Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4573/17.0T8BRG.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE IMPUTÁVEL AO LESADO
MENOR
EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE PELO RISCO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I- Não se provando a culpa da condutora do veículo na produção do acidente e sendo o acidente exclusivamente imputável ao lesado em termos de causalidade (com ou sem culpa e ainda que seja inimputável), mostra-se excluída a responsabilidade civil pelo risco do proprietário decorrente do n.º1 do art.º 503º do Código Civil, nos termos do disposto no art.º 505º, do citado código;

II Não sendo neste caso aplicáveis as teses actualistas preconizadas no Ac. STJ de 4 de Outubro de 2007 e retomada por Ac. STJ de 1/6/2017, P.1112/15.1T8VCT.G1.S1, (nomeadamente).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Manuel e mulher, Maria, propuseram acção declarativa de condenação, contra X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., alegando, em síntese, que cerca das 15h:10m do dia 27 de Setembro de 2014, ocorreu um acidente de viação na VIM, freguesia de (...), Vila Nova de Famalicão, desta Comarca de Braga, entre o velocípede sem motor conduzido pelo seu filho menor A. S., e o ligeiro de passageiros com a matrícula XC, seguro na Ré, e por culpa da condutora deste último, sendo que, em consequência de tal embate, sofreu o referido menor A. S. várias lesões que lhe causaram a morte, e invocando a verificação de danos vários que descriminam, de índole patrimonial e não patrimonial, concluem pedindo a condenação da Ré a “pagar aos A.A. a quantia € 231.550,00, quantia esta acrescida de juros legais de mora a partir da citação, bem como a pagar as custas processuais”.

Contestou a Ré alegando, em suma, que as lesões crânio-encefálicas que causaram a morte do filho menor dos Autores teriam sido evitadas se o menor levasse um capacete protector na cabeça, e que deveu-se a culpa exclusiva do menor A. S. a produção do embate por violação do previsto nos art.ºs 11º, n.º 2, 13º, n.º 1, 21º, n.º 1, 82º, n.º 5 e 133º todos do Código da Estrada e, ainda, porventura, de seu pai, aqui Autor, Manuel, por violação do dever de vigilância que, sobre aquele e em especial naquela circunstância, de circulação na via pública, tinha, imposto pelo art.º 491º do Código Civil.

Realizado o Julgamento foi proferida sentença a julgar a acção nos seguintes termos:

“Por tudo o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré X – Companhia de Seguros, S.A., a pagar aos Autores:

a). a quantia de € 53.333,33 (cinquenta e três mil, trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento;
b). a quantia de € 516,66 (quinhentos e dezasseis euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, desde 25 de Setembro de 2017 e até integral pagamento”.

Inconformados vieram recorrer os Autores e a Ré seguradora, ambos interpondo recurso de apelação.

Os recursos foram recebidos como recursos de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes Conclusões:

A- Recurso de apelação da Ré seguradora

I. Ao contrário do considerado pela sentença recorrida dos factos provados não resulta a prática de qualquer acto ilícito pela condutora do veículo XC.

II. Ainda que se considerasse a prática de tais actos ilícitos por aquela dita condutora do XC sempre então, ao menos, haveria que concluir não existir nexo causal entre aqueles actos – os de não ter abrandado e de não ter circulado a mais de 1,5 metros do menor – e a produção do acidente, pelo que, pela inexistência de nexo de causalidade entre os sobreditos imputados ilícitos e a produção do embate entre os dois veículos, não se poderá assacar a responsabilidade civil na produção do acidente à condutora do XC, por não verificado esse dito requisito de nexo causal exigido pelo artº 487º do CC para esse efeito.

III. A culpa e, sobretudo, a manobra exclusivamente causal do acidente em apreço nos autos foi a executada pelo menor e consentida, por omissão da devida e necessária vigilância sobre aquele, pelo autor, pai daquele, a traduzida nos factos 29, 30 e 31 acima transcritos. Deverá, como tal, ser imputada a responsabilidade exclusiva na produção do acidente em apreço ao próprio autor, por não ter impedido, como, por vigilante do menor, se lhe impunha, a execução, por seu filho menor, dos factos causadores do acidente, o que, por força dos artºs 570º/1, 571º e 505º do CC, deverá excluir a responsabilidade da condutora do XC e, como tal, da aqui apelante, pelo que o tribunal a quo, ao não o reconhecer, fez, também por aqui, uma errada aplicação daqueles preceitos legais e do disposto nos artºs 483º e 487º do CC.

IV. Ao permitir que o menor, seu filho, circulasse sem capacete de protecção na cabeça, que, pese embora não imposto por lei, teria sido suficiente, como provado, para evitar a morte daquele, o autor omitiu, de forma a contribuir de forma causal para as lesões cranianas sofridas por seu filho, os deveres de vigilância que se lhe impunham, no que contribuiu, de forma causalmente decisiva, para a morte daquele e, como tal, para excluir qualquer dever de indemnização que seja imposto à apelante, por força dos artºs 570º/1 e 571º do CC.

V. Se em nada se atender ao supra exposto e se mantiver a condenação da ré a compensar os autores, sempre então, ao menos, se terá que considerar que o autor, pai do menor, duplamente responsável pela morte deste, quer por não o ter impedido de executar a manobra causal do acidente, a de guinar para a direita, quer por ter permitido que aquele circulasse sem capacete na cabeça, capacete esse que, estando disponível, teria evitado a morte do menor, não tem direito a qualquer compensação pecuniária pelos danos resultantes do acidente, como decorre do previsto no artº 14º/3 do DL. 291/07, de 21 de Agosto.

VI. A quantia, de € 100.000, arbitrada para compensar o dano da morte do menor mostra-se jurisprudencialmente excessiva e violadora do artº 566º/1 do CC.

VII. O tribunal recorrido fez uma errada aplicação dos artºs 18º/3 e 24º/1 do C.E., do artº 14º/3 do DL. 291/07, de 21 de Agosto, e dos artºs 483º, 487º, 505º, 570º/1 e 571º do CC, devendo a sua decisão ser revogada e substituída por outra que absolva a apelante do pedido.


B- Recurso de apelação dos Autores

1.ª – Como se diz na douta sentença recorrida “…é apodítico não ser legalmente obrigatória a condução de velocípedes com capacete…”, e, assim, a omissão do seu uso não consubstancia violação de qualquer preceito legal.
2.ª – Essa omissão reconduzir-se-á, quando muito, à preterição de um dever geral de cuidado, que não poderá ser “punida” ou cominada com qualquer sanção, ainda que meramente civil.
3.ª – Na ausência de qualquer imposição legal, tudo se passa como se o menor, em lugar de seguir de bicicleta, estivesse a atravessar a via a pé (obviamente, sem capacete) e, sendo atropelado nessa travessia, perecesse em consequência de lesões crânio-encefálicas.
4.ª – Se assim tivesse acontecido, é manifesto que, enquanto peão, não obrigado a usar capacete, não poderia ser “punido” com a atribuição de uma quota-parte de responsabilidade, por esse não uso.
5.ª – Somos, pois, levados a concluir que a omissão do uso de capacete pelo menor, não sendo legalmente exigível, não poderá ser “punida”, influenciando a repartição de responsabilidades no sinistro.
6.ª – O menor tripulando um velocípede sem motor, quando o veículo seguro pela recorrida se encontrava muito próximo e iniciava a sua ultrapassagem, seja porque se atrapalhou, seja porque se desequilibrou, guinou à sua direita, acabando por embater no veículo seguro pela recorrida, que, então, se encontrava já ao seu lado.
7.ª – Porém, não nos parece pertinente concluir que o citado comportamento do menor contribuiu para a eclosão do acidente, sendo certo que este nunca poderia ser-lhe imputado a título de culpa, dado que, atenta a sua concreta idade, não podia prever as consequências do seu ato, o qual, assim, somente lhe poderia ser imputado em termos naturalísticos.
8.ª – Porém, sendo certo que o pai do menor estava, por lei, obrigado a vigiá-lo, não nos parece que o cumprimento menos rigoroso desse seu dever tenha contribuído para a produção do acidente.
9.ª – A condutora do veículo seguro pela recorrida circulava numa estrada que se desenhava em reta, com excelente visibilidade e, assim, logrou avistar os dois ciclistas com muita antecedência e logo notou que um deles era uma criança.
10.ª – Nestas concretas circunstâncias, a condutora do veículo seguro pela recorrida deveria rodear-se de cautelas redobradas
11.ª – Deveria, pelas mais elementares regras de prudência, ter-se abstido de proceder à ultrapassagem, que, conforme deveria presumir, podia, a qualquer momento alterar a sua trajetória.
12.ª – Sempre, por outro lado, ao realizar a manobra de ultrapassagem pelo lado direito, deveria manter uma distância lateral mínima em relação ao velocípede tripulado pelo menor de 1,50 metros, pelo menos.
13.ª – Todavia, na execução da ultrapassagem, apenas deixou uma distância lateral relativamente ao velocípede de 1,15 metros, violando, pois, o disposto no art. 18.º, n.º 3 do Código da Estrada.
14.ª – Sem embargo, tratando-se, como se disse, de passar ao lado de uma criança, deveria prever que esta pudesse assustar-se, atrapalhar-se ou desequilibrar-se e, por isso, os mais elementares deveres de cuidado e precaução impunham à condutora do XC que respeitasse uma distância lateral de segurança bem superior à mínima imposta por lei, até porque dispunha de espaço livre na faixa de rodagem para esse efeito, além de dispor, ainda, de uma berma em alcatrão e transitável com 1,80 metros de largura.
15.ª – Acresce que a condutora do XC, comprovadamente, não cuidou sequer reduzir especialmente a velocidade a que circulava, como as circunstâncias concretas impunham, violando também o disposto no art. 24.º, n.º 1, do Código da Estrada.
16.ª – A escrupulosa observância das referidas normais legais, que a condutora do XC violou grosseiramente, tornava-se mais exigível visto que o “utilizador vulnerável”, que ela pôs em risco, era uma criança de tenra idade.
17.ª – Portanto, impõe-se também concluir que o comportamento da condutora do veículo seguro pela recorrida, com violação grosseira das citadas normas estradais, deu causa única ao acidente.
18.ª – Na determinação de responsabilidade no acidente deve ser retirado, como se disse, qualquer efeito à falta do capacete, cujo uso não era obrigatório.
19.ª – A condutora do XC, sabendo que ia ultrapassar uma criança de tenra idade, deveria ter tomado consciência do perigo e rodear-se de cuidados redobrados e especialmente acrescidos, evitando essa ultrapassagem, por forma a prevenir e evitar o risco de acidente.
20.ª – Daí que nos pareça que foi a única e exclusiva culpada.
21.ª – Caso assim não se entenda e mereça acolhimento a tese da existência de responsabilidades concorrenciais, será justo e equitativo repartir tais responsabilidades na proporção de 1/3 para o menor e 2/3 para a condutora do veículo seguro pela recorrida.
22.ª – A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os arts. 483.º, 486.º, 487.º, n.º 2, e 570.º, n.º 1, todos do Código Civil.

