisão preventiva, não o fez, devendo tê-lo feito se entendia que a sua toxicodependência ou a falta de indícios da prática do crime impediam a aplicação da prisão preventiva.
V. No fundo, o que o arguido faz com o requerimento que mereceu o despacho de que ora recorre é trazer à liça argumentos que deveriam ter sido já esgrimidos em momento oportuno, momento esse que o arguido deixou passar e que não pode agora vir apresentar.
VI. Não há, assim, qualquer dúvida que o requerimento do arguido é anómalo, violador das regras processuais e desprovido de qualquer fundamento em face do momento processual em que é apresentado, motivo pelo qual se mostra justificada a aplicação de uma taxa sancionatória nos termos do artº 531º do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. A) No âmbito do Inquérito (Actos Jurisdicionais), que corre termos pelo Juízo Local Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o nº 67/22...., em sede de interrogatório judicial realizado em 09-08-2022 (refª ...69), foi aplicada ao arguido AA a medida de coacção de prisão preventiva pela indiciada prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º do DL nº 15/93.
             
B) Em sede de revisão daquela medida, ocorrida em 07-11-2022 (despacho com a refª ...32) foi mantida a prisão preventiva aplicada ao arguido por não se verificar a ocorrência de qualquer facto superveniente que pudesse justificar a sua alteração.

C) Na sequência de tal despacho de revisão, veio o arguido, com requerimento que ofereceu aos autos em 08-11-2022 (com a refª ...22), pedir a revisão e substituição da prisão preventiva pela medida de OPHV, sobre o qual recaiu, em 14-11-20220, despacho com a refª ...27, relativamente ao qual ora se recorre, o qual condenou o arguido numa sanção de 6 UC’s com o seguinte teor:

“O arguido AA requereu a revogação e substituição da medida de coação de prisão preventiva que lhe aplicada.
O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido.

Cumpre decidir.

Segundo o disposto no art.º 212º do CPP:

1. As medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar:
a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou
b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
2. As medidas revogadas podem de novo ser aplicadas, sem prejuízo da unidade dos prazos que a lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação.
3. Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.
4. A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, devendo estes ser ouvidos, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada. Se, porém, o juiz julgar o requerimento do arguido manifestamente infundado, condena-o ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC.
In casu, foi decretada a prisão preventiva do arguido porquanto há fortes indícios da prática pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes.
Crime este que reveste especial gravidade.
É consabido, porque pacífico, que as medidas de coacção estão sujeitas à condição rebus sic standibus, como claramente se deduz do disposto no n.º 1, al. b) e n.º 3 do art.º 212º do CPP. Quer isto dizer que só podem ser revogadas se deixarem de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação; e só devem ser substituídas por outras menos gravosas se se verificar uma atenuação das exigências cautelares.
Compreende-se que assim seja por respeito pelo caso julgado material.
Na verdade, havendo uma decisão transitada não pode a mesma ser alterada a não ser por actuação de circunstâncias supervenientes. O que é feito oficiosamente, em cumprimento da lei, de três em três em três meses (art.º 213º, n.º 1 do CPP).
Ora, o arguido não invoca qualquer circunstância superveniente.
Como referimos expressamente, a medida de coacção só pode ser revogada ou substituída se tiverem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou se as exigências cautelares se houverem atenuado.
In casu, não só não verificam as ditas circunstâncias supervenientes como o arguido nem sequer as alega.
Ora, o despacho que decretou a medida de coacção está a coberto do caso julgado pelo que não pode o arguido, sem quaisquer factos supervenientes, querer que o mesmo seja modificado.
Na verdade, não pode aqui discutir-se se a prisão preventiva foi decretada com base em indícios insuficientes ou se os perigos a que alude o art.º 204º do CPP não se verificavam. Isso já foi apreciado no despacho que decretou a prisão preventiva.
De momento apenas cumpriria analisar circunstâncias supervenientes que ponham em crise o decretado. Circunstâncias supervenientes que inexistem e, por isso, terá de improceder o requerido.
Nestes termos, e uma vez que o arguido não invoca novos factos ou circunstancias supervenientes que justifiquem a revisão e consequente alteração do estatuto coactivo do arguido, indefere-se o requerido, uma vez que tal não é suficiente para fundamentar uma alteração da medida de coacção aplicada.
Nos termos do n.º 4 do art.º 212.º do CPP, fixa-se em 6 UC a tributação a pagar pelo arguido, uma vez que o requerimento em causa é manifestamente infundado.
Notifique.”

II.  Inconformado no tocante à aplicação de uma sanção de 6 UC’s, veio o arguido interpor recurso em 25-11-2022, com a refª ...70 através do qual veio oferecer as seguintes conclusões:
           
“a) O presente recurso cinge-se ao trecho em que o recorrente foi condenado em 6 UC, “nos termos do n.º 4 do art.º 212.º do CPP”, por ter apresentado requerimento “manifestamente infundado”.
b) De facto, a condenação na multa processual exarada no despacho recorrido carece em absoluto de fundamento legal.
c) É evidente que o apelo à norma constante do artigo 212º nº 4 do Código de Processo Penal não faz sentido desde a alteração da redacção do preceito efectuada pela Lei nº 130/2015, de 4 de setembro, já lá vão 7 anos!!!!
d) É certo que em processo penal, encontramos previsão legal para aplicação de uma taxa sancionatória excepcional no artigo 521.º do CPP por referência ao artigo 531.º do CPC.
e) A multa processual poderá ser aplicada pelo juiz quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja, manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.
f) Como se escreveu no acórdão do STJ de 29-05-2019, proc. 364/14.9TAPDL.L1.S1, relator Maia Costa “(…) Esta taxa, como a própria designação indica, não tem natureza tributária (como a tem a taxa de justiça), mas sim sancionatória, o que significa que ela se destina a punir uma conduta processual reprovável.”
g) Ora, na situação vertente, o arguido utilizou um meio processual previsto na Lei adjetiva, indicou factos, juntou 1 documento de data posterior ao interrogatório judicial e entende modestamente que aventou argumentos susceptíveis de justificarem a atenuação das exigências cautelares.
h) Salvo melhor entendimento, a situação processual não permite seguramente considerar que o requerimento de alteração ou substituição da medida de coacção aplicada ao arguido seja manifestamente infundado, constitua uma utilização abusiva do processo ou uma manobra dilatória e, por isso, também não se mostraria justificada a aplicação de eventual multa ou de taxa sancionatória excepcional.
i) Com efeito, como se sumariou no Ac. do STJ de 18-12-2019, somente em situações excepcionais em que o sujeito aja “de forma patológica” no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha ou a eficácia da decisão praticando acto processual manifestamente improcedente é que se justifica a aplicação da taxa sancionatória – por isso chamada – excepcional.
j) No caso vertente, o arguido está privado do seu bem mais essencial, que é a Liberdade, agindo dentro dos mecanismos que a Lei Adjectiva lhe faculta para reagir contra a sua actual situação coativa, tentando minorar ou mitigar a sua condição.
k) Não pode, pois, ser confundida esta situação de fundo de um ser humano, com muitas situações e requerimentos, esses sim verdadeiramente anómalos, que pululam nos foros cíveis (onde não se discute primacialmente a Liberdade), que sobrecarregam os Tribunais e os contribuintes com actos e despesas desnecessárias e inúteis, num claro abuso de direito.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência deve ser revogada a multa de seis (6) UC aplicada ao Recorrente.
E caso Vossas Exas. assim não entendam, deve ser reduzida o valor da multa de seis (6) UC aplicada ao Recorrente para o montante mínimo legal.
Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.”

III. O recurso foi admitido por despacho de 15-12-2022, com a refª ...62, que lhe fixou efeito suspensivo e que procedeu à reparação parcial do despacho recorrido nos seguintes termos:

“AA recorreu do despacho que o condenou em multa processual a ref.ª ...27 dos presentes autos, no âmbito da qual foi condenado em 6 UC de multa processual.
O recorrente juntou alegações a ref.ª ...07, sustentando, em suma, que, a norma por nós aplicada, onde justificamos o valor da multa processual, foi, naquela parte, revogada pela Lei 130/2015, de 04/09, peticionando a revogação da pena de multa ou a redução do valor da mesma.
De acordo com o disposto no art. 414.º nº 4 do Código do Processo Penal, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão.
Ora, in casu, entendemos que, de facto, foi feito agravo ao recorrente.
Na verdade, o artigo citado no nosso despacho foi alterado pela Lei 130/2015, de 04/09, onde se retirou da letra da lei a imposição de condenar o arguido no pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC, quando o seu requerimento foi manifestamente infundado.
De facto, consideramos o requerimento apresentado pelo arguido manifestamente dilatório e infundado, no entanto, não estando o tribunal sujeito aquele valor mínimo, que por lapso no tratamento informático da nossa decisão incluímos, consideramos que o valor de 6 UC se revela excessivo, reduzindo-se o mesmo para 3 UC.
Por todo o exposto, reparando o agravo, reduzo a multa processual para 3 UC.
*
Notifique, conforme o disposto no art.º 411º, n.º6, para efeitos do disposto no art.º 413º, n.º1.”

IV. Respondeu o Ministério Público nos termos que constam das contra-alegações juntas em 13-01-2023 com a refª ...94 através das quais pugna pela improcedência do recurso, tendo oferecido as seguintes conclusões:

“[A TÍTULO DE QUESTÃO PRÉVIA – A)., B). e C).]
A) O recorrente, em sede de conclusões, afirma que o recurso interposto se cinge à questão de direito [entretanto já reparada pela Mm.ª Juiz a quo no despacho proferido a 15-12-2022, com a referência CITIUS ...62], relativa à sua anterior condenação em multa processual, conforme despacho datado de 14-11-2022, com a referência CITIUS ...27.
B) O recurso sub species não vem interposto da manutenção da medida de coação de prisão preventiva à qual se encontra sujeito, pelo que entendemos, salvo melhor entendimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, que o Ministério Público poderia não carecer de dar cumprimento ao disposto no art.º 413.º, n.º1 do Código de Processo Penal (doravante, apenas C.P.P.);
C) Contudo, apresentamos resposta ao recurso, tendo em conta a fase processual em que nos encontramos, que é de inquérito, ainda que em sede de ato jurisdicional de natureza instrutória, com condenação do recorrente em multa processual ou taxa sancionatória excecional;
D) Aquando da revisão trimestral legalmente imposta pelo art.º 213.º, n.º1, alí. a), do C.P.P., foi proferido despacho no dia 07-11-2022 (ref.ª ...32), relativamente ao estatuto coativo-processual do recorrente no sentido de que “(…) uma vez que se mantém os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido, ao abrigo do artigo 213.º, n.º1 do CPP, decido manter a prisão preventiva aplicada aos arguidos AA e (…) (sublinhado nosso);
E) No dia seguinte, a 08-11-2022 (ref.ª ...22), o recorrente apresentou requerimento, sem trazer aos autos qualquer fundamentação e/ou elementos supervenientes aquele despacho [e/ou ao anterior despacho que aplicou, em 09-08-2022, a medida de coação de prisão preventiva], a solicitar a alteração do seu estatuto coativo-processual;
F) Por despacho proferido a 14-11-2022, com a referência CITIUS ...27, foi o recorrente condenado em multa processual, nos seguintes termos – na parte que ora efetivamente releva -:
 “(…) In casu, foi decretada a prisão preventiva do arguido porquanto há fortes indícios da prática pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes. (sublinhado nosso)
(…) É consabido, porque pacífico, que as medidas de coacção estão sujeitas à condição rebus sic standibus, como claramente se deduz do disposto no n.º 1, al. b) e n.º 3 do art.º 212º do CPP. Quer isto dizer que só podem ser revogadas se deixarem de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação; e só devem ser substituídas por outras menos gravosas se se verificar uma atenuação das exigências cautelares. (sublinhado nosso)
Compreende-se que assim seja por respeito pelo caso julgado material. (sublinhado nosso)
Na verdade, havendo uma decisão transitada não pode a mesma ser alterada a não ser por actuação de circunstâncias supervenientes. O que é feito oficiosamente, em cumprimento da lei, de três em três em três meses (art.º 213º, n.º 1 do CPP). (sublinhado nosso)
Ora, o arguido não invoca qualquer circunstância superveniente. (sublinhado nosso)
(…) In casu, não só não verificam as ditas circunstâncias supervenientes como o arguido nem sequer as alega. (sublinhado nosso)
Ora, o despacho que decretou a medida de coacção está a coberto do caso julgado pelo que não pode o arguido, sem quaisquer factos supervenientes, querer que o mesmo seja modificado. (sublinhado nosso)
Na verdade, não pode aqui discutir-se se a prisão preventiva foi decretada com base em indícios insuficientes ou se os perigos a que alude o art.º 204º do CPP não se verificavam. Isso já foi apreciado no despacho que decretou a prisão preventiva. (sublinhado nosso)
De momento apenas cumpriria analisar circunstâncias supervenientes que ponham em crise o decretado. Circunstâncias supervenientes que inexistem e, por isso, terá de improceder o requerido. (sublinhado nosso)
Nestes termos, e uma vez que o arguido não invoca novos factos ou circunstancias supervenientes que justifiquem a revisão e consequente alteração do estatuto coactivo do arguido, indefere-se o requerido, uma vez que tal não é suficiente para fundamentar uma alteração da medida de coacção aplicada.
Nos termos do n.º 4 do art.º 212.º do CPP, fixa-se em 6 UC a tributação a pagar pelo arguido, uma vez que o requerimento em causa é manifestamente infundado. (sublinhado nosso)
G) Este despacho de condenação em multa processual foi depois alterado/reparado a 15-12-2022, por despacho com a referência CITIUS ...62, ao abrigo do disposto no art.º 414.º, n.º4 do C.P.P., nestes termos:
“(…) de facto, foi feito agravo ao recorrente.
(…) De facto, consideramos o requerimento apresentado pelo arguido manifestamente dilatório e infundado, no entanto, não estando o tribunal sujeito aquele valor mínimo, que por lapso no tratamento informático da nossa decisão incluímos, consideramos que o valor de 6 UC se revela excessivo, reduzindo-se o mesmo para 3 UC. (sublinhado nosso)
Por todo o exposto, reparando o agravo, reduzo a multa processual para 3 UC. (…)” (sublinhado nosso)
H) O recorrente conformou-se com a decisão que lhe aplicou, em 09-08-2022 (ref.ª ...69) a medida de coação de prisão preventiva, pois dela não interpôs recurso;
I) Também não recorreu do despacho que manteve esta medida de coação, na parte material atinente a esse seu estatuto coativo-processual e aos fundamentos de facto e de direito subjacentes à revisão;
J) Com efeito, e no sentido, aliás, da nossa anterior tomada de posição nos autos, a  13-11-2022 (ref.ª ...46), veio o recorrente requerer a revogação e substituição da medida de coação, sem nunca interpor recurso, nada alegando de superveniente do ponto de vista factual que já não tivesse sido judicialmente considerado aquando da aplicação da medida de coação e bem assim aquando da revisão/manutenção do seu estatuto coativo-processual;
K) Qualquer medida de coação está sujeita à condição «rebus sic stantibus», pelo que a substituição de uma medida de coação por outra de menor gravidade apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação, o que não sucede in casu.;
L) No caso concreto dos autos, mantêm-se inalterados, senão reforçados, os pressupostos de facto e de direito subjacentes à aplicação ao recorrente da medida de coação de prisão preventiva, desde logo quanto às fortes exigências cautelares que continuam a subsistir, assim como os perigos de continuação da atividade criminosa, de perturbação do decurso do inquérito e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova [tanto mais que os autos se encontram em fase de recolha de prova pessoal, a ultimar dezenas de inquirições a presidir por Magistrado do Ministério Público (a signatária)], além de perturbação da ordem e tranquilidades públicas;
M) Bem andou o Tribunal a quo ao considerar o requerimento apresentado pelo recorrente manifestamente dilatório e infundado e ao condená-lo em multa processual, nos termos em que o fez;
N) Considerando a revisão operada pela Lei n.º 130/2015, de 04-09, ao art.º 212.º, n.º4 do C.P.P., importa convocar a aplicação ao caso concreto do que determina o art.º 521º do C.P.P.: “(…) à prática de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excecional”, a qual pode ser fixada pelo juiz entre 2 e 15 UC (art.os 524º do C.P.P. e 10.º do Regulamento das Custas Processuais);
O) Penaliza-se o uso indevido do processo com expedientes meramente dilatórios e infundados;
P) Com efeito, dispõe o art.º 531.º do Código de Processo Civil (doravante, apenas C.P.C.) que esta sanção é aplicada por despacho fundamentado “quando o (…) requerimento, (…) seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”;
Q) Estamos assim perante “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com requerimentos manifestamente infundados”, pelo que é atribuído ao juiz do processo o poder-dever de, em tais situações, “fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador” (extrato do preâmbulo do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26-02);
R) No caso dos autos, como já referimos supra, o recorrente conformou-se, absolutamente, com a medida de coação de prisão preventiva, aplicada a 09-08-2022;
S) Conformou-se, igualmente, com a sua manutenção/revisão, a 07-11-2022, mas no dia seguinte, a 08-11-2022, veio requerer, sem qualquer fundamentação e/ou facto/elemento probatório superveniente (não o alegou sequer) a alteração do seu estatuto coativo-processual;
T) Com o requerimento apresentado, como decidido, assertiva e fundamentadamente, pelo Tribunal a quo, o recorrente entorpeceu o andamento do processo e implicou a disposição de tempo e de meios, injustificadamente, sem motivo atendível para tal comportamento processual, tanto mais que, repetimos, nunca reagiu por via de recurso à medida de coação aplicada;
U) E não se tratou de fazer valer os seus direitos de defesa, no seu melhor interesse, pela via processual;
V) Conformando-se, como se conformou, com a medida de coação, o requerimento que apresentou, sem alegar qualquer facto superveniente, no dia seguinte ao despacho de revisão e manutenção da medida, sem fundamentação, determinaria, como determinou, que as questões processuais fossem manifestamente improcedentes ou dilatórias, como o foram, por despidas de qualquer interesse atendível na prática do ato;
W) Tal como decidido pelo Tribunal a quo o recorrente fez um uso indevido do processo que “estorvou”, de modo relevante, implicando atos processuais inúteis para apreciar esse mesmo requerimento, seja do ponto de vista do dispêndio de tempo e de trabalho dos Exmos. Oficiais de Justiça que tiveram de gerar atos processuais com abertura de conclusões, como pronúncia do Ministério Público e despacho da Mm.ª Juiz com funções instrutórias;
X) O recorrente utilizou um requerimento legal e processualmente inútil, em que não indicou factos nem elementos probatórios posteriores/supervenientes ao interrogatório judicial, e não alegou sequer argumentos suscetíveis de justificar uma alteração e atenuação das exigências cautelares. Com a agravante substantiva e processual de que o requerimento do recorrente foi apresentado, sem fundamentação, no dia imediatamente a seguir ao despacho que reviu e manteve as medidas de coação, do qual não recorreu;
Y) Salvo melhor entendimento de Vossas Excelências, outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal a quo, que não fosse a de considerar o requerimento de alteração ou substituição da medida de coação aplicada ao arguido manifestamente infundado, consubstanciando em si mesmo uma utilização abusiva do processo;
Z) Face ao predito, mostra-se material e normativamente justificada a aplicação de multa processual ou de taxa sancionatória excecional;
AA) Não incorreu o Tribunal a quo em violação de quaisquer princípios e/ou normativos, tanto mais que procedeu, em tempo, à reparação da anterior decisão, por ter sido, de facto, feito agravo ao recorrente, razão porque deverá manter-se a condenação em 3UC, ao abrigo do disposto nos artigos 212.º, n.º4, 521.º e 524.º do C.P.P.,  531.º do C.P.C. e 10.º do Regulamento das Custas Processuais.
Nestes termos, deverá o recurso improceder, confirmando-se, in totum, o despacho recorrido, por nenhum agravo ter feito à Lei e por não ter incorrido em violação de quaisquer normativos e/ou princípios.
Farão, contudo, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a reiterada      JUSTIÇA.”

