Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
880/15.5T8GMR-A.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÕES
NEXO CAUSAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário ( da relatora )

I. Nas situações previstas no nº2 do artº 186º do CIRE, em que a lei estabelece presunções inilidíveis, ou presunções absolutas ou jure et de jure, que não admitem qualquer prova em contrário, conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos dos administradores aí referidos à qualificação da insolvência como culposa, não se exige o estabelecimento do nexo de causalidade adequada entre o comportamento do devedor e/ ou dos seus administradores previsto em tal normativo legal e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência.

II. Apenas nas situações previstas no nº3 do artigo 186º do CIRE, estabelecendo este normativo pre-sunções ilidíveis, relativas ou juris tantum, que podem ser ilididas por prova em contrário, se exige a demonstração do indicado nexo causal.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Manuel, requerido nos autos de Processo Especial de Incidente de Qualificação da Insolvência, n.º 880/15.5T8GMR-A, de Guimarães- Instância Central- 1ª Secção Comércio-J2, em que é insolvente “X – Industrias Quimicas, Lda.”, veio interpor recurso de apelação da sentença proferida nos autos, com o seguinte teor:

“Pelo exposto, nos termos do disposto nos arts. 189º nºs 1 e 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o tribunal qualifica como culposa a insolvência da sociedade “X – Indústrias Químicas, Lda.” e em consequência:

a) Declara afectado pela qualificação o gerente Manuel.
b) Declara-o inibido, pelo período de 2 anos e 6 meses para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
c) Determina-se a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo referido Manuel.
D) Condena-se as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.

A Srª administradora da insolvência apresentou o parecer a que alude o disposto no art.º 188.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), propondo a qualificação da insolvência como fortuita.

O credor Transportes F., SA, juntou alegações no sentido de a presente insolvência ser qualificada como culposa (cfr. fls. 3 e ss.).

Foi aberta vista ao Digno Magistrado do MP nos termos do nº4 do artº 188º do CIRE tendo emitido parecer no sentido de que a presente insolvência deveria ser qualificada como culposa na pessoa de Manuel, nos termos dos artº 18º-nº1, 185º, 186º-nº1 e 2 –als. a), d), h) e nº 3 do CIRE.

Ordenado o cumprimento do disposto no nº6 do artº 188º do CIRE o requerido foi citado editalmente, tendo-lhe sido nomeado patrono, e, devidamente notificado nos termos do indicado preceito legal, não ofereceu oposição.

Foi proferido despacho saneador e fixado o objecto de litigio e temas de prova.

Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença nos termos acima indicados, tendo o requerido inconformado interposto recurso de apelação.

O recurso foi admitido como recurso de apelação, com subida imediata, e nos próprios autos do incidente e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso de apelação o apelante apresenta as seguintes Conclusões:

1. A Douta Sentença recorrida inibir o recorrente pelo período de dois anos e seis meses para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial, ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, acrescida da perda de quaisquer créditos sobre a massa insolvente,
2. Tal Decisão não tem suporte na prova produzida em sede de audiência de julgamento, nem na prova documental carreada para o processo.
3. Quanto à alteração da matéria de facto dada como provada, é entendimento do recorrente que esse Venerando Tribunal deverá, após cotejar todo o acervo documental existente nos autos e todos os depoimentos prestados, reapreciar e alterar a matéria de fato provada.
4. O Tribunal “a quo”, não valorou devidamente o teor do depoimento de Anabela (22/09/2016 – 14:05:32 a 14:17:20), Administradora de Insolvência que, com excepção da questão do dever meramente declarativo, que sobre a insolvente impendia da apresentação anual das declarações (IES/DA), após o ano de 2012, nada pode apontar à organização contabilística e tributária da insolvente.
5. Sem olvidar que tais declarações foram entregues conforme se pode alcançar das IES juntas, ao incidente, pela Autoridade Tributária.
6. Não foi, também, extraído do relatório daquela Administradora de Insolvência, das suas declarações ou das declarações do recorrente, suporte para a Sentença, aqui em crise, pelo que deve proceder á reapreciação total da prova.
7. Ao invés do recorrente a quem o Tribunal “a quo” entendeu tomar declarações somente no final da audiência, e sem que o mesmo pudesse assistir à demais produção de prova, e sem que a este lhe fosse dada ao longo do processo a oportunidade de se pronunciar nos termos legais – requisitos do art. 188º do CIRE.
8. Em suma, e quanto à matéria de facto, por tudo quanto se alegou, deverá esse Venerando Tribunal proceder à reapreciação da totalidade da prova produzida, (testemunhal e documental, com especial relevo para o depoimento da Administradora de Insolvência, promovendo as oportunas alterações à matéria de facto dada como provada, pois
9. Inexiste prova nos autos, quer de natureza documental, quer testemunhal, para se darem como provados os factos constantes nas alíneas a), b), c),d) e), f), g), h) e i) dos factos provados, impondo-se, para verificação desta inexistência, a reapreciação de toda a prova documental e, também, da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
10. Quanto ao Direito, as presunções constantes do artigo 186.º, n.º 2, do CIRE são de “culpa grave” e não de “insolvência culposa”, impondo-se, quanto a cada uma das circunstâncias ali positivadas o nexo de causalidade entre elas e a situação de insolvência.
11. Em suma, e quanto às situações supra elencadas, como fundamento para a qualificação da insolvência como culposa, deverão ser as mesmas alteradas no que tange à afectação do ora recorrente na decisão posta em crise, qualificando-se a insolvência como fortuita.
12. Não se verifica, por isso, fundamento para se dar como provado as invocadas alíneas a), h) e i) do artigo 186.º n.º 2, do CIRE.
13. Desde lodo, o Meritíssimo Juiz «a quo» desconsidera, a este propósito, a documentação (IES) junta pela Autoridade Tributária.
14. Que comprova que a contabilidade da sociedade insolvente encontrava-se organizada.
15. Não resultam, também, provados factos que permitam provar que o ora recorrente destruiu, danificou, inutilizou, ocultou ou fez desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património da insolvente – alínea a) do artigo 186. do CIRE.
16. Não resultam, mesmo modo, provados factos que permitam concluir que incumpriu, em termos substanciais, a obrigação de manter contabilidade organizada, nem mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou ainda praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor – alínea h) do artigo 186.º do CIRE.
17. Nem, a final, provados factos dos quais resultem que o recorrente incumpriu, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração, até à data da elaboração do parecer referido n.º 2 do artigo 188º – alínea i) do artigo 186.º do CIRE.
18. Ou seja, e no entender do ora recorrente, os factos dados como provados não permitem fundamentar a decisão proferido, exigindo uma reapreciação da prova.
19. Ao decidir como decidiu o Tribunal “a quo” fez uma errada apreciação da prova e consequentemente, errada interpretação, entre outras, das disposições contidas nos artigos 186.º do CIRE e 452.º e segs. do CPC.

Foram oferecidas contra-alegações pelo Digno Magistrado do MP, tendo concluído pela improcedência da apelação.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “ ( artº 635º-nº3 e 608º-nº2 do Código de Processo Civil ) - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 21/10/93, CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, tomo 3, pg.84, e, de 12/1/95, in CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, tomo I, pg. 19.

E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o Tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos ter-mos do artº 5º do Código de Processo Civil, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.

Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar e que o recorrente invoca:

– alegada violação do contraditório e irregularidade processual na audição do requerido em Audiência de Julgamento

- reapreciação da matéria de facto
- do mérito da causa:
- da verificação da previsibilidade do nº2 do artº 186º do CIRE
- nexo causalidade

FUNDAMENTAÇÃO

I) OS FACTOS ( factos declarados provados na decisão):

a) As contas da insolvente foram apenas prestadas até ao ano 2012;
b) Em data que se desconhece a insolvente cessou a atividade;
c) O administrador da insolvente encerrou as respetivas instalações;
d) Não foram aprendidos quaisquer bens pertencentes à insolvente, desconhecendo-se o destino que lhes foi dado;
e) Não consta dos autos que o administrador da insolvente tenha colaborado com a AI, designadamente quanto à localização dos bens pertencentes à insolvente;
f) A insolvente tem dívidas ao Estado referentes a IUC, IESA constituídas em 2009, 2010 e 2011, de Coimas e Custas, no valor global de € 220,05;
g) A insolvente tem também dividas à Segurança Social no valor de € 10 641, 20.
h) Atendendo a que a X – Industrias Químicas, Ldª não requereu atempadamente a sua insolvência, de acordo com o disposto no artigo 97º., nº 1 do CIRE quer as dívidas do Estado, quer a da Segurança Social não gozam de privilégio.
i) Não foi apreendida a contabilidade da insolvente.

I) O DIREITO APLICÁVEL

1- alegada violação do contraditório e irregularidade processual na audição do requerido em Audiência de Julgamento

Alegando o apelante que lhe foi vedada a oportunidade de exercer o contraditório nos autos “não lhe tendo sido dada ao longo do processo a oportunidade de se pronunciar nos termos legais – requisitos do art. 188º do CIRE”, falece tal afirmação face aos elementos dos autos uma vez que se demonstra do processado a fls.27 a 62 que, ordenado o cumprimento do disposto no nº6 do artº 188º do CIRE pelo Mº Juiz “ a quo”, veio o requerido a ser citado editalmente, e, tendo-lhe sido nomeado patrono ( fls. 60 ), devidamente notificado o requerido na pessoa de seu defensor nos termos e para os efeitos do indicado preceito legal - no nº6 do artº 188º do CIRE ( fls.61, 62 ), não ofereceu oposição.

E, mais alegando o requerido que o Tribunal “a quo” entendeu tomar declarações somente no final da audiência, e sem que o mesmo pudesse assistir à demais produção de prova, tal invocação apenas poderia ser deduzida perante o Tribunal de 1ª instância e no acto em causa nos termos do disposto no artº 199º do CPC, encontrando-se o requerido representado por defensor e consignando-se na sentença recorrida que o requerido na última sessão da audiência de julgamento juntou procuração aos autos, traduzindo-se, assim, tal invocação em sede de recurso em “Questão Nova” legalmente excluída do objecto do recurso, sendo que, como acima se referiu já, não se tratando de matéria do conhecimento oficioso dos Tribunais, o Tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do Código de Processo Civil, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.

Concluindo-se, nos termos expostos, improcederem, nesta parte, os fundamentos da apelação.

2. – Reapreciação da matéria de facto

Nos termos do disposto no artº 662º-nº1 do Código de Processo Civil “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Ainda, nos termos do artº 640º -nº1 do Código de processo Civil “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Impugna o apelante o julgamento da matéria de facto nos termos expostos nas alegações e conclusões do recurso de apelação, designadamente, alegando que inexiste prova nos autos, quer de natureza documental, quer testemunhal, para se darem como provados os factos provados - constantes nas alíneas a), b), c),d) e), f), g), h) e i).

Alega o apelante que “o Tribunal “ a quo” não valorou devidamente o teor do depoimento de Anabela (22/09/2016 – 14:05:32 a 14:17:20), Administradora de Insolvência que, com excepção da questão do dever meramente declarativo, que sobre a insolvente impendia da apresentação anual das declarações (IES/DA), após o ano de 2012, nada pode apontar à organização contabilística e tributária da insolvente; sem olvidar que tais declarações foram entregues conforme se pode alcançar das IES juntas, ao incidente, pela Autoridade Tributária, e, não foi, também, extraído do relatório daquela Administradora de Insolvência, das suas declarações ou das declarações do recorrente, suporte para a Sentença, aqui em crise, pelo que deve proceder á reapreciação total da prova”.

Atentos os fundamentos de impugnação deduzidos e a prova produzida e, particularmente, a concretamente referida na apelação, conclui-se pela improcedência dos fundamentos de impugnação pois que, contrariamente ao que o apelante alude dos Relatórios e informações da Srª Administradora da Insolvência constantes dos autos ( cfr. fls. 21, 69, 189 ), as primeiras dificuldades com os cumprimentos de compromissos da sociedade insolvente remontam ao ano de 2006, altura em que assumiu a gerência Manuel, a empresa está inactiva nos últimos anos, remontando já a 2008 a última entrega financeira para pagamento parcial ao credor requerente da insolvência, e as contas encontram-se prestadas na Conservatória até ao ano de 2012 , emitindo a Srª Administradora parecer no sentido de que a empresa terá deixado de ter actividade entre os anos de 2010 e 2011, acabando por fechar as portas, ficando com dúvidas a meia dúzia de credores, incluindo a segurança social, mais esclarecendo a Srª Administradora da insolvência que tendo a insolvência sido requerida pelo credor em 205 a última prestação de contas da empresa remonta ao ano de 2012, estando o processo de insolvência encerrado por insuficiência de bens, e, assim, igualmente resulta do seu depoimento em Audiência de Julgamento, esclarecendo a Srª Administradora da insolvência que as contas foram prestadas até ao ano de 2011 e não foi apreendida a contabilidade, nem a esta teve acesso, a empresa não cumpriu a obrigação de se apresentar á insolvência e não foram encontrados os bens, ainda, resultando do depoimento de parte do requerido em Audiência a existência de bens, nomeadamente, uma máquina adquirida em regime “ leasing” a qual foi e se encontra para um armazém de outra empresa, empresa esta em que o requerido exerce funções, como o próprio declara, e conforme resulta do depoimento da testemunha Maria que esclarece que a indicada empresa exerce actividade no mesmo ramo, mais esclarecendo a testemunha que era a contabilista da empresa insolvente e também sua sócia, resultando ainda dos depoimentos que mantinham com o requerido relação amorosa, e, mais alegando o apelante que a documentação (IES) junta pela Autoridade Tributária comprova que a contabilidade da sociedade insolvente se encontrava organizada, falece tal argumentação não provando tal circunstância senão o próprio facto de apresentação da IES ( Informação Empresarial Simplificada ) á Autoridade Tributária ( AT ), não se demonstrando o cumprimento da obrigação da empresa de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial, nos termos a que se alude no nº3 do artº 186º CIRE e artº 262º, 262º-A e 263º do Código Comercial, ou a sua isenção,nestes termos resultando provada a factualidade dos pontos de facto das als.a), b), c), d), e, no mais, relativamente aos pontos de facto das als. e), f), g), h), i), resultam da consignação oficiosa pelo Tribunal “ a quo” dos elementos documentais dos próprios autos de insolvência, autos estes instaurados no ano de 2015 ( cfr. certidão de fls.188 ), e, mais resultando dos documentos que constituem lista de créditos do processo insolvência ( v. fls. 189 ) e que demonstram a existência de dívidas da insolvente no valor de € 71.486,51, mais esclarecendo a Srª Administradora na Relação Provisória de Créditos de fls. 188 e sgs. que as dívidas reclamadas do Estado e Segurança Social se encontram já com reversão ao gerente por falta de meios de pagamento da empresa.

Nestes termos, inexistindo erro de julgamento que se evidencie, e não se fundamentando a convicção do julgador em provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de meio de prova vinculada, improcede a impugnação da matéria de facto, sendo os fundamentos inoperantes e insuficientes á alteração pretendida.

Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência da impugnação da matéria de facto.

3. - do mérito da causa:

- da verificação da previsibilidade do nº2 do artº 186º do CIRE
- nexo causalidade

Dispõe o artigo 186º do CIRE, sob a epígrafe “ Insolvência culposa” que a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência ( reportando-se tal data no caso em apreço ao ano de 2015 ).

Nos termos do n.º 2, do citado artigo, considera-se sempre culposa a insolvência do devedor quando os seus administradores de direito ou de facto tenham:

a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no da pessoa com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação.
d) Dispondo de bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros.
e) Exercido a coberto da personalidade da pessoa colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa.
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
g) Prosseguindo, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprindo em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidades, com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprindo de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e colaboração até à data de elaboração do parecer referido no n.º 2 do art.º 188º.

Dispondo, ainda, o nº3 do indicado preceito legal: - Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, tenham incumprido:

a) 0 dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6/10/2011, P.46/07.8TBSVC-O.L1.S1, in www.dgsi.pt:

1. A insolvência culposa implica sempre uma actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, a qual deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra.
2. O nº 2 do art. 186.º do CIRE estabelece, em complemento da noção geral antes fixada no nº 1, presunções inilidíveis que, como tal, não admitem prova em contrário. Conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos aí referidos à qualificação da insolvência como culposa.
3. O nº 3 do mesmo art. 186.º estabelece, por seu turno, presunções ilidíveis, que admitem prova em contrário, dando-se por verificada a culpa grave quando ocorram as situações aí previstas.
4. Não se dispensando neste nº 3 a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência. Sendo, pois, necessário, nessas situações, verificar se os aí descritos comportamentos omissivos criaram ou agravaram a situação de insolvência, pelo que não basta a simples demonstração da sua existência e a consequente presunção de culpa que sobre os administradores recai. Não abrangendo tais presunções ilidíveis a do nexo causal entre tais actuações omissivas e a situação da verificação da insolvência ou do seu agravamento”, mais se esclarecendo em tal aresto: “Definindo, assim, este preceito legal em que consiste a insolvência culposa, começando por fixar, para o efeito, uma noção geral no seu nº 1. Implica sempre, tal insolvência culposa, uma actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, a qual deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra. Deixando, contudo, tal actuação de ser atendida – devendo considerar-se as noções de dolo e de culpa grave, na falta de outro critério específico, nos termos gerais de Direito – para o efeito da qualificação da insolvência em análise, se não tiver ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Estabelecendo, de seguida, em complemento da noção antes fixada, o seu nº 2, presunções inilidíveis, ou seja, presunções absolutas ou jure et de jure, não admitindo prova em contrário (cfr., ainda, art. 350.º, nº 2 do CC). Conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos dos administradores aí referidos – sem prejuízo de se dever atender às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor – à qualificação da insolvência como culposa.

Finalmente, o nº 3 do mesmo preceito legal, estabelecendo, agora, presunções ilidíveis, ou seja, presunções relativas ou juris tantum, que assim podem ser ilididas por prova em contrário, dá por verificada a existência de culpa grave quando ocorram as situações aí previstas. Crendo-se que da diferenciação entre os referidos nºs 2 e 3, resulta que o legislador (cfr. art. 9.º, nº 3 do CC) não quis consagrar, neste último caso, também um complemento da noção de insolvência culposa, tal como é definida no anterior nº 1, não se dispensando a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência. “

Com efeito, como se deduz do preceito legal em referência- artº 186º do CIRE que regulamente a “Insolvência Culposa”, e é cabalmente esclarecido no Ac. STJ citado, apenas nas situações previstas no nº3 do indicado artigo, estabelecendo este presunções ilidíveis, relativas ou juris tantum, que assim podem ser ilididas por prova em contrário, se exige a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência, não abrangendo esta presunção ilidível a do nexo de causalidade entre tais actuações omissivas e a situação da insolvência verificada ou do seu agravamento, e, já não nas situações previstas no nº2 do artº 186º do CIRE, em que a lei estabelece presunções inilidíveis, ou presunções absolutas ou jure et de jure, que não admitem qualquer prova em contrário, conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos dos administradores referidos nas respectivas alíneas à qualificação da insolvência como culposa.

No mesmo sentido v. Luís Alberto Carvalho Fernandes e João Labareda C.I.R.E. Anot., Vol. II, Pags. 14 e 15.” ...as previsões deste número 2, consubstanciam presunções jure et de jure de insolvência culposa, portanto em si mesmas definitivas, por não elidíveis”.

Nestes termos, alegando o recorrente que os factos provados não integram a previsão do nº2 do artº 186º do CIRE, e que, mesmo que integrassem, não bastava a respectiva prova para que se pudesse decretar aquela qualificação, sendo sempre necessária a demonstração do nexo de causalidade adequada entre as condutas que os integram e a criação ou o agravamento da situação de insolvência por parte da devedora, falecem tais fundamentos, desde logo no tocante á exigibilidade do estabelecimento de nexo de causalidade que, no caso sub judice, estando em causa condutas do administrador da insolvente reportadas ao nº 2 do artº 186º do CIRE, não se impõe, contendo-se na presunção absoluta da norma, e, no demais, resultando dos factos provados integrada a previsibilidade do artº 186º-nº2 do CIRE, com referência ás alíneas a), d), h) e i).

E, assim, relativamente à decisão recorrida de qualificação como culposa a insolvência da sociedade “X – Indústrias Químicas, Lda.”, declarando afectado pela qualificação o gerente Manuel, com as legais consequências legais declaradas, reitera-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, e respectivos fundamentos, podendo concluir-se dos factos provados que pela sua descrita conduta o apelante na qualidade de sócio gerente/administrador da insolvente fez desaparecer o património da devedora não tendo sido encontrados quaisquer bens e desviou bens da devedora, nomeadamente uma máquina valiosa, para uma outra empresa com fim idêntico á da insolvente e onde o gerente exerce actividade, e, não tendo desde o ano de 2012 contabilidade organizada ou depositado as contas na C.R.Comercial, e, em nenhum momento se apresentando a prestar informações ou colaboração relativamente ao estado da empresa, e, tendo sido reclamados créditos no montante de € 71.486,51, encontrando-se as dívidas reclamadas do Estado e Segurança Social com reversão ao gerente por falta de meios de pagamento da empresa devedora não demonstrou a insolvente a sua solvência com base na escrituração legal e organizada como lhe competia nos termos do artº 30º-nº4 do CIRE, e, ainda, como supra se referiu já, alegando o apelante que a documentação (IES) junta pela Autoridade Tributária comprova que a contabilidade da sociedade insolvente se encontrava organizada, falece tal argumentação não provando tal circunstância senão o próprio facto de apresentação da IES ( Informação Empresarial Simplificada ) á Autoridade Tributária ( AT ), não se demonstrando o cumprimento a obrigação da empresa de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial, nos termos a que se alude no nº3 do artº 186º CIRE e artº 262º, 262º-A e 263º do Código Comercial, ou a sua isenção, tudo com grave prejuízo da defesa dos legítimos interesses dos credores.

As previsões do art.º 186.º, n.º 2, do CIRE, consubstanciam presunções jure et de jure de insolvência culposa, em si mesmas definitivas, por não elidíveis, fundamento bastante para o preenchimento do conceito de insolvência culposa”.- Ac. TRL de 12/3/2013 – P. nº 1043/11.4TBVFX-A.L1-7.

“Desde que evidenciado qualquer dos factos previstos nas diversas alíneas do número 2 do art.º 186º do C.I.R.E., nem o administrador da insolvência nem o Ministério Público podem deixar de se pronunciar no sentido de qualificar a insolvência como culposa - Ac. TRL 24/6/2012, P.nº 2160/10.3TJLSB-B.L1-2

“Quer se entenda que as várias alíneas do nº 2 deste mesmo artigo constituem presunções legais jure et jure, conducentes à qualificação da insolvência como culposa, ou se considere estarmos perante factos-índice de insolvência culposa, a verdade é que, uma vez demonstrado o facto nelas enunciado, fica, desde logo, estabelecido o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas do n.º 2 e a situação de insolvência ou o seu agravamento”- Ac. TRG de 29/6/2010, P.1965/07.7TBFAF-A.G1, todos os Ac. citados in www.dgsi.pt.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência da apelação.

DECISÂO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 18 de Outubro de 2018

Maria Luísa Ramos
António Júlio da Costa Sobrinho
Jorge Teixeira