Foram proferidas contra – alegações.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do Código de Processo Civil, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “(artº 608º-nº2 do CPC).

E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o Tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5ºdo CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.

Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar :

- da culpa/risco na produção do acidente
-do quantum indemnizatório

A- Recurso de apelação da Ré seguradora

- por força dos artºs 570º/1, 571º e 505º do CC, mostra-se excluída a responsabilidade da condutora do XC ?
- a quantia, de € 100.000, arbitrada para compensar o dano da morte do menor mostra-se jurisprudencialmente exces-siva e violadora do artº 566º/1 do CC.?


B- Recurso de apelação dos Autores

- foi a condutora do XC a única e exclusiva culpada da produção do acidente ?
- ou, de acordo com a tese da existência de responsabilidades concorrenciais, será justo e equitativo repartir tais responsabilidades na proporção de 1/3 para o menor e 2/3 para a condutora do veículo seguro pela recorrida ?

FUNDAMENTAÇÃO

I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida):

1. O menor A. S., nascido em 21 de Setembro de 2006 era filho dos AA. e faleceu no dia 30 de Setembro de 2014, no estado de solteiro e sem descendentes – cfr. certidão de nascimento junta a fls.12 e seg. – sendo os Autores seus únicos e universais herdeiros.
2. O óbito do A. S. foi declarado pelas 19H16 do dia 30 de Setembro de 2014.
3. No dia 27 de Setembro de 2014, pelas 15h10, ocorreu um acidente de viação na Via Intermunicipal (...)/Vizela (VIM), na localidade de (...), na área desta comarca, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula XC, conduzido por M. S. e um velocípede sem motor conduzido pelo menor A. S..
4. A VIM desenha-se naquele local como uma extensa recta, dividida em duas metades, destinadas a sentidos de trânsito inversos, separadas entre si por duas linhas longitudinais contínuas paralelas, pintadas com tinta de cor branca, distanciadas 20 cm entre si, tendo cada uma dessas metades da faixa de rodagem a largura disponível para o trânsito automóvel de 3,90 metros.
5. O seu piso, que era de alcatrão, encontrava-se seco e em bom estado de conservação.
6. Era pleno dia e as condições de visibilidade eram excelentes, visto que nenhum obstáculo a impedia, prejudicava ou diminuía.
7. No local é habitualmente muito intenso o movimento de viaturas e de peões.
8. Nesses dia, hora e local, o menor A. S. conduzia o referido velocípede sem motor, pela VIM, no sentido (...) – Vizela.
9. Alguns metros atrás do menor e no mesmo sentido, seguia o seu pai – aqui A. – que tripulava um outro velocípede sem motor.
10. Aproximavam-se do local em que, à esquerda, considerando o seu sentido de marcha, entronca um arruamento que dá acesso a Mogege, sendo que, nesse local, pretendiam ambos virar à sua esquerda, para prosseguir a sua marcha pelo mencionado arruamento.
11. Por isso, com antecedência superior a 50 metros do aludido entroncamento, acercaram-se do eixo da via.
12. Nessa ocasião, circulava pela VIM, também no sentido (...) – Vizela, o veículo automóvel de matrícula XC
13. O XC acercou-se do local em que, à sua frente, transitavam ambos.
14. A condutora do XC, em lugar de abrandar e prosseguir a sua marcha atrás dos velocípedes, decidiu ultrapassá-los pelo lado direito.
15. A condutora do XC dispunha de um espaço livre na faixa de rodagem de cerca de 3,40 metros, entre os velocípedes e a linha da berma direita, para proceder a essa manobra de ultrapassagem.
16. A condutora do XC indicou às autoridades que tomaram conta da ocorrência que o embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, considerando o sentido em que prosseguia o velocípede, a cerca de 0,50 metros do eixo da via.
17. Em consequência do descrito embate, o velocípede e o menor A. S. foram projectados para o lado esquerdo e para a faixa de rodagem contrária.
18. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo XC havia sido transferida para a X – Companhia de Seguros, S.A., através do contrato de seguro, válido e em vigor na data em que ocorreu o acidente em apreço, titulado pela apólice n.º ….
19. O XC era pertença da sociedade “Y Unipessoal, Lda.
20. Logo que os avistou, a condutora do XC notou que um desses velocípedes era tripulado por uma criança.
21. Antes do local do embate, deparou-se à condutora do XC o sinal regulamentar de trânsito vertical C14a, indicativo de proibição de ultrapassagem.
22. A condutora do XC, ao realizar a ultrapassagem, guardou distância de cerca de 1,15 metro em relação aos velocípedes.
23. A condutora do XC seguia a uma velocidade não superior a 30 km/h.
24. Ambos os ciclistas circulavam sem capacete protector na cabeça.
25. Os ciclistas circulavam um atrás do outro, junto ao eixo da via e das linhas, pintadas no pavimento, separadoras da hemifaixa de rodagem de sentido contrário.
26. No local, do lado direito, atento o sentido de marcha dos veículos, existia uma berma com 1,80 metros de largura.
27. O XC tinha a largura de 1,60 metros.
28. O XC passou primeiro pelo Autor.
29. Quando, depois de passar o Autor, se encontrava a par do menor A. S., este, sem de alguma forma sinalizar a sua manobra e sem que nada o fizesse prever, guinou subitamente para o seu lado direito.
30. Depois de guinar para o seu lado direito, o A. S. percorreu, pelo menos 1,15 metro, atravessando-se, desse modo, na diagonal, à frente do XC.
31. No qual foi embater, com o seu lado frontal direito e com o pedal do lado direito, na frente esquerda do XC e na lateral esquerda deste, sobre a roda desse lado.
32. O embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, considerando o sentido em que prosseguia o velocípede, a cerca de 1,15 metro do eixo da via.
33. O menor A. S. caiu na hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o sentido de marcha dos veículos, e embateu com a cabeça no solo sofrendo as lesões crâneo-encefálicas que vieram a determinar a sua morte.
34. Após o embate o XC parou a cerca de 3 metros do local do mesmo.
35. As sobreditas lesões crâneo-encefálicas teriam sido evitadas se o menor levasse um capacete protector na cabeça.
36. O menor A. S., logo após o acidente, foi assistido, ainda no local, pelos bombeiros, que lhe prestaram os primeiros socorros e o transportaram ao Hospital de S. João, na cidade do Porto onde deu entrada na urgência e foi levado para o serviço de cuidados intensivos de pediatria, em situação clínica de politraumatizado grave, apresentando graves lesões por todo o corpo, com especial incidência ao nível craniano.
37. Apesar dos tratamentos que lhe foram ministrados, designadamente, craniectomia descompressiva, não resistiu aos ditos ferimentos.
38. As lesões sofridas no acidente foram a causa directa e necessária da morte do menor A. S..
39. O A. S. era uma criança saudável e alegre, na qual tinham muito orgulho os seus pais.
40. O A. S. tinha toda uma vida pela frente.
41. Os AA. perderam o gosto pela vida, continuam amargurados e choram desesperadamente quando se fala no acidente que vitimou o seu filho.
42. O A. S. residia com os seus pais, com quem convivia diariamente e a quem dava especial carinho e atenção, proporcionando-lhes uma grande e indescritível alegria.
43. Os AA. sentiram de forma muito intensa a perda do seu filho, que permanece na sua memória.
44. Os AA. compensavam a dedicação do seu filho com muito carinho e afecto.
45. Por isso, sofreram e ainda sofrem profunda dor e desgosto com a perda de seu filho, que continuamente choram, mormente porque se tratou de uma morte totalmente inesperada e violenta.
46. Com o funeral do seu filho, os AA. despenderam a quantia de € 1.550,00 (mil, quinhentos e cinquenta euros).

II) O DIREITO APLICÁVEL

I. - da culpa/risco na produção do acidente

1. Como referem P.Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, pg. 444, “ A responsabilidade extracontratual compreende: a) a responsabilidade por factos ilícitos ( art.º 483º e sgs. ); a responsabilidade pelo risco ( art.º 499º e sgs. ) e a responsabilidade por factos lícitos.
A simples leitura do art.º 483º mostra que vários pressupostos condicionam, no caso da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante, cabendo a cada um desses pressupostos um papel especial na complexa disciplina das situações geradoras do dever de reparação do dano. “
É necessário, desde logo, como referem ainda os autores citados, que haja um facto voluntário do agente; que esse facto do agente seja ilícito por violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger esses direitos; que haja um nexo de imputação desse facto voluntário e ilícito ao agente em termos de dolo ou mera culpa; que dessa violação decorrente de actuação voluntária, ilícita, culposa, decorram danos para terceiros e que se demonstre existir um nexo de causalidade adequada entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de forma a poder concluir-se que o dano é resultante da violação.
Ora, como claramente decorre dos factos provados nenhum dos elementos factuais que determina a aplicação do art.º 483º do Código Civil se mostra existir, não integrando a factualidade no caso concretamente apurada a legal previsão do citado art.º 483º, não decorrendo dos factos provados, por forma alguma, a responsabilidade civil extracontratual da condutora do veículo XC relativamente ao acidente que vitimou o infeliz jovem e causou graves danos morais e outros a seus pais, ora Autores.

Com efeito, e no que à matéria do acidente ocorrido respeita, em versão totalmente distinta da exposta pelos Autores na petição inicial, - cfr. artº 28, 29, 30, 31, 32, 35 da p.i. - na qual alegam que a condutora do veículo quando realizava a manobra de ultrapassagem em virtude do aparecimento no seu lado direito de dois veículos automóveis modificados, tipo tunning, que apareceram subitamente, em grande velocidade, se atrapalhou, e flectiu á esquerda indo embater com a frente esquerda do XC na parte lateral direita do velocípede tripulado pelo menor A. S. e assim nada podendo este fazer para evitar o embate e projecção, factualidade esta que se não provou, distintamente, resultou provado e fixado na sentença recorrida, e no que respeita e releva á dinâmica do acidente, que – “ 29. Quando, depois de passar o Autor, se encontrava a par do menor A. S., este, sem de alguma forma sinalizar a sua manobra e sem que nada o fizesse prever, guinou subitamente para o seu lado direito; 30. Depois de guinar para o seu lado direito, o A. S. percorreu, pelo menos 1,15 metro, atravessando-se, desse modo, na diagonal, à frente do XC; 31. No qual foi embater, com o seu lado frontal direito e com o pedal do lado direito, na frente esquerda do XC e na lateral esquerda deste, sobre a roda desse lado. 32. O embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, considerando o sentido em que prosseguia o velocípede, a cerca de 1,15 metro do eixo da via. 33. O menor A. S. caiu na hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o sentido de marcha dos veículos, e embateu com a cabeça no solo sofrendo as lesões crâneo-encefálicas que vieram a determinar a sua morte.” (cfr. factos provados nº 29, 30, 31, 32, 33 supra ).

Do factualismo exposto não resulta a culpa da condutora do veículo ou a sua responsabilidade na produção do acidente de que adveio o resultado morte, nem dos factos provados se demonstra a infracção pela condutora das regras estratais dos artº 18º-nº3 e 24º-nº1 do Código da Estrada citados pelos Autores apelantes em sede de recurso de apelação, sendo, aliás, a previsibilidade dos indicados preceitos legais inaplicável ao concreto factualismo dos autos. ( Regulamenta o artº 18º-nº 1 e 2 do Código da Estrada a “Distância entre veículos”, dispondo: 1 – O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste; 2 – O condutor de um veículo em marcha deve manter distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os veículos que transitam na mesma faixa de rodagem, no mesmo sentido ou em sentido oposto.; Por sua vez dispondo o artº 24º-nº1 e 2, do citado código: 1 – O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente. 2 – Salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam.)

E, já relativamente ás normas dos artº 37º-nº1 e 38º- nº2 –al.e) e 1º-q) do Código da Estrada, citados na sentença recorrida, e em cuja violação se baseou a sentença condenatória ( dispondo os indicados artº - Artº 37º -nº 1 – Deve fazer-se pela direita a ultrapassagem de veículos ou animais cujo condutor, assinalando devidamente a sua intenção, pretenda mudar de direcção para a esquerda ou, numa via de sentido único, parar ou estacionar à esquerda, desde que, em qualquer caso, tenha deixado livre a parte mais à direita da faixa de rodagem; Artº 38º- 1 – O condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário; 2 – O condutor deve, especialmente, certificar-se de que: a) A faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança; e) Na ultrapassagem de velocípedes ou à passagem de peões que circulem ou se encontrem na berma, guarda a distância lateral mínima de 1,5 m e abranda a velocidade ), afastamo-nos do decidido na parte em que se conclui na sentença recorrida - cfr. fls. 222 final/222vº- “ter sido o acidente decorrente de violação culposa de regras estratais por parte da condutora, e que, no caso concreto, lhe era exigível adoptar outra conduta e assim teria evitado o embate e o acidente”, pois que dos factos provados não se demonstra ter sido a conduta da condutora, enquanto tal, por qualquer forma causal relativamente á produção do acidente, inexistindo nexo de causalidade, aliás, expressamente se referindo na sentença, e, em directa contradição com o que demais se vem a concluir, que “foi o menor que guinou a bicicleta para a sua direita não tendo o XC alterado a sua rota” ( cfr. fls. 213, 220 vº ) e assim, também, como expressamente resulta dos factos provados ( cfr. factos provados nº nº 29, 30, 31, 32, 33 supra citados ).

Tendo resultado provado ter sido a conduta do próprio menor a que deu origem ao infeliz e dramático acidente, esta conduta do próprio menor se demonstrando como a exclusivamente causal do acidente e do embate, sem que qualquer intervenção tivesse havido do veículo XC (- “ 29. Quando, depois de passar o Autor, se encontrava a par do menor A. S., este, sem de alguma forma sinalizar a sua manobra e sem que nada o fizesse prever, guinou subitamente para o seu lado direito; 30. Depois de guinar para o seu lado direito, o A. S. percorreu, pelo menos 1,15 metro, atravessando-se, desse modo, na diagonal, à frente do XC; 31. No qual foi embater, com o seu lado frontal direito e com o pedal do lado direito, na frente esquerda do XC e na lateral esquerda deste, sobre a roda desse lado), reafirmando-se ser a descrição do acidente resultante dos factos provados totalmente distinta da decorrente dos factos alegados na p.i – cfr. artº 30º a 34º - que inteiramente não se provaram, resultando provada dinâmica e descrição do acidente totalmente distinta cfr. factos provados, nos termos supra expostos.

E, ainda, consideramos, dos factos provados não se demonstra a previsibilidade do artº 38º- nº2 –al.e) do Código da Estrada, aplicado na sentença, pois que não resulta dos factos, de forma indubitável e precisa, como se considera na sentença recorrida, que o veículo seguisse com a distância de 1,15 metros em relação aos velocípedes em infracção da distância lateral mínima de 1,5 m, distintamente, provando-se – facto provado nº 22 – “A condutora do XC, ao realizar a ultrapassagem, guardou distância de cerca de 1,15 metro em relação aos velocípedes”, nº 30 – “Depois de guinar para o seu lado direito, o A. S. percorreu, pelo menos 1,15 metro, atravessando-se, desse modo, na diagonal, à frente do XC.”, não se demonstrando, ainda, a verificação de infracção estradal.

