Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2615/18.1T8VRL.G1
Relator: RAQUEL BATISTA TAVARES
Descritores: ACÇÃO NÃO CONTESTADA
PETIÇÃO DEFICIENTE
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
CONTRADITÓRIO
CONTRATO DE SEGURO
INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA
INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE
CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Não obstante se considerarem confessados ou admitidos, em face da revelia operante por parte do réu, os factos alegados pelo autor, o desfecho da causa não tem necessariamente de ser aquele que é pretendido pelo autor porquanto, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 567º do C.P.C., o juiz deve julgar “a causa conforme for de direito”.

II- No caso de petição inicial deficiente, de petição que não contenha todos os factos de que depende a procedência da ação ou que se apresenta articulada de forma incorreta ou defeituosa, não obstante a revelia do réu, deve o julgador convidar o autor a aperfeiçoá-la nos termos do artigo 590º n.º 1 do Código de Processo Civil e, caso o autor o faça, deve ser dada a possibilidade ao réu para, querendo, exercer o contraditório.

III- O segurado/aderente num contrato de seguro do ramo vida com a cobertura de Invalidez Absoluta e Definitiva pretende acautelar a hipótese de ficar definitivamente impedido de exercer uma actividade remunerada e de perder definitivamente, por invalidez, a sua capacidade de ganho.

IV- A exigência de recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os atos elementares da vida corrente e à apresentação de um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor, para considerar o segurado em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada, constitui uma cláusula abusiva por contrária ao princípio da boa-fé.

V- Uma tal exigência gera um significativo desequilíbrio contratual entre as partes ao colocar o consumidor/aderente do contrato deste seguro numa posição em que, ao invés de acautelar uma situação de eventual impossibilidade de obter rendimentos do trabalho, o deixa, na generalidade dos casos, numa situação como se não existisse contrato de seguro.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

T. G., casada, e M. V., solteira, ambas residentes no lugar da …, Vila Real, intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra … – VIDA COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., com sede na Avenida …, Lisboa, pedindo que se declare o contrato de seguro resolvido, e, em consequência, se condene a Ré a pagar às Autoras, a quantia de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora à taxa lega, contados desde a citação até integral pagamento.
Alegam para tanto e em síntese que a primeira Autora como tomadora do seguro celebrou um contrato de seguro com a Ré mediante o qual segurou a segunda Ré, sua filha, tendo sido convencionado o capital garantido em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva ou invalidez total e permanente da segunda autora, o montante de €75.000,00.
Que a segunda Autora sofreu, entretanto, um surto psicótico, tendo-lhe sido diagnosticada esquizofrenia paranóide, e tendo-lhe sido deferida a pensão de invalidez, pelo Centro Nacional de Pensões, com início em 9 de abril de 2008.
Mais alegam que o processo de pensão de invalidez da segunda Autora foi remetido para a Ré, com o pedido de acionamento da cobertura de invalidez absoluta e definitiva, mas que a Ré não deu qualquer resposta.
Regularmente citada a Ré, como, entretanto foi decidido na sequência da arguição da nulidade da citação, não apresentou contestação no prazo legal, pelo que, nos termos do disposto no artigo 567º n.º 1 do Código de Processo Civil, foram considerados confessados os factos articulados pelas Autoras.
Notificadas nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, as Autoras apresentaram alegações.
Foi proferido despacho que convidou as Autoras a virem completar a petição inicial, por o tribunal entender que não se mostravam alegados factos suficientes para ser proferida decisão.
As Autoras corresponderam ao convite.
A Ré veio pronunciar-se quanto aos novos factos alegados, concluindo pela improcedência da acção; veio, ainda, apresentar requerimento probatório, nomeadamente arrolando testemunhas e requerendo se proceda a prova pericial, o que não foi admitido.

Foi proferida sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

Por tudo quanto exposto fica, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo a ré do pedido.
Custas a cargo das autoras.
Registe e notifique”.

Inconformadas, apelaram as Autoras da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“CONCLUSÕES

1.º
Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 1ª instância e o mesmo apresentado na firme convicção de que o despacho de 15/05/2019, que ordenou o aperfeiçoamento da petição, bem como a decisão proferida por sentença violaram o disposto no artigo 567.º n.º 1 e n.º 2, do CPC, bem como uma incorreta aplicação do Direito aos factos dados como confessados, por falta de contestação da Ré.
2.º
As ora Apelantes entendem que o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do Direito aos factos articulados que foram dados confessados por falta de contestação da Ré (despacho de 19/02/2019, notificada às partes em 21/02/2019).
3.º
Relativamente:
e) Aos efeitos da revelia, por falta de contestação da Ré, regularmente citada para o efeito, e suas consequências legais;
f) A incorreta aplicação e interpretação do regime geral das cláusulas contratuais, mormente, as gerais e especiais reguladas no Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10, alterado pelos Decretos-Lei nºs 220/95, de 31-08 e 249/99, de 07 de julho.
g) A invalidez absoluta da Autora M. V., que lhe foi reconhecida pela Segurança Social.
h) A falta de comunicação por parte da Ré às Autores, do teor das condições gerais e especiais da apólice.
4.º
O despacho proferido em 19/02/2019,considera os factos confessados, articulados pelas Autoras, fez referência ao n.º 2, do artigo 567.º, para alegações das partes.
5.º
A Ré notificada do supra referido despacho, em 20/02/2019, para alegar nos termos do nº 2, daquele preceito, conforme evidenciam os autos, apresentou contestação dissimulada nas alegações, apenas em 20/03/2019, concluindo-se de forma inequívoca a extemporaneidade das alegações, uma vez que, há muito tempo havia decorrido o prazo legal de 10 dias, para a sua apresentação, ainda que acrescida do prazo de multa do artigo 139.º n.º 5 do CPC.
6.º
Ou seja, verifica-se que a Ré tentou aproveitar o mecanismo previsto no artigo 567.º nº 2, para apresentar contestação que não havia apresentado.
7.º
Para além de ser absolutamente inadmissível, configura, por isso, uma ocorrência anómala da normal tramitação da lide.
8.º
Pelo que, se deverá considerar como não escrita tal alegação, e ser desentranhada por extemporânea.
9.º
Todavia, dever-se-ia ter dado êxito total às Autoras, porque o pedido é sustentável, e por muitas alegações que existam contrariando os factos peticionados, não foi apresentada contestação, logo a sentença deveria ser sempre de condenação da Ré, a menos que as Autoras venham pedir um direito impossível (caducidade do direito), o que no caso em apreço não se verifica.
10.º
O Tribunal a quo considerou e tratou as alegações da Ré, apresentadas fora de prazo, como uma autêntica contestação.
11.º

Preceitua o artigo 567.º n.º 2, o que:

“O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando o caso conforme de direito.” (sublinhado nosso).
12.º
Ora, com o devido respeito por opinião contrária, o processo termina após a alegação das Autoras e da Ré, sendo de seguida proferida sentença.
13.º
O Tribunal a quo ignorou tal preceito, fazendo “tabua rasa” do mesmo, e por despacho datado de 23/04/2019, notificou as Autoras para no prazo de 10 dias, se pronunciar quanto à nulidade da citação invocada pela Ré, que diga-se em abono da verdade, em articulado de alegações da Ré apresentado fora de prazo, ainda que com multa.
14.º
No dia 09/05/2019, as Autoras deduziram oposição ao requerido pela Ré, e consequentemente, requereram o respetivo indeferimento.
15.º
Por despacho datado de 15/05/2019, o Tribunal a quo, considerou que, não tinha ocorrido a falta ou irregularidade da citação e julgou improcedente a alegada irregularidade da citação.
16.º
Ainda no referido despacho, parte final, o Tribunal a quo convidou as Autoras para no prazo de 10 dias, completar o seu articulado.
17.º
As Apelantes ficaram muito surpreendidas, com tal despacho, uma vez que os efeitos da revelia plasmados no artigo 567.º do CPC, terminam com o processo após as alegações se forem apresentadas.
18.º
Atento o exposto, pode-se inferir daqui que os referidos despachos consideraram e trataram as alegações da Ré (que diga-se em abono da verdade, fora de prazo), como uma autêntica contestação.
19.º
Conforme resulta do artigo 567.º do CPC, uma vez notificadas as partes para querendo, no prazo de 10 dias, examinar o processo e apresentar alegações escritas, de seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito (sublinhado nosso).
20.º
Assim, na presente ação, em relação à qual a Ré não apresentou qualquer contestação, inexiste quaisquer razões para que o tribunal, não valorize os documentos devidamente assinados pelas Autores (proposta, cláusulas da apólice e as designadas CONDIÇOES PARTICULARES), isto é, aquelas que as partes acordam e estabeleceram direta e pessoalmente, e em segundo lugar as designadas “ CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS” aplicáveis e não excluídas pelas partes, que constituem as cláusulas genéricas deste tipo de seguro.
21.º
No caso em apreço, a sentença em crise, na parte final, transcreveu na íntegra o ponto 4.1, das Condições Especiais dos Seguros Complementares, sugeridas pela Ré nas suas alegações (apresentadas fora do prazo).
22.º
Ora, antes de mais, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, importa analisar o ponto 4, das CONDIÇÕES ESPECIAIS que infra se transcreve:
23.º
“ Se o segurado vier a invalidar-se absoluta e definitivamente em consequência de acidente ou doença não referida no ponto 5, a seguradora garante a antecipação de 100% do capital garantido pelo seguro principal, cessando automaticamente o contrato.”
24.º
Este parágrafo termina com um ponto final, logo esta cláusula não faz depender de qualquer percentagem para fazer funcionar as coberturas contratadas.
25.º
O que equivale por dizer que o ponto 4.1, transcrito na sentença em crise, é apenas uma definição da INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA, conforme a epígrafe do próprio número 4.1.
26.º
A sentença em crise pôs em causa o grau de incapacidade igual ou superior a 85% da 2ª Autora M. V..
27.º
Neste conspecto, as Autoras alegaram e provaram as condições do contrato de Seguro, Universal Vida, juntando à petição inicial o Doc.1, cuja proposta e “CONDIÇÕES PARTICULARES” são atendidas em primeiro lugar, e tais condições particulares não fazem referência a qualquer grau, e foi nessa perspetiva que as Autoras acordaram com a Ré.
28.º
Assim, cabe, aqui, analisar a questão da invalidez da 2ª Autora M. V., uma vez que a Ré questionou, por desconhecimento, que se verifique a situação que dá lugar à sua responsabilidade, por força do contrato de seguro em causa.
29.º
Ora, não há dúvidas de que foi deferida à 2ª Autora M. V., pelo Instituto da Segurança Social, Centro Nacional de Pensões, a pensão de INVALIDEZ ABSOLUTA, com início em 09/04/2008, e embora tal documento junto à petição inicial, sob a designação de Doc. 4, não resulte qual o grau de incapacidade da 2ª Autora M. V., o mesmo está subentendido, já que lhe foi atribuída a INVALIDEZ ABSOLUTA, o que não acontece se a mesma não sofresse um grau de incapacidade superior a 85%, uma vez que a M. V., está reformada por invalidez absoluta.
30.º
Provada está, assim, a situação de invalidez da Autora M. V., a qual por força do dito contrato de seguro (condições particulares), determina o pagamento pela Ré da quantia peticionada, a qual, contudo, deverá ser paga apenas à 2ªAutora M. V., por ser a beneficiária do seguro.
31.º
No que respeita às cláusulas da apólice, valem em primeiro lugar, as designadas “CONDIÇÕES PARTICULARES” isto é, aquelas que as partes acordaram e estabelecem direta e pessoalmente, e em segundo lugar as designadas “CONDICÕES GERAIS E ESPECIAIS” aplicáveis e não excluídas pelas partes, que constituem as cláusulas genéricas deste tipo de seguro.
32.º
O sobredito contrato (proposta e CONDIÇÕES PARTICULARS), foi celebrado com a mediadora ao serviço da Ré – P. L., no escritório da mesma, tendo sido assinado pelas Autoras, sem que para o efeito lhes tivesse sido prestada qualquer informação sobre as condições gerais e especiais da apólice, ou entregue as mesmas, razão por que não foram juntas com a petição inicial.
33.º
Na verdade, atento o requerimento de aperfeiçoamento da petição dirigido ao tribunal no dia 31/05/2019,tal informação foi remetida para as CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS, juntas com as alegações da Ré, com a respetiva cópia, uma vez que as Autoras não as possuíam.

34.º
Por outro lado, a redação das CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS, juntas pela Ré aos Autos, com as alegações, não é a mesma que vigorava aquando da celebração do contrato de seguro vida, em 27/03/2007, há cerca de 13 anos atrás.
35.º
A mediadora foi perentória em afirmar que no ano de 2007, quando foi celebrado o contrato de seguro vida, não entregou as CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS, esclarecendo, no entanto que as que vigoravam na altura tinham uma redação diferente das atuais, porque estas já sofreram alterações, mormente, no tocante à definição da INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA, nas anteriores não constava a percentagem de 85%, sim de 60%, por remissão para a Tabela Nacional de Incapacidade por acidente de Trabalho.
36.º
E que, na altura o grau de desvalorização era igual ou superior a 60%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por acidente de trabalho e doença profissional, em vigor há data da emissão da apólice.
37.º
Mais esclareceu que, as Autoras quando contrataram a cláusula de Invalidez Absoluta e Definitiva foi a prevista nas CONDIÇÕES PARTICULARES que nos termos da Tabela Nacional de Incapacidade por acidente em trabalho e doença profissional, era igual ou superior a 60%.
38.º
As Apelantes nunca tiveram qualquer conhecimento ou informação sobre as CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS, desconhecendo-as em absoluto.
39.º
Atento o exposto, o Tribunal a quo, deveria ter solicitado à Ré, as CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS, que vigoravam no ano de 2007, ano em que foi celebrado o contrato de seguro vida com a Ré.
40.º
Não se tendo procedido assim, a Ré veio em alegação, juntar aos autos as CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS, vigente atualmente, quando já decorreram 13 anos, tentendo enganar o Tribunal.
41.º
A Seguradora não procedeu ao dever de comunicação, e o certo é que tal dever poderá mesmo ser tido como essencial para a decisão da causa, nele residindo mesmo como que o cerne da questão, pois para que fosse admissível proceder ao afastamento do conceito da “percentagem de 85%, exigível, para além das CONDIÇÕES PARTICULARES, que são as que vinculam as partes.
42.º
É que a seguradora tem a obrigação de comunicar, na íntegra, as cláusulas contratuais gerais ao aderente que se limite a subscrevê-las ou aceitá-las (art.º 5 nº2 do Decreto-Lei n.º 446/85).
43.º
Ficando ainda onerado com a respetiva prova da comunicação de forma adequada e efetiva (n.º 3 do citado comando, quer na sua primitiva redação, quer na conferida pelo Decreto-Lei nº 220/95).
44.º
E é sabido ainda que em caso de dúvida sobre a sua interpretação (in casu, do alcance e 85%, tal dúvida deverá resolver-se a favor do aderente, in dúbio contra stipulatorem (artigo 11º n.º 2 do Decreto-Lei nº 446/85).
45.º
Na verdade, considerando, como deveremos considerar, as AA., como declaratárias normais, temos como adequado, na outorga do presente contrato de seguro, a reforma de invalidez absoluta e definitiva, deferida à 2ª Autora M. V., pela Segurança Social, e que foi querido no sentido corrente pelas Autores que deixaram expresso na proposta de seguro vida e nas CONDIÇÕES PARTICULARES.
46.º
É igualmente adequada entender-se que os contratantes, tivessem dado como assente que o conceito de invalidez absoluta abrangesse a percentagem de 85%, porque comum para a generalidade das pessoas, em especial para as Autoras que contrataram essa apólice, conforme o questionário e as CONDIÇÕES PARTICULARES, juntas com a petição inicial.
47.º
O Tribunal a quo ao decidir definitivamente deve fazê-lo com um grau de elevada certeza sobre quais as cláusulas contratuais, ou seja, deve estar na posse de todos os elementos disponíveis de modo a poder aferir quais as cláusulas contratadas entre Autores e Ré, vigentes no ano de 2007.
48.º
Cremos que esta é uma questão de fulcral importância, porque as CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS, no ano de 2007, não previam a percentagem de desvalorização de Invalidez Absoluta.
49.º
O Tribunal a quo na douta sentença e despachos que antecede, violou, entre outros, o preceituado no artigo 567.º do Código de Processo Civil, pelo que, por isso, deve ser revogada a sentença condenando-se a Ré no pedido.”
Pugnam as Recorrentes pela procedência do recurso e pela revogação da sentença recorrida condenando a Ré no pedido.
A Ré contra alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Foi determinada a notificação das partes para querendo se pronunciarem sobre a questão da nulidade da clausula 4.1. das Condições Especiais dos Seguros Complementares.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

A questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelas Recorrentes é a de saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos relativamente:

- aos efeitos da revelia por falta de contestação da Ré;
- à aplicação e interpretação do regime geral das cláusulas contratuais reguladas no Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10 e à falta de comunicação por parte da Ré às Autoras, do teor das condições gerais e especiais da apólice;
- à invalidez absoluta da Autora M. V..
***
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos considerados provados em Primeira Instância:

1º Por Contrato Universal Vida, nº 1049642, celebrado por escrito, datado de 27/03/2007, a 1ª Autora, tomadora do seguro, segurou a 2ª Autora, sua filha M. V..
2º O sobredito contrato foi celebrado pelo prazo de vinte anos, com início em 27/03/2007, e términus em 27/03/2027.
3º As partes convencionaram o capital garantido em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva (IAD), ou invalidez total e permanente (ITP), o montante de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
4º Tal montante deveria ser pago durante vinte anos, em prestações trimestrais. 5º As prestações trimestrais, relativas ao primeiro ano, foram fracionadas no valor de €58,36 (cinquenta e oito euros e trinta e seis cêntimos) e, atualmente, cifram-se no valor de €117,54 (cento e dezassete euros e cinquenta e quatro cêntimos), por aumento progressivo anual.
6º Em 10/10/2007, a beneficiária M. V., 2ª Autora, teve um surto psicótico e foi internada no serviço de psiquiatria do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, desde o dia 10/10/2007, até ao dia 30/10/2007, onde lhe foi diagnosticado os primeiros sintomas de esquizofrenia paranóide.
7º Em novembro de 2007, a 1ª Autora requereu ao Instituto da Segurança Social, Centro Nacional de Pensões, a pensão de invalidez da beneficiária M. V., 2ª Autora, tendo-lhe a mesma sido deferida com início em 09/04/2008.
8º Em 12/07/2018, o processo de pensão de invalidez da 2ª Autora, foi remetido para a sede da Ré, com o pedido de acionamento da cobertura de invalidez absoluta e definitiva, ao abrigo do referido contrato, para pagamento do montante de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
9º A Ré não instaurou processo (sinistro de invalidez), nem deu qualquer resposta ao requerimento apresentando pelas Autoras.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vieram as Autoras interpor o presente recurso da sentença proferida pelo tribunal a quo que, julgando a presente ação improcedente, absolveu a Ré do pedido formulado pelas Autoras por entender que em face do contrato de seguro a situação de incapacidade a Autora M. V. não preenche os requisitos necessários para acionamento das coberturas contratadas.
Começamos por referir que em face das alegações que apresentam não entendemos que pretendam as Autoras invocar qualquer nulidade da sentença recorrida nos termos do artigo 615º n.º 1 do Código de Processo Civil não obstante nas suas alegações (ainda que não nas conclusões) se refiram à “nulidade da Sentença proferida pela 1ª Instância”; de facto, não só não aludem a este preceito como não concretizam qualquer das nulidades taxativamente previstas no mesmo.
Na verdade, e conforme ressalta das alegações, o que as Recorrentes sustentam é a não conformidade da decisão com o direito aplicável, que se não confunde com a nulidade da sentença prevista no referido artigo 615º n.º 1.
As decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.
A existir um erro na aplicação do direito por parte do tribunal a quo tal, obviamente, não se confunde com a verificação de qualquer nulidade da sentença.
De todo o modo, e porque o conhecimento da nulidade da sentença nos termos do artigo 615º n.º 1 do Código de Processo Civil configura questão de conhecimento oficioso deixamos desde já aqui expresso não padecer a sentença de nulidade.
O recurso interposto pelas Autoras não visa a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se assim o quado factual tal como fixado em 1ª Instância.

Sustentam as Recorrentes que o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do direito relativamente:

a) aos efeitos da revelia, por falta de contestação da Ré e suas consequências legais;
b) à aplicação e interpretação do regime geral das cláusulas contratuais reguladas no Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10 e à falta de comunicação por parte da Ré às Autores, do teor das condições gerais e especiais da apólice;
c) à invalidez absoluta da Autora M. V., que lhe foi reconhecida pela Segurança Social.

Vejamos então, adiantando desde já não assistir razão às Recorrente quando sustentam a extemporaneidade das alegações apresentadas pela Ré e nem quanto ao juízo que formulam relativamente ao tribunal a quo de que tratou tais alegações como uma autêntica contestação.
De facto, conforme resulta de forma inequívoca da sentença recorrida esta deu como provados os factos alegados pelas Autoras, que julgou confessados por força do disposto no artigo 567º n.º 1 do Código de Processo Civil, e considerou (v. a sua fundamentação de direito) a invalidez absoluta da Autora M. V. por não ter sido colocada em causa pela Ré e o contrato de seguro (aliás junto aos autos pelas próprias Autoras a fls. 49 e seguintes).

Dispõe o artigo 567º n.º 1 do Código de Processo Civil que “1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor” e o n.º 2 que “É concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito”.
As Recorrentes partem, contudo, do pressuposto errado que o prazo de dez dias de que a Ré dispunha para as suas alegações deve contar-se da notificação do despacho proferido pelo tribunal a quo determinando o cumprimento do n.º 2 do artigo 567º (v. despacho proferido em 20/02/2019 que considerou também confessados os factos articulados pelas Autoras); porém, as alegações previstas neste preceito, ainda que ambas as partes disponham do prazo de dez dias, são apresentadas primeiro pelo autor e depois pelo réu (v. a este propósito António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, 2018, Vol. I, anotação ao artigo 567º, página 630).
Por outro lado, o facto da lei determinar que se o réu não contestar se consideram confessados os factos articulados pelo autor, tal não determina sem mais a procedência da pretensão do autor mas tão só que seja assumido o quadro factual vertido na petição inicial pois o juiz continua a ter de julgar a causa “conforme for de direito”, o que decorre expressamente da parte final do n.º 2 do artigo 567º.
Estamos perante um efeito cominatório semipleno em face da revelia operante por parte do réu dado que esta nunca implica, por si mesma, a condenação do réu; pelo contrário o juiz pode absolver o réu, desde logo da instância, pelas excepções dilatórias de conhecimento oficioso, ou até absolver mesmo do pedido, se entender que os factos articulados não produzem os efeitos jurídicos que o autor pretende ou se conhecer oficiosamente de uma excepção peremptória, ou ainda julgar apenas parcialmente procedente a pretensão do autor.
Não obstante se considerarem confessados ou admitidos os factos alegados pelo autor, o desfecho da causa não tem necessariamente de ser aquele que é pretendido pelo autor porquanto, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 567º do Código de Processo Civil, o juiz deve julgar “a causa conforme for de direito”.

Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 535 seguintes) “(…) apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem admitidos, o juiz fica liberto para julgar a ação materialmente procedente (como se admite que seja a hipótese mais vulgar), mas também para se abster de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (quando verifique a falta insanável de pressupostos processuais), para julgar a ação apenas parcialmente procedente (quando, por exemplo, o autor tiver formulado dois pedidos, sendo um deles manifestamente infundado) para a julgar totalmente improcedente (se dos factos admitidos não puder resultar o efeito jurídico pretendido) e até para reduzir aos justos limites determinada indemnização peticionada (art. 566-2 CC).”

No caso dos autos estamos uma situação de revelia relativa em que a Ré, embora não tendo contestado, compareceu em juízo constituindo mandatário e apresentando alegações nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 567º.
De facto, a revelia operante não afasta o réu da lide e permite-lhe designadamente apresentar alegações escritas no momento anterior à fase da sentença, as quais incidirão sobre matéria de direito, pois a matéria de facto está assente.
No nosso caso, verificando-se a existência duma situação de revelia operante, com efeito cominatório semipleno, a Ré veio apresentar as alegações a que se reporta o referido n.º 2 do art.º 567º.
Tais alegações, como vimos, destinam-se a dar a possibilidade às partes, uma vez que se considera assente a matéria de facto invocada pelo autor (excecionando-se os factos para cuja prova se exija documento escrito – artigo 568º alínea d) do Código de Processo Civil) de apresentarem a sua posição quanto ao direito que poderá ser aplicado relativamente a tal factualidade.
E no caso concreto não vemos que se possa afirmar ter o tribunal a quo tratado tais alegações como contestação tanto mais que julgou confessados os factos articulados pelas Autoras por despacho de 20/02/2019 que reiterou no despacho proferido em 20/05/2019 em que julgou improcedente a irregularidade da citação invocada pela Ré e que consta também da sentença recorrida.
E nem se percebe como podem as Recorrentes pretender que o tribunal a quo fez “tábua rasa” do preceituado no referido artigo 567º ao notifica-las para se pronunciarem quanto à nulidade da citação invocada pela Ré; de facto, tendo a Ré constituído mandatário e invocado a irregularidade da sua citação impunha-se ao tribunal a quo que apreciasse tal requerimento e a regularidade da citação da Ré, tendo previamente possibilitado às Autoras o exercício do contraditório.
De salientar aliás que o tribunal a quo decidiu no sentido da regularidade da citação da Ré mantendo o despacho anteriormente proferido ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 567º em que julgara confessados os factos articulados pelas Autoras.
Por outro lado, se o tribunal a quo convidou as Autoras a complementarem o seu articulado, fê-lo inequivocamente no interesse delas.
De todo o modo, no caso de petição inicial deficiente, de petição que não contenha todos os factos de que depende a procedência da acção ou se apresentar articulada de forma incorrecta ou defeituosa entendemos que, não obstante a revelia do réu, deve o julgador convidar o autor a aperfeiçoá-la nos termos do artigo 590º n.º 1 do Código de Processo Civil e, caso o autor o faça, deve ser dada a possibilidade ao réu para, querendo, exercer o contraditório.
Se a petição inicial “se revelar imperfeita no que concerne à alegação da matéria de facto a situação de revelia não impede a prolação de despacho de aperfeiçoamento na medida em que a manutenção do seu conteúdo original ponha em causa a procedência da acção. Quererá isso significar que os factos alegados na petição inicial, embora confessados por força da revelia, não são suficientes ou adequados à produção do efeito jurídico visado perlo autor. Num desses casos deverá o juiz começar por convidar o autor a aperfeiçoar a petição” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, 2018, Vol. I, anotação ao artigo 567º, página 631).
Inexiste pois incorreta aplicação do direito, designadamente do preceituado no artigo 567º do Código de Processo Civil, relativamente aos efeitos da revelia por parte do tribunal a quo, improcedendo desde já e nesta parte o recurso.
Sustentam ainda as Recorrentes que não tendo sido apresentada contestação pela Ré deveria o tribunal a quo valorizar os documentos assinados pelas Autoras, considerando em primeiro lugar as condições particulares acordadas e em segundo lugar as condições gerais e especiais, entendendo que ao transcrever a clausula 4.1 das Condições Especiais, onde consta a definição de invalidez absoluta e definitiva a sentença recorrida pôs em causa o grau de incapacidade da Autora M. V. e a invalidez absoluta que lhe foi atribuída pela Segurança Social, aplicando e interpretando incorrectamente o regime geral das cláusulas contratuais regulado no Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10, invocando ainda que as condições gerais e especiais juntas pela Ré aos autos não são as mesmas que vigoravam à data da celebração do contrato e que nunca tiveram conhecimento ou informação sobre as condições gerais e especiais.
Cumpre salientar desde logo que se trata de questões novas que as Recorrentes apenas suscitam agora em sede de alegações de recurso mas que nunca submeteram à apreciação do tribunal a quo.
Aliás, convidadas para completarem a petição inicial são as Autoras que vêm juntar as condições gerais e especiais onde consta a cláusula 4.1 transcrita na sentença recorrida; e fazem-no sem alegarem qualquer alteração ou desconhecimento e falta de informação relativamente às mesmas.
Ora, como é entendimento pacífico na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida, pois os recursos “são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2016, relator Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt).
Escreve a este propósito Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 109): “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas”.
Por outro lado, quer a questão da alteração das condições quer a questão da falta de comunicação e informação não são de conhecimento oficioso, não podendo o tribunal suprir de ofício a falta da sua alegação.
Não se questionando aqui que o contrato de seguro reveste a natureza de contrato de adesão, pois as cláusulas contratuais gerais que o regem não são sujeitas a negociação, mas apresentadas como um formulário que o destinatário do seguro se limita a subscrever, estando sujeito ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro e que a seguradora está obrigada ao dever de comunicar na íntegra aos aderentes as cláusulas que se limitem a subscrever ou aceitar, a verdade é que tal “não exime o segurado de alegar a matéria de facto pertinente à violação desse dever” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/11/2017, Relatora Conselheira Fernanda Isabel Pereira; também neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/09/2017, Relator Conselheiro Manuel Tomé Soares Gomes, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, onde se afirma que “previamente à prova de que a comunicação e a informação existiram e foram adequadas, caberia ao A., pretendendo valer-se da violação desses deveres, alegar tal falta de comunicação e informação. (…) impende sobre quem se quer fazer prevalecer da violação desses deveres o ónus da alegação de tal preterição, ónus que o A. não cumpriu”).
Por isso, e quanto a estas questões, não sendo de conhecimento oficioso, não pode esta Relação emitir um qualquer juízo de reexame, pois, não foram apreciadas em 1ª Instância, antes constituindo questões novas, que não podem assim ser apreciadas.
Porém, e conforme decorre do despacho anteriormente proferido que determinou a audição das partes sobre o conhecimento da eventual nulidade da referida Cláusula 4.1 por contrária à boa-fé (o que determinaria a eliminação do segmento que alude à assistência permanente de terceira pessoa para efetuar cumulativamente os atos elementares da vida corrente e a apresentar um grau de incapacidade igual ou superior a 85%), tal questão já deve ser considerada do conhecimento oficioso e pode ser apreciada por este tribunal ainda que não tenha sido expressamente invocada pelos interessados.
De facto a nulidade é de conhecimento oficioso conforme decorre do disposto no artigo 286º do Código Civil, exigindo-se apenas, como condicionante desse conhecimento, que o tribunal dê prévia oportunidade de pronúncia às partes.
Conforme decorre dos autos por Contrato Universal Vida, nº 1049642, celebrado por escrito, datado de 27/03/2007, a 1ª Autora, tomadora do seguro, segurou a 2ª Autora, sua filha M. V.; tal contrato foi celebrado pelo prazo de vinte anos, com início em 27/03/2007, e términus em 27/03/2027, tendo as partes convencionado o capital garantido em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva (IAD), ou invalidez total e permanente (ITP) por acidente, o montante de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
De acordo com as condições particulares o seguro tinha como garantia principal: morte e como garantias complementares: ITP acidente e Invalidade Absoluta Definitiva.
Nos termos da clausula 4º das Condições Especiais dos Seguros Complementares (Invalidez Absoluta e Definitiva) se o segurado “vier a invalidar-se absoluta e definitivamente em consequência de acidente ou doença referida no ponto 5, a Seguradora garante a antecipação de 100% do Capital garantido pelo Seguro Principal, cessando automaticamente o Contrato.

E segundo o ponto 4.1. (Definição de Invalidez Absoluta e Definitiva) “ O Segurado é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando em consequência de doença ou acidente fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os atos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor. Entende-se por ato elementar da vida corrente:

Lavar-se: significa efectuar todos os actos necessários à manutenção de um nível de higiene correcto.
• Alimentar-se: significa tomar as refeições preparadas e servidas à mesa.
• Vestir-se: significa vestir-se e despir-se, tomando em consideração o vestuário usado habitualmente.
• Deslocar-se no local de residência habitual.

Para o funcionamento desta cobertura não é considerada a concessão de reforma por Invalidez ou a classificação como “Grande Inválido” atribuídas pela Segurança Social ou por qualquer regime facultativo ou obrigatório que a substitua ou complemente.
Para o efeito do reconhecimento da Invalidez Absoluta e Definitiva esta deve ser constatada e reconhecida por um médico da Seguradora, na base de sinais médicos objectivos”.
Conforme decorre do artigo 15º, nºs 1 a 3 do Decreto-Lei n.º 446/85 são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé.
E o artigo 16º do mesmo diploma dispõe ainda que “Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, respectivamente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.
Resulta também do artigo 3º, nº 1 da Directiva 93/13/CEE, de 5 de Abril, que “Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência da boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato”.
Assim, quando em resultado de tais cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa-fé contar, tais cláusulas devem ser consideradas nulas.
Ora, as prestações essenciais caracterizadoras deste contrato de seguro consistem, do lado da seguradora, no pagamento do capital no caso de ocorrência de um risco (morte ou incapacidade absoluta definitiva) e a prestação, por parte dos segurados, de um prémio com carácter periódico.
Conforme se escreve no acórdão desta Relação de 25/02/2016 (Relatora desembargadora Anabela Tenreiro, disponível em www.dgsi.pt) “Na jurisprudência do TJUE a operação de seguro caracteriza-se pelo facto de o segurador, mediante o pagamento prévio de um prémio pelo segurado, se comprometer a fornecer a este último, em caso de realização do risco coberto, a prestação acordada no momento da celebração do contrato.”
A exigência adicional da obrigação de recorrer à assistência permanente de terceira pessoa para efectuar os actos elementares da vida corrente não constitui, por isso, uma característica essencial do contrato de seguro mas apenas uma condição especial e meramente acessória a que ficou sujeito o pagamento do capital mutuado.
Na verdade, o risco que este contrato de seguro acautela é a incapacidade absoluta e definitiva em consequência de acidente ou doença; o que se pretendeu acautelar foi a situação em que a pessoa segura (in caso a Autora M. V.) ficasse definitivamente impedida de exercer uma actividade remunerada.
Tal como se afirma no citado acórdão desta Relação de 25/02/2016 “o conceito de desequilíbrio significativo deve ser apreciado pelo juiz nacional através de uma análise das regras nacionais aplicáveis na falta de acordo entre as partes, para avaliar, se e em que medida, o contrato coloca o consumidor numa situação menos favorável de que a prevista no direito nacional. E para apurar se o desequilíbrio foi criado a despeito da boa fé, o tribunal deverá verificar se o profissional, ao tratar de forma leal e equitativa o consumidor, podia razoavelmente esperar que ele aceitaria essa cláusula, na sequência de uma negociação individual.
No Acórdão Kásler (C-26/13), o TJUE desenvolveu aquele conceito esclarecendo que um desequilíbrio significativo pode resultar simplesmente de uma lesão suficientemente grave da situação jurídica na qual o consumidor, enquanto parte no contrato em causa, é colocado, por força das disposições nacionais aplicáveis, seja ela sob a forma de uma restrição do conteúdo dos direitos que, segundo essas disposições, para ele resultam desse contrato, ou de um entrave ao exercício dos mesmos ou ainda do facto de lhe ser imposta uma obrigação suplementar, não prevista pelas regras nacionais”.
De salientar ainda que na ordem jurídica interna o legislador (seja na jurisdição laboral seja na civil) não exige quanto ao conceito de incapacidade total e definitiva que nesta se integre a necessidade de recurso permanente a terceira pessoa para executar os actos elementares da vida corrente.
Como se refere no acórdão de 30/11/2017, deste Tribunal (Relatora Desembargadora Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha, disponível em www.dgsi.pt), a propósito de contrato de seguro celebrado na sequência da contratação de um mútuo “A cláusula da exigência do requisito da necessidade de terceira pessoa, verificada que seja a invalidez absoluta e definitiva por doença para o exercício da profissão, sempre deveria considerar-se nula por abusiva e desproporcionada, no contexto negocial em que é celebrado este contrato de seguro sub iudice: o mesmo aparece na sequência da contratação de um mútuo e como exigência da entidade mutuária, sendo que o risco que se pretende segurar (interesse quer por parte do mutuante, quer por parte do mutuário) é precisamente a incapacidade definitiva e absoluta para o exercício de actividade profissional que lhe permitiria obter rendimentos para honrar o cumprimento do referido mútuo!”
Verificando-se a incapacidade absoluta e definitiva e encontrando-se a pessoa segura total e definitivamente incapaz de exercer actividade remunerada entendemos também que a exigência do requisito da necessidade de recorrer à assistência permanente de terceira pessoa para realização dos actos da vida quotidiana é manifestamente abusiva, excedendo os limites da boa-fé.
Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 27/9/2016 (Relator Conselheiro José Rainho, disponível em www.dgsi.pt) que: “(…) IV É abusiva (por atentatória do vetor da boa-fé), proibida e nula a cláusula especial constante das condições de contrato de seguro de grupo destinado ao pagamento do saldo de um empréstimo por crédito à habitação em caso de invalidez absoluta e definitiva do aderente, que exige acrescidamente para a caracterização desse estado de invalidez que o aderente fique na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente. V Tal cláusula introduz um significativo desequilíbrio contratual entre as partes (na prática esvazia largamente a utilidade do seguro), na medida em que o fim precípuo do dito seguro é obrigar o segurador a pagar ao banco mutuante no caso do aderente ficar impossibilitado de o fazer por si, e esta finalidade satisfaz-se com a própria impossibilidade e sem necessidade do aderente ficar também dependente da referida assistência permanente”.
A exigência do requisito da necessidade de recorrer à assistência permanente de terceira pessoa para realização dos actos da vida quotidiana é não só alheia ao risco principal que se pretende acautelar com a celebração do contrato de seguro, como importa ainda salientar que a Ré Seguradora nem sequer podia razoavelmente esperar que as Autoras incluíssem uma tal cláusula no contrato se o mesmo fosse celebrado na sequência de uma negociação individual; é que tal significaria dar como boa a hipótese (desrazoável) de que aceitariam proceder ao pagamento de um prémio mesmo ficando a pessoa segura desprotegida na maioria das situações de invalidez, considerada grave, como é a invalidez absoluta e definitiva em que estaria definitivamente incapaz de trabalhar e exercer qualquer actividade remunerada.
Uma tal cláusula, por não ser normal a sua inclusão num contrato previamente negociado entre contraentes com a finalidade de acautelar a hipótese de se ficar impossibilitado de auferir rendimentos, por se estar definitivamente incapaz de trabalhar e exercer qualquer actividade remunerada, é manifestamente contrária ao princípio da boa-fé.
É por isso de concluir que o desequilíbrio contratual entre as partes é significativo, por colocar o consumidor/aderente do contrato deste seguro numa posição em que, ao invés de acautelar uma situação de eventual impossibilidade de obter rendimentos do trabalho, o deixa, na generalidade dos casos, numa situação como se não existisse contrato de seguro.
Ao estabelecer-se a necessidade de recorrer à assistência de terceira pessoa, como condição para que a pessoa segura seja considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva, está a ser frustrado o objectivo visado com a celebração do contrato que é da seguradora vir a proceder ao pagamento quando a pessoa segura quando ela esteja absolutamente incapaz.
No mesmo sentido se tem de considerar o facto de, para além do recurso à assistência de terceira pessoa ainda se exigir um grau de incapacidade igual ou superior a 85%.
De facto, exigir tal grau de incapacidade quando com grau inferior a pessoa se encontra já em situação de invalidez absoluta e definitiva, isto é total e definitivamente incapaz de exercer actividade remunerada seria da mesma forma frustrar o objectivo visado que é da seguradora vir a proceder ao pagamento quando a pessoa segura quando ela esteja absolutamente incapaz.
Daí ser de concluir que a exigência de um estado que implique o recurso à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos elementares da vida corrente e um grau de incapacidade igual ou superior a 85% não é justificada, sendo desproporcionada à caracterização do estado de invalidez absoluta e definitiva que o seguro visou prevenir e que as Autoras pretenderam contratar.
De facto, conforme decorre da Proposta de Subscrição (fls. 56) assinada pelas Autoras estas pretenderam contratar a opção de Invalidez Absoluta e Definitiva (para além da Invalidez Total e Permanente por Acidente).
Assim, sendo tal cláusula abusiva por exceder os limites da boa-fé terá de ser declarada a sua nulidade, na parte em que alude à necessidade de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os atos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor, eliminando-se da mesma tal segmento.

Ora, no caso concreto ficou provado que em 10/10/2007, a Autora M. V. teve um surto psicótico e foi internada no serviço de psiquiatria do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, desde o dia 10/10/2007, até ao dia 30/10/2007, onde lhe foi diagnosticado os primeiros sintomas de esquizofrenia paranóide e que em novembro de 2007, foi requerida a pensão de invalidez da Autora M. V., tendo a mesma sido deferida com início em 09/04/2008.
Em 12/07/2018, o processo de pensão de invalidez foi remetido para a sede da Ré, com o pedido de acionamento da cobertura de invalidez absoluta e definitiva, ao abrigo do referido contrato, para pagamento do montante de €75.000,00 e a Ré não instaurou processo nem deu qualquer resposta ao requerimento apresentando pelas Autoras.
Conforme decorre dos autos foi atribuída à Autora M. V. uma pensão por Invalidez Absoluta com início em 09/04/2008 por se encontrar com uma incapacidade permanente global de 70% segundo a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro (cfr. documentos de fls. 9 e 10).
A Invalidez absoluta para efeitos de atribuição de uma pensão por Invalidez Absoluta é a situação de incapacidade permanente e definitiva para toda e qualquer profissão ou trabalho em que o beneficiário não apresente capacidades de ganho remanescentes, nem se presuma que venha a recuperar, até à idade legal de acesso à pensão de velhice, a capacidade de obter quaisquer meios de subsistência (http://www.seg-social.pt/pensao-de-invalidez).
A Invalidez absoluta ocorre quando o beneficiário apresenta uma incapacidade definitiva e permanente para todo e qualquer trabalho ou profissão e não tem capacidade para desempenhar qualquer profissão.
Ora, tal situação de invalidez absoluta e definitiva, com uma incapacidade permanente global de 70% segundo a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, foi invocada pelas Autoras, aliás com expressa menção aos referidos documentos, e não foi colocada em causa pela Ré, que assim a aceitou nos presentes autos.
Perante este quadro factual, de onde resulta reconhecida uma situação de invalidez absoluta e definitiva com incapacidade para todo e qualquer trabalho ou profissão, e tendo por base o que supra se referiu, entendemos encontrar-se verificado no caso concreto o risco que, através do contrato de seguro, as Autoras quiseram que ficasse assegurado com o pagamento do capital em dívida.
Assim, mediante a aplicação das cláusulas contratuais do seguro, sem os referidos segmentos, que não vinculam as Autoras por serem de carácter abusivo, deve julgar-se procedente a presente acção e consequentemente condenar-se a Ré a proceder ao pagamento à Autora M. V., pessoa segura, da quantia de €75.000,00, correspondente ao capital garantido em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva.
As custas do presente recurso, bem como as custas da ação são da responsabilidade da Ré em face do seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I- Não obstante se considerarem confessados ou admitidos, em face da revelia operante por parte do réu, os factos alegados pelo autor, o desfecho da causa não tem necessariamente de ser aquele que é pretendido pelo autor porquanto, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 567º do C.P.C., o juiz deve julgar “a causa conforme for de direito”.
II - No caso de petição inicial deficiente, de petição que não contenha todos os factos de que depende a procedência da ação ou que se apresenta articulada de forma incorreta ou defeituosa, não obstante a revelia do réu, deve o julgador convidar o autor a aperfeiçoá-la nos termos do artigo 590º n.º 1 do Código de Processo Civil e, caso o autor o faça, deve ser dada a possibilidade ao réu para, querendo, exercer o contraditório.
III - O segurado/aderente num contrato de seguro do ramo vida com a cobertura de Invalidez Absoluta e Definitiva pretende acautelar a hipótese de ficar definitivamente impedido de exercer uma actividade remunerada e de perder definitivamente, por invalidez, a sua capacidade de ganho.
IV - A exigência de recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os atos elementares da vida corrente e à apresentação de um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor, para considerar o segurado em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada, constitui uma cláusula abusiva por contrária ao princípio da boa-fé.
V – Uma tal exigência gera um significativo desequilíbrio contratual entre as partes ao colocar o consumidor/aderente do contrato deste seguro numa posição em que, ao invés de acautelar uma situação de eventual impossibilidade de obter rendimentos do trabalho, o deixa, na generalidade dos casos, numa situação como se não existisse contrato de seguro.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, e em consequência, decidir:

a) declarar nula, por ser abusiva, a cláusula do artigo 4.1 das Condições Especiais dos Seguros Complementares do mencionado contrato de seguro, apenas na parte em que se exige a obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os atos elementares da vida corrente e à apresentação de um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor;
b) condenar a Ré a pagar à Autora M. V. a quantia de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação e até efectivo pagamento.
Custas, em ambas as instâncias, a cargo da Ré.
Guimarães, 30 de janeiro de 2020
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Margarida Sousa (2ª Adjunta)