Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5713/15.0T8GMR.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: ALIMENTOS A EX-CÔNJUGES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I- Com a atual redação dos nºs 1 a 3 do art. 2016º e 2016º-A, do C. Civil, introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da sequência dispositiva do art. 2016º, do CC, é o do seu carácter excecional, temporário e de natureza subsidiária, com base na nova regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”.

II- Neste novo modelo, o referido direito depende da verificação dos pressupostos gerais da “necessidade” e da “possibilidade” enunciados no art. 2004.º do C. Civil (sendo que o primeiro, como decorre expressamente do texto do n.º 3 do art. 2016.º-A do C. Civil, já não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial) e deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (art. 2003.º, n.º 1, do C. Civil), não se verificando, contudo, se “razões manifestas de equidade” levarem a negá-lo.

III- Mesmo não conseguindo manter o padrão de vida que possuía em sede de comunhão conjugal, basta que o ex-cônjuge tenha possibilidade ou capacidade para adquirir meios de subsistência, para que não haja lugar à fixação de alimentos a seu favor, por falta de verificação do requisito da “necessidade” de alimentos.

IV- Não tendo o ex-cônjuge requerente logrado fazer prova da sua impossibilidade de trabalhar e/ou de prover à sua subsistência, tal como lhe compete (arts. 342º, n.º 1 e 2004º, do C. Civil), não resulta provado o pressuposto da “necessidade” de alimentos por parte daquele, o que torna irrelevante e inútil a verificação do pressuposto da “possibilidade” do outro ex-cônjuge requerido em prestar tais alimentos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

José veio requerer contra I. A. a presente ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, pedindo a final que se decrete o divórcio entre autor e ré, com base na rotura da vida conjugal, que ocorre sensivelmente desde Julho de 2015, ocasião a partir da qual autor e ré deixaram de partilhar a mesma cama e mesa, verificando-se por parte da ré a sua oposição em dar continuidade à vida íntima do casal.

Frustrada a conciliação entre os cônjuges, foi o réu notificado para contestar.

O réu contestou, impugnando os factos alegados pelo autor, tendo concluído pela improcedência da ação, por não provada.
Deduziu reconvenção, pedindo que se decrete o divórcio entre autor e ré, fundamentando-se igualmente na rotura conjugal entre o casal, não existindo qualquer comunhão de mesa e cama, desde Julho de 2015.

Veio ainda pedir a condenação do autor a pagar alimentos devidos à ré, sua cônjuge, no montante mensal de € 500,00, anualmente atualizado de acordo com a taxa de inflação, invocando, em suma, que se encontra desempregada, sem qualquer fonte de rendimento, e que necessita de tal montante para fazer face às suas necessidades básicas, sendo certo que o autor reconvindo aufere uma renumeração mensal de cerca de € 2.200,00, dispondo ainda de € 680,00 mensais correspondentes a rendas que aufere de imóveis de que é proprietário.

Mais requereu a fixação provisória de alimentos a seu favor no valor de € 500,00 mensais, alegando que se mostra bastante precária a sua situação económica.

O autor não replicou, nem apresentou qualquer resposta ao alegado pela ré.

Em 16.06.2016, foi proferido despacho saneador, tendo sido fixada provisoriamente, para a pendência da ação, a prestação alimentícia mensal de € 250,00, a favor da ré reconvinte (cfr. fls. 54 a 57).
Elaboraram-se ainda os temas de prova.
Procedeu-se a realização da audiência de julgamento.

Na sequência, por sentença de 09.03.2017, veio a julgar-se procedente a ação e a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, decidiu-se decretar a dissolução, por divórcio sem consentimento do outro cônjuge, do casamento celebrado em 08.09.2007, entre autor e ré.
Mais se decidiu absolver o autor reconvindo do pedido de alimentos formulado pela ré reconvinte.

Inconformada com o assim decidido, no que se refere a este último segmento do dispositivo, veio a ré I. A. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes


CONCLUSÕES

1. Sendo pedida a fixação de alimentos a cônjuge em processo de divórcio, a não contestação da matéria de facto tem efeito cominatório, devendo os mesmos serem tidos por assentes, na parte em que podem fixar os factos a valorar.

2. Consta dos autos, no Apenso A., prova da matéria alegada, nomeadamente a fls 101, de que o A. ganha 3.320,37 Euros, embora tendo sido invocado o valor de 2.200 Euros (que será o valor líquido), deve ser este o fixado.

3. Devem passar a factos provados os factos Q, R, S e T dos factos não provados, por não terem sido impugnados, pela sua comprovação no Apenso A, a fls 101 e ainda pela respectiva afirmação pela Apelante, cfr art.º 18, cujo depoimento em nada foi considerado não merecedor de total credibilidade e ainda pelos factos notórios e públicos de que é extremamente difícil conseguir emprego com as habilitações, experiência e a idade da Apelante e pela total ausência de prova em sentido contrário.

4. Não havendo prova de qualquer rendimento além dos fixados 250 Euros por parte da Apelante, mesmo sem alterar qualquer facto, sendo público e notório que se há milhares e milhares de pessoas na situação da Apelante que não conseguem emprego, esta não está obrigada a mais do que aquilo que faz, procurar emprego e andar a trabalhar como empregada doméstica entretanto.

5. Mostra-se aceitável como complemento aos 250 Euros que a Apelante aufere como empregada doméstica, lhe seja pago pelo A. o valor de 250 Euros a título de alimentos a ex-cônjuge, enquanto a mesma deles careça e o Apelado mantiver o seu nível de rendimentos.

Finaliza, pugnando a alteração da decisão sobre a matéria de facto nos moldes alegados e, em qualquer caso, pela procedência do pedido de alimentos formulado, fixando-se em € 250,00 mensais o valor a pagar, enquanto se mantiverem as situações económicas e as necessidades das partes.
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O autor não apresentou contra-alegações.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pela ré recorrente;
- Na sequência, saber se deverá ser realizada outra nova interpretação e aplicação do Direito à nova factualidade apurada, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1) Autor e ré celebraram entre si casamento civil no dia 08 de setembro de 2007, com precedência de convenção antenupcial em que foi estabelecido o regime de separação de bens.
2) Em 17.05.2008 nasceu V. C. que tem a paternidade registada no aqui autor e a maternidade na aqui ré.
3) Em 11.05.2012 nasceu D. C. que tem a paternidade registada no aqui autor e a maternidade na aqui ré.
4) Em 29 de julho de 2015, autor e ré desentenderam-se, deixando de partilhar a mesma cama.
5) O autor não pretende manter a relação conjugal com a ré.
6) A ré não pretende manter a relação conjugal com o autor.
7) A ré apresenta registo de remunerações na Segurança Social entre 01/2003 e 09/2004, 11/2004 e 05/2006, em 12/2008, 12/2009, 02/2011, 03/2011 e 05/2011, entre 03/2014 e 06/2014.
8) Em 18.05.2016, a ré celebrou com o IEFP contrato de formação, com início em 18.05.2016 e termo em 17.10.2016, no âmbito do qual recebia uma bolsa de formação de montante médio de € 250,00 mensais.
9) Por despacho de 04.02.2016, proferido no processo n.º 407/15.9GCBRG da Instância Central de Braga, o autor foi além do mais pronunciado pela prática de um crime de violência doméstica na pessoa da ré.
10) Por sentença de 22.09.2016, o autor foi absolvido do crime de violência doméstica, aludido em 9.
11) O autor identificou-se como engenheiro eletrotécnico.
12) A ré faz trabalhos de limpeza pelos quais aufere cerca de € 250,00 mensais.
13) À data da celebração do casamento, o autor tinha 47 anos de idade e a ré 28 anos de idade.
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FACTOS NÃO PROVADOS

A. Que a ré se recuse a aceitar a convivência do autor com os seus filhos de um anterior casamento, opondo-se à convivência entre os filhos do casal e os dois meios-irmãos.
B. Que a ré recuse prosseguir qualquer projeto ou atividade profissional.
C. Que a ré tenha deixado caducar a sua inscrição no Centro de Emprego a fim de não ser chamada para qualquer oferta de emprego.
D. Que, em julho de 2015, a ré tenha forçado o autor a abandonar o quarto do casal.
E. Que, após o casamento, o autor ficasse desagradado sempre que a ré arranjava trabalho.
F. Que sempre tenha sido a ré quem assegurou, sem qualquer ajuda, a limpeza e o cuidado da ampla moradia familiar onde habitam e do respetivo jardim.
G. Que o autor sempre tenha procurado controlar a vida da ré.
H. Que o autor desaprovasse os contactos da ré com a sua família e com os membros da sua própria família, nomeadamente os filhos do autor.
I. Que o autor retirasse à ré os cartões de débito que esta detinha, deixando-a sem dinheiro.
J. Que o autor escondesse as chaves do carro e do portão da garagem da casa para a que a ré se mantivesse em casa.
K. Que o autor tenha dirigido à ré as palavras “sua puta, vaca, não sabes nada; eu é que sei”.
L. Que o autor por diversas vezes tenha desferido murros e estalos na ré e lhe tenha puxado o cabelo.
M. Que o autor tenha agarrado a ré pelo pescoço numa noite do mês de julho de 2014 em que esta tenha recusado relações sexuais com aquele.
N. Que, nessa noite, o autor tenha tido relações de cópula completa com a ré, sem o consentimento desta.
O. Que na noite de 29.07.2015 o autor tenha tentado manter relações sexuais com a ré, contra a vontade desta.
P. Que a ré não se encontre atualmente empregada.
Q. Que a ré não tenha qualquer fonte de rendimento.
R. Que o autor preste trabalho para a Telecomunicações.
S. Que o autor aufira cerca de € 2.200,00 de remuneração mensal.
T. Que o autor receba rendas por duas frações de que é proprietário, no valor mensal de € 680,00.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A primeira questão que importa dirimir, atento às conclusões de recurso apresentadas pela recorrente, refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.

Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação. (1)

Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ (…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso).

Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto.
Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida).
Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Assim, como salienta Abrantes Geraldes (2), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”. (3)

Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior.

Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos. (4)

Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir.

No caso em apreço, a recorrente cumpriu, no essencial, os apontados requisitos formais.

Identificou os pontos de facto que pretende ver alterados, tomou posição clara sobre a alteração pretendida sobre os mesmos pontos de facto, identificando ainda as razões de natureza processual, bem como a prova documental e os depoimentos/declarações das partes que, no seu entendimento, alicerçam a pretendida alteração da decisão da matéria de facto.

Por conseguinte, a recorrente pretende a alteração da factualidade dada como não provada, defendendo que, in casu, os factos constantes nas alíneas Q, R, S e T dos factos não provados, deverão ser considerados como provados.

Neste circunspecto, alega a ré recorrente que tal factualidade alegada pela ré na sua contestação/reconvenção não foi impugnada pelo autor reconvindo, está comprovada a fls. 101 do apenso A; e ainda pelo que decorre do depoimento de parte da ré apelante, cujo depoimento em nada foi considerado não merecedor de total credibilidade e ainda pelos factos notórios e públicos de que é extremamente difícil conseguir emprego com as habilitações, experiência e a idade da apelante e pela total ausência de prova em sentido contrário.

De acordo com o disposto no art. 607º, n.º 5 do C. P. Civil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” de forma consentânea com o disposto no C. Civil, designadamente de acordo com o estatuído no art. 389º (para a prova pericial); art. 391º (para a prova por inspeção); e art. 396º (para a prova testemunhal).

Contudo, “a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º, n.º 5, 2ª parte, do C. P. Civil).

Mais se lê, no art. 662º, n.º 1, do C. P. Civil, que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto – que a ela conduza – constitui um dever do tribunal de recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já resultaria do disposto no art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, do C. P. Civil).

Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material, onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspetos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.

Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; mesmo até, se for o caso, de forma oficiosa. Será, nomeadamente, a situação em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico – com força probatória plena – cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371º, n.º 1e 376º, n.º 1, do C. Civil), ou quando exista acordo das partes (art. 574º, n.º 2, do C. P. Civil), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358º do C. Civil, e arts. 567º, n.º 1, do C. P. Civil), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351º e 393º, ambos do C. Civil).

Ao fazê-lo, o tribunal de recurso tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).

Resulta do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 574º, do C. P. Civil, que, ao “contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”; considerando-se “admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou só puderem ser provados por documento escrito.

Mais se lê no art. 587º, n.º 1 do C. P. Civil, que “a falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574º.

Logo, a regra é a que a não impugnação especificada de um facto no articulado seguinte àquele em que foi alegado, ou até início da audiência prévia ou da audiência de julgamento (art. 3º, n.º 4, do C. P. Civil), resulta em ter-se o dito facto por assente.

Esta cominação “é consequência da inobservância dum ónus intimamente ligado ao princípio dispositivo, no seu aspeto de adução do material de facto a utilizar na decisão do litígio”, considerando ser este “o incentivo mais poderoso para (as partes) coadjuvarem a descoberta da verdade sobre a matéria de facto, não porque possam dispor a bel-talante do material fáctico do processo, mas de acordo com a noção de auto-responsabilidade inerente ao seu poder de iniciativa”. (5)

Resulta ainda do disposto no art. 352º do C. Civil, que confissãoé o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a pate contrária”.

Sendo realizada de forma espontânea em articulado, segundo as prescrições da lei processual, “tem força probatória plena contra o confitente” (arts. 356º, n.º 1 e 358º, n.º 1, do C. Civil).

Procurando distinguir o comportamento omissivo da parte, quando não impugna os factos alegados pela parte contrária, da verdadeira confissão, há quem apelide aquele primeiro de “admissão”, assim as distinguindo, de acordo com o puro dualismo declaração expressa/silêncio: confissão será uma declaração representativa (sobre a realidade dum facto) e admissão será a omissão duma declaração desse tipo. (6)

Contudo, precisa-se que “a declaração de que se quer conceder ou de que não se quer impugnar um facto, tal como a de que não se impugna um facto, sendo neutra do ponto de vista da realidade, não tem qualquer valor autónomo ou sequer relevância no nosso sistema jurídico, pelo que, se for acompanhada da declaração de que o facto é verdadeiro, equivale a uma confissão e, se não for acompanhada de qualquer outra declaração, resulta numa admissão (por omissão); e, perante o critério de distinção adoptado, a declaração de que se concede certo facto que, porém, se afirma não ser verdadeiro não constitui uma admissão, ainda que ineficaz, uma vez que não estamos perante a omissão duma declaração sobre a realidade(7).

Por fim, dir-se-á que, “fazendo tábua rasa dos motivos que possam ter levado à omissão da parte, a lei retira da preclusão do ónus de contestar ou impugnar, não exercido em condições de auto-responsabilidade do omitente, a consequência de ter por verdadeira a afirmação feita pela contraparte; e fá-lo com base numa regra – a de que, na generalidade dos casos, à manifestação de desinteresse em impugnar uma afirmação corresponde a verdade.

Encontramo-nos assim perante uma presunção inilidível (…) que é extraída da conjugação entre uma afirmação e a falta duma afirmação contrária, constituindo a primeira o núcleo fatispécie probatória e surgindo o comportamento omissivo como condicio juris da sua eficácia.(8) (sublinhámos).

Aqui chegados, cumpre salientar que a ré, uma vez regularmente citada, apresentou contestação/reconvenção, nela pugnando, designadamente, pela condenação do autor/reconvindo a pagar à ré/reconvinte o montante mensal de € 500,00, a título prestação de alimentos, a ser atualizada anualmente de acordo com a taxa de inflação (cfr. fls. 34 a 42).

No âmbito do mesmo articulado, e no que agora nos interessa, a ré/reconvinte alegou que: “O Autor é engenheiro, prestando trabalho para a Telecomunicações, auferindo uma renumeração mensal de cerca de € 2200,00” (art. 41º).

Mais alegou que: “A que acresce o valor de € 680, correspondente às rendas que recebe pelo arrendamento de duas frações, sitas na Rua … e na Rua …, em Braga, de que é proprietário.” (art. 42º).

Regularmente notificado da contestação/reconvenção, o autor não apresentou qualquer réplica, nem impugnou esta factualidade alegada pela ré.

Não obstante estarmos perante uma ação de divórcio, esta concreta factualidade alegada pela ré é do conhecimento pessoal do autor e não versa sobre qualquer direito ou relação jurídica indisponível. (9)

Não cai, assim, na previsão da al. c) do art. 568º, do C. P. Civil, que constitui uma exceção ao efeito da revelia operante prevista no art. 567º, n.º 1, do C. P. Civil, mais concretamente: “quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter.

Com efeito, segundo Rodrigues Bastos, (10)o pensamento da lei é o de evitar que se consiga indirectamente um efeito que as partes não poderiam obter por via do negócio jurídico”, o que claramente não é o caso.

No caso em apreço, é manifesto que se encontra na disponibilidade do autor aceitar a factualidade alegada pela ré reconvinte no que se refere à sua atividade profissional e rendimentos que aufere.

Deste modo, o autor não estava dispensado de impugnar a factualidade alegada pela ré nos arts. 41º e 42º da contestação/reconvenção, pelo que, não o tendo feito, ter-se-á de dar como assente, por acordo, tal factualidade (art. 574º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 587º, n.º 1, ambos do C. P. Civil.

De igual modo, resulta do teor do relatório social elaborado a 19.08.2016, no âmbito do apenso A (cfr. ref.ª citius 4276095 deste apenso A), que o autor trabalha como Engenheiro na empresa Telecomunicações X, auferindo um salário mensal ilíquido de € 3.320,37, sendo certo que a este salário é descontado mensalmente, pela própria entidade empregadora, o valor de € 794,75, a título de pensão de alimentos paga ao seu filho G. A..

Assiste, pois, razão à ré recorrente em ver retirados dos factos não provados as als. R, S e T, passando os mesmos a constar dos factos provados, corrigindo-se, concomitantemente, a redação dada ao ponto 11) dos factos provados.
No que se refere à al. Q dos factos não provados pretende igualmente a recorrente que a factualidade inserta na mesma “Que a ré não tenha qualquer fonte de rendimento” passe a constar dos factos provados.
Como é bom de ver o ónus de prova de tal factualidade cabe à recorrente (arts. 342º, n.º 1 e 2004º, do C. Civil).
O autor, em declarações de parte, afirmou que a ré atualmente “faz trabalho temporário, penso que em limpezas, mas ela tem muitas condições para trabalhar, porque ela é licenciada em educação de infância …

Por outro lado, a própria ré também declarou que: “Trabalho como doméstica em casa de algumas patroas …”, possuindo rendimentos médios mensais de € 250,00: “€ 250,00 por mês, sim, porque não tenho todas as tardes ocupadas.

Como assim, a própria ré admite que possui atualmente rendimentos provenientes da sua atividade de empregada doméstica ou de limpezas, a tempo parcial, tal como aliás já resulta do ponto 12 dos factos provados, sendo certo que tal factualidade não foi impugnada pela ré.
Concluímos assim que é de manter nos factos não provados a factualidade inserta na al. Q.

Termos em que, se julga parcialmente procedente, neste segmento, a pretensão recursiva da ré apelante e, em consequência, fazendo uso do disposto no art. 662º, n.º 1, do C. P. Civil, decide-se alterar a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, nos termos sobreditos, passando os factos provados e não provados a serem os seguintes:

FACTOS PROVADOS

1) Autor e ré celebraram entre si casamento civil no dia 08 de setembro de 2007, com precedência de convenção antenupcial em que foi estabelecido o regime de separação de bens.
2) Em 17.05.2008 nasceu V. C. que tem a paternidade registada no aqui autor e a maternidade na aqui ré.
3) Em 11.05.2012 nasceu D. C. que tem a paternidade registada no aqui autor e a maternidade na aqui ré.
4) Em 29 de julho de 2015, autor e ré desentenderam-se, deixando de partilhar a mesma cama.
5) O autor não pretende manter a relação conjugal com a ré.
6) A ré não pretende manter a relação conjugal com o autor.
7) A ré apresenta registo de remunerações na Segurança Social entre 01/2003 e 09/2004, 11/2004 e 05/2006, em 12/2008, 12/2009, 02/2011, 03/2011 e 05/2011, entre 03/2014 e 06/2014.
8) Em 18.05.2016, a ré celebrou com o IEFP contrato de formação, com início em 18.05.2016 e termo em 17.10.2016, no âmbito do qual recebia uma bolsa de formação de montante médio de € 250,00 mensais.
9) Por despacho de 04.02.2016, proferido no processo n.º 407/15.9GCBRG da Instância Central de Braga, o autor foi além do mais pronunciado pela prática de um crime de violência doméstica na pessoa da ré.
10) Por sentença de 22.09.2016, o autor foi absolvido do crime de violência doméstica, aludido em 9.
11) O autor trabalha como engenheiro na Telecomunicações (atualmente Telecomunicações X), auferindo cerca de € 2.200,00 de remuneração mensal.
11.1) O autor recebe de rendas por duas frações de que é proprietário, o valor mensal de € 680,00.
12) A ré faz trabalhos de limpeza pelos quais aufere cerca de € 250,00 mensais.
13) À data da celebração do casamento, o autor tinha 47 anos de idade e a ré 28 anos de idade.
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FACTOS NÃO PROVADOS

A. Que a ré se recuse a aceitar a convivência do autor com os seus filhos de um anterior casamento, opondo-se à convivência entre os filhos do casal e os dois meios-irmãos.
B. Que a ré recuse prosseguir qualquer projeto ou atividade profissional.
C. Que a ré tenha deixado caducar a sua inscrição no Centro de Emprego a fim de não ser chamada para qualquer oferta de emprego.
D. Que, em julho de 2015, a ré tenha forçado o autor a abandonar o quarto do casal.
E. Que, após o casamento, o autor ficasse desagradado sempre que a ré arranjava trabalho.
F. Que sempre tenha sido a ré quem assegurou, sem qualquer ajuda, a limpeza e o cuidado da ampla moradia familiar onde habitam e do respetivo jardim.
G. Que o autor sempre tenha procurado controlar a vida da ré.
H. Que o autor desaprovasse os contactos da ré com a sua família e com os membros da sua própria família, nomeadamente os filhos do autor.
I. Que o autor retirasse à ré os cartões de débito que esta detinha, deixando-a sem dinheiro.
J. Que o autor escondesse as chaves do carro e do portão da garagem da casa para a que a ré se mantivesse em casa.
K. Que o autor tenha dirigido à ré as palavras “sua puta, vaca, não sabes nada; eu é que sei”.
L. Que o autor por diversas vezes tenha desferido murros e estalos na ré e lhe tenha puxado o cabelo.
M. Que o autor tenha agarrado a ré pelo pescoço numa noite do mês de julho de 2014 em que esta tenha recusado relações sexuais com aquele.
N. Que, nessa noite, o autor tenha tido relações de cópula completa com a ré, sem o consentimento desta.
O. Que na noite de 29.07.2015 o autor tenha tentado manter relações sexuais com a ré, contra a vontade desta.
P. Que a ré não se encontre atualmente empregada.
Q. Que a ré não tenha qualquer fonte de rendimento.

B) Da subsunção jurídica em face da nova factualidade apurada

Nos termos do disposto no art. 2009º, n.º 1, al. a), do C. Civil, estão vinculados à prestação de alimentos, que compreende tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário (art. 2003º, n.º 1, do C. Civil), entre outros, o cônjuge ou o ex-cônjuge.

O direito a alimentos pode ser pedido a qualquer momento, desde que se verifiquem os requisitos de que depende a sua fixação, isto é: a) a necessidade de alimentos do alimentando; e b) a possibilidade do obrigado a alimentos em prestar alimentos.

A medida dos alimentos é estabelecida, conforme dispõe o art. 2004º, do C. Civil, em função dos meios daquele que houver de prestá-los e da necessidade daquele que houver de recebê-los e atender-se-á à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.

No que se refere a alimentos entre cônjuges ou ex-cônjuges explicita o atual art. 2016º-A, n.º 1, do C. Civil (emergente do art. 2º da Lei n.º 61/2008, de 31.10), que: “Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.”

Porém, de acordo com o disposto no art. 2016º, n.º 1, do C. Civil, (na redação introduzida pela citada Lei n.º 61/2008, de 31.10) “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.”; sendo certo que, “por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado” (art. 2016º, n.º 3, do C. Civil).

De igual modo, resulta expresso do n.º 3 do mesmo art. 2016º-A, do C. Civil, que: “O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (sublinhámos).

Daqui resulta que, mesmo não conseguindo manter o padrão de vida que possuía em sede de comunhão conjugal, basta que o ex-cônjuge tenha possibilidade ou capacidade para adquirir meios de subsistência, para que não haja lugar à fixação de alimentos a seu favor, por falta de verificação do requisito de “necessidade” de alimentos do alimentando.

Diogo Leite de Campos (11), criticando alguma jurisprudência de então, já defendia, neste particular, que “o dever de alimentos não significa que um dos cônjuges se vá transformar vitaliciamente em pensionista do outro.
(…) O dever de alimentos deve durar só durante um curto período transitório. Durante o período necessário para a adaptação do ex-cônjuge mais necessitado, a uma vida economicamente independente, em que é da sua responsabilidade a angariação dos meios necessários à sua subsistência.

Nesta medida, na sequência das alterações introduzidas pela citada Lei n.º 61/2008, de 31.10, a maioria da nossa jurisprudência vem sufragando o entendimento de que, com a atual redação dos nºs 1 a 3 do art. 2016º e 2016º-A, do C. Civil, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da sequência dispositiva do art. 2016º, do C. Civil, é o do seu carácter excecional, temporário e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”.

Neste particular, salienta-se o Ac. STJ de 27.04.2017 (12) cujo sumário consta, designadamente, que:

I- A Lei n.º 61/2008, de 31-10 – inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004 – veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, tendo esse direito passado a ter cariz excepcional.
II- Ao ter optado, claramente, por aderir ao princípio da auto-suficiência, o legislador passou a conferir ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária, características estas que estão bem evidenciadas no art. 2016.º do CC.
III- Neste novo modelo – associado, em grande medida, ao divórcio desligado do conceito de culpa – o referido direito depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004.º do CC (sendo que o primeiro, como decorre expressamente do texto do n.º 3 do art. 2016.º-A do CC, já não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial) e deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (art. 2003.º, n.º 1, do CC), não se verificando, contudo, se “razões manifestas de equidade” levarem a negá-lo.(13)

Sendo assim, a principal questão em presença é a de saber se a ré recorrente está impossibilitada ou tem grave dificuldade, total ou parcial, de prover à sua subsistência, seja com os seus bens pessoais seja com o seu trabalho; situação a aferir pelo rendimento produzido pelo património, pelo rendimento de capital e pela sua capacidade de trabalho.

Só assim lhe assiste o direito a alimentos a suportar pelo seu ex-cônjuge, sendo certo que os necessários pressupostos legais terão que ser provados pela ré, por querer beneficiar do mesmo direito (arts. 342º, n.º 1 e 2004º, do C. Civil.
Ora, in casu, não resulta provado que a ré se encontre impossibilitada de trabalhar e/ou de prover à sua própria subsistência.

Antes ficou demonstrado que a ré chegou a trabalhar em anos anteriores (entre 2003 a 2006, em 2009, e parcialmente em 2011 e 2014), frequentou ação de formação profissional e desenvolve atualmente trabalhos de limpeza, auferindo cerca de € 250,00 mensais; donde se conclui que tem todas as condições para obter rendimentos do seu trabalho (auferindo consequentemente valor não inferior ao salário mínimo nacional), sendo certo que tem 38 anos de idade, encontrando-se, portanto, em idade ativa.
Não assume, pois, qualquer relevância, o argumento utilizado pela recorrente que “não está obrigada a mais do que aquilo que faz”.

Por conseguinte, não tendo a ré logrado fazer prova da sua impossibilidade de trabalhar e de prover à sua subsistência, não resulta provado o pressuposto da “necessidade” de alimentos por parte da ré, o que torna irrelevante e inútil a verificação do pressuposto da “possibilidade” do autor, ex-cônjuge, em prestar tais alimentos.

Outrossim, sempre se dirá que, possuindo, em regra, a prestação dos alimentos a ex-cônjuges um caráter temporário ou transitório, ou seja a vigorar, mesmo se mostrarem reunidos todos os pressupostos legais, apenas durante o período necessário para a adaptação do ex-cônjuge mais necessitado a uma vida economicamente independente, pois que é da sua responsabilidade a angariação dos meios necessários à sua subsistência (art. 2016º, n.º 1, do C. Civil), verifica-se que a ré recorrente já beneficia de alimentos (provisórios) do autor, no montante mensal de € 250,00, desde Junho de 2016, ou seja há praticamente dois anos, sendo este período de tempo mais que suficiente para a mesma reorganizar a sua vida, pessoal e profissional, após a dissolução conjugal ocorrida entre as partes.
Nesta medida, sempre cumpriria declarar cessado, mesmo em sede de decisão da 1ª instância, o direito a alimentos (provisórios) vigente, por haver decorrido prazo mais que suficiente para a recorrente reorganizar a sua vida e procurar meios próprios de subsistência.

Não assiste, pois, qualquer direito à ré recorrente em obter alimentos definitivos do autor, assim soçobrando a apelação em presença, mantendo-se a decisão recorrida, com exceção da alteração factual acima elencada, sem qualquer relevo, porém, para a decisão do mérito da causa.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação apresentada pela ré, mantendo-se, com exceção da alteração factual supra, a decisão recorrida.

Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido
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Guimarães, 30.05.2018

António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Alves Flores



1. Por todos, neste sentido, vide Ac. STJ de 01.10.2015, proc. n.º 6626/09.0TVLSB.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt.
2. In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição, 2017, pág. 164.
3. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165.
4. Abrantes Geraldes, ob. citada, págs. 165-166.
5. Cfr. José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, págs. 468 e 469.
6. Cfr. José Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 472.
7. Cfr. José Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 473-474.
8. Cfr. José Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 482-483.
9. Cfr., neste particular, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Editora, 2ª edição, págs. 350-351.
10. In Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, Lisboa, 3ª edição, pág. 33.
11. Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2ª edição, 2001, págs. 310-312.
12. Proc. n.º 1412/14.8T8VNG.P1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt.
13. No mesmo sentido, cfr., por todos, Ac. STJ de 23.10.2012, proc. n.º 320/10.6TBTMR.C1.S1, relator Hélder Roque; Ac. STJ de 20.02.2014, proc. n.º 141/10.6TMSTB.E1.S1, relator Granja da Fonseca; Ac. STJ de 03.03.2016, proc. n.º 2836/13.3TBCSC.L1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira; Ac. RG de 12.09.2013, proc. n.º 228/11.8TMBRG.G1, relator José Estelita de Mendonça; Ac. RP de 15.09.2011, proc. n.º 11425/08.3TBVNG.P1, relator Filipe Caroço; Ac. RC de 17.04.2012, proc. n.º 320/10.6TBTMR.C1, relatora Sílvia Pires; e Ac. RL de 17.09.2013, proc. n.º 13588/13.7T28NT-1, relator Afonso Henrique, todos acessíveis em www.dgsi.pt.