 V. Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo a Exmª Srª. Procuradora-Geral Adjunta proferido, em 27-01-2023 com a refª ...04, douto parecer, através do qual também pugna pela improcedência do recurso interposto pelo arguido, acompanhando os argumentos tecidos pelo MºPº de 1ª instância na sua resposta.

VI. Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do Código de Processo Penal, nenhuma resposta foi oferecida.

VII. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

VIII: Analisando e decidindo.

O objecto do recurso, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do recurso, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP, bem como as nulidades previstas no artº 379º do mesmo Código de Processo Penal, que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.[1]
           
O arguido apenas impugna a aplicação da taxa sancionatória que lhe foi aplicada por entender que o seu requerimento, a pedir a revisão e substituição da medida de coacção, não é manifestamente improcedente nem dilatório, pelo que o objecto deste recurso restringe-se ao mérito de saber se havia fundamento legal para a aplicação de uma taxa sancionatória.

Antes de entrarmos na análise do recurso, vejamos, primeiro, os factos processuais que nos ajudam a contextualizar a questão submetida a recurso.

1) Por factos que indiciavam a prática do crime de tráfico de estupefacientes foi o arguido e ora recorrente, no âmbito dos mesmos autos (67/22....), submetido a 1º interrogatório judicial ocorrido em 21-07-2022 no âmbito do qual foi-lhe aplicada as seguintes medidas de coacção:

i) obrigação de apresentações diárias no posto policial da sua área de residência;
ii) proibição de frequentar lugares ligados ao consumo e venda de produtos estupefacientes;
iii) proibição de contactar com os demais arguidos no processo;

2) Não obstante tais medidas veio a constatar-se, através da continuação da investigação levada a cabo durante o inquérito, que o arguido continuava a vender cocaína e heroína, motivo pelo qual foi novamente sujeito a novo interrogatório judicial, desta vez, no passado dia 09-08-2022, onde acabou por lhe ser aplicada a medida de prisão preventiva, essencialmente com base no perigo de continuação da actividade criminosa;
3) Neste segundo interrogatório o arguido não quis prestar declarações.
4) Aplicada a prisão preventiva em 09-08-2022 o arguido não recorreu do respectivo despacho, tendo, assim, se conformado com a decisão que lhe aplicou a prisão preventiva;
5) Passados 3 meses, foi proferido despacho de revisão, com data de 07-11-2022 (refª ...32) o qual manteve a medida de coacção não se ter verificado qualquer alteração superveniente dos pressupostos que determinaram a sua aplicação.
6) Desse despacho o arguido não recorreu, tendo, antes, em 08-11-2022 (refª ...22), submetido requerimento com o seguinte teor:
“AA, arguido nos autos à margem referenciados, notificado do douto despacho que no, contexto do reexame trimestral da prisão preventiva, determina a manutenção da referida medida de coação, vem nos termos do artigo 212.º n.º 4 do CPP, requerer a Revogação e Substituição da Prisão Preventiva a que se encontra sujeito pela Obrigação de Permanência na Habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1 – O arguido está sujeito à medida de prisão preventiva desde 9 de agosto de 2022.
2 – Imputa-se ao arguido a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro.
3 – Sustentou-se a medida de coação com o enorme perigo de continuidade da actividade criminosa, defendendo-se que as demais medidas não eram suficientes e adequadas a afastar esse perigo.
4 – O Tribunal desconsiderou, todavia, que o arguido é toxicodependente há já mais de três décadas, desde os tempos em que frequentou a Universidade ..., sendo certo que o arguido conta actualmente 60 anos de idade.
5 – A sua conduta, a provar-se o tráfico, subsume-se quando muito ao artigo 25.º do DL 15/93.
6 – O despacho que aplica a prisão preventiva remete para as provas carreadas no inquérito, o qual, diga-se, o signatário ainda não foi autorizado a consultar, não obstante já o ter solicitado por mais de uma vez.
7 – Assumindo-se, contudo, que tais provas não indiciarão com grau de certeza razoável a prática pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. nos termos do artigo 21.º do DL 15/93, antes quando muito do artigo 25.º
8 – Nada foi apreendido ao arguido que permita sustentar o enquadramento no artigo 21.º, fossem objectos e valores, como balanças de precisão, material de preparação, estupefacientes, telemóveis (excepção do telemóvel pessoal do arguido), quantias avultadas em dinheiro, ouro, normalmente provenientes e indiciadores de tráfico.
9 – Também nos atrevemos a dizer que da prova testemunhal recolhida nenhuma aponta no sentido de que o arguido tenha alguma vez praticado qualquer crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21.º
10 – O arguido foi seguido durante vários nos no CAT ....
11 – Chegou a estar internado tendo em vista a sua desintoxicação, atento o grau de consumo que vinha evidenciando.
12 – De aí em diante teve várias recaídas.
13 – Actualmente estava a consumir cerca de 20 pedras diárias.
14 – Vivia exclusivamente para alimentar o seu vício e nada mais do que isso.
15 – Tanto que só passado um mês de reclusão é que o teste de despistagem de drogas deu negativo.
16 – O simples facto de o arguido conviver com pessoas eventualmente traficantes não é suficiente para o indiciar como tal.
17 – Mesmo que, por hipótese remota, se considerasse provado o tráfico por parte do arguido, a ilicitude dos factos também se afiguraria consideravelmente diminuída, tendo em conta os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade e a quantidade do produto que lhe foi apreendido.
18 – No caso do arguido além da diminuta quantidade que lhe foi apreendida, que era para consumo próprio, não foi apreendida qualquer outra droga, nomeadamente na sua habitação.
19 – Depois, deve atender-se ao facto de o arguido ser toxicodependente há mais de três décadas, sendo certo que “a atenuação de um consumidor habitual modela normalmente o quadro das operações de tráfico de modo a distingui-lo do grande tráfico e aproximá-lo do pequeno tráfico, no fundo do tráfico de menor gravidade” (Lourenço Martins in Nova Lei da Droga: Um Equilíbrio Instável, pag. 226.)
20 – Isto porque a personalidade, as capacidades organizativas de um toxicodependente se movem por uma mecânica apenas suficiente para subsistir como dependente da droga, não uma actividade em exclusivo.
21 – Não é por acaso que o nosso sistema penal considera a toxicodependência como atenuante da conduta delituosa quando esta última seja a actividade de tráfico de estupefacientes – vd. Ac. STJ de 06-05-94.
22 – Assim, no caso vertente, mesmo que se provasse o tráfico pelo arguido (o que se admite apenas como mera hipótese de raciocínio) a imagem global dos factos apurados no inquérito não é de molde a repelir a aplicação do artigo 25.º do DL 15/93, aplicada ao tráfico de menor gravidade.

Outrossim,
23 – A substituição da prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação, com os habituais meios de controlo à distância, afastaria qualquer perigo de continuação da suposta actividade criminosa ou perigo de fuga.
24 – De facto, nada se infere também dos autos, da personalidade do arguido e da sua conduta que haja esse perigo.
25 – Também não há qualquer perigo de perturbação do inquérito, que já se encontrará numa fase avançada.
26 – Como não se verifica qualquer perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade pública, tanto assim que a comunidade em que o arguido se insere é conhecedora da sua vida de toxicodependência, sendo certo que o arguido já esteve anteriormente em OPH e tudo correu bem.
27 – Antes da reclusão à ordem dos presentes autos, o arguido vivia com a sua mãe, que conta actualmente 87 anos de idade, com o natural défice físico inerente à larga idade, a qual se encontra ademais assolada por doença osteoarticular degenerativa que limita na mobilidade e nas actividades da vida diária, necessitando de medicação crónica.
28 – A progenitora do arguido é viúva há 46 anos, tendo o progenitor falecido por enfarte do miocárdio fulminante.
29 – O arguido perdeu o único irmão há 12 anos por neoplasia cerebral.
30 – Enquanto a viver com a mãe, o arguido, não obstante os seus problemas de toxicodependência, era o grande apoio da progenitora, fazendo a gestão da sua terapêutica e ajudando nos trabalhos domésticos e nas deslocações a consultas e tratamentos – doc. ....
31 – Naturalmente que a progenitora do arguido veria com bons olhos a possibilidade de mesmo regressar a casa, possibilidade que há muito anseia, comprometendo-se a prestar expressamente o respectivo consentimento, caso tal lhe seja solicitado.
32 – A moradia da mãe do arguido, onde este residia e onde pretende cumprir a medida de OPH, trata-se de uma moradia com 3 quartos, casa de banho, cozinha e sala de estar, que reúne todas as condições para que o arguido ali se reinstale e possa, assim, cumprir condignamente a medida de coação.
33 – O arguido já esteve anteriormente em OPH e tudo correu bem, sendo certo que nessa altura o mesmo apenas saía para frequentar as aulas no curso superior que frequentava e concluiu posteriormente em ..., onde esteve em reclusão.
34 – O arguido encontra-se preso preventivamente há 3 meses.
35 – Os presentes autos de inquérito podem revelar-se naturalmente morosos e penosos.
36 – O deferimento da substituição da prisão preventiva pela OPH teria por isso o condão de, sem prejuízo de tudo quanto já se esgrimiu, permitir que o arguido passasse mais tempo junto da progenitora de 87 anos de idade, sua única família (por via da morte prematura do progenitor e do irmão), obviando ao sentimento de solidão e abandono que a assola desde a reclusão do arguido.
37 – A prisão preventiva, porque medida gravosa e privativa da liberdade, é excepcional, subsidiária e precária (28.º n.º2 CRP, 202.º n.º 1 CPP).
38 – Pelo que, em obediência ao primado do princípio da liberdade sobre a segurança, excepcionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva, in casu, atentos os factos supra aduzidos, a personalidade do arguido, as exigências cautelares do processo, se afigura suficiente a medida prevista no artigo 201.º do CPP, ainda que mediante fiscalização por meios de controlo à distância, pela qual se requer seja substituída a medida de prisão preventiva.
Termos em que se requer a V.Ex.a, nos termos do artigo 212 n.º 4 do CPP, a Revogação e Substituição da Prisão Preventiva a que se encontra sujeito o arguido pela Obrigação de Permanência na Habitação prevista no artigo 201.º do CPP, com fiscalização por meios de controlo à distância.”
7) Sobre este requerimento recaiu, então, o despacho recorrido que, apenas viria a ser alterado quanto ao valor da taxa sancionatória, reduzindo os 6 UC’s para 3 UC’s.

Vejamos, agora, o objecto do recurso.

Em causa está apenas saber se o Tribunal a quo podia ter aplicado ao arguido uma taxa sancionatória por o requerimento por este submetido pedindo a revogação e substituição da prisão preventiva se revelar manifestamente infundado e dilatório.

Uma vez que o Tribunal a quo, no despacho em que admitiu o recurso que ora somos chamados a decidir, corrigiu a situação resultante do artº 212º nº 4 do CPP ter sido revogado pela Lei 130/2015, de 04/09, a nossa análise terá de recair sobre o disposto no artº 521º do Código de Processo Penal que diz o seguinte:
“À pratica de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quando à condenação no pagamento de taxa sancionatória excepcional.”

Sendo que a norma prevista no Código de Processo Civil que disciplina a aplicação de taxa sancionatória excepcional consta do artº 531º daquele código a qual determina o seguinte:

“Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.”

Ora, no caso em apreço, o que se constata da cuidada análise do requerimento oferecido pelo arguido na sequência da sua notificação do despacho que, em sede de revisão, lhe manteve a prisão preventiva, é que o arguido esgrima argumentos com vista a atacar o mérito da decisão que primeiro lhe aplicou a prisão preventiva ao invés de oferecer elementos novos, supervenientes, que pudessem levar à alteração daquela medida.

Os argumentos que o arguido suscita no seu requerimento de 08-11-2022 são argumentos que o mesmo deveria ter logo oferecido em sede de interrogatório judicial ocorrido em 09-08-2022, com vista a convencer o Tribunal a quo da desnecessidade da prisão preventiva.

Pois que todos os argumentos utilizados, sem execpção, são factos/situações que, a serem verdade, já existiam ao tempo da aplicação da prisão preventiva em 09-08-2022.

O arguido não oferece nada de novo, sendo que o documento que junta, um atestado médico com vista a informar que o arguido é cuidador da sua idosa mãe, embora datado de 25-08-2022, ou seja, em data posterior à da realização do interrogatório judicial, reporta-se a situação que dura, segundo o próprio atestado, há dois anos.

Ora, o despacho relativamente ao qual o arguido veio oferecer o requerimento em apreço tinha por obejcto exclusivo a revisão dos pressupostos da aplicação da prisão preventiva.

Essa revisão segue a norma contida no artº 212º do Código de Processo Penal que diz o seguinte:

“1 - As medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar:
a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou
b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
2 - As medidas revogadas podem de novo ser aplicadas, sem prejuízo da unidade dos prazos que a lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação.
3 - Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.
4 - A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, devendo estes ser ouvidos, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e devendo ser ainda ouvida a vítima, sempre que necessário, mesmo que não se tenha constituído assistente.”

Como se sabe as medidas de coacção regem-se pelo princípio rebus sic stantibus, só podendo ser alteradas, ou revogadas, se houver alteração nos pressupostos que determinaram a sua aplicação.

Estando em causa o reexame dos pressupostos da aplicação da prisão preventiva, Jurisprudência e Doutrina maioritárias vêm entendendo que «a decisão que aplicou a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação só pode ser reformada se ocorrerem alterações fundamentais ou significativas da situação existente à data daquela decisão», pois que as medidas de coacção se encontram sujeitas à condição “rebus sic stantibus” (cfr., por ex., os Acds. TRP de 28-4-2004, proc. 0441521, e de 16-11-2005, proc. 0515288 in www.dgsi.pt ou Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 1993, págs. 251 e 252)[2].

Ou seja, para que a prisão preventiva possa ser revogada, ou substituída por uma medida de coacção menos gravosa, é necessário que haja uma alteração substancial ou significativa dos pressupostos que levaram à sua aplicação.

Ora, é ónus do arguido, que pretende a revogação da prisão preventiva em sede de revisão da medida de coacção, invocar os factos supervenientes[3] isto é, que surgiram em momento posterior à decisão de decretar a prisão preventiva, e com os quais, tivessem sido conhecidos no momento de prolação da respectiva decisão, teriam ditado desfecho diferente, mormente, teriam levado a que não se aplicasse a prisão preventiva.

No caso em apreço, o que se constata é que o arguido não só não alega qualquer facto novo, de relevo, como todos os factos que invoca são factos que deveria ter suscitado ao tempo do seu interrogatório.

Ora, a alteração dos pressupostos que estiveram na base do decretamento da prisão preventiva tem de ser clara e assente em “novos” factos processuais que possam permitir uma prognose através da qual se prevê uma redução da intensidade das exigências cautelares.

Ou, dito por outras palavras, tem de existir nos autos factos concretos que permitem ao julgador percepcionar que os perigos existentes ao tempo da determinação da prisão preventiva já não se verificam, ou se mostram reduzidos na sua intensidade de tal forma que as exigências cautelares não se devem manter tão apertadas.

Ora, olhando os factos que invoca constata-se que nenhum deles é objectivamente apto a provocar a alteração desejada na medida de coacção e que, a terem sido considerados ao tempo do seu interrogatório, também não determinariam a aplicação de uma medida de coacção menos gravosa, pois esse interrogatório já era o segundo dos autos uma vez que, tendo o arguido já beneficiado de medidas de coacção mais benevolentes, decidiu encetar actividade que levou à revogação das mesmas e à aplicação da prisão preventiva.

De notar que ao arguido já tinham sido aplicadas medidas de coacção não privativas da liberdade, que o arguido, por vontade própria decidiu violar, pelo que a prisão preventiva surge como desfecho de um comportamento violador por si assumido.

Por outro lado, no despacho que aplicou a prisão preventiva vem referida a razão pela qual a medida de OPHV não poderia ser uma solução alternativa em virtude do facto de estar em causa, essencialmente, o perigo de continuação da actividade criminosa, continuação essa que não é impedida pelo facto do arguido se encontrar circunscrito à sua casa.

Pelo que, não só nenhum dos factos que o arguido oferece são novos, como os que oferece em nada bulem com os fundamentos da prisão preventiva.
Assim, e conforme jurisprudência maioritária, que aqui citamos a título meramente exemplificativo:
 “A taxa sancionatória excepcional prevista no art.º 531.º do CPC destina-se a sancionar condutas da parte que, não atingindo a gravidade pressuposta pela litigância de má-fé, se traduzem na formulação de pretensão ou prática de acto que a parte não teria introduzido em juízo ou praticado no processo caso tivesse actuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis.”Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07-06-2018[4]

“Com a taxa sancionatória excepcional, prevista nos artigos 521.º, n.º 1, do CPP, 531.º do CPC, e 10.º do RCP, não se pretende responder/sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte.”Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2018[5]

Ora, o arguido, que está devidamente representado em juízo por ilustre mandatário, tinha a obrigação de saber que em sede de revisão de uma medida de coacção para que a mesma possa ser alterada e substituída por uma menos gravosa é mister apresentar factos novos que justifiquem uma alteração posterior.

Como também tem a obrigação de saber que não podia, no âmbito de um pedido de alteração da medida de coacção, suscitar factos que teriam de ter sido suscitados em sede de interrogatório judicial, sendo essencial notar-se que, podendo o arguido ter recorrido da decisão que lhe aplicou a prisão preventiva, não o fez, devendo tê-lo feito se entendia que a sua toxicodependência ou a falta de indícios da prática do crime impediam a aplicação da prisão preventiva.

No fundo, o que o arguido faz com o requerimento que mereceu o despacho de que ora recorre é trazer à liça argumentos que deveriam ter sido já esgrimidos em momento oportuno, momento esse que o arguido deixou passar e que não pode agora vir apresentar.

Não há, assim, qualquer dúvida que o requerimento do arguido é anómalo, violador das regras processuais e desprovido de qualquer fundamento em face do momento processual em que é apresentado, não podendo a defesa da sua liberdade, que se compreende, justificar a apresentação em juízo de um requerimento sem cabimento legal, devendo essa defesa ter sido exercida no momento próprio pois nada o impedia.

Face ao exposto, nada há a censurar no despacho recorrido, e uma vez que o mesmo corrigiu a taxa sancionatória, também não se vislumbra que o respectivo valor seja desproporcional ou injusto.

Improcede, assim, o presente recurso.

DECISÃO:

Em face do exposto, decidem os Juízes Desembargadores da Secção Penal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
 
Custas a cargo da recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC's: (artºs 513º nº 1 CPP e 8º e 9º do Regulamento das Custas Processuais conjugando este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).
Guimarães, 06 de Março de 2023.
                                                              
Florbela Sebastião e Silva (Relatora)
Paulo Correia Serafim (1º Adjunto)
Pedro Freitas Pinto (2º Adjunto)


[1] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[2] Ac. Rel. Évora de 08-03-2018 no procº nº 110/13.4PEBRR-E.E1 in dgsi.pt.
[3] Ou, pelo menos, de conhecimento superveniente.
[4] Localizável em:
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/148098da501630d5802582ab002f6350?OpenDocument
[5] Localizável em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/ca09efd290e9eb9f80258378005ac266?OpenDocument