Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
567/08.5GCVNF-B.G
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
AUDIÇÃO DO CONDENADO
REVOGAÇÃO
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Os princípios do contraditório e da audição prévia devem ser assegurados na decisão que aprecie os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, de modo a que a mesma não constitua surpresa contra o arguido, a quem assiste o direito de impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração e, designadamente, os argumentos aduzidos no parecer do Mº Pº, bem como requerer a produção de meios de prova, sob pena de se quebrar a reciprocidade dialéctica entre tal Órgão e o condenado e de se postergar as garantias de defesa deste, na dimensão dos aludidos princípios, acolhidos no art. 32º da Constituição e art. 61º, nº 1, b), do CPP.

II - Consequentemente, tem sido entendido que qualquer decisão que diga respeito ao arguido – o que inclui, naturalmente, a da revogação da medida de prestação de trabalho a favor da comunidade, aplicada em substituição da pena de prisão – deve ser precedida da sua audição prévia e a preterição dessa formalidade tem sido enquadrada como nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do CPP, e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal enquanto a decisão que lhe sucedeu não transitar em julgado.

III - Todavia, se, em conformidade com tal interpretação, a citada norma do art. 61º impõe que o arguido seja ouvido pelo tribunal sempre que deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, nem sempre essa audição prévia do condenado se terá de concretizar em auto de declarações, «na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão» (art. 495º, nº 2, do CPP), para se ter por devidamente assegurado o contraditório, tudo dependendo dos particulares contornos de cada caso.

IV - No caso vertente, em que a decisão de revogação da medida de prestação de trabalho a favor da comunidade se estribou em factos ocorridos durante o período do seu cumprimento, sobretudo, na infracção do plano de reinserção social concernente a tal regime [art. 59º, nº 2, al. b) do CP], foi o arguido quem, apesar das diligências efectuadas para tal, inviabilizou a sua localização para comparecer pessoalmente nos termos e para os efeitos do disposto no art. 495º, nº 2 (e 498º nº 3) do CPP, faltando à diligência sem qualquer justificação e tornando impossível a sua audição, por razões a si imputáveis, uma vez que, encontrando-se obrigado a residir em morada certa indicada ao tribunal e aos serviços de reinserção social e também às obrigações decorrentes da prestação do próprio TIR, se ausentou para paradeiro desconhecido (no estrangeiro).

V - Assim, envidados todos os esforços necessários à audição presencial do condenado, o contraditório imposto pelo citado art. 495º, nº2 do CPP, ter-se-á por cumprido com a notificação do seu defensor.

VI - Com a referência a uma actuação grosseira do condenado, os termos do art. 59º, nº 2, do C. Penal – que regula os casos em que o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença – pressupõem que apenas relevam condutas violadoras dos deveres e obrigações merecedoras de grave censura, ou em grau particularmente elevado, em que o comum dos cidadãos não incorre, assumindo-se como indesculpáveis ou intoleráveis, face aos fins que determinaram a aplicação da pena substitutiva, indiciando, por isso, a falência, irremediável, do juízo de prognose inicial que fundamentou a sua aplicação e a anulação infalível da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.

VII - Conhecida a preferência do legislador pelas penas não detentivas e a sua cruzada contra as penas de prisão, sobretudo, as de curta duração, a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade por uma pena de prisão tem de ser perspectivada como uma solução extrema dentro do condicionalismo apertado da citada norma, delimitando-a aos casos em que se imponha a conclusão de que se frustrou o juízo de prognose que havia fundamentado a substituição e a ponderar, ainda e de novo, à luz dos fins das penas, tal como deve suceder com o incumprimento, em geral, de obrigações ou deveres impostos ao condenado como condições da suspensão da execução da pena de prisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

No âmbito do referenciado processo comum colectivo do Juízo Central Criminal de Guimarães, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por decisão proferida em 22/06/2016, foi revogada a medida de prestação de trabalho a favor da comunidade em que o arguido José fora condenado, em substituição da pena de um ano e oito meses de prisão, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1, e 25º, al. a), do D.L. nº 15/93, por sentença transitada em julgado em 13/02/2012. Na sequência de tal revogação, foi determinado o cumprimento pelo arguido da pena principal de um ano e oito meses de prisão descontado o período correspondente a 140 horas de trabalho a favor da comunidade.