Assim se conclui, nos termos expostos, que dos factos não resulta provada a alegada e declarada responsabilidade civil por facto ilícito da condutora do veículo XC, não se mostrando verificados os legais pressupostos do art.º 483º do Código Civil, não se demonstrando a culpa da condutora do veículo XC na produção do acidente, nesta parte improcedendo os fundamentos do recurso de apelação dos Autores e procedendo os da Ré seguradora.

2.Já no tocante á responsabilidade civil pelo Risco como expressamente decorre do disposto no n.º 2 do art.º 483º do Código Civil, a responsabilidade objectiva pelo risco é excepcional, só existindo obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

Assim, invocada a culpa do condutor do veículo deverá proceder-se à análise do acidente e responsabilidade civil pelos danos do mesmo decorrentes à luz da Responsabilidade Civil por Factos Ilícitos nos termos do art.º 483º-n.º1 do Código Civil.

E, não provada a culpa, haverá, então, que averiguar se subsiste e responsabilidade civil pelo risco do proprietário ou condutor, nos termos dos art.º 503º-n.º1 e nº3 do Código Civil, caso tal possibilidade não resulta afastada do pedido e causa de pedir formulados na petição inicial.

“ Invocada a culpa, a falta de prova em relação ao circunstancialismo em que a mesma assentava, não impede a apreciação de uma eventual responsabilidade pelo risco, já que, apesar de a acção assentar na culpa do lesante e não no risco, deve entender-se que, presuntivamente, o autor pretende que o efeito jurídico visado seja obtido, ainda que em parte, com base na responsabilidade peio risco, no caso de a culpa se não provar, a não ser que da petição inicial resulte o contrário “ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 9/12/2010, e, de 24-11- 1977:

“A causa de pedir, nas acções de indemnização por acidente de viação, é o próprio acidente, e abrange todos os pressupostos da obrigação de indemnizar. Se o autor pede em juízo a condenação do agente invocando a culpa deste, ele quer presuntivamente que o mesmo efeito seja judicialmente decretado à sombra da responsabilidade pelo risco, no caso de a culpa se não provar. E assim, mesmo que não se faça prova da culpa do demandado, o tribunal pode averiguar se o pedido procede à sombra da responsabilidade pelo risco, salvo se dos autos resultar que a vítima só pretende a reparação se houver culpa do réu “ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 4/10/07.

No caso sub judice, não existindo a responsabilidade civil por facto ilícito da condutora do veículo, não se provando a culpa desta, como decorre dos factos provados, deverá questionar-se se subsiste a responsabilidade civil pelo “Risco” do proprietário, nos termos dos art.º 503º-n.º1 do Código Civil, nos termos do qual “Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse (…) responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”.

Nos termos já acima expostos, e atento o concreto factualismo apurado e a descrição do acidente fixada na sentença recorrida, no caso em apreço mostra-se, ainda, ocorrer causa de exclusão da responsabilidade pelo risco nos termos do art.º 505º do Código Civil, o qual dispõe: “Sem prejuízo do disposto no artº 570º, a responsabilidade fixada pelo nº1 do artº 503º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”, pois face aos factos que resultaram provados se conclui ter sido o acidente imputável ao próprio lesado, não em termos de culpa ou negligencia, (que não provou, nem dos factos provados decorre), mas sim em termos de causalidade adequada, e como causa exclusiva, na medida em que resulta provado que a causa do acidente foi o desequilíbrio sofrido pelo menor e que provocou a queda ( cfr. factos provados n.º 29 a 31, supra citados ).

E, não obstante não decorra dos factos provados a culpa na produção do acidente (o que sempre pressupunha se apurasse qual a real causa do desequilíbrio, o que se desconhece), atento o factualismo que se provou referente ao modo de produção do acidente, e acima transcrito, é, de concluir que o acidente se ficou a dever ao lesado/menor em termos de nexo de causalidade adequada, em termos de produção causa / efeito, e independentemente de culpa ou negligencia, que não se apurou ( e que a apurar-se, e sendo do lesado, produziria efeitos, distintamente, nos termos do art.º 570º do citado diploma legal em caso de verificação de concorrência de culpas, o que igualmente in casu não ocorre ).

Para que o acidente deva considerar-se imputável ao próprio lesado ou a terceiro, não é necessário que o facto por estes praticado seja censurável ou reprovável. A lei quer abranger todos os casos em que o acidente é devido a facto do lesado ou de terceiro, ainda que qualquer deles seja inimputável(…) ou tenha agido sem culpa; (…) não é um problema de culpa que está posto no art.º 505º, mas apenas um problema de causalidade: trata-se de saber se os danos verificados no acidente devem ser juridicamente considerados, não como um efeito do risco próprio do veículo, mas sim como uma consequência do facto praticado pela vítima ou por terceiro “. –P.Lima e A.Varela, in obra citada, pg. 490/491.

E, também assim, e, mesmo segundo a tese que vem sendo desenhada em parte da doutrina e jurisprudência, nomeadamente, do Supremo Tribunal de Justiça, nos Ac. 4 de Outubro de 2007, relator Conselheiro Santos Bernardino, Tese retomada por AC.STJ 1/6/2017, P. 1112/15.1T8VCT.G1.S1, relator Conselheiro Lopes do Rego, nomeadamente, ( e que já este colectivo decidiu aplicar em anteriores decisões cfr. Ac. P.nº97/05.7TBPVL.G1; P. nº220/08.0TBVRM.G1), e segundo a qual, numa interpretação actualista da norma do art.º 505º citado, o texto do art. 505º do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo ( Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Outubro de 2007, relatado pelo Juiz Conselheiro Santos Bernardino e anotado pelo Prof. Calvão da Silva, na RLJ, ano 137º, nº 3946, pag.35; e Acs. Supremo Tribunal de Justiça de 15/8/2008, 3/12/2009, 22/1/2009, in www.dgsi.pt);- - ( “I. O regime normativo decorrente do estatuído nas disposições conjugadas dos arts. 505º e-570º do CC deve ser interpretado, em termos actualistas, como não implicando uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre culpa do lesado e risco do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura - AC.STJ 1/6/2017, P.1112/15.1T8VCT.G1.S1); entende-se que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

“O texto do art. 505º do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, ou seja, que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 4/10/2007.

“ O art. 505º do CC deve ser interpretado no sentido de nele se admitir a concorrência da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, dele resultando que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo, a que se reporta o n.º 1 do art. 503º, só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.- Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 22/1/09;

Ainda, em recente Ac. STJ de 11/1/2018, P. nº 5705/12.0TBMTS.P1.S1:

I - A questão da concorrência entre a culpa do lesado (arts. 505º e 570º do CC) - ou, mais amplamente, a imputação do acidente ao lesado - e a responsabilidade por riscos próprios do veículo (art. 503º, nº 1, do CC) constitui uma das mais complexas e controversas da jurisprudência civilista nacional dos últimos anos, circunstância para a qual contribui o facto de a mesma questão se apresentar de modos distintos em razão do tipo de situação litigiosa subjacente, ainda que com um núcleo essencialmente comum.
II - Em tese geral, perfilha-se o entendimento de que o regime normativo decorrente do estatuído nas disposições conjugadas dos arts. 505º e 570º do CC deve ser interpretado, em termos actualistas, como não implicando uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre a culpa do lesado (ou, mais amplamente, a imputação do acidente ao lesado) e os riscos do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau de contribuição causal ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura.
III - Porém, tal não implica que, por si só e de forma imediata, se responsabilize o detentor efectivo do veículo (e respectiva seguradora) pelos danos sofridos pelo lesado, implicando sim que, em função da factualidade subjacente a cada caso concreto, se pondere a medida da contribuição do lesado, culposa ou não culposa”.

No mesmo sentido Ac. STJ de 14/12/2017, P. 511/14.0T8GRD.D1.S1, todos in www.dgsi.pt – “

Concluindo-se, nos termos expostos, e no seguimento do mesmo entendimento, que não obstante o pleno reconhecimento da verificação de muito graves danos morais e outros causados aos Autores decorrentes das consequências dramáticas do acidente dos autos, não existe fundamento legal de responsabilização da Ré por esses mesmos danos, devendo ser revogada a sentença recorrida, por violação dos preceitos legais supra referenciados, e absolvida a Ré do pedido, sendo nesta parte, e pelos indicados fundamentos, procedente o recurso de apelação da Ré e improcedente o recurso de apelação dos Autores.

II. E, mostrando-se prejudicadas demais questões suscitadas relativas á fixação de quantum indemnizatório pela perda do direito á vida.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar procedente o recurso de apelação da Ré e improcedente o recurso de apelação dos Autores, mostrando-se prejudicadas demais questões suscitadas relativas á fixação de quantum indemnizatório pela perda do direito á vida, revogando-se a sentença condenatória recorrida, absolvendo-se a Ré X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. do pedido.
Custas pelos Autores em 1ª e 2ª instâncias.
Guimarães, 20 de Setembro de 2018

Maria Luísa Ramos
António Júlio da Costa Sobrinho
Jorge Teixeira