Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
245/13.3TBVRL-C.G2
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
RECUSA DE JUNÇÃO
EFEITOS PROBATÓRIOS
NOVAÇÃO
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - A recusa da parte em proceder à junção de documentos, deve ser apreciada livremente para efeitos probatórios, só ocorrendo a inversão do ónus da prova, preceituada no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil, caso os elementos probatórios recusados pela parte tenham interesse para a prova da matéria de facto controvertida que com eles se pretendia fazer e a recusa impossibilite a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por ser impossível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir, já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos.

2 – Para que ocorra novação é necessário que uma obrigação nova venha substituir a antiga, e só é nova a obrigação quando haja uma alteração substancial nos seus elementos constitutivos.

3 – É necessária, ainda, a alegação e prova de expressa ou inequívoca manifestação de vontade no sentido de se contrair uma nova obrigação em substituição da inicial.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Manuel e mulher Maria deduziram oposição à execução que lhes foi instaurada por “Banco A, CRL” alegando que tiveram recentemente conhecimento que a exequente liquidou a conta corrente aberta em nome da “X food, Lda.” – sociedade subscritora da livrança dada à execução - e, na mesma data, abriu nova conta corrente em nome daquela empresa, pelo que a X food contraiu nova obrigação perante a exequente, sem o conhecimento e à revelia dos avalistas embargantes, em substituição da obrigação antiga, pelo que, extinguindo-se a obrigação original, também se extinguiram as garantias a ela associadas, designadamente, o aval prestado pelos embargantes. Terminam pedindo a extinção da obrigação quanto a eles embargantes e a condenação da exequente como litigante de má-fé em multa e indemnização aos embargantes de valor nunca inferior a € 2500,00 acrescida do reembolso das despesas com a execução e apensos e com honorários de mandatário.

Contestou a embargada, negando a superveniência invocada pelos embargantes e sustentando que a mera alteração de número da conta corrente, levada a cabo por exigências informáticas, não envolve a extinção da obrigação principal e, consequentemente, a extinção das garantias a ela associadas.
Foi proferido despacho saneador considerando tempestivos os embargos.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou totalmente improcedentes os embargos e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução.

Os embargantes interpuseram recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:

- A decisão ora em crise julga improcedentes os embargos, em nossa modesta opinião MAL.
- Não se crê que o tribunal “a quo” tenha valorado correctamente o teor dos documentos juntos pelos embargantes e pela embargada.
- No que concerne à junção de documentos pela embargada, a mesma foi notificada pelo Tribunal “a quo” para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos os documentos atinentes ao encerramento e reabertura das contas em causa.
- Na sequência desta notificação, a embargada deliberadamente não cumpre o que lhe é ordenado.
- Já que junta apenas e só documento que nada tem a ver com o requerido.
- Estatui o Artigo 430º do C.P.C. que: “se o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no n.º 2 do Artigo 417º”.
- Ora, nos termos do n.º 2 do Artigo 417º do C.P.C: “(…) se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344º do Código Civil.”
- Não se compreende porque é que o Tribunal “a quo” fez tábua rasa do requerimento dos embargantes em que se alega que o documento junto nada tem a ver com o ordenado e pugna pelo seu desentranhamento e requer seja feita nova notificação à embargada para cumprir o ordenado.
- E, também ignora o legalmente previsto no Artigo 430º que nos remete para o n.º 2 do Artigo 417º, ambos do C.P.C.
10ª - Não se pode dizer que a embargada não se recusou a juntar os documentos atinentes ao encerramento e reabertura das contas correntes n.º ...1 e n.º ...4 reportadas à data de 07/03/2011;
11ª - Só pelo facto de ter junto um qualquer documento aos autos.
12ª - De facto, existe recusa, já que a embargada junta tão somente documento comprovativo de abertura de uma nova conta corrente em nome da “X food, Lda.”, datado de 2013, que,
13ª - Tem a virtualidade de provar que, só quando há novas declarações negociais e/ou contração de nova obrigação, celebradas entre todas as partes e por todos assinadas, é que se procede ao encerramento e reabertura de nova(s) conta(s).
14ª - E, considerando a inversão do ónus da prova que aqui deve operar (“ex vi” do n.º 2 do Artigo 344º do Código Civil) e os documentos juntos pelos embargantes, outra conclusão não se extrai senão a de que a “X food, Lda.”, à data de 07/03/2011, contraiu nova obrigação perante o Banco A embargada, em substituição da obrigação antiga.
15ª - Assim, em virtude da assunção dessa nova obrigação, a embargada liquida a conta corrente primitiva e abre nova conta corrente.
16ª - MAIS; abre nova conta corrente com valor diverso do valor da conta corrente que liquidou.
17ª - O que, reitera-se, comprova, uma vez mais, que estamos perante uma nova obrigação, pois, deste facto, extrai-se, com toda a probabilidade, a manifestação tácita de vontade de contrair nova obrigação. – Artigo 217º do Código Civil
18ª - O depoimento da única testemunha – L. M. –foi credível, isento e coerente.
19ª - Esclarecendo que, aquando da deslocação ao Banco A na companhia do embargante marido, em 19/02/2015 e 20/02/2015, foram ambos informados da existência de duas contas correntes caucionadas (uma liquidada e outra ainda aberta).
20ª - O que contraria a versão da embargada de que, sempre que há meras alterações contratuais, o sistema informático gera um novo número de conta corrente.
21ª - Pois, a ser assim, em Fevereiro de 2015 teria de existir, pelo menos, mais um número de conta corrente, o n.º ...3, em virtude do acordo celebrado entre embargada, demais executados e embargantes, celebrado em 2013 (acordo de pagamento de 13/09/2013 que, diga-se, os embargantes assinam de boa – fé, desconhecendo a novação operada em 07/03/2011).
22ª - Em conclusão, deve ter-se por provado que a “X food, Lda.” contraiu, a 07/03/2011, nova obrigação perante o Banco A embargada, sem conhecimento e à revelia dos embargantes avalistas, em substituição da obrigação original.
23ª - O que tem, necessariamente, de nos levar à conclusão de que o aval prestado pelos embargantes não é válido nem eficaz para esta nova obrigação; tendo-se extinto com a extinção da obrigação primitiva, tudo nos termos do disposto nos Artigos 857º e 859º do Código Civil.
24ª - Consequentemente, e pela procedência dos embargos, deve extinguir-se, quanto aos embargantes, a execução.

A sentença impugnada, ao decidir como fez, violou e/ou não interpretou correctamente as seguintes disposições legais:

- Código de Processo Civil: Artigo 430; Artigo 417º, n.º 2;
- Código Civil: Artigo 217º; Artigo 344º, n.º 2; Artigo 857º; e Artigo 859º.

TERMOS EM QUE, pelo provimento do recurso, deverão V. Ex.ªs, Senhores Juizes Desembargadores, revogar a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedentes os embargos de executado e, consequentemente, julgue, quanto a estes, extinta a execução,

ASSIM SE CUMPRINDO A LEI E FAZENDO JUSTIÇA.

A embargada contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a possível inversão do ónus da prova por falta de junção de documentos e com a averiguação da existência ou não de novação da obrigação original.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos Provados

1. O exequente deu à execução um documento tipo “livrança” do qual consta: “No meu vencimento pagaremos por esta única via de livrança ao Banco A a quantia de noventa e oito mil, seiscentos e sessenta e três euros e vinte cêntimos”, montante que se encontra igualmente aposto em numerário, com data de 8/2/2012” e no qual se mostra aposto carimbo de “X food Lda.” na qualidade de “subscritores”.
2. Os embargantes apuseram a sua assinatura por baixo dos dizeres “Bom para Aval” à firma subscritora, quando a livrança referida em 1. Ainda estava em branco.
3. Em 19/02/2015 os embargantes tomaram conhecimento que o Banco A exequente liquidou, em 07/03/2011, a conta corrente n.º ...1 aberta em nome da “X food, Lda.” e, na mesma data, abriu nova conta corrente em nome daquela empresa, agora com o n.º ...4.

Factos não provados

A) A “X food, Lda.” contraiu nova obrigação perante o Banco A exequente, sem o conhecimento e à revelia dos avalistas embargantes, em substituição da obrigação antiga.

Pretendendo alterar a decisão de facto, vêm os apelantes sustentar que, tendo sido ordenado à apelada que procedesse à junção dos documentos atinentes ao encerramento e reabertura das contas em causa, e não o tendo ela feito, teria que ocorrer a inversão do ónus da prova estipulada pelo artigo 417.º, n.º 2 do CPC, o que resultaria na conclusão de que a X food contraiu nova obrigação perante a embargada, em substituição da obrigação antiga e, em virtude da assunção dessa nova obrigação, a embargada liquida a conta corrente primitiva e abre nova conta corrente.

Em apoio de tal tese, invoca, ainda, o depoimento da testemunha L. M., mas sem cumprir o ónus que para si resulta do disposto no artigo 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC (não só não indica a parte do depoimento que pretende utilizar, e, muito menos, as passagens da gravação, como não transcreve qualquer parte do mesmo), pelo que sempre a impugnação da matéria de facto com base no depoimento testemunhal, terá que ser rejeitada.

Averiguemos, então, se ocorreu a referida inversão do ónus da prova, relativamente aos documentos não juntos, por aplicação do disposto nos artigos 430.º e 417., n.º 2 do CPC.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que não é verdade que a embargada não tenha respondido à notificação que lhe foi dirigida no sentido de juntar os documentos atinentes ao encerramento e reabertura das contas em causa.

Na sequência de tal notificação, a embargada juntou requerimento através do qual “vem requerer a junção de documento atinente ao encerramento e reabertura das contas em causa. Trata-se de extracto da conta de depósitos à ordem, do qual constam os movimentos de liquidação e de lançamento de empréstimo, nos termos do acordo de pagamento celebrado entre as partes, designadamente os aqui embargantes, no âmbito dos autos de execução de que os presentes embargos são apenso” e juntou o extracto a que fez referência.

É certo que, na resposta, os embargantes alegaram que tais documentos nada tinham a ver com o que fora ordenado e a embargada veio, ainda, em resposta, alegar que os documentos juntos demonstram os movimentos de liquidação e de lançamento de empréstimo, nos termos do acordo de pagamento celebrado entre as partes em 12/09/2013, designadamente os aqui embargantes, no âmbito dos autos de execução de que os presentes embargos são apenso (como, aliás, já havia dito com a junção inicial).

Sobre tais requerimentos não incidiu qualquer despacho, tendo os documentos em causa ficado nos autos. Como se pode ver da motivação da decisão de facto, inserta na sentença, tais documentos, conjuntamente com os juntos com a petição inicial (extractos das duas contas) foram relevantes para a conclusão de que nenhuma prova se fez de que com o encerramento de uma conta e a abertura de outra conta, se tenha contraído uma nova obrigação em substituição da antiga.

Compreende-se, aliás, que a embargada tenha junto estes documentos, que correspondem a um acordo de pagamento da obrigação exequenda, celebrado em 2013, para provar que a alteração das contas, em 2011, nenhuma influência teve na obrigação em causa.

Ou seja, não pode dizer-se que a embargada não deu cumprimento à notificação que lhe foi dirigida, tout court, tendo junto documentos que, do seu ponto de vista, serviam a prova requerida.

Ainda que se entendesse que a embargada não juntou os concretos documentos solicitados, não pode daí entender-se que recusou a colaboração devida, no sentido expresso no artigo 417.º, n.º 2 do CPC, uma vez que, após a junção desses documentos, nada mais lhe foi exigido, certamente, porque a Sra. Juíza não sentiu necessidade de prosseguir com mais prova documental, para além da que as partes consideraram oportuno juntar.

Se os embargantes entendiam que era necessário juntar qualquer outro tipo de prova, teriam que suscitá-lo e, face a despacho negativo, recorrer do mesmo, ou, não tendo havido qualquer despacho ulterior, suscitar a questão no início da audiência de julgamento, provocando a necessidade de ser proferido despacho contra o qual pudessem reagir – artigos 195.º e 199.º do CPC, conjugados com o artigo 630.º, n.º 2 do mesmo Código, que admite recurso deste tipo de nulidades (omissão de um acto) quando contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.

Em qualquer caso, a recusa da parte – que não ocorreu, como já vimos – apenas poderia ser apreciada livremente para efeitos probatórios, uma vez que a inversão do ónus da prova, preceituada no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil, “só opera caso os elementos probatórios recusados pela parte tenham interesse para a prova da matéria de facto controvertida que com eles se pretendia fazer e a recusa impossibilite a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por ser impossível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir, já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos” – cfr. Acórdão da Relação do Porto de 25/11/2004, in www.dgsi.pt.

Ora, como veremos, a simples alegação e prova de que uma conta foi encerrada (liquidada) e aberta uma nova conta em nome da empresa devedora – factos que, aliás, não são controvertidos – não é suficiente para se concluir que a devedora contraiu uma nova obrigação perante a credora em substituição da obrigação antiga, extinguindo-se a inicial.

Com efeito, dá-se a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga – artigo 857.º do Código Civil.

“É necessário que uma obrigação nova venha substituir a antiga; e só é nova a obrigação quando haja uma alteração substancial nos seus elementos constitutivos. Não basta, para isso, que se altere, por exemplo, a data do cumprimento, se aumente ou reduza a taxa de juro (explicação adiantada pela embragada no caso de que nos ocupamos), se majore ou reduza o preço, ou se dê por finda uma garantia. É preciso que seja outra a obrigação e não seja apenas modificada ou alterada a obrigação existente (…) o que importa saber é se as partes quiseram ou não, com a modificação operada, extinguir a obrigação, designadamente, as suas garantias ou acessórios (…) A interpretação do regime jurídico não oferece, em regra, grandes dificuldades práticas, dada a necessidade duma manifestação expressa de vontade, para que haja novação (artigo 859.º)” – Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. II, 3.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, pág. 149 e 150.

A pág. 151 da obra citada, prosseguem os mesmos ilustres professores: “Não havendo declaração expressa de que se pretende novar (animus novandi), a obrigação primitiva não se extingue, sendo apenas modificada (…) É expressa a declaração quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade, nos termos do n.º 1 do artigo 217.º”.

Ora, tal vontade não ficou provada, nem sequer foi alegada.

A este respeito, a jurisprudência é uniforme (caso em que houve reforma de letra): “A reforma, por si só, não implica a extinção, por novação, da primitiva obrigação cambiária, sendo indispensável, para esse efeito, a alegação e prova de expressa ou inequívoca manifestação de vontade no sentido de se contrair uma nova obrigação em substituição da inicial. A vontade de substituir a obrigação antiga pela obrigação nova tem de ser inequívoca – art. 859º do Código Civil – pressupondo um acordo entre credor e devedor sem o qual não pode falar-se de substituição consentida” – Acórdão do STJ de 16/06/2009, processo n.º 344/05.5TBBGC-A.S1 (Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt – veja-se, também o recente Acórdão do STJ de 28/06/2018, processo n.º 2198/12.6TBPBL.C1.S1 (Rosa Ribeiro Coelho), no mesmo site: “O “animus novandi” tem de ser exteriorizado pelas partes de forma expressa, não podendo ser presumido nem extraído, tacitamente, de outras declarações contratuais”.

Não esqueçamos, também, que o acto que gera a obrigação é a subscrição pelos executados da livrança dada à execução, na qualidade de avalistas. Como bem se refere na sentença, “as contas bancárias para ou de onde são feitos os pagamentos em nada contendem com a obrigação gerada para os embargantes pela subscrição a título de avalistas da livrança dada à execução ou com as obrigações geradas pelo acordo de mútuo firmado entre as partes – saber de que conta bancária é feito o pagamento, é desprovido de ligação causal com a obrigação que foi firmada”.

Improcede, assim, a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
***
Guimarães, 22 de novembro de 2018

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes