Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
778/12.2T9BRG.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: ARREPENDIMENTO
VALORAÇÃO
DIFAMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Pertencendo o arrependimento ao mundo interior do agente, a sua demonstração para ser visível e ponderada pelo tribunal tem de ser exteriorizada em actos concretos que evidenciem essa postura, ou seja, que convençam o tribunal no sentido de que o mesmo não voltará a delinquir, que em situações idênticas arrepiará caminho, ou seja, de que interiorizou o mal praticado.

II) Afirmar que “hoje não teria assinado o requerimento” é muito pouco ou nada para se concluir pelo arrependimento. Também nada vale declarar que tem interesse em pedir desculpas ao assistente pelo sucedido.

III) Não se extraindo da factualidade que o arguido efectuou um pedido de desculpas, verbal ou escrito, ao assistente, que procedeu à reparação dos danos ou de parte deles, comportamento que vem sendo considerado pela maioria da jurisprudência como o mais evidenciador de arrependimento, bem andou o tribunal a quo em não extrair das declarações do arguido qualquer atitude de arrependimento com valor atenuativo.
Decisão Texto Integral:
Desembargadora Relatora: Cândida Marinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1. No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o número 778/17.2T9RG, que corre termos na comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Braga – juiz 2, realizado o julgamento foi proferida sentença a condenar o arguido J. B., para além do mais, como autor de um crime de difamação agravada, p. e p.p. artº 180º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, al. l) do do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo a multa de €1.200,00 (mil e duzentos euros).

Foi ainda julgado procedente o pedido de indemnização civil e condenado o demandado a pagar ao demandante a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento.

2. Não se conformando com essa condenação, veio o arguido recorrer da sentença, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:

CONCLUSÕES:

1.ª
No âmbito dos presentes autos o MP imputava um crime de difamação agravada ao arguido, previsto e punido pelo artigo 180º, nº1; 184º e 132, nº2, al.l) do Código Penal.
2.ª
O assistente aderiu à acusação formulada pelo MP e deduziu acusação particular, na qual pedia a condenação do arguido no pagamento de 2.000,00€ (dois mil euros) a título de indemnização civil, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento.
3.ª
Realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal a quo deu como provados todos os factos que eram imputados ao arguido na acusação com a excepção de dois:

c) – O arguido redigiu o aludido requerimento.
d) – O arguido não tinha conhecimento das expressões acima mencionadas constantes do aludido requerimento.
4.ª
E, nessa sequência entendeu que no caso em concreto se verificaram todos os elementos objectivos e subjectivos da prática pelo aqui recorrente de um crime de difamação agravada.
5.ª
E, como tal, condenou o ora recorrente como autor de um crime de difamação agravada, na pena de 200 (duzentos) dias à taxa diária de 6,00€, perfazendo a multa de 1.200€, bem como, nas custas do processo e, ainda, no pedido de indemnização civil formulado pelo assistente, na quantia de 2.000€.
6.ª
Acontece porém que, o recorrente não se conforma com a decisão proferida, entendendo que devia ser absolvido do crime de que vinha acusado ou, em ultima circunstância ver a sua pena reduzida e, o valor a pagar a título de indemnização.
7.ª.
Pois, as razões que levaram o arguido a escrever e remeter o texto em apreço à Ordem dos Advogados - as referidas expressões - no contexto em que foram utilizadas, não revestem cariz difamatório nem são objectivamente ofensivas, o que se repercute ao nível do elemento subjectivo bem como da ilicitude.
8.ª
Além de tudo o mais, o conceito de ofensa não pode ser um conceito puramente subjectivo, isto é, não basta que alguém se considere difamado ou injuriado para que a ofensa exista, tem de se ter em consideração o contexto em que foi proferida bem como do meio social a que pertencem ofendido e arguido, a relação existente entre estes, os valores do meio social em que ambos se inserem, etc..
9.ª
Jannitti Piromallo escreve: «os crimes contra a honra ofendem um sujeito, mas não devem terse em conta os sentimentos meramente pessoais, senão na medida em que serão objectivamente merecedores de tutela.»
10.ª
Sendo que tem de ser ter em consideração, também, que na missiva enviada à Ordem dos advogados, o que o arguido efectivamente pretendia era descrever a sua versão dos factos, emitindo a sua opinião, em tom de protesto quanto à forma de actuação do assistente no exercício da sua actividade profissional enquanto advogado.
11.ª
Uma vez que, considerou que a actuação daquele, enquanto seu mandatário em vários processos, foi incorrecta.
12.ª
As expressões proferidas, resultaram do contexto do escrito e foram produzidas com o claro e legítimo intuito de denunciar um comportamento que o ora recorrente considerou incorrecto por parte do ora assistente, no exercício das suas funções.
13.ª
Note-se que não basta que alguém se considere difamado ou injuriado para que a ofensa exista pois, como se escreve no acórdão proferido no processo nº 2281/06-1 http://www.dgsi.pt/jtrg., (…) o direito penal não se destina a tutelar o eventual excesso de sensibilidade de determinadas pessoas perante afirmações que lhes sejam dirigidas. Antes pretende punir factos que sejam objectivamente graves e geradores de ofensas a bens juridicamente protegidos. A vivência em sociedade traz contrariedades, normais, por todos sentidas, sem que isso seja, todavia, bastante para fundamentar a prática de ilícitos criminais.
14.ª
Além de tudo isso, concluímos que as afirmações produzidas pelo arguido não são suficientes para abalar moralmente o assistente, reduzindo a sua auto-estima, na medida em que não faz, nem fez, com que o mesmo fosse alvo de falta de consideração ou desprezo públicos, nem prejudicam a sua liberdade de determinação, pelo que não se encontra preenchida, objectivamente, a previsão dos artºs 181°, nº 1, 183º e 184º, todos do C.P., pelo que tem aquele que ser absolvido.
15.ª
Por último, é caso para se dizer, que o tribunal recorrido, também, não teve em consideração o que o arguido disse em sede de audiência de discussão e julgamento, no âmbito da qual demonstrou arrependimento e mostrou interesse em pedir desculpa ao assistente pelo sucedido.
16.º
Pelo que é caso para se dizer que o arguido na aplicação da pena e na fixação do valor a pagar ao assistente a título de indemnização civil, não valorou o comportamento do arguido em julgamento.
17.ª
Pois, se o tribunal de que se recorre tivesse tido em consideração tal comportamento teria obrigatoriamente de ter chegado a outro resultado.
3.
O assistente respondeu ao recurso, apresentando as seguintes alegações (transcrição):

I - São as conclusões do Recurso, e não a sua motivação, que delimita o conteúdo a levar à cognição do tribunal ad quem.
II - O Recorrente que pretende sindicar a sua condenação em pedido de indemnização cível de €2.000,00 por um suposto arrependimento não valorado, vê o seu recurso ser inviabilizado por inexistência de verificação dos pressupostos de recorribilidade previstos no artigo 400.º n.º2 do Código de Processo Penal.
III - A apresentação de um recurso perante um tribunal superior implica que se verifiquem, por parte do Recorrente, os pressupostos da impugnação.
IV - Sindicando o Recorrente matéria meramente de direito terá que expor, em conclusões e motivação, quais são os fundamentos do seu recurso por análise e interpretação do artigo 410.º n.º2 alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal.
V - Limitando-se o Recorrente a expor crítica à actuação do Tribunal a quo, não evidenciando quais as normas jurídicas que, com a sentença sindicada, se encontram violadas ou, ainda, qual a contradição e o erro na apreciação de prova, não se encontram preenchidos os pressupostos formais da admissão de Recurso.
VI - As conclusões do recurso apresentam requisitos que se pautam pela caracterização das mesmas como elaboradas de forma concisa, precisa e clara.
VII - É nas conclusões que se sumariam as questões que serão alvo de decisão.
VIII - A mera repetição, ipsis verbis, do teor da motivação do recurso leva a que exista falta de conclusão.
IX - A repetição da motivação nas conclusões equivale à sua ausência.
X - Quando da análise dos elementos das motivações do Recorrente se extrai que os mesmos estão totalmente ligados às conclusões, apresentando-se como totalmente inócuos e evidenciando-se uma repetição, nas conclusões, ipsis verbis da motivação, existe uma improcedência adjectiva do recurso nos termos do artigo 420.º n.º1 alínea a) do Código de Processo Penal.
XI - O artigo 180.º do Código Penal tem como bem jurídico protegido a honra e a consideração de outra pessoa.
XII - O Advogado é um profissional que vê na sua esfera quer jurídica, quer pessoal, a necessidade de acautelar a cristalização e não contaminação da sua honra e do seu nome.
XIII - É o Advogado que se apresenta perante a comunidade e perante a sua clientela, pelo que, mesmo estatutariamente, se garante que o mesmo não só tem integridade como está isento de forças externas que o desalinhem dos caminhos da verdade, sensatez, humildade, dignidade e isenção.
XIV - Assim, o elemento objectivo do crime de difamação é, de facto, a proteção do bom nome e da honra do lesado.
XV - Ora, o Recorrido, enquanto Advogado, tendo visto serem remetidas à sua Ordem Profissional – com legitimidade para o exercício do poder disciplinar – falsas suspeitas e mentiras, acompanhadas de expressões que indiciavam que o Recorrido era vigarista, ladrão, “mais um bourbon”, que “roubava” “literalmente” “clientes” e que praticava actos desumanos, encontra-se, sem mais, preenchido o elemento objectivo do crime.
XVI - Um Advogado sob o qual sejam levantadas suspeitas, ainda que desprovidas de fundamentação vê, naturalmente, o seu bom nome e honra afectados, vendo um entrave nas suas relações pessoais e profissionais – quer com clientes, quer com colegas.
XVII - Quanto ao elemento subjetivo este traduz-se numa vontade (livre) na prática do acto, tendo a consciência de que as expressões ofendem a honra e consideração alheias.
XVIII - Todavia, o elemento subjectivo do tipo legal de crime não impõe que haja a ofensa ofenda mas, simplesmente, que o seu emissor saiba que são aptas a causar aquela ofensa.
XIX - O Recorrido sempre teve conhecimento de que com a remessa de um requerimento elaborado com sublinhados, negritos e em letras maiúsculas, onde destacava que o ADVOGADO Recorrido era vigarista, ladrão, “mais um bourbon”, que “roubava” “literalmente” “clientes” e que praticava actos desumanos, encontra-se, sem mais, preenchido o elemento objectivo do crime, sabia que estas ofensas eram aptas a causar lesões no bom nome e consideração do Recorrido.
XX - Aliás, o Recorrente peticionou o desencadeamento de processos disciplinares e criminais nesse Requerimento, com base nas características em que apelidou, sem qualquer fundamento e em total falsidade, o Recorrido.
XXI - O “ordenamento jurídico-penal português, na linha da tradição anterior e, sobretudo, em inteira consonância com a ordem constitucional, alarga a tutela da honra também à consideração ou reputação exteriores”, e, como tal, é pacífico que é a honra e bom nome do Recorrido, enquanto lesado, que foi afectada.
XXII - Ao existir a prática deste facto ilícito, com voluntariedade, dolo e que causou danos ao Recorrido, existe, naturalmente, a obrigação de indemnizar.
XXIII - O arrependimento para ser valorado tem que ser puro e acompanhado de convicção.
XXIV - Não existe verdadeiro arrependimento quando o Arguido apenas vislumbra eximir-se de responsabilidade criminal, obstando a que a verdade material seja efectivamente descoberta.
XXV - O Arguido que, iniciando uma perseguição ao Advogado, continua, após o processo crime, a mover-lhe acções com base em factos que já foram dados como falsos, não provados, não se encontra arrependido, almejando, sim, continuar a prejudicar a honra e bom nome do Recorrido.
XXVI - A sentença recorrida não viola qualquer norma jurídica, não assenta em nenhuma contradição nem plasma qualquer erro na interpretação do direito, devendo ser mantida integralmente.
4.
O Exmo Procurador-Adjunto na primeira instância respondeu ao recurso, alegando, sinteticamente, o seguinte: (transcrição):

« Ora, convenhamos que as expressões “.. Grande vigarista e puro ladrão”;“..é mais um Bourbon” ( querendo referir-se ao caso público envolvendo o nome de advogado com tal apelido ), constantes da matéria de facto são clara e objectivamente ofensivas da honra e bom nome de qualquer cidadão e no contexto e circunstâncias do caso em apreço.

Além do mais não são meros factos que são imputados, mas sim juízos de valor sobre uma pessoa, neste caso, advogado.

Afirmar que os factos não atingem a honra e bom nome do assistente e não constituem, por isso, a prática de crime, salvo o devido respeito, revela falta de interiorização da conduta e dos valores e bens jurídicos protegidos e acima referidos.

Nesta senda, afigura-se-nos que a condenação do arguido, pela prática do crime em apreço e na pena aplicada, não merecem qualquer censura ou reparo.

Termos em que, nestes e nos mais de Direito, deve julgar-se não provado e improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida, nos seus precisos termos, Assim fazendo V. Exas a costumada, JUSTIÇA!»

5.
Neste tribunal da Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso.

6.
Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P., o arguido não respondeu ao parecer.

7.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

II. Fundamentação

A) Delimitação do Objeto do Recurso

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal ( diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência) que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

O objecto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º, 403º e 412º- naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).

O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.

Conquanto não se possa deixar de reconhecer inteira pertinência à questão prévia suscitada pelo assistente, na sua resposta ao recurso interposto pelo arguido, no sentido de as conclusões formuladas pelo recorrente não cumprirem o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, já que, em vez de constituírem um resumo das razões do pedido, mais não são do que uma reprodução da motivação, o certo é que, atenta a simplicidade das questões suscitadas no recurso, permitindo uma fácil e rápida perceção dos fundamentos do mesmo, entendemos não ser de dirigir ao recorrente um convite de aperfeiçoamento das ditas conclusões, com vista ao seu resumo.

No caso vertente, em face das conclusões do recurso, as questões a apreciar são restritas à matéria de direito, mais concretamente as seguintes:

- Do preenchimento dos elementos típicos do crime de difamação agravada.

- Ausência de valoração do arrependimento na determinação da medida concreta da pena e na fixação do montante do pedido de indemnização civil.

B) Da sentença Recorrida

FUNDAMENTAÇÃO:

A. Factos provados

1. O assistente L. M. é advogado, detentor da cédula profissional nº …, com escritório na Avenida …, em Braga e, nessa qualidade, patrocinou, durante cerca de dois anos, em várias acções, o arguido J. B..
2. Nessa qualidade o assistente prestou ao arguido serviços jurídicos, os quais foram prestados com zelo, diligência e de acordo com as legis artis profissionais. 3. Criando-se entre ambos, por força disso, uma relação de confiança. 4. Em 27 de Julho de 2016, o arguido J. B. assinou e remeteu um requerimento dirigido e recepcionado na Ordem dos Advogados, relativo a um pedido de laudo de honorários, no âmbito do processo nº 231/2016-CS/L, intentado pelo aqui assistente L. M., na qualidade de mandatário do arguido J. B..
5. O requerimento em causa foi assinado pelo arguido e dirigido à então Bastonária da Ordem dos Advogados, Dra E. F. e reencaminhado para o Conselho Superior da Ordem dos Avogados.
6. Em 17/10/2016, o assistente foi notificado pela Ordem dos Advogados para apresentar resposta ao requerimento aludido no ponto 4 supra, tomando então nessa circunstância, conhecimento do mesmo. 7. No requerimento em causa, a arguido escreveu, dirigindo-se ao ofendido, para além do mais: “… Infeliz e nefastamente, trata-se de um GRANDE VIGARISTA. PURO LADRÃO” “É o adjectivo mais adequado e proporcionado que se lhe pode aplicar”, continuando “Não são a estirpe destes (DES) advogados, nos quais os clientes confiam cegamente que, infelizmente, começam a denegrir a classe de advogados com a particularidade de ser mais um da cidade de Braga ou seja, é mais um BOURBON…”.
8. Continuando, o arguido escreveu e assinou que o assistente o “ROUBOU LITERALMENTE” e ainda que o assistente era “RIDÍCULO E DESUMANO”.
9. Terminando o arguido o seu requerimento ao afirmar “O senhor advogado Dr. L. M., prometeu vingança e retaliação caso o ora reclamante viesse a terreiro reclamar o dinheiro que o mesmo lhe havia ROUBADO, embora neste termo não tivesse havido “agressão” ou violência, mas para destacar o quão acto hediondo praticara tal causídico”.
10. O arguido assinou todas as páginas do referido escrito, contendo negritos, letras maiúsculas e sublinhados, na forma acima indicada.
11. O ofendido e referido Advogado sentiu-se magoado pelas expressões objectiva e subjectivamente injuriosa de que fora vítima, para além de ficar ofendido na sua honra e consideração de cidadão e de profissional forense.
12. Bem sabia o arguido, e não o podia ignorar, que L. M. era Advogado da comarca de Braga, que sempre agira enquanto profissional da área jurídica, praticando acto profissional, que lhe competia, que se encontrava devidamente identificado no referido requerimento, que o pedido de laudo de honorários era apresentado no órgão competente, bem sabendo o arguido que o assistente seria notificado para exercer o seu direito de defesa.
13. Com as expressões supra referidas, o arguido quis ofender gravemente a honra, dignidade, o bom-nome, a consideração profissional, a consideração pessoal e a seriedade que são atributos do assistente.
14. Ao referir no escrito que o assistente era “mais um Bourbon”, atenta a delicadeza, gravidade e singularidade do processo em que aqueles advogados desta comarca são envolvidos, bem sabia o arguido que associar o assistente a essa realidade, única e exclusivamente visava atingir e denegrir o bom nome e a dignidade do assistente enquanto advogado, tendo afectado o assistente, quer a nível profissional, quer a nível pessoal.
15. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei penal.
16. Ao ler o referido escrito, o assistente sentiu-se incrédulo, transtornado e revoltado com a injustiça de que estava a ser vítima. 17. Tendo ficado abatido, magoado e ofendido, sem qualquer fundamento ou legitimidade, na sua honra e dignidade.
18. Com a descrita conduta o arguido teve o intuito de denegrir o bom nome, honradez e imagem do assistente, quer junto dos seus Colegas, quer junto da Ordem Profissional, e ainda em todas as instituições com as quais o assistente se relaciona diariamente no exercício da sua profissão, no único sentido de arruinar a vida profissional do assistente.
19. O que ofendeu, afectou e afecta o assistente, para além da sua qualidade de profissional liberal, também pessoalmente e como pai de família.
20. O demandante é pessoa digna, com honra, educação, sensibilidade e com um bom nome, quer a nível profissional, quer a nível pessoal.
21. O demandante é reputado quer no meio onde vive, quer no meio onde trabalha.
22. É reconhecido como pessoa de trato irrepreensível, gozando de boa reputação social, como Advogado e como cidadão.
23. Ao referir-se ao demandante com as seguintes expressões “GRANDE VIGARISTA”, “PURO LADRÃO”, DESADVOGADO, BOURBON, não se coibindo de o fazer mais de uma vez, com as referidas expressões destacadas a negrito, sublinhado e casplock num pedido de laudo dirigido à Ordem dos Advogados, o demandado ofendeu gravemente o demandante, sofrendo o demandante grande mágoa, revoltado, humilhação e tristeza.
24. Em consequência da conduta do arguido, o demandante ficou envergonhado, perturbado, humilhado, magoado e triste, pelo que passou e está a passar.
25. O arguido foi empresário da construção civil, afirmando estar desempregado há 9 anos. Vive com a esposa, que trabalha como empregada doméstica e dois filhos, um deles de menor idade (15 anos), habitando em casa que está em nome de uma filha.
26. O arguido possui como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade incompleto.
27. O arguido não possui antecedentes criminais.

B. Factos não provados:
- O arguido redigiu o aludido requerimento.
- O arguido não tinha conhecimento das expressões acima mencionadas constantes do aludido requerimento.
(…)

D. Matéria de direito

1. Enquadramento jurídico-penal

Nos termos do artº 180º, nº 1 do Código Penal, pratica o crime de difamação, quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivo da sua honra e consideração, ou reproduzir tal imputação, sendo que à difamação verbal é equiparada as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão (artº 182º do Código Penal).

Distingue-se o crime de difamação da injúria, conforme a violação é perpetrada de maneira directa, perante a própria vítima, ou fazendo intervir terceiras pessoas, dirigida ou veiculada através de terceiros, ou por outros meios.

Para haver difamação é necessário que a imputação de factos ou formulação de juízos desonrosos se processe através de um terceiro, enquanto na injúria a conduta opera de forma imediata, dada a presença do próprio visado.

Nas palavras de Beleza dos Santos (in RLJ 92º-167), ofensivo da honra e consideração é aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais, bastando que, atendendo a considerações ou parâmetros de normalidade, a acção seja potencialmente adequada a lesar o sentimento de honra.

A doutrina dominante adopta uma concepção dual da honra: a honra é vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicando na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. O que o bem jurídico protege é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua reputação no seio da comunidade (cfr José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 607).

E esta é a doutrina compatível com a nossa própria lei. Com efeito, o nosso ordenamento jurídico-penal, em consonância com a ordem constitucional, alarga o conceito da honra também à consideração ou reputação exteriores.

Os crimes de difamação e injúria tutelam o bem jurídico – pessoalíssimo e imaterial – a honra, assente na imputação indirecta de factos e juízos desonrosos e consiste na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou a conduta que encerre em si uma reprovação ético-social, sendo ofensivos da honra e consideração do visado, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento da dignidade moral da pessoa por parte dos outros.

Tutela-se, pois, autonomamente, quer a honra, no sentido de integridade moral das pessoas e enquanto valor individual próprio; quer a consideração social, no sentido de bom nome e reputação (cfr O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, de António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes, Almedina).

Relativamente ao elemento subjectivo, pacífico é na jurisprudência, que tratando-se de crime doloso, basta a existência do chamado dolo genérico, não sendo exigível uma especial intenção por parte do agente.

Com efeito, a lei não exige o propósito de ofender a honra e consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém.

O crime de difamação será agravado, nos termos do artº 184º do Código Penal, se a vítima for uma das pessoas referidas na al. l) do nº 2 do artº 132º, no exercício das suas funções e por causa delas, nomeadamente se a vítima for advogado.

A conduta não será punível, quanto a imputação for feita para realizar interesses legítimos; e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para em boa-fé, a reputar como verdadeira (artº 180º, nº 2, al. a) e b) do Cód. Penal).

No caso em apreço, conforme resultou provado, o arguido, através do requerimento constante de fls 90 e sgs dos autos, que o arguido assinou e remeteu à Ordem dos Advogados, produziu afirmações e expressões objectiva e subjectivamente ofensivas da honra, consideração e prestígio pessoal e profissional, do ofendido Advogado L. M., referindo-se nomeadamente ao mesmo, como: “GRANDE VIGARISTA”, “PURO LADRÃO”, (DES) advogado, pessoa em que os clientes confiam cegamente; que contribuiu para denegrir a classe de advogados; com a particularidade de ser mais um BOURBON da cidade de Braga; que o assistente o “ROUBOU LITERALMENTE”, sendo o mesmo “RIDÍCULO E DESUMANO”; que o assistente lhe ROUBOU dinheiro, praticando enquanto causídico acto hediondo, expressões que destacou no requerimento a negrito, letras maiúsculas e sublinhados, na forma apurada, acusando-o pois de cometer factos criminosos e penalmente puníveis, para além de violar as suas obrigações ético-profissionais.

