Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3279/19.0T8BRG-B.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: RECONVENÇÃO
PEDIDOS INCOMPATÍVEIS
REIVINDICAÇÃO
DEMARCAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- É jurisprudência pacífica que, o âmbito da presunção prevista no art. 7º do C.R. Predial não abrange os fatores descritivos do prédio, como as áreas, confrontações, limites, e que a inscrição matricial também não permite assegurar estes fatores, contudo, nada obsta a que esses elementos sejam livremente valorados pelo julgador em articulação com as demais provas produzidas, na certeza, porém, que incumbe aos autores o ónus da prova dos mesmos.
II- É admissível a reconvenção nos termos do art. 266º n.º 2 a) do C.P.C. quando o pedido do réu se funda na mesma (ou em parte da mesma) causa de pedir (entendida nos termos da teoria da substanciação) que o pedido do autor ou quando se funda nos mesmos factos (ou parcialmente nos mesmos factos) em que o próprio réu funda a sua defesa desde que estes, a verificarem-se, tenham a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor.
III- Os pedidos de reivindicação e de demarcação são substancialmente incompatíveis uma vez que na ação de reivindicação se discutem os títulos de aquisição dos prédios, enquanto que na ação de demarcação se discute a sua extensão pressupondo o domínio sobre os mesmos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

M. C. e mulher, I. P., residentes na Rua …, Vila Nova de Famalicão, ambos por si, e ele também na qualidade de único herdeiro da herança(s) ilíquida(s) e indivisa(s) aberta(s) por óbito(s) de M. P. e C. B., intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra J. L. e mulher, M. R., residentes na Rua …, freguesia de ...., hoje União de freguesias de .... e ...., concelho de Vila Nova de Famalicão, …, pedindo a sua condenação:
I – A ver declarado e a reconhecer que os autores são os únicos donos e legítimos possuidores dos prédios descritos no item 3 e 5 a);
II - À restituição imediata da posse aos autores do prédio descrito em 3, restituição que deve compreender, além do mais, toda área abrangida pela planta junta como documento 9.1, repondo a situação no estado anterior, “reposição do status quo ante”;
III – A absterem-se de ofender e violar a posse e propriedade dos Autores, dos prédios descritos no item 3 e 5 a), bem como a não proceder à venda, permuta e/ou dação em pagamento, e/ou de realizar qualquer negócio referente a área(s) de terreno do(s) prédio(s) dos AA., descritos nos referidos itens 3 e 5 a), e/ou destes, bem como das árvores que ainda restam nos prédios dos Autores;
IV – A pagarem aos AA. indemnização, por danos patrimoniais, na quantia de 10.000,00 € referente às árvores cortadas e apropriadas, acrescido dos juros de mora a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento;
V – A pagarem aos autores, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 7.000,00 € a favor de cada num, no global de 14.000,00 €, acrescido dos juros de mora a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento;
VI – A indemnizar os autores na quantia diária de 10,00 € desde Dezembro de 2018 até à efectiva reposição, objectivamente possível, da situação anterior, pelo menos, com plantação de espécies arbóreas, legalmente permitidas, a aptas a produzir, em condições normais, rendimento semelhante ao da produção da espécie “eucalipto” que perfaz, em 12.06.2019, 1.920,00 €.

Em todos os casos,
VII – A pagar aos autores uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do aqui pedido em I a III e VI e/ou violação ou ofensa da propriedade e posse dos autores sobre o prédio descrito em 3, incluindo-se neste a dita área usurpada/apropriada, cuja restituição aqui se reclama, e prédio descrito em 5 a), na quantia diária de 500,00 euros, que se julga justa e adequada.
Alegam, em síntese, que os autores são o único filho e nora de C. B. e mulher, M. P. e da herança por óbito destes fazem parte:
- o prédio rústico denominado “Leira …”, com a área de 3,500 m2, sito no lugar ..., limite das freguesias de …, ..., concelho de V.N. Famalicão, inscrito na matriz da freguesia de... sob o art.º … (anterior art.º …) - actual art.º 512.º de União de freguesias de .... e .... – e descrito na C.R. Predial sob o nº …, Livro nº 138, hoje extractada em ficha com o n.º 17…40 freguesia de …;
- o prédio rústico também denominado “Leira ...”, com a área de 800 m2, sito no mesmo Lugar, da dita freguesia de …, ..., inscrito na matriz sob o artº … (anterior … de …), a que corresponde o art.º 1630, e descrito na C.R. Predial sob o nº …, Livro nº …, hoje extractada em ficha com o nº … freguesia de .....
O réu ocupou abusivamente tais prédios, apoderou-se de árvores, o que causou prejuízo aos autores.
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Os réus contestaram por impugnação.
Pedem a condenação dos autores como litigantes de má-fé.
Mais referem que, por confronto das cadernetas prediais com as descrições na Conservatória do Registo constata-se uma divergência entre as áreas constantes nos documentos destas entidades.

Em Reconvenção pedem:
- que seja judicialmente declarada a posse e propriedade dos réus/reconvintes sobre os prédios rústicos inscritos na matriz sob os actuais artigos …, …, …, antigo art. …, …, …, … e … da actual União de freguesias de .... e ...., os quais são todos confinantes entre si;
- que seja judicialmente declarado que o acervo dos referidos prédios ocupa uma área global actual de 19.715m2, como resulta da permuta e ulterior demarcação realizada pelas partes em 2003 e que se encontra expressa na planta topográfica junta como doc. nº 6, em razão do qual devem os autores/reconvindos ser condenados a concorrer para a demarcação judicial das estremas do seu prédio confinante com os prédios dos réus/reconvintes.
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Os autores replicaram dizendo que a reconvenção não é admissível, ou, se assim não se entender, deve ser julgada improcedente, tal como a invocada má-fé.
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Os réus pronunciaram-se pela inadmissibilidade da réplica.
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Em 30/01/2020 foi proferido despacho a ordenar a notificação dos réus para se pronunciarem acerca da suscitada inadmissibilidade da reconvenção e para explicitarem em qual/quais dos prédios (por referência à sua descrição predial, inscrição matricial e denominação) de que se arrogam proprietários se inclui a área de terreno reivindicada na presente acção pelos autores, bem como identificarem (por referência à sua descrição predial, inscrição matricial e denominação), de forma individualizada, com quais os prédios de que se arrogam proprietários que confinam os prédios reivindicados pelos autores.
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Os réus esclareceram que a área de terreno reivindicada pelos autores está alegadamente incluída no prédio inscrito na matriz sob o art. … (ex-…). Mais referem que o primeiro prédio referido pelos autores não se situa no lugar ... pelo que não confronta com qualquer prédio dos réus e que os seus prédios que confinam o outro prédio reivindicado pelos autores são os inscritos na matriz sob os art. …, ….
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Em 09/06/2020 foi proferido despacho a ordenar a notificação dos réus para indicarem o(s) prédio(s) de que se arrogam proprietários do qual faz parte, na sua versão, a área reivindicada pelos autores (e que, segundo estes, foi invadida e da qual foram cortados os eucaliptos) e para esclarecerem se pretenderam explicitar que os prédios inscritos sob os art. … e … confrontam com o prédio inscrito no art. ….
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Os réus esclareceram que a área reivindicada pelos autores, que faz alegadamente parte do prédio inscrito na matriz sob o art. …, é um dos prédios que receberam na permuta celebrada com autores e de que são proprietários. Mais referem que actualmente todos os seus prédios sitos no Lugar ... estão unificados, não possuindo extremas entre si, mas tão só extremas relativamente aos prédios dos vizinhos confinantes pelo que não é fácil delimitar quais os que concretamente confinam com o prédio inscrito sob o art. ….
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Foi realizada audiência prévia em 26/11/2020 na qual:

- foram notificados os réus para esclarecerem a que descrição predial corresponde o prédio inscrito na matriz sob o art…. tendo estes requerido o prazo de 10 dias, o que foi deferido;
- foi proferido despacho saneador;
- quanto à admissibilidade da reconvenção foi proferida a seguinte decisão:
“No caso concreto, a ação proposta é de reivindicação, com fundamento de que os Réus ocuparam abusivamente o prédio pertencente aos Autores a que se alude em 3º, da petição inicial, e ainda parte do prédio identificado em 5º/a), da petição inicial, tendo-se apoderado das árvores plantadas no primeiro, as quais cortaram, fazendo sua a madeira.
Em reconvenção, os Réus pretendem, e tendo em conta os esclarecimentos e retificações introduzidas ao texto inicial (sob as REF.ªs 34864400, 34993110 e 35888160):
a) Por um lado, que seja judicialmente declarada a posse e propriedade dos Réus Reconvintes sobre os prédios inscritos nas matrizes sob os artigos …, …, …, …, …, …, … e antigo artigo …;
b) Por outro lado, que sejam demarcados os prédios inscritos nas matrizes sob os artigos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e antigo artigo ..., em relação ao prédio identificado em 5º/a), da petição inicial.
Esclareceram ainda os Réus que, do conjunto dos prédios a demarcar, confrontam apenas com o prédio dos Autores identificado em 5º/a), da petição inicial, os inscritos sob os artigos ... e ... (cfr., maxime, artigo 33º, de fls. 115/verso, e primeiro parágrafo da alínea II-B, de fls. 127) e que a área reivindicada pelos Autores antes integra o (seu) prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... (cfr. maxime despacho de fls. 111 e artigo 28º, de fls. 115).
Como é consabido, a ação de reivindicação tem por objeto o reconhecimento do direito de propriedade e consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor; já a ação de demarcação, que, perante o regime processual civil atual, também segue a forma comum, tem como finalidade a delimitação da linha divisório de prédios pertencentes a donos diferentes.
Na ação de reivindicação, o conflito dá-se entre os títulos, enquanto na ação de demarcação o conflito tem lugar sobre os limites dos prédios.
O pedido na ação de reivindicação é o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e a restituição desta ao reivindicante; na ação de demarcação, o pedido é a necessidade de definir a linha divisória entre os prédios confinantes, propriedade de donos distintos.
Assim, a demarcação não tem como efeito a extinção, a modificação ou impedir o reconhecimento do direito de propriedade, não se baseando, portanto, no artigo 266º/2,a), do CPCiv. Trata-se do exercício de um outro direito, que tem como finalidade a marcação física dos limites materiais do prédio, não se colocando a discussão ao nível da titularidade do direito.
Acresce que, pela demarcação, os Réus não se propõem a tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; não pretendem o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; nem o pedido por eles formulado tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
Apenas se verificaria a coincidência do tipo de tutela judiciária requerida – hipótese que seria permitida à luz do artigo 266º/2,d), do CPCiv – caso os Réus tivessem pedido o reconhecimento ou reivindicado, para si, os prédios ou parte dos prédios de que os Autores se arrogam proprietários.
Acontece que essa coincidência não se verifica quanto ao pedido de demarcação, mas quando apenas quando os Réus requerem que seja declarada a posse e propriedade dos prédios, e apenas no que se refere ao inscrito sob o artigo ..., melhor identificado no artigo 28º, de fls. 115.
Isto porque foi somente este prédio que foi identificado pelos Réus na sequência do despacho de fls. 111, no qual se convidou aqueles a explicitarem qual/quais os prédios (por referência à sua descrição predial, inscrição matricial e denominação) de que se arrogam proprietários se inclui a área de terreno reivindicada na presente ação pelos Autores.
Quanto aos demais prédios de que os Réus se arrogam proprietários, e cujo reconhecimento da posse e propriedade requerem, não obstante a proximidade geográfica, eles não estão relacionados com a ação e, como tal, exorbitando do âmbito de aplicação da al. d), do artigo 266º, do CPCiv, temos que a reconvenção, nessa parte, é também inadmissível.
A afinidade geográfica não fundamenta a reconvenção; para que esta seja admissível não basta que o pedido do réu seja atinente ao ato ou facto-fundamento da ação ou da defesa, nem que exista uma forte conexão. A reconvenção só é permitida nos estritos limites do artigo 266º, do CPCiv, estando a parte passiva sujeita ao desenho inicial da ação pelo autor. O alargamento da causa por via da reconvenção – quer em termos de causa de pedir, quer em termos de pedido – está submetida às condicionantes enunciadas, sendo que a introdução de novas causas de pedir depende ou de ela constituir fundamento da defesa (al. a), do artigo 266º) ou para tornar efetivo direito a benfeitorias (al. b), do artigo 266º) ou para obter compensação ou o reconhecimento de direito de crédito (al. c), do artigo 266º).
A acrescer ao já exposto, nunca poderia ser admitida a reconvenção nos termos em que foi formulada, com cumulação real dos pedidos de reconhecimento do direito de propriedade e de demarcação, por ser ilegal, dado se tratarem de pedidos substancialmente incompatíveis (cfr., sobre o assunto, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 04.04.2018, proferido no processo n.º 75/15.8TMC.G1, disponível em www.dgsi.pt).

Nesta sequência:
a) Não admito a reconvenção formulada quanto ao pedido de demarcação:
b) Não admito a reconvenção formulada quanto ao pedido de reconhecimento da posse e propriedade dos prédios ..., ..., ..., ..., ..., ... e antigo artigo 1... e respetiva área;
c) Admito a reconvenção quanto ao pedido de reconhecimento da posse e propriedade do prédio identificado no artigo …, da contestação-reconvenção (prédio inscrito na matriz predial sob o artigo ...).”
- foi julgada parcialmente inadmissível a réplica quanto aos art. 5º a 24º, os quais foram considerados não escritos, mantendo-se o articulado na parte restante;
- foi fixado o valor da acção;
- foi identificado o objecto do litígio;
- foram enunciados os temas de prova;
- bem como foram admitidos os requerimentos probatórios.

Após, o mandatário dos réus disse: “Após a decisão de excluir uma generalidade de prédios de propriedade dos Réus da reconvenção, fica a dúvida onde se situa em concreto o prédio reivindicado pelos Autores. Até agora dúvidas não restavam que se inseria no conjunto territorial de todos os prédios dos Réus, mas, neste momento, porque não tem uma base topográfica de concretização, não é possível aferir em concreto com que limites se reivindicam os Autores proprietários de um prédio no lugar .... Até agora, e repetindo, dúvidas não restavam que reivindicavam uma parte do conjunto de prédios pertencentes aos autores, mas, agora, fica por determinar que parte concreta e acima de tudo onde está topográfica e geograficamente localizada a dita faixa de terreno. Requer, por isso, face a esta incongruência, e atento o despacho de não admissão parcial da reconvenção, entendemos que os Autores, em sede de instrução, devem aclarar a localização concreta e aperfeiçoar a petição inicial, de forma a identificarem em concreto com base geográfica e topográfica, que prédio é que reclamam.”
O mandatário dos autores referiu: “Em resposta ao ora requerido pelos Réus, pela parte dos Autores, cumpre fazer referência e dizer que os prédios que só nesta fase os Réus vêm dizer que não os localizam, estão melhor indicados nos itens 3, 5 e 5a) da petição inicial e nos documentos 5, 6, 7, 8, 9, 9a),11, 12 e 13 juntos com a petição inicial.
O Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Quanto à questão agora suscitada, como já se disse no início da presente diligência, os Autores circunstanciaram espacialmente a localização dos prédios de que se arrogam titulares, nos art.ºs 3 e 5/a), da petição inicial. No despacho proferido a 30.01.2020 – a fls. 111 – foram notificados os Réus para, querendo, explicitarem qual ou quais os prédios, por referência à sua descrição predial, inscrição matricial e denominação, de que se arrogam proprietários, em que se inclui a área de terreno reivindicada na presente ação pelos Autores. Em resposta, os Réus no art.º 28 do articulado que apresentaram sob a referência 34864406, disseram que a área de terreno reivindicada pelos Autores está alegadamente incluída no seguinte prédio propriedade dos Réus/reconvintes: Prédio rústico, denominado “...”, sito no lugar ..., na União de freguesias de .... e ...., composto de terreno a mato, pinheiros e eucaliptos, inscrito na matriz sob o artigo …, anterior 666. Uma vez que a questão já foi devidamente esclarecida na fase dos articulados, nada mais há a ordenar quanto a esse respeito. Notifique.”
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Os réus vieram dizer que o prédio rústico inscrito na matriz sob o art. ... (ex-…) encontra-se descrito na C.R.P. de Vila Nova de Famalicão sob o nº …/..... Mais disseram que os autores, apesar de terem adquirido válida e eficazmente este prédio ainda não procederam ao registo dessa aquisição, atenta a discrepância de áreas existente entre a respectiva matriz e a área registada na Conservatória, mas a falta desse registo não pode ser oposta aos autores, nem pelos herdeiros destes, ex vi art. 5º, nº 3 do C. do Registo Predial.
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Os réus reclamaram do objecto do litígio e que julguem verificadas as incongruências e imprecisões referidas quanto à alegação da localização geográfica do prédio identificado em 3º (se em Lajó ou ao invés em ...), bem como quanto aos seus limites e, consequentemente, declare a arguida nulidade, ordenando a notificação dos autores para esclarecem/concretizarem geográfica e topograficamente qual a localização do referido prédio para que os réus possam, em conformidade, identificar que prédios seus confrontam com esse prédio, para que, esclarecida esta matéria, se possa discutir ulteriormente em audiência de discussão e julgamento da efectiva titularidade do direito de propriedade desse prédio.
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Não se conformando com as decisões proferidas na audiência prévia que indeferiram os esclarecimentos solicitados pelos réus/recorrentes e parcialmente a reconvenção deduzida vieram os réus dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso tem por objecto a decisão contida no douto despacho saneador proferido pelo MM julgador, em 26/11/2020, a fls.., dos autos que não admitiu os esclarecimentos solicitados pelos RR./Recorrentes, para que os AA./Recorridos identificassem geográfica e topograficamente a concreta localização do prédio que se arrogam proprietários e cujo direito reivindicam na presente ação e que rejeitou, parcialmente, a reconvenção deduzida por aqueles;
2. Entendem os RR./Recorrentes que a douta decisão que indeferiu os esclarecimentos solicitados e não admitiu parcialmente a reconvenção, padece de erro na apreciação da situação fáctica sub judice e erro de análise dos documentos juntos aos presentes autos, erros esses que influenciaram decisivamente a decisão de não admitir, por um lado, os esclarecimentos solicitados e, por outro, de indeferir, parcialmente, a reconvenção deduzida;
3. Entendem os RR./Recorrentes que, ao contrário do sufragado pelo julgado a quo, in casu não está ainda esclarecida cabalamente qual a localização exata do prédio descrito em 3.º da petição inicial, porque não concretizada geográfica e topograficamente a sua localização, padecendo a causa de pedir de múltiplas incongruências e imprecisões insanáveis, geradoras de nulidade, e cujo esclarecimento se impõe;
4. Entendem os RR./Recorrentes que os pedidos deduzidos em sede reconvencional nos presentes autos não são incompatíveis com os pedidos deduzidos na ação judicial sub judice, na justa medida em que visam obstar ao efeito pretendido pelos AA./Recorridos e, além disso, foram deduzidos na senda dos problemas levantados por estes na ação e das incongruências insanáveis da causa de pedir, razão pela qual devem ser admitidos in tottum, por legalmente admissíveis;
5. A pretensão dos AA./Recorridos redunda na reivindicação da propriedade do prédio identificado em 3.º da petição inicial, mas cuja causa de pedir carece de concretização fáctica (localização exata, estremas, etc.);
6. Os AA./Recorridos fundamentam a sua pretensão baseados numa singela fotografia do google maps, tirada algues no meio de uma mancha florestal, sem o mínimo e qualquer rigor que seja e da qual não é possível aferir a concreta localização, limites/estremas, razão pela qual os RR./Recorrentes impugnaram de imediato tal documento;
7. Os elementos documentais juntos aos autos demonstram que o predito prédio em discussão, fica localizado em dois locais totalmente distintos e longínquos na freguesia de ..., localizando-se a vários km’s de distância um do outro, o que é todos os títulos impossível e carece de concretização;
8. Os RR./Recorrentes deduziram reconvenção, na senda das incongruências da causa de pedir da ação judicial, e, por referência ao levantamento topográfico relativo ao acervo de prédios de que são proprietários no lugar ..., da freguesia de ... de ..., invocaram a propriedade dos mesmos e requereram o reconhecimento e declaração judicial dessa propriedade e ainda a demarcação desses prédios, uma vez que, os AA. com a presente ação vieram (ainda que indirectamente) pôr em causa a propriedade e estremas dos seus prédios (dos RR.);
9. O julgador a quo solicitou esclarecimentos aos RR./Recorrentes, mormente, que identificassem qual seria, na sua tese, do acervo de prédios, o prédio reivindicado pelos AA./Recorridos, ao qual responderam que, alegadamente, seria o prédio identificado em 5º.1/a) da p.i. (prédio inscrito na matriz sob o artigo ...);
10. Em sede de audiência prévia, porque se mantinham as incongruências e porque o tribunal oficiosamente não requereu o esclarecimento/concretização das questões supra mencionadas os RR./Recorrentes, requereram que fossem os AA./Recorridos compelidos a esclarecer/concretizar qual a localização exacta do prédio de que se arrogam proprietários, uma vez que, na sua versão será nos lugares de Lajó e ..., mas sem concretizar topograficamente onde, com que estremas, com que confrontações;
11. In casu existe uma cabal e inultrapassável incongruência entre o alegado na causa de pedir da ação, sem concretização geográfica e topográfica quanto à localização do prédio em causa, os documentos juntos aos autos evidenciam realidade diversa da alegada e, para além disso, a fotografia do Google não permite de per si esclarecer tais questões, mas apesar disso o julgador indeferiu o pedido de esclarecimentos;
12. Ao invés de rejeitar parcialmente a reconvenção deduzida, impunha-se ao julgador a quo notificar os AA. para concretizarem a causa de pedir, esclarecendo qual a localização exata do prédio de que se arrogam proprietários, esclarecendo também se o dito prédio fica situado afinal em ... ou em …, qual a área real, que estremas possui, etc.
13. O julgador a quo, indeferiu os esclarecimentos solicitados e indeferiu parcialmente a reconvenção deduzida, impondo aos RR./Recorrentes o ónus de serem estes a concretizar a causa de pedir dos AA./Recorridos, invertendo o princípio do dispositivo;
14. Ao não solicitar os esclarecimentos, violou o julgador a quo o disposto nos artigos 6.º e 590.º, n.º 4, do CPC, incorrendo em omissão geradora de nulidade, ex vi do disposto no artigo 195.º, do CPC que aqui expressamente se invoca e argui;
15. Ao indeferir parcialmente a reconvenção, com base nas incongruências que supra se descreveram (discrepância de áreas e impossibilidade de localização do prédio em dois locais distintos e a km’s de distância um do outro), importa a douta decisão nulidade desta parte com a força de saneador sentença, ex vi do disposto nos artigos 595.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, al. c), ambos do CPC, nulidade essa que aqui expressamente se invoca e argui e cuja declaração se requer;
16. A douta decisão proferida nos termos em que foi violou os princípios do dispositivo e da igualdade das partes (artigo 4.º, do CPC), na justa medida em que o ónus de concretização da causa de pedir da presente ação, impendia apenas e só sobre os AA./Recorridos, a quem cabe suprir as insuficiências e incongruências das próprias alegações e não sobre os RR./Recorrentes, que apenas lhe podia ser assacado o dever de colaboração na descoberta da verdade material;
17. A douta petição inicial padece de ineptidão ut artigo 186.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b), do CPC, face às incongruências insanáveis contidas na causa de pedir da presente ação judicial, quanto à concreta localização do prédios de que os AA./Recorridos se arrogam proprietários (identificado em 3º da p.i.), na justa medida em que um único e mesmo prédio não pode jamais estar localizado geograficamente em locais distintos, como se disse, ineptidão essa que desde já e expressamente se invoca e argui;
18. Entendem os RR./Recorrentes que os pedidos deduzidos a título de reconvenção nos presentes autos não são incompatíveis com os pedidos deduzidos na ação judicial sub judice, na justa medida em que visam obstar ao efeito pretendido pelos AA./Recorridos e, além disso, foram deduzidos na senda dos problemas levantados pelos mesmos na ação e das incongruências insanáveis na alegação da matéria de facto, razão pela qual devem ser admitidos in tottum;
19. O julgador a quo olvidou por completo o móbil dos RR./Recorrentes para a dedução da reconvenção, nos termos em que foi deduzida, bem como o efeito pretendido por estes;
20. Os AA./Recorridos na ação de reivindicação, puseram em causa as estremas que delimitam os seus prédios e os prédios dos RR./Recorrentes, alegando serem proprietários de um prédio “algures” junto aos prédios destes, ou entre os prédios, ou talvez absorvido por um (ou mais) prédios dos mesmos, mas sem definir concretamente onde, que área, que limites, etc.;
21. O pedido de reconhecimento da propriedade dos prédios, sitos no lugar ... e de demarcação dos mesmos, deduzido pelos RR./Recorrentes, ocorreu na medida dessa incerteza e imprecisão da alegação dos próprios AA./Recorridos quanto à existência, localização e definição da área e estremas na ação de reivindicação;
22. Os AA./Recorridos ao deduzirem o pedido de reconhecimento da titularidade do direito de propriedade do prédio identificado em 3.º da petição inicial, com uma área de 6000 m2, alegadamente situado em ..., incorreram em múltiplas incongruências e imprecisões que motivaram os pedidos reconvencionais dos RR./Recorrentes de reconhecimento da titularidade do direito de propriedade dos prédios sitos em ... e a sua demarcação;
23. In casu, face às discrepâncias de áreas, às múltiplas incongruências e imprecisões quanto à localização do alegado prédio, estão os AA./Recorridos arrogar-se proprietários de prédios e/ou parte de prédios de que os RR./Recorrentes são proprietários, pondo em causa a titularidade do direito de propriedade destes, pelo que são admissíveis os pedidos reconvencionais deduzidos;
24. A propriedade que os AA./Recorridos, querem ver judicialmente reconhecida, é totalmente omissa e/ou inexata quanto à localização desse prédio, estremas e área;
25. Os documentos juntos aos autos contrariam a versão dos AA./Recorridos, quando á localização e área;
26. O prédio inscrito sob o artigo ..., tem somente a área de 800 m2 (cfr. escritura de permuta e descrição predial) e os AA./Recorridos reivindicam na presente ação a área de 6000 m2, pelo que, a ser assim, e colhendo vencimento a tese destes, é a todos os títulos impossível que estes estejam a reivindicar APENAS a área do prédio inscrito sob o artigo ..., mas estão necessariamente a “mexer” com o direito de propriedade dos RR./Recorrentes relativamente aos prédios circundantes;
27. O julgador a quo só julgou os pedidos reconvencionais incompatíveis com os pedidos deduzidos pelos AA./Recorridos na ação judicial na medida em que, olvidou todas as incongruências e imprecisões perpetradas por estes na alegação da matéria de facto, inclusive, olvidou que a área reivindicada por aqueles vem pôr em causa a posse e propriedade dos RR./Recorrentes sobre outros prédios ou parte de prédios sitos em ...;
28. Um prédio com área de 6000 m2 não cabe dentro de um prédio com uma área de apenas 800 m2;
29. Os AA./Recorridos reivindicam in casu uma área de 6000 m2 que excede em muito a área do prédio inscrito na matriz sob o artigo ... (propriedade dos RR.), que tem apenas a área de 800 m2, pelo que, sempre teria que considerar o julgador a quo, que com a reconvenção deduzida estão os RR./Recorrentes a pedir o reconhecimento e/ou reivindicar, para si, os prédios ou parte dos prédios de que os AA. se arrogam proprietários.
30. O reconhecimento e demarcação dos prédios em “bloco” ocorreu apenas e só pelo facto de os AA./Recorridos reivindicarem um prédio cuja localização exata não concretizaram, num local até á presente data absolutamente indeterminável apesar de expressamente solicitado pelos RR./Recorrentes em sede de audiência prévia, mas que não foi admitido;
31. O julgador a quo olvidou por completo que, a julgar procedente a presente ação, vai através de um prédio inexistente “absorver” parte da área de outros prédios propriedade destes, mas que já “sacudiu” dos presentes autos ao indeferir a reconvenção deduzida;
32. O móbil da reconvenção não se prendeu com a mera proximidade geográfica dos prédios mas porque os AA./Recorridos pretenderam com a presente ação sonegar aos RR./Recorrentes uma parcela de terreno de 6000 m2 que ultrapassa (e muito!) a área daquele prédio inscrito sob a matriz ... (apenas com 800 m2);
33. O julgador a quo olvidou que o efeito pretendido pelos RR./Recorrentes com os pedidos convencionais (reconhecimento da propriedade dos seus prédios sitos no lugar ... e demarcação dessa propriedade) era de obstar ao efeito jurídico pretendido pelos AA./Recorridos, que vieram por meio de uma ação de reivindicação, por um lado, pôr em causa as estremas dos seus prédios com os prédios daqueles, e por outro, sonegar uma área de 6000 m2 dos prédiso dos RR.;
34. Os pedidos reconvencionais não são incompatíveis com os pedidos deduzidos pelos AA./Recorridos;
35. Ao invés de rejeitar parcialmente a reconvenção deduzida, impunha-se ao julgador a quo notificar os AA./Recorridos para concretizarem a causa de pedir, esclarecendo qual a localização exata do prédio de que se arrogam proprietários, esclarecendo também se o dito prédio fica situado afinal em ... ou em …, qual a área real, que estremas possui, etc.
36. Deve a douta decisão ser revogada e substituída por outra, que em conformidade, com a ausência de concretização reinante nos autos quanto à concreta localização do prédio reivindicado, admita a reconvenção deduzida, por legalmente admissível, seguindo-se os ulteriores termos até final;
37. O julgador a quo escamoteou que é sua incumbência convidar as partes a suprir as insuficiências e imprecisões na exposição dos factos, mormente, quando tais imprecisões influem na boa decisão da causa, ex vi do disposto no artigo 590.º, n.º 4, do CPC;
38. In casu, face à incongruência insanável quanto à localização do prédio cuja propriedade reivindicam nos presentes autos, deveria o julgador a quo, nos termos da lei, notificar os AA./Recorridos para esclarecerem tal desiderato, mas não o fez;
39. Resultando patente nos autos a dita incongruência insanável relativamente à localização do prédio em dois locais distintos e longínquos, impunha-se ao julgador a quo solicitar esclarecimentos aos AA./Recorridos, ex vi do disposto no artigo 186.º, n.º 3, do CPC;
40. Deve o douto despacho saneador ser revogado e, substituído por outro que em conformidade convide os AA./Recorrentes a esclarecerem onde se situa concretamente o prédio identificado em 3.º da petição inicial, concretizando topograficamente a sua localização, limites/estremas e, nessa sequência, sejam os RR./Recorrentes ulteriormente notificados para exercerem o contraditório, seguindo- se os demais termos;
41. O julgador a quo notificou os RR. para prestarem esclarecimentos, que identificassem qual seria, na sua tese, do acervo de prédios, o prédio reivindicado pelos AA./Recorridos, ao qual responderam os primeiros que, alegadamente, seria o prédio identificado em 5º.1/a) da p.i. (prédio inscrito na matriz sob o artigo ...) e estes com as dificuldades das incongruências da causa de pedir da ação judicial sub judice e que supra já se enunciaram (incongruências das áreas de 800 m2 e 6000 m2 e da concreta localização topográfica do prédio descrito em 3º da petição inicial para se saber que prédio ou prédios poderá atingir a reivindicação dos AA.), responderam que, alegadamente, seria o prédio identificado em 5.1/a) da petição inicial;
42. Apesar de ser incumbência dos RR. colaborarem com o tribunal para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, respondendo ao que lhes for solicitado, não pode jamais tal dever de colaboração suprir a essência do princípio do dispositivo, como infelizmente sucedeu;
43. Não incumbe aos RR./Recorrentes detalharem a concreta localização do prédio identificado em 3.º da petição inicial e cuja propriedade os AA./Recorridos vieram a juízo reivindicar;
44. Nos termos da lei e do princípio do dispositivo, tendo sido os AA./Recorridos a alegar tal matéria – reivindicação da propriedade de um prédio sito no lugar .../… – é a estes e apenas a estes que incumbe concretizar tal alegação, prestando esclarecimentos e suprindo as insuficiências contidas nas suas próprias alegações;
45. Os RR./Recorrentes na sua contestação, impugnaram de imediato a fotografia junta pelos AA./Recorridos com a alegada localização do prédio, porque obtida no Google maps e, por isso, imprecisa, sem permitir identificar estremas/limites e porque não se tratava de documento topográfico e oficial (Cfr. doc. n.º 9 junto com a p.i.) e, além disso, alegaram de imediato a titularidade do direito de propriedade de um acervo de prédios, assinalados mediante levantamento topográfico que juntaram aos autos
46. Deveria o julgador a quo convidar os AA./Recorridos a concretizarem de forma topográfica e detalhada onde se encontrará então alegado prédio cuja propriedade reivindicam;
47. O julgador a quo além de não solicitar os referidos esclarecimentos com vista a suprir as insuficiências da causa de pedir da presente ação judicial ainda indeferiu o pedido de esclarecimentos solicitados pelos RR./Recorrentes;
48. As incongruências/imprecisões integram a causa de pedir dos AA./Recorridos pelo que é sobre estes que impende o dever de concretização e identificação concreta e correta do prédio reivindicado;
49. Ao decidir como decidiu, indeferindo parcialmente a reconvenção deduzida pelos RR./Recorrentes e impondo-lhes erroneamente o ónus de serem estes a concretizar a causa de pedir dos AA./Recorridos, procedeu o julgador a quo a uma ilegal “inversão” do princípio do dispositivo;
50. A decisão proferida nos termos em que o foi violou cabalmente o princípio do dispositivo e o disposto no artigo 5.º, do CPC;
51. A decisão proferida violou o dever de gestão processual, ínsito no artigo 6.º, do CPC, na justa medida em que era incumbência do julgador, perante as incongruências insanáveis e demonstradas nos autos pelos documentos juntos, requerer oficiosamente aos AA./Recorridos que suprissem as insuficiências da causa de pedir, concretizando-a;
52. A decisão proferida violou o princípio da igualdade entre as partes e o disposto no artigo 4.º, do CPC, já que ao impôs aos RR./Recorrentes um ónus que apenas e só impende sobre os AA./Recorridos, de esclarecer e concretizar a causa de pedir que os próprios alegaram;
53. Ao indeferir parcialmente a reconvenção dos RR., sem concretizar previamente a exata localização do prédio reivindicado pelos AA./Recorridos, o douto despacho saneador sentença incorreu em nulidade que influi decisiva e cabalmente no exame e boa decisão da causa, nulidade esta que desde já e expressamente se argui, ex vi do disposto no artigo 195.º, do CPC, e cuja declaração se requer;
54. Deve o douto despacho saneador sentença ser revogado e substituído por outro que ordenando a concretização da localização do prédio reivindicado aos AA. e, cumprido o contraditório aos RR., admita a reconvenção apresentada por estes quanto a todos os prédios que possam vir a atingir em concreto.”

Pugna pela revogação do despacho saneador que deve ser substituído por outro que declare verificadas as nulidades arguidas e a ineptidão da petição inicial, nos termos supra expostos, convidando os autores a esclarecerem onde se situa em concreto o prédio id. em 3º da p.i., concretizando topograficamente a sua localização, limites/estremas e, nessa sequência, sejam os réus ulteriormente notificados para exercerem o contraditório, e que admita a reconvenção deduzida.
*
Por despacho de 08/01/2020 o tribunal ordenou que se requisitasse a certidão da descrição predial relativa ao prédio descrito com o nº …/....; que se corrigisse o objecto do litígio e que desatendeu a nulidade invocada referente à alegada omissão de convite judicial a respeito da localização dos prédios a que a petição inicial se reporta.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Se houve erro de julgamento na decisão proferida em sede de audiência prévia, a qual indeferiu a requerida notificação dos autores para identificarem “geográfica e topograficamente a concreta localização do prédio que se arrogam proprietários e cujo direito reivindicam”;
B) E na decisão proferida na mesma altura que rejeitou parcialmente a reconvenção.
*
II – Fundamentação

Os factos que relevam para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede.
*
A) Indeferimento de pedido de esclarecimentos aos autores

Em 26/11/2020, na audiência prévia, os réus/recorrentes requereram a notificação dos autores para aperfeiçoarem a petição inicial identificando “geográfica e topograficamente a concreta localização do prédio que se arrogam proprietários e cujo direito reivindicam”.

Para tanto alegaram que até aquele momento não havia dúvidas que os prédios reivindicados se inseriam no conjunto territorial de todos os prédios dos réus, mas, naquele momento, em face da rejeição parcial da reconvenção, “não é possível aferir em concreto com que limites se reivindicam os Autores proprietários de um prédio no lugar ...”.
Os autores pronunciaram-se dizendo que os prédios reivindicados estão identificados na petição e nos documentos juntos a esta.
Em sede do presente recurso vieram os réus acrescentar, em síntese, que a causa de pedir carece de concretização fáctica tendo sido violado o disposto nos art. 6º e 590º nº 4 do C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem, o que gera nulidade nos termos do art. 195º; que a petição é inepta nos termos do art. 186º nº 1 e 2 a) e b), 3; que ocorreu violação do princípio do dispositivo, da igualdade das partes (art. 4º) e do ónus de alegação pelos autores (art. 5º).

Quid iuris?

Desde logo, não é verdade que os autores não tenham identificado geograficamente os prédios reivindicados na petição inicial.

Com efeito, dos art. 3º e 5º a) desta resulta que se localizam no lugar ..., na freguesia de ... ..., hoje União de Freguesias de .... e ...., concelho de Vila Nova de Famalicão, são composto por eucaliptos, o que consta dos documentos juntos com os nº 6 a 15.

Ainda que, segundo jurisprudência pacífica, a presunção prevista no art. 7º do Código de Registo Predial – “de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – não abrange os factores descritivos do prédio cuja propriedade está inscrita, como a área, confrontações, limites dos prédios, contudo “(…) nada obsta a que tais limites e confrontações constem da matéria de facto e sejam livremente valorados pelo julgador, em articulação com as demais provas produzidas (…)” como se lê no Ac. do S.T.J. de 11/02/2016 (Lopes do Rêgo), in www.dgsi.pt, endereço a pertencerão os acórdãos a citar sem menção de origem, na certeza, porém, que incumbe aos autores o ónus da prova de tais elementos cfr. também se lê no Ac. do mesmo Tribunal de 23/09/2004 aí citado. Em resumo, estes elementos constantes do registo predial, e também da matriz, não fazem prova plena, mas tendo sido alegados podem e devem ser o ponto de partida para o apuramento dos elementos reais. Assim sendo, de modo algum, contrariamente ao referido pelos réus, incumbe a estes tal prova e se mostra violado o princípio da igualdade substancial das partes previsto no art. 4º.
Tendo os referidos elementos sido alegados na petição, ainda que reproduzindo o teor da descrição predial, não se mostra violado o princípio do dispositivo (art. 3º nº 1), nem o ónus de alegação pelo autor dos factos essenciais que constituem a causa de pedir (art. 5º, nº 1), a petição não é inepta por falta de causa de pedir ou contradição do pedido com a causa de pedir (art. 189º nº 1, 2 a) e b)) e, consequentemente, não ocorre qualquer violação por parte do Tribunal do dever de gestão processual e/ou de convidar os autores a aperfeiçoarem o seu articulado nos termos dos art. 6º e 590º nº 2, b) e nº 4 do C.P.C..
Apenas com vista a melhor perceber o alegado pelos réus na contestação e aquilatar da admissibilidade da reconvenção, foram estes notificados para esclarecerem qual ou quais os seus prédios em que se inclui a área de terreno reivindicada pelos autores. E estes vieram explicitar que a área reivindicada está alegadamente incluída no prédio rústico na matriz sob o art. ... (ex-…).

Pelo exposto, é de manter a decisão de indeferimento da requerida notificação dos autores para aperfeiçoarem a petição inicial indicando a concreta localização dos prédios reivindicados.
*
B) Da rejeição parcial da reconvenção

Mais se insurgem os réus recorrentes contra a rejeição parcial da reconvenção alegando que os pedidos reconvencionais formulados advêm das incongruências da causa de pedir (incerteza e imprecisão quanto à existência, localização, áreas e estremas) e com os mesmos pretenderam os réus evitar que os autores se apropriassem de uma parcela de 6000 m2 sua propriedade; que tal decisão é nula nos termos do art. 595º nº 3 e 615º nº 1 c) e que tais pedidos não são incompatíveis com os pedidos formulados pelos autores.

Vejamos.

1.
Antes de mais, os réus pugnam pela compatibilidade dos pedidos reconvencionais com os pedidos dos autores, mas a decisão refere-se tão-só à incompatibilidade entre os pedidos reconvencionais, entre o pedido de reconhecimento e de demarcação. A questão da “compatibilidade” entre pedidos dos autores e réus prende-se com os requisitos de admissibilidade da reconvenção previstos no art. 266º.
A decisão recorrida não é nula nos termos do art. 615º nº 1 c).
Dispõe este preceito e o art. 613º nº 3 que a sentença/despacho é nula quando Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Esta nulidade remete para o princípio da coerência lógica da decisão uma vez que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, i.e., a decisão proferida não pode seguir um caminho diverso daquele que apontava a linha de raciocínio plasmado nos fundamentos. Tem-se entendido que esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação de fundamentação da decisão prevista nos art. 154º e 607º nº 3 e, por outro, pelo facto da decisão dever constituir um silogismo lógico-jurídico em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor). Neste sentido, entre outros, Ac. da R.L. de 09/07/2014 (Pedro Brighton).
A obscuridade e a ambiguidade mencionadas na 2ª parte deste preceito verificam-se quando alguma passagem da parte decisória da sentença é ininteligível ou quando se preste a mais do que um sentido respectivamente. Neste sentido Ac. do S.T.J. de 02/06/2016 (Fernanda Isabel Pereira).
Situação distinta é erro de julgamento (error in judicando), quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer quanto na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável.

In casu, da análise da decisão, concluímos que nenhum fundamento de facto ou de direito está em oposição com a parte decisória, nem esta é ininteligível ou ambígua. Com efeito, há uma perfeita coerência entre considerar o pedido de reconhecimento, próprio da acção de reivindicação, e o pedido de condenação dos autores a concorrerem para a fixação da linha divisória entre os prédios dos autores e dos réus, próprio da acção de demarcação, como pedidos substancialmente incompatíveis e consequentemente não admitir o segundo. Do mesmo modo, tal coerência também se verifica entre as considerações tecidas a propósito do art, 266º nº 1, 2 a) e d) e a decisão de rejeitar a reconvenção quanto ao pedido de reconhecimento de todos os prédios referidos pelos réus com excepção do inscrito na matriz predial sob o actual art. ... (e referido no art. 107º da contestação).

Assim, não se verifica a apontada nulidade.
*
2.
Nos termos do nº 1 do art. 266º O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.