Inconformado, o arguido interpôs recurso em que formulou as seguintes conclusões:

«(…) 2- Sucede porém que conforme informação prestada pela DGRSP, o arguido apenas cumpriu 140 horas das 480 horas da pena de trabalho a favor da comunidade aplicada nos presentes autos;
3. Acresce ainda que não foi possível proceder ao interrogatório / audição do condenado por não se ter logrado a notificação pessoal do mesmo e de desconhecer o seu atual paradeiro, apesar das diligências efetuadas pela autoridade policial competente.
4. O ora arguido com o intuito de se desprender de todas estas suas condições anteriores, mudou drasticamente a sua vida, e passou a residir na Suíça, onde permanece até ao momento,
5. O arguido reside legalmente na Suíça, tendo celebrado contrato de trabalho, tendo casado, tendo sido pai de uma menina, bem como, adquiriu casa e carro, fruto do seu trabalho naquele país.
6. Em momento algum a sua conduta, foi uma tentativa de se imiscuir à justiça, mas antes e tão-somente, a forma de enveredar por uma vida de acordo com a justiça. Sendo fácil entender, que face à crise económica que assolou o nosso País a forma mais fácil de conseguir estabilizar-se profissionalmente seria mesmo tentar recomeçar a sua vida noutro País.
7. Contudo, precisamente por ter sido tão drástica a mudança na sua vida, o mesmo por estar tão empenhado na sua nova vida, por lapso seu não informou os autos sua nova morada, quando deveria fazê-lo.
8. O que aqui importa, é tão-somente, o facto de ter havido incumprimento das regras a que estava sujeito, e por ter sido a pena revogada, e consequentemente, ter sido decretado o cumprimento de prisão efectiva. Tal decisão ter sido tomada sem que para tal se procedesse à audição do arguido.
9. Devendo o mesmo ser agora ouvido.
10. Acresce ainda ao exposto, o art.º 498 n.º 3 da C.P.P. determina que “A suspensão provisória, revogação, extinção e substituição é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 495.º”
11. Ora, atento no art. 495º da CPP, alusivo à falta de cumprimento das condenações de suspensão refere o mesmo, no seu nº 2 que, “O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença da técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.”
12. Atento ainda na jurisprudência, proc. nº 83/10.5PAVNO.E1.C1, datado de 9-9- 2015, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, vide ponto 18 do presente recurso
13. Bem como, o proc. nº 464/10.4GBLSA.C1, datado de 19-6-2013, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, vide ponto 19 do presente recurso.
14. E, ainda, o Acórdão da Relação de Guimarães, P. n.º333/10.8LTBR.G1, vide ponto 20 do recurso;
15. Assim, como também, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no Processo nº 20/11.8 PASJM-A.P1, vide ponto 21 do recurso,
16. Da análise integrada da jurisprudência e do preceito legal, ressalta que antes de ser proferido despacho de revogação da pena em que o arguido foi condenado, a lei exige que o contraditório se exerça na sua expressão máxima de audição presencial, frustrada esta, deverá ser assegurado aquele princípio estruturante do direito processual penal sua dimensão mínima, ou seja, através da audição do defensor do condenado.
17. Contudo, deve sempre ser ouvido presencialmente o arguido, para que o contraditório seja exercido.
18. O que não aconteceu, e que facilmente se demonstra através da análise da ata de audição do condenado, datado de 8 de Abril de 2016, tal como se pode comprovar através da análise do documento. 1 que ora se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido.
19. Uma vez que, os arguidos não estiveram presentes, por “não estarem devidamente notificados”, e os seus defensores não poderiam exercer o contraditório por ausência de informação por parte dos arguidos.
20. Assim e neste sentido, atento na disposição legal supra referida: - O tribunal decide por despacho; - Depois de recolhida a prova, -Obtido o parecer do M.P.; - E ouvido o condenado; - Na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.
22. No caso em questão, tal disposição, não foi observada, atento a que, o condenado não foi ouvido bem como, e por tal falta de audição não pode ser recolhida qualquer prova.
23. O que, é gravemente atentatório das garantias te defesa do arguido, que a revogação da pena se possa processar sem que este se pudesse pronunciar nos termos d art. 495º,nº2, do CPP.
24. Pelo que, lhe deve ser concedida a possibilidade de exercício do direito do contraditório e, mais, do direito de audiência pessoal
25. Até porque, um funcionamento automático da revogação automático violaria o princípio da culpa e, numa perspectiva mais ampla, onde ele radica, a própria dignidade da pessoa humana erigida em esteio basilar de todo o sistema jurídico.
26. Bem como, tal situação leva a que o despacho de revogação, incorra na nulidade prevista no art.º119”, c) CPP, onde se pode ler: «Constituem nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: - A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência,’
‘E ainda, há uma inconstitucionalidade, por violação do art. 32º, ns. 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa,

“ Artigo 32.º- (Garantias de processo criminal)

3 -O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa
(…) 4 O processo criminal terá estrutura acusatória, ficando a audiência de julgamento subordinada ao princípio do contraditório,
27. Sento certo que, o exercício do contraditório, é uma exigência constitucionalmente prevista.
28. Conclui-se portanto, no sentido de que se deve declarar nulo o despacho recorrido e determinar que, seja ouvido o condenado e realizadas as diligências que se venham a revelar úteis, e se decida em conformidade, com a prolação de nova decisão sobre a revogação, ou não da suspensão da execução da pena.
29. Tal situação, pode ainda ser analisado de forma comparativa, senão vejamos, de acordo com o art. 125º, nº4, d Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009 de 12 de Outubro, a audição do condenado deve ser presencial.
30. Bem como, tal situação leva a que o despacho de revogação, incorra na nulidade prevista no art. 119º, c) CPP, onde se pode ler:

«Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:

A ausência do arguido ou seu defensor nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
31. E ainda, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no que se refere ao art. 6º da CEDH, que consagra o direito a um processo equitativo, na vertente de se assegurar o direito ao contraditório.
32. Pelo que, conclui-se portanto, no sentido de que se deve ser declarado nulo o despacho recorrido e determinar que, seja ouvido o condenado e realizadas as diligências que se venham a revelar úteis, e se decida em conformidade, com a prolação de nova decisão sobre a revogação da pena em que foi condenado.

Por todo o exposto:

- Violou o despacho de revogação da pena de prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade nos termos do art.º 495º nº2 do CPP;
- Violou ainda, o art.º32º da CRP;
-Incorreu na nulidade prevista no artº119º c) do CPP

Deveriam por todo o exposto, declarar nulo o despacho recorrido e determinar que, seja ouvido o condenado e realizadas as diligências que se venham a revelar úteis, e se decida em conformidade, com a prolação de nova decisão sobre a revogação.».
Termos em que requereu a realização da audiência de julgamento nos termos do art. 411º, nº 5 do CPP e a declaração de nulidade do despacho recorrido, por violação dos arts. 119º, alínea c) e 495º, º 2 do CPP e art. 32º da CRP.

O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pelo indeferimento do recurso, dizendo, em síntese, que não foi violado o disposto no art. 495º, nº2, do CPP, porque foram levadas a cabo todas as diligências com vista à comparência do arguido para a sua audição, que não se realizou por não ter sido possível apurar o seu paradeiro, nem foi violado o princípio do contraditório nem o art. 32º da CRP, na medida em que foram cumpridas todas as garantias de defesa do arguido. Sustentou ainda, que deve considerar-se que o comportamento do arguido foi culposo ao infringir os deveres a que se encontrava vinculado.
Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer secundando aquela resposta.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP, tendo o arguido respondido ao parecer para reafirmar o sustentado no recurso.
Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência, de acordo com o art. 419º, nº 3, al. c) do citado código.
*
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso a questão de saber se a decisão de revogação da medida de trabalho a favor da comunidade pelo cumprimento da pena principal de prisão se encontra ferida de nulidade resultante de falta de audição prévia do condenado e de garantia do exercício do contraditório, devendo ser ouvido o condenado e realizadas as diligências que se venham a revelar úteis para se decidir em conformidade.

Importa apreciar a enunciada questão e decidir para o que são pertinentes os fundamentos fácticos sobre que incidiu a decisão recorrida e o teor desta.

A) Os fundamentos considerados na decisão recorrida:

1) Por Acórdão proferido a fls.13971 e ss. – vol. 49 –, transitado em julgado a 13-02-2012, José foi condenado, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos arts. 21º, nº 1, e 25º, al. a), do D.L. nº 15/93, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, que se substituiu, nos termos do art.º 58º, do CP, por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar de acordo com plano de execução a elaborar pelo IRS, bem como ao cumprimento cumulativo das seguintes regras de conduta que visam controlar e promover a reintegração:

a) Residir em morada certa que será indicada ao Tribunal e ao IRS;
b) Frequentar programas tratamento de toxicodependência, caso o IRS detecte que os arguidos mantêm consumo de estupefacientes;
c) Não frequentar meios ou lugares relacionados com o consumo ou tráfico de droga;
d) Não ter em seu poder produtos (nomeadamente estupefacientes) ou objectos relacionáveis com a prática do crime porque foi condenado;
e) Não contactar, por qualquer forma, pessoas relacionadas com o tráfico de droga.
2) Conforme informação prestada pela DGRSP a fls. 15864, o condenado apenas cumpriu 140 horas das 480 horas da pena de trabalho a favor da comunidade aplicada nestes autos.
3) Do CRC do condenado constante de fls. 16057 e ss. e das certidões juntas a fls.16246 e ss., 16183 e ss. e 16200 e ss., o condenado praticou, após o trânsito em julgado do acórdão proferido nos presentes autos, os crimes pelos quais foi condenado:
3.1) Por decisão proferida a 12-02-2013 no processo n.º991/12.9TAVNF, transitada em julgado a 18-03-2013, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 6,00, no total de € 600,00, pela prática a 14-02-2012, de um crime de desobediência p. e p. pelo art.º 348, nº1,al. b), do CP;
3.2) Por decisão proferida a 26-11-2013 no processo n.º 2005/12.0JAPRT, transitada em julgado a 29-05-2014, foi condenado, na pena de 2 anos de prisão suspensa na execução por igual período, pela prática a 09-11-2012, de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artº 86º, n.º1, als. c) e d), da Lei no 5/2006;
4) Não foi possível proceder ao interrogatório/audição do condenado por não se ter logrado a notificação pessoal do mesmo e se desconhecer o seu actual paradeiro, apesar das diligências efectuadas pela autoridade policial competente – cfr., além do mais, a acta de fls. 16387 e ss.
5) O MP, a fls. 16398 e ss., promoveu a revogação da pena de prestação de trabalho aplicada ao condenado e que se determinasse o cumprimento pelo mesmo da pena de prisão que lhe foi aplicada no acórdão condenatório, operando-se o desconto correspondente ao trabalho já prestado.
6) Notificado o Ilustre Defensor do Condenado para pronunciar-se, querendo, o mesmo nada disse (cfr. fls. 16441 e ss.).

B) O teor da decisão recorrida:

«Dispõe o artº 59º, n.º2, do CP, que “O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:

a) se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar;
b) se recusar, sem justa causa a prestar trabalho ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou
e) cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam por meio dela, ser alcançadas.”
A pena de 1 ano e 8 meses de prisão aplicada ao condenado José foi substituída, nos termos do art. 58º do CP, por 480 horas de trabalho a favor da comunidade a prestar de acordo com plano de execução a elaborar pelo IRS e ao cumprimento cumulativo das regras de conduta acima mencionadas, visando-se com a mesma controlar e promover a reintegração.
Ocorre que o condenado apenas cumpriu 140 horas das 480 aplicadas, após o que se ausentou para parte incerta, não comparecendo perante a DGRSP, incumprido, por isso, as condições impostas.
Tal actuação do condenado configura recusa inequívoca e injustificada a prestar trabalho e violação grosseira dos deveres que lhe foram impostos, acima mencionados, designadamente, o de manutenção de residência em morada certa, correspondente à indicada ao Tribunal e aos Serviços de Reinserção Social.

Acresce que, a 14-02-2012, ou seja, no dia seguinte ao trânsito em julgado do Acórdão proferido nos presentes autos, 09-11-2012 e 24-05-2012, o condenado praticou, respectivamente, um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348, n.º1, al. b), do CP, punido com a pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,00,00, um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.º 86º, nº1, als. c) e d), da Lei n.º 5/2006, punido com a pena de 2 anos de prisão, suspensa na execução por igual período, e um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artº 143º e 145º, n.º1, al. a), e 2, com referência ao art.º132º, n.º2, al. h), do CP, punido com a pena de 1 ano de prisão.

Afigura-se, assim, que as finalidades subjacentes à aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas, por motivo imputável ao condenado. Razão porque se entende haver lugar à revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao condenado José e se determina o cumprimento da pena de 1 ano e 8 meses de prisão, descontando-se os 140 dias de trabalho já prestados, em conformidade com o disposto no art.º 59º, n.º2, als. b) e e), e 4, e art.º 58º, nº3, do CP.
3. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) revogar a pena de prestação de 480 horas de trabalho a favor da comunidade aplicada a José nestes autos, por acórdão de fls. 13 971 e ss.;
b) determinar o cumprimento, pelo condenado José, da pena de 1 ano e 8 meses de prisão efectiva que lhe foi aplicada, a título principal, nestes autos, por acórdão de fls. 13 971 e ss., à qual deverá ser descontado o correspondente a 140 horas de trabalho a favor da comunidade prestado pelo mesmo condenado em cumprimento da pena referida em a).
Notifique.».
*
A nulidade insanável prevista na alínea c) do art. 119º do CPP.

Defende o recorrente que o processo se encontra ferido de nulidade insanável nos termos da alínea c) do art. 119º do CPP, uma vez que o tribunal de 1ª instância procedeu à revogação da medida de prestação de trabalho a favor da comunidade sem previamente ter procedido à sua audição, conforme impõe o art. 495º, nº 2, do mesmo diploma, violando igualmente os arts. 32º da CRP e 6º da CEDH.

Vejamos.

A prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido em substituição da pena de prisão foi subordinada ao cumprimento de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade (art. 52º, aplicável ex vi art. 58º, nº 6 do C. Penal).

Assim, nos termos do art. 59º do C. Penal, pode/deve o tribunal suspender provisoriamente a medida do trabalho a favor da comunidade se, durante o período do respectivo cumprimento, ocorrer qualquer dos impedimentos do condenado previstos no normativo, bem como revogar a medida adoptada e ordenar o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença sempre que, no seu decurso, o mesmo: a) se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar; b) se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou c) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Por isso, a revogação da medida de trabalho a favor da comunidade não pode ser encarada como uma mera formalidade, antes impõe uma avaliação sobre se o juízo de prognose que esteve na sua base foi, definitivamente, colocado em causa pela subsequente actuação do condenado, de modo a implicar aquela revogação: em função das conclusões obtidas na apreciação judicial dessa actuação e do circunstancialismo que a envolve se decidirá do benefício ou inconveniente da revogação, em conformidade com os princípios da protecção de bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade, afinal, as finalidades consagradas no art. 40º, nº 1, do CP.

Dando cumprimento a tal desiderato e com vista à averiguação dos pressupostos enunciados no nº 2 do citado art. 59º do C. Penal, prescreve o art. 498º do CPP, além do mais, que «O tribunal pode solicitar informação aos serviços de reinserção social para o efeito do disposto no n.º 1 do artigo 59.º do Código Penal» e que à «suspensão provisória, revogação, extinção e substituição é correspondentemente aplicável o disposto nos n. os 2 e 3 do artigo 495.º ».

Por sua vez, o nº 2 deste art. 495º preceitua que «O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente».

Trata-se de assegurar o princípio do contraditório e da audição prévia, segundo o qual assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que não seja proferida contra si qualquer decisão/surpresa, por factos dos quais não teve oportunidade de se defender.

Tais princípios têm acolhimento constitucional como decorre da segunda parte do nº 5 do art. 32º da Constituição da República, que assegura, o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo.

E, particularmente no que respeita ao arguido, estão em causa as «garantias de defesa» a que alude o nº 1 do mesmo art. 32º. Perante os direitos fundamentais, o processo penal mostra-se orientado, neste domínio, para a defesa, não indiferente ou neutral. O contraditório funciona, assim, como instrumento de garantia desses direitos e corrige assimetrias processuais susceptíveis de pôr em causa o estatuto jurídico do arguido moldado pelo sistema garantístico constitucionalmente exigido, como sistematicamente vem afirmando o Tribunal Constitucional.

Com efeito, a amplitude de exigência do exercício do direito de contraditório e a conformação concreta da garantia das possibilidades efectivas para a defesa e pronúncia do arguido, não poderão deixar de corresponder proporcionalmente ao particular relevo e à importância do objecto de uma decisão que constitui autentico «desenvolvimento» ou «prolongamento» da sentença e de onde pode resultar o cumprimento de uma pena de prisão.

Por isso, uma interpretação da norma constante do artigo 495º, nº 2 do CPP, à luz dos princípios constitucionais do contraditório e do processo leal e equitativo, pressupõe necessariamente a exigência de uma participação presencial e eficaz do arguido. Ao mesmo tempo, a eficácia dessa participação tem como condição indispensável que seja dado prévio conhecimento ao arguido dos argumentos invocados e dos meios de prova apresentados pelo Ministério Público.

Consequentemente, a jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que qualquer decisão que diga respeito ao arguido – o que inclui, naturalmente, a da revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade – deve ser precedida da sua audição prévia e tem enquadrado a preterição dessa formalidade (art. 495º, nº 2, do CPP) como nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do CPP, e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal enquanto a decisão que lhe sucedeu não transitar em julgado (1).

Seria, pois, inconcebível que se tomasse uma decisão tão gravosa para o condenado, revogando a medida substitutiva sem que lhe fosse facultada a possibilidade de expor as razões que conduziram ao incumprimento das condições que lhe foram impostas, ou mesmo de alegar e produzir prova que sustente as suas afirmações.

Todavia, em conformidade com tal interpretação, nem sempre essa audição prévia se terá de concretizar em auto de declarações (art. 495º, nº 2, do CPP), para se ter por devidamente assegurado o contraditório, nos termos legalmente impostos. Tudo depende dos particulares contornos de cada caso.

Pinto de Albuquerque exprime uma concepção mais abrangente relativamente aos casos de aplicação do art. 495º, nº 2 do CPP, ao considerar que «O arguido deve ser ouvido pessoal e presencialmente, sendo irrelevante o motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119.º, al. c), uma vez que a lei não relaciona a audição do arguido com nenhum motivo especial.» (2), isto é, o cumprimento do nº 2 do art. 495º do CPP, impõe-se, em seu entender, em todos os casos e não apenas por força do incumprimento dos deveres ou as regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social ( art.56º, nº1, al. a) do C.Penal.), mas ainda por força do cometimento de crime no decurso da suspensão pelo qual venha a ser condenado (art.56º, nº1, al. b) do C.Penal.), pois também neste caso se justificará a oportunidade dada ao arguido para ser ouvido.

No caso vertente, a decisão de revogação da medida de trabalho a favor da comunidade, censurada no recurso, estribou-se nos factos ocorridos durante o período de cumprimento da medida, sobretudo, na infracção do plano de reinserção social concernente a tal regime [art. 59º, nº 2, al. b) do CP], daí que, à partida, não se mostrava efectivamente afastado o trâmite processual imposto pelo citado art. 495º, nº 2.

Sucede porém, que o arguido apesar de se encontrar obrigado a residir em morada certa indicada ao tribunal e aos serviços de reinserção social e também às obrigações decorrentes da prestação do próprio TIR, ausentou-se para o estrangeiro, como reconhece no recurso, inviabilizando a sua localização para comparecer pessoalmente nos termos e para os efeitos do disposto no art. 495º, nº 2, do CPP, faltando à diligência, sem qualquer justificação, não se mostrando possível a sua audição por razões a si imputáveis.

Efectivamente, como consta do ponto 3) dos factos provados, não foi possível proceder ao interrogatório/audição do condenado por não se ter logrado a sua notificação pessoal e se desconhecer o seu actual paradeiro, apesar das diligências efectuadas pela autoridade policial competente – cfr., além do mais, a acta de fls. 16387 e ss.

Nestes casos, como se afirma no acórdão da RC de 09-09-2015, proc. nº 83/10.5PAVNO.E1.C1, citado pelo recorrente, «o princípio a seguir será o que se mostra estabelecido no n.º 4 do art.185.º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, para o incidente de incumprimento da liberdade condicional, numa situação em que se exige a audição presencial: A falta injustificada do condenado vale como efectiva audição para todos os efeitos legais. Na doutrina, André Lamas Leite defende que “(…) a exigência constitucional do exercício do contraditório (art. 32º, nº 2, in fine) e as previsões normativas dos artigos 61º, nº 1, al. b), e 495, nº 2, ambos do CPP, só admitem a conclusão de que é obrigatório que o tribunal, antes de determinar a revogação da suspensão de execução da pena privativa de liberdade, envide todos os esforços necessários à audição do condenado” (3)».

A jurisprudência tem decidido que o contraditório imposto pelo citado art. 495º, nº2 do CPP, ter-se-á por cumprido com a notificação do defensor do arguido. A título de exemplo, no sumário do Acórdão da RE de 12-07-2012, também citado pelo recorrente, pode ler-se: «1. O art. 495.º, nº2 do C. P. Penal impõe a audição obrigatória e presencial do arguido, sendo ilegal a decisão de revogação da pena de trabalho a favor da comunidade não precedida de contraditório (art. 498.º, nº 3 do C. P. Penal). 2. Nos casos de impossibilidade de localização do arguido, e uma vez esgotadas as diligências adequadas e possíveis a obter a comparência perante o juiz, pode o contraditório ser assegurado na expressão mínima de audição através do defensor. 3. A preterição da audição presencial do arguido, sendo ela possível, integra a nulidade do art. 119.º, al. c) do C. P. Penal; mostrando-se aquela inviável, a preterição da audição através do defensor, integra a irregularidade do art. 123.º do C. P. Penal.».

Tendo em conta o expendido e ponderando a concreta situação dos autos, temos forçosamente que concluir que a decisão recorrida, ao revogar a prestação de trabalho a favor da comunidade depois de ter, para o efeito, envidado todos os esforços necessários à audição presencial do arguido, sem que fosse possível obter a sua comparência à diligência, cumpriu o contraditório imposto pelo art. 495º, nº2 do CPP, com a notificação ao Ilustre Defensor oficioso da promoção do MP (fls. 16 398 e ss. dos autos principais), no sentido da revogação da pena de prestação de trabalho aplicada ao arguido, para, querendo, se pronunciar (cfr. fls. 16441 e ss.).

Assim, diferentemente do que sustenta o arguido, pensamos que a decisão recorrida, acautelou devidamente o contraditório, embora na sua expressão mínima, através da sua Ilustre Defensora, não tendo o mesmo sido exercido na sua expressão máxima por razões apenas imputáveis àquele, não se reconhecendo, consequentemente, a preterição do direito à audiência previsto no art.495º, nº 2 do CPP, nem a existência da nulidade insanável a que alude o art.119º, al. c), do mesmo Código.

Em suma, conclui-se que, tendo tido o arguido a oportunidade de apresentar os seus argumentos e requerer a produção de meios de prova, foi decretada a revogação da medida sem que tenham sido postergados os seus direitos de defesa, na dimensão dos princípios do contraditório e da audição do mesmo, a que se vem aludindo.

De harmonia com o citado art. 40º, nº 1, do C.Penal, a aplicação das penas visa, a par da protecção de bens jurídicos, a reintegração do agente na sociedade (4). Assim, também a revogação da pena de substituição suscita a necessidade de uma apreciação judicial sobre se a personalidade e condições de vida do condenado e o circunstancialismo que envolveu a sua conduta culposa posterior ao crime revela, em concreto, à luz dos fins das penas, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo concluir-se, por isso, que se frustraram as expectativas que motivaram a concessão daquela medida, ou se, pelo contrário, apesar do incumprimento, subsistem ainda fundadas expectativas de ressocialização em liberdade.

Ou seja, as causas de revogação da medida não são de funcionamento automático, antes deverão indiciar a falência, irremediável, do juízo de prognose inicial que fundamentou a sua aplicação e a anulação infalível da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade. Assim, só será legítimo concluir pela revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade e aplicação da pena de prisão se existirem, efectivamente e em concreto, elementos de facto para concluir que o condenado não só actuou de forma grosseira (com culpa) mas também não oferece as condições pessoais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social em liberdade nem revela, enfim, a motivação para tanto necessária.

Conhecida a preferência do legislador pelas penas não detentivas e a sua cruzada contra as penas de prisão, sobretudo, as de curta duração, a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade com a consequente reposição da pena de prisão primitivamente substituída tem de ser perspectivada como uma solução extrema dentro do condicionalismo apertado do art. 59º, nº 2 do C. Penal.

No caso dos autos, a decisão de revogação da medida de trabalho a favor da comunidade, censurada no recurso, estribou-se nos factos ocorridos durante o período de cumprimento da medida, sobretudo, na infracção do plano de reinserção social concernente a tal regime [art. 59º, nº 2, al. b) do C. Penal]. Nessa decisão, concluiu-se que as finalidades subjacentes à aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas, por motivo imputável ao condenado, uma vez que o mesmo se ausentou para paradeiro desconhecido, depois de apenas ter cumprido 140 horas das 480 aplicadas, não comparecendo perante a DGRSP, razão pela qual, apesar das diligências efectuadas, não foi possível a sua notificação pessoal nem a sua audição. Para além do incumprimento das condições impostas, foram ainda aduzidas as condenações penais que lá se identificam, entretanto sofridas pelo arguido

Realmente, a revogada medida de trabalho fora condicionada à adopção de determinadas regras de conduta, com vista a controlar e promover a reintegração do condenado, entre as quais avultava, para o que aqui releva, a obrigação de residir em morada certa que deveria ser indicada ao Tribunal e ao IRS.

Ora, o artigo 7º, nº 1 e 2, do DL n.º 375/97, de 24/12, impõe ao condenado o dever de cumprir as obrigações de trabalho decorrentes da decisão judicial e acatar as orientações fornecidas durante a sua execução, para o que está especificamente obrigado a certos procedimentos relativamente ao tribunal e às entidades que supervisionam o cumprimento da pena, para que se torne possível o seu início e a adequada execução.

E a decisão recorrida, com a fundamentação nela perfilhada, respondeu afirmativamente à questão se saber se os elementos fornecidos pelos autos indicavam que o arguido revelou «uma recusa inequívoca e injustificada a prestar trabalho e violação grosseira dos deveres que lhe foram impostos», não obstante a medida adoptada ter sido acompanhada, apoiada e fiscalizada pelos técnicos de reinserção social.
É certo que o recorrente veio invocar um conjunto de razões que, na sua óptica, justificariam o incumprimento da pena e a violação de tais regras de conduta. Segundo alega agora no recurso, mudou drasticamente a sua vida, com o intuito de se desprender de todas as suas condições anteriores, e passou a residir legalmente na Suíça, onde celebrou contrato de trabalho e permanece até ao momento, tendo casado e sido pai de uma menina, bem como adquirido casa e carro, fruto do seu trabalho naquele país. Em sua defesa, assevera que a sua conduta, em momento algum, foi uma tentativa de se furtar à justiça, mas, tão-somente, a de se estabilizar, sendo fácil de entender que, face à crise económica que assolou o nosso País, a forma mais fácil de o conseguir seria tentar recomeçar a sua vida noutro País. Contudo, acrescenta, por ter sido tão drástica a mudança e estar tão empenhado na sua nova vida, por lapso seu, não informou os autos a sua nova morada, quando deveria fazê-lo.
Ora, estas invocações recursivas, obviamente, não foram sopesadas na decisão recorrida, nem o poderiam ser, precisamente, devido ao incumprimento pelo recorrente das obrigações a que se encontrava adstrito na pendência da execução da pena substitutiva que lhe fora imposta.

Também este Tribunal está impedido de considerar a matéria de facto eventualmente subjacente às razões agora alegadas pelo recorrente, porquanto a função do recurso ordinário é, no nosso direito, por princípio, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. Note-se, que, diferentemente, estar-se-ia a julgar ex-novo e não a reponderar ou reapreciar o julgamento feito na 1ª instância, o que estaria vedado face ao modelo do recurso que o direito português consagra (5): os recursos são meios de obter a eventual reforma de decisões dos tribunais inferiores, com a reponderação das decisões por estes proferidas e, por consequência, da matéria de facto a cujo conhecimento os mesmos estejam vinculados, ou seja, das questões já anteriormente colocadas e não de alcançar decisões “novas”.

Sucede que, pelos motivos já alinhavados, a desconsideração de tal arrazoado apenas ao próprio recorrente é imputável: foi a violação pelo recorrente das obrigações a que se encontrava adstrito que inviabilizou, sem remédio, a possibilidade de vir a ser apurada a eventual veracidade dos factos (ou parte deles) subjacentes àquele argumentário.

É certo que o recorrente, com manifesta compassividade por si próprio, apelida de “lapso” o seu incumprimento. Porém, a referida violação, no seu concreto contexto, em que aquele não poderia ignorar que apenas tinha observado uma pequena parte da pena substitutiva que lhe fora imposta, emerge como grosseira e altamente indesculpável. Realmente, nesta ponderação, a infração cometida pelo recorrente às apontadas regras de conduta a que estava obrigado assume um relevo mais salientado do que as condenações a que foi submetido na pendência do cumprimento da medida, mesmo não podendo reputar estas de despiciendas, por ser a causa imediata da frustração da medida adoptada e eximir o condenado às atribuições do Tribunal e dos serviços