Mais se provou que tais afirmações são falsas e destituídas de fundamento, visando apenas denegrir a imagem e o bom nome pessoal e profissional do visado, agindo o arguido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as apuradas expressões, contidas no aludido requerimento, constituem juízos de valor, que ofendiam, como ofenderam, o assistente Dr L. M. na sua honra e consideração, pessoal e profissional, o que quis e conseguiu.

Mais se provou a qualidade do ofendido de advogado, constituído pelo próprio arguido, nomeadamente exercidas na acção judicial com o nº 114495/15.8YIPRT, e por causa das suas funções de advogado, exercidas nessa acção a que o pedido de laudo de honorários se reporta.

O elemento subjectivo do crime analisa-se no dolo, o qual se vislumbra na conduta do arguido na vontade de querer referir-se ao assistente L. M. as apuradas afirmações, traduzindo juízos de valor depreciativos da honra e consideração, pessoal e profissional, do ofendido, sabendo que agia contrariamente ao direito, tendo o arguido actuado com dolo, na modalidade de dolo directo.

Neste contexto, consideramos assim verificados todos os elementos objectivos e subjectivos da prática pelo arguido, de um crime de um crime de difamação agravada, p. e p.p. artº 180º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, al. l) do Código Penal.

Com efeito, independentemente dos meios jurídicos e meios processuais que o arguido tinha ao seu dispor, como qualquer cidadão, o mesmo optou por produzir afirmações e expressões que, dado o seu teor e contexto, traduzem a formulação de juízos de valor desprezíveis, quer do ponto de vista pessoal, como profissional, atribuídos ao ofendido Dr L. M., tratando-se de juízos de valor que não são susceptíveis da prova da veracidade, nem factos cuja prova o arguido tenha demonstrado ou possa sequer demonstrar, juízos de valor que não se entendem necessários ao legítimo exercício do direito à tutela de qualquer direito legítimo do arguido, nem nenhum outro interesse legítimo que o arguido tenha procurado salvaguardar.
Com efeito, os juízos de valor desprezíveis não admitem prova da verdade, tal como se explica no Ac. do T.R. Guimarães de 11/10/2004, in www.dgsi.pt, “II - Ora, como vem sendo defendido na doutrina e na jurisprudência (ver por significativo nesta matéria, o Ac. da RE de Outubro de 1996, BMJ, 460, 817), «a causa de justificação prevista no nº 2 do artº 180 do C. Penal apenas é aplicável à imputação de factos ou à reprodução da correspondente imputação, pelo que não abrange a formulação de juízos ofensivos, a atribuição de epítetos ou palavras a que se alude no crime de injúrias, bem como a imputação de factos genéricos ou abstractos». III– Com efeito, nos casos de formulação de juízos ofensivos, o recurso à causa de justificação prevista no citado artº 180º, n° 2 do C. Penal, não é legalmente possível, dada a inadmissibilidade da “exceptio veritatis”, bem como a circunstância de o legislador entender que para a salvaguarda do interesse legítimo (requisito essencial da causa de justificação em apreço), basta que se possam manifestar os factos desonrosos.”

Cfr ainda Ac. R. Porto de 12/11/2014, in www.dgsi.pt: “O caracter difamatório das expressões deve ser aferido de modo objectivo, e ter como paradigma o sentir geral da comunidade naquele local tendo em conta o ambiente e o modo como foram proferidas, a pessoa que o disse e a quem foi dito.”
Não se verificam pois causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Assim, o arguido deverá ser condenado pela prática do crime de difamação agravada que lhe vem imputado.

2. Escolha e determinação da medida da pena

O crime de difamação agravada, p. e p.p. artº 180º, nº 1 e 184º, por referência ao artº 132º, nº 2, al. l) do Código Penal, é punível com pena de prisão até 9 meses ou pena de multa até 360 dias.

Como resulta do artº 40º, nº 1 do Código Penal, a finalidade das penas visa assegurar a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, nos termos do artº 71º do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Para tanto deverá atender-se a uma moldura legal de prevenção geral, entendida na sua modalidade positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária que garanta as expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma violada e dos bens jurídicos pela mesma protegidos, o que nos dará o limite mínimo da pena a aplicar.

Por sua vez a culpa ditará o limite máximo inultrapassável das exigências de prevenção, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a culpa (artº 40º, nº 2 do Código Penal).

As finalidades das penas – por um lado, de prevenção geral positiva e de reintegração e, por outro, de prevenção especial de socialização – conjugam-se na prossecução de um objectivo comum, a saber: o de por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos.

Prevendo o tipo legal abstracto a possibilidade de aplicação alternativa de duas espécies de pena (pena detentiva ou não detentiva da liberdade), atento o preceituado no artº 70º do Código Penal, apesar das exigências de prevenção especial, afigura-se que as necessidades da punição se compadecem com a aplicação de uma pena de multa, garantindo a reposição e confiança pública na validade das normas e devendo constituir desmotivação bastante para evitar a prática de novos ilícitos.

Quanto à determinação da medida da pena concreta, ponderam-se, nos termos do artº 71º Código Penal, as seguintes circunstâncias:

- As exigências de prevenção geral, que cumpre acautelar, tendo todo e qualquer cidadão, advogado ou não, direito à sua honorabilidade;
- A intensidade do dolo, na modalidade de dolo directo.
- A natureza das imputações efectuadas, traduzindo juízos de valor fortemente negativos e depreciativos da honra e consideração do ofendido, acentuando o vexame do visado.
- O contexto dos factos, sendo o requerimento remetido para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, implicando forte publicidade da ofensa, nomeadamente junto daquele órgão institucional, desprestigiando injustificadamente o ofendido, no seu meio profissional, quer na sua esfera pessoal.
- Não se poderá valorar como atenuante e em favor do arguido, a confissão, nem muito menos o arrependimento (apesar de afirmar que hoje não teria assinado o requerimento), face à postura de infundada vitimização assumida pelo arguido em audiência, não revelando a cabal interiorização do bem jurídico protegido, nem minorando por qualquer forma a gravidade da ofensa, o que acentua as exigências de prevenção especial, face ao risco de reincidência em condutas de natureza semelhante, visando o ofendido.
- Em favor do arguido, pondera-se a sua modesta condição social, bem assim a ausência de antecedentes criminais.

Tudo ponderado, afigura-se justo e adequado condenar o arguido, na pena de 200 dias de multa.

Nos termos do artº 47º, º 2 do CP, a cada dia de multa corresponde uma quantia de €5,00 a €500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, desde já se salientando que a amplitude de tal moldura, terá de abranger desde o cidadão indigente, sem quaisquer meios de subsistência, rendimentos ou bens, até ao cidadão de elevada capacidade financeira e estatuto económico acima da média.

De todo o modo, a pena assim alcançada constituirá sempre, em maior ou menor grau, um esforço por parte do condenado e uma afectação dos seus rendimentos ou património.

No caso em apreço, apesar de o arguido, sendo construtor civil, se ter colocado numa situação de desemprego voluntário prolongado e ao que tudo indica sem bens próprios em seu nome (até a casa onde habita está em nome da filha), encontra-se inserido num agregado familiar de rendimentos modestos e sem despesas com habitação.

Neste contexto, afigura-se que a taxa diária de €6,00 (equivalente a uma modesta refeição económica), não põe em risco a satisfação das necessidades básicas do arguido ou do seu agregado familiar.

Pelo que o arguido irá condenado na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €6,00, perfazendo a multa de €1.200,00.

Do pedido de indemnização civil

Nos termos do artº 129º do Cód. Penal, a indemnização por perdas e danos é regulada nos termos da lei civil, remetendo, pois, para os artºs 483º, 484º e 562º do Cód. Civil.

Para que se verifique a obrigação de indemnizar é necessário que se verifiquem todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, a saber: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (A. Varela, "Das Obrigações", 1982, I-446).

Para que o facto possa ser imputado ao agente, é necessário que este tenha agido com culpa, exprimindo esta um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta, mormente se em face das circunstâncias específicas do caso este podia e devia ter agido de outro modo (A. Varela, Das Obrigações Em Geral, I, pp 485).

No caso em apreço, conforme resulta dos factos provados, com a sua apurada conduta, praticou o arguido um facto ilícito consistente na lesão de um direito de personalidade do demandante, causando na esfera jurídica do demandante um dano não patrimonial que merece a tutela do direito.

Com efeito, com o facto ilícito praticado pelo arguido, sofreu o demandante um dano de natureza não patrimonial, consistente na vergonha, vexame, revolta e humilhação sentidos, que, pela sua dimensão e relevância são susceptíveis de serem indemnizáveis, nos termos do artº 496º do Cód. Civil.

De harmonia com o artº 496º, nº 3 do Código Civil, a avaliação dos referidos danos não patrimoniais faz-se com recurso à equidade, tendo em atenção as circunstâncias em que os danos foram produzidos.

Assim, ponderando a natureza das imputações efectuadas, o contexto dos factos – nos termos avaliados em sede de medida da pena - e as repercussões na esfera moral do demandante, ponderando-se ainda a condição pessoal de arguido e demandante, julgo equitativo, para ressarcimento dos prejuízos não patrimoniais referidos, condenar o demandado, na peticionada quantia de €2.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Sobre tal quantia, resultado de avaliação do dano, reportada à presente data, acrescerão juros de mora, desde a data da sentença, à taxa legal, até integral pagamento – artº 805º, nº 3 do Código Civil.
(…)»

C) Apreciando.

1) Do preenchimento dos elementos típicos do crime de difamação agravada.

Sustenta o recorrente que não se mostram preenchidos os requisitos típicos do crime de difamação pelo qual foi condenado, desde logo, porque as expressões utilizadas no escrito não são ofensivas do bom nome, da honra e reputação do assistente.

Com efeito, segundo o mesmo, com as missivas envidas à Ordem dos Advogados, pretendia descrever a sua versão dos factos, emitindo a sua opinião, em tom de protesto quanto à forma de atuação do assistente no exercício da sua actividade profissional enquanto advogado, uma vez que, considerou que a sua atuação, enquanto seu mandatário em vários processos, foi incorrecta.

Ou seja, para o recorrente, as afirmações proferidas foram produzidas com o claro e legítimo intuito de denunciar um comportamento que considerou incorrecto por parte do assistente no exercício das suas funções.

Vejamos então.

De acordo com o art.º 180º, n.º 1, do Código Penal, comete o crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo.”

Decorre ainda da mesma disposição legal - conjugada com o disposto no artº 13º do Código Penal - que para efeitos do tipo legal do crime de difamação só a actuação dolosa é punível, sendo certo que a lei não exige dolo específico, satisfazendo-se com qualquer das modalidades de dolo: dolo directo, dolo necessário ou dolo eventual (art.º 14º), sendo assim necessário, mas suficiente, que o agente tenha consciência da aptidão ofensiva das suas palavras ou gestos e ainda assim queira levar a cabo a sua actuação, ou, pelo menos, que admita como possível essa aptidão ofensiva e, não obstante, não se abstenha de agir, conformando-se com a eventualidade de cometer o crime.

Por seu lado, o artigo 184º do mesmo diploma, preceitua, para além do mais, que a pena prevista no artigo 180º é elevada de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vitima for uma das pessoas referidas na alínea j) do n.º 2 do artigo 132 do Código Penal, no exercício das suas funções ou por causa delas, entre as quais se inclui, de acordo com a alínea j), deste último preceito legal, o advogado.

Com esta incriminação, a nossa lei procura tutelar o bem jurídico honra, entendido como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo radicado na sua dignidade, quer a sua própria reputação ou consideração exterior (Neste sentido, José Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal. Tomo I, pág. 607).

Protege-se não só a própria dignidade pessoal mas também o sentimento daquilo que "os outros pensam e vêem em si, independentemente de corresponder à verdade, dando, assim, cumprimento ao estipulado na nossa Lei Fundamental que tutela autonomamente a inviolabilidade da integridade moral das pessoas e a sua consideração social, mediante o reconhecimento a todos do direito ao bom nome e reputação” (António J. F. de Oliveira Mendes, in O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, pág. 20 e ss.).

Tal crime pode ser concretizado por ofensas a duas ordens de interesses humanos, que se traduzem pelas expressões honra e consideração.

Como referem SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, a honra pode ser entendida como «a essência da personalidade humana, referindo-se, propriamente, à probidade, à rectidão, à lealdade, ao carácter:..» enquanto que a consideração é o «património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros» (Ministério Público - Coimbra - MANUEL LEAL HENRIQUES e MANUEL SIMAS-SANTOS, Código Penal Anotado, 3.. Edição, p. 469).
Por outro lado, situações há que afastam a punibilidade da conduta. Estão previstas no nº 2 do artigo 180º do CP.

Estabelece, esta norma, expressamente que a conduta não será punível quando:

a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos
e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento para, em boa fé, a reputar verdadeira.

Como resulta deste preceito legal os referidos requisitos são cumulativos e embora a lei não diga o que são interesses legítimos, terão os mesmos, certamente, de ser conformes à ordem jurídica; já no que concerne ao segundo requisito exige ele a prova da verdade da imputação.

Ora, das considerações supra tecidas temos então que a lesão do direito à honra e consideração ocorre quando alguém imputa a outrem um facto, ou formula um juízo, objectivamente adequado a depreciar ou desacreditar, quer individual, quer socialmente a vítima.
Nem sempre é fácil a distinção entre aquilo que deve ou não caber na previsão do citado artigo 180º ou seja, entre aquilo que objectivamente é adequado a depreciar ou desacreditar a vítima e que, de modo algum, pode ser ultrapassado numa vida em sociedade e aquilo que embora constitua uma desconsideração ou perturbação para alguém não poderá obter enquadramento legal ao abrigo do citado preceito.

Como escreveu Beleza dos Santos, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 92º, pág. 167 «nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (…).”

Com efeito, aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou do bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não pode considerar difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena – ob. cit. págs 165 e 166.

Em tal tarefa, com vista a determinar se uma expressão é, ou não, ofensiva da honra e consideração, importa, previamente, enquadrá-la no contexto em que foi proferida, ter em conta o meio a que pertencem ofendido e arguido, as relações entre eles, entre outros aspetos (cfr Ac. da RE de 13/07/2017 in www.dgsi.pt).

De facto, como refere Oliveira Mendes, in obra citada, pág.38, existe “.. em todas as comunidades um sentido comum, aceite por todos ou, pelo menos, pela maioria, sobre o comportamento que deve nortear cada um na convivência com os outros, em ordem a que a vida em sociedade se processe com um mínimo de normalidade.

Há um sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros. (…) Do elenco desses limites ou normas de conduta fazem parte “regras” que estabelecem a “obrigação e o dever” de cada cidadão se comportar relativamente aos demais como um mínimo de respeito moral, cívico e social. É evidente que esse mínimo de respeito não se confunde com educação ou cortesia. Assim, os comportamentos indelicados, e mesmo boçais, não fazem parte daquele mínimo de respeito”.

Como também se refere no Ac. da Rel. de Évora, de 02/07/96, in CJ ano 1996, Tomo IV, pág.295 «Um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético-necessário à salvaguarda sócio-moral da pessoa, da sua honra e consideração”.

E, no caso vertente, estamos, com franqueza, perante um comportamento do arguido eticamente reprovável, que não pode deixar alguém indiferente, a reclamar assim a intervenção da tutela penal.

Com efeito, as afirmações feitas pelo arguido no requerimento endereçado à Ordem dos Advogados denotam, na sua globalidade, uma verdadeira intenção ofensiva e de achincalhamento, e não apenas, como pretende convencer, uma vontade de protestar, de expressar o seu descontentamento quanto à forma de atuação do assistente no exercício da sua actividade profissional, enquanto seu mandatário em vários processos, actuação essa que considera incorrecta.

Ainda que se admita a alguém que alegadamente se sente prejudicado por outra pessoa, ou descontente com a sua forma de actuação, possa manifestar o seu desagrado com palavras mais acintosas, cruéis e agressivas, cremos que, no caso em apreço, o arguido, ao referir-se ao assistente apelidando-o de “Grande Vigarista”, “Puro Ladrão”, “desadvogado”, “ Mais um “Bourbon” (querendo referir-se ao caso público envolvendo o nome de advogado com tal apelido), “que lhe roubou dinheiro” – expressões/juízos de valor com os inerentes significados mais que interiorizados pela comunidade em geral, e em particular naquela em que se inserem o assistente e o arguido - manifestamente que se excedeu, que ultrapassou com tais expressões/juízos de valor todos os limites do direito ao protesto, à reclamação, pondo em causa o direito à dignidade do assistente, bem como a reputação tida por este no seio da comunidade, social e profissional, onde se insere.

São, aliás, por demais evidentes os reflexos negativos que uma tal atuação é susceptível de originar quando está em causa uma actividade profissional liberal, cujo sucesso depende também da imagem que os “clientes” que recorrem aos respectivos serviços fazem desse profissional, pelo que o mínimo belisque na sua honra, consideração e bom nome poderá, sem dúvida, pôr em causa o exercício efectivo dessa mesma actividade.

E, claro está, que bem sabia o arguido que, dessa forma, estava a denegrir o bom nome e dignidade do assistente, enquanto advogado, afectando-o, quer a nível pessoal, quer profissional.

Como bem se referiu na decisão recorrida, “independentemente dos meios jurídicos e meios processuais que o arguido tinha ao seu dispor, como qualquer cidadão, o mesmo optou por produzir afirmações e expressões que, dado o seu teor e contexto, traduzem a formulação de juízos de valor desprezíveis, quer do ponto de vista pessoal, como profissional, atribuídos ao ofendido Dr L. M., tratando-se de juízos de valor que não são susceptíveis da prova da veracidade, nem factos cuja prova o arguido tenha demonstrado ou possa sequer demonstrar, juízos de valor que não se entendem necessários ao legítimo exercício do direito à tutela de qualquer direito legítimo do arguido, nem nenhum outro interesse legítimo que o arguido tenha procurado salvaguardar”.

E dai que o tribunal a quo tenha também concluído, e bem, pela inaplicabilidade da causa de exclusão da ilicitude prevista no já citado art. 180º,nº2, citando, em conformidade, jurisprudência a tal propósito.

Alega ainda o recorrente para sustentar a sua absolvição que as afirmações produzidas não são suficientes para abalar moralmente o assistente, reduzindo a auto-estima, na medida em que não faz, nem fez, com o mesmo fosse alvo de falta de consideração ou desprezo públicos, nem prejudicam a sua liberdade de determinação (14ª conclusão).

A tal respeito, e independentemente do que ficou apurado relativamente aos danos causados no assistente e decorrentes da actuação do arguido, cumpre apenas referir que o tipo legal de crime em apreço não é um crime de resultado, mas de perigo, não sendo, por isso, necessário que as expressões atinjam efectivamente a honra e consideração da vítima, bastando a susceptibilidade das mesmas, a sua idoneidade para produzir tal dano (neste sentido, Ac. do STJ de 30/4/2008, proferido no processo 07P4817, em que foi Relator o Juiz Conselheiro Rodrigues da Costa).

E, na senda do que já referimos, é mais do que evidente a mencionada idoneidade das expressões/juízos de valor em apreço.

Por tudo o exposto, dúvidas inexistem que as expressões/juízos de valor utilizadas pelo arguido no contexto em que o foram e com a consciência de que são ofensivos da honra e consideração da pessoa do assistente, integram a prática do ilícito em apreço.

Bem decidiu assim o tribunal a quo.

2. Ausência de valoração do arrependimento na determinação da medida concreta da pena e na fixação do montante do pedido de indemnização civil.

Insurge-se o recorrente quanto ao facto de o tribunal não ter tido em consideração o que disse em sede de audiência de julgamento, no âmbito da qual demonstrou arrependimento e mostrou interesse em pedir desculpa ao assistente pelo sucedido, o que a ter sido ponderado implicaria obrigatoriamente outro resultado em sede de determinação da medida da pena de multa e da fixação do montante da indemnização.

Ora, compulsada a decisão recorrida, verifica-se que o tribunal a quo teve em conta, de facto, o teor das declarações prestadas pelo arguido, ainda que delas não tenha extraído qualquer pendor atenuativo, como pretende o recorrente.

A tal propósito escreveu-se na decisão recorrida “ Não se poderá valorar como atenuante e em favor do arguido, a confissão, nem muito menos o arrependimento (apesar de afirmar que hoje não teria assinado o requerimento), face à postura de infundada vitimização assumida pelo arguido em audiência, não revelando a cabal interiorização do bem jurídico protegido, nem minorando por qualquer forma a gravidade da ofensa, o que acentua as exigências de prevenção especial, face ao risco de reincidência em condutas de natureza semelhante, visando o ofendido”.

E bem andou o tribunal em assim concluir, designadamente, no sentido da ausência de interiorização por parte do arguido da gravidade da sua atuação, postura que, aliás, reitera em sede de recurso ao insistir que não cometeu qualquer crime e que se limitou a emitir a sua opinião quanto à forma de actuação do assistente no exercício da sua actividade profissional.

Aliás, bastará ouvir as declarações prestadas pelo recorrente em audiência de julgamento para facilmente se intuir da sua postura de vitimização.

Por outro lado, afirmar que “hoje não teria assinado o requerimento” é muito pouco ou nada para se concluir pelo arrependimento.

Também nada vale declarar que tem interesse em pedir desculpas ao assistente pelo sucedido.

E isto porque, pertencendo o arrependimento ao mundo interior do agente, a sua demonstração para ser visível e ponderada pelo tribunal tem de ser exteriorizada em actos concretos que evidenciem essa postura, ou seja, que convençam o tribunal no sentido de que o mesmo não voltará a delinquir, que em situações idênticas arrepiará caminho, ou seja, de que interiorizou o mal praticado.

Não foi esse o caminho que tomou o recorrente arguido.

Com efeito, compulsada a factualidade provada dela nada se extrai que aponte no sentido do arguido ter feito um pedido de desculpas, verbal ou escrito, ao assistente, isso sim revelador de arrependimento.

Também não procedeu à reparação dos danos ou de parte deles, comportamento que vem sendo considerado pela maioria da jurisprudência como o mais evidenciador de arrependimento.

Em suma, bem andou o tribunal a quo em não extrair das declarações do arguido qualquer atitude de arrependimento com valor atenuativo.

Em conformidade, nada se impõe alterar em sede de determinação da medida da pena, e muito menos em sede de montante de indemnização civil, porquanto, nesta parte, nem sequer é admissível recurso, atento o valor do pedido de indemnização civil e o disposto no art. 400º,nº2 do C.P.P..

De acordo com este preceito legal, “sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.

A este respeito estabelece o artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto [Lei da Organização do Sistema Judiciário] que, em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000 e a dos tribunais de primeira instância é de € 5.000.

Assim, a recorribilidade do pedido de indemnização deduzido no processo penal, objecto de sentença de 1ª instância, depende da verificação, cumulativa, de duas condições: 1) que o pedido formulado seja superior a € 5.000; 2) que o decaimento para o recorrente seja superior a € 2.500.

No caso em apreço, o valor do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante é de € 2.000,00, tendo o arguido sido condenado no pagamento desse mesmo valor.

Assim, em face do exposto, não se mostrando verificadas as duas enunciadas condições, não é admissível recurso da sentença relativamente ao pedido de indemnização deduzido, pelo que, nesta parte, dele nunca se poderia conhecer.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente/arguido J. B., confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º,nº1 do C.P.P. e 8º,nº9, do Regulamento das custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 25 de fevereiro de 2019