Refere Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, 4ª Ed., Vol. 1º, Almedina, p. 531: “A reconvenção, consistindo num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor, constitui uma contra-acção que se cruza com a proposta pelo autor (que, no seu âmbito, é réu, enquanto o réu nela toma a posição de autor – respectivamente reconvindo e reconvinte). Não sendo razoável admiti-la independentemente de qualquer conexão com a ação inicial, o nº 2 estabelece os fatores de conexão entre o objecto da ação e o da reconvenção que tornem esta admissível.”
A mesma tem na génese razões de economia processual, pois, deste modo, não tem o réu que propor acção autónoma para fazer valer a sua pretensão. Contudo, obedece à estrita verificação de pressupostos materiais e processuais previstos na lei adjectiva.

Os pressupostos materiais da admissibilidade da reconvenção encontram-se previstos nº 2 do referido preceito que dispõe:

A reconvenção é admissível nos seguintes casos:

a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

Uma vez que, no caso em apreço, apenas poderão estar em causa os factores de conexão previstos nas al. a) e d) vamos apenas abordar estes seguindo de perto os ensinamentos dos autores supra referidos na obra citada.

A situação prevista na primeira parte da alínea a) ocorre quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (entendida nos termos da teoria da substanciação – 581º nº 4) ou em parte da mesma causa de pedir do pedido do autor.

Verifica-se a situação prevista na segunda parte da mesma alínea quando o pedido reconvencional se funda nos mesmos factos ou parcialmente nos mesmos factos em que o próprio réu funda uma exceção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial. A este propósito tem-se entendido que o facto invocado, a verificar-se, deve produzir o chamado “efeito defensivo útil”, i.e., deve ter a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor (Jacinto Rodrigues Basto, Notas ao Código de Processual Civil, Vol. II, Almedina, p. 77). Neste sentido vide, entre outros, Ac. desta Relação de 10/07/2018 (Maria João Matos) e Ac. da R.C. de 17/03/2020 (Jorge Arcanjo):

No que concerne a alínea d) a reconvenção alicerça-se na identidade, total ou parcial, do efeito jurídico pretendido pelo autor. Por exemplo, autor e réu pretendem o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o mesmo bem ou sobre uma parte do bem reivindicado.
Os pressupostos processuais decorrem dos art. 93º, 266º, nº 3, 4 e 5.
Revertendo ao caso em apreço nenhuma censura há a assacar à decisão recorrida.
Antes de mais, importa distinguir a acção de reivindicação da acção de demarcação. A primeira é uma acção condenatória, tem uma causa de pedir que compreende tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade de que o autor se arroga titular, como a ofensa desse direito através ocupação abusiva pelo réu, e tem como pedidos, por um lado o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e, por outro a restituição desta. A segunda tem como causa de pedir a existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos e cujas estremas sejam ou se tenham tornado duvidosas, e como pedido a fixação da linha divisória entre tais prédios confiantes pertencentes a proprietários distintos.
Ora, o pedido reconvencional de reconhecimento da propriedade sobre os prédios inscritos na matriz sob os art. ..., …, ..., ..., ..., ... e antigo art. … tem um objecto distinto do pedido dos autores de reconhecimento da propriedade (sobre os prédios inscritos nos art. … e art. ...) pelo que não existe correspondência de efeito jurídico pretendido. Também não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa na medida em que, ainda que se provem tais direitos de propriedade, os mesmos não tem a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido dos autores. A alegação que os pedidos reconvencionais advêm das incongruências da causa de pedir (incerteza e imprecisão quanto à existência, localização, áreas e estremas) e que, com os mesmos, pretenderam os réus evitar que os autores se apropriassem de uma parcela de 6000 m2 sua propriedade, não só não é exacta, como vimos supra, como não tem a virtualidade de impedir que possa vir a ser reconhecido aos autores os direitos de propriedade sobre os art. 512º e .... Assim sendo, a reconvenção não é admissível nesta parte.
Em contrapartida verifica-se identidade de efeito jurídico no que concerne ao pedido de reconhecimento da propriedade sobre o prédio inscrito sob o art. ... pelo que este pedido reconvencional é admissível. Ambas as partes têm o ónus da prova de demonstrar alegados actos possessórios sobre todo ou parte deste prédio que conduzam à sua aquisição originária por usucapião.
Acresce, como bem assinala a decisão recorrida, estes pedidos reconvencionais são substancialmente incompatíveis com o pedido reconvencional de fixação da linha divisória entre os prédios reivindicados pelos autores e os prédios dos réus (555º). Com efeito, na presente acção de reivindicação está em causa um conflito de títulos de aquisição de, pelo menos, um prédio e o pedido de demarcação refere-se a um conflito de prédios confinantes pertencentes a proprietários distintos, o que naturalmente pressupõe a inexistência daquele conflito na medida em que utilizam os títulos para se apurar onde começa um prédio e acaba outro. O direito real que aqui não está em causa funciona como condição de legitimidade activa (do autor) e passiva (do réu). E do mesmo modo o pedido reconvencional de demarcação é incompatível com o pedido de reivindicação dos autores.
Pelo exposto, improcede a apelação.
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As custas da apelação são da responsabilidade dos réus apelantes atento o seu decaimento (art. 527º, nº 1 e 2 do C.P.C.).
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I – É jurisprudência pacífica que, o âmbito da presunção prevista no art. 7º do C.R. Predial não abrange os factores descritivos do prédio, como as áreas, confrontações, limites, e que a inscrição matricial também não permite assegurar estes factores, contudo, nada obsta a que esses elementos sejam livremente valorados pelo julgador em articulação com as demais provas produzidas, na certeza, porém, que incumbe aos autores o ónus da prova dos mesmos.
II – É admissível a reconvenção nos termos do art. 266º nº 2 a) do C.P.C. quando o pedido do réu se funda na mesma (ou em parte da mesma) causa de pedir (entendida nos termos da teoria da substanciação) que o pedido do autor ou quando se funda nos mesmos factos (ou parcialmente nos mesmos factos) em que o próprio réu funda a sua defesa desde que estes, a verificarem-se, tenham a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor.
III – Os pedidos de reivindicação e de demarcação são substancialmente incompatíveis uma vez que na acção de reivindicação se discutem os títulos de aquisição dos prédios, enquanto que na acção de demarcação se discute a sua extensão pressupondo o domínio sobre os mesmos.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e consequentemente confirmam as decisões recorridas.
Custas pelos apelantes.
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Guimarães, 25/03/2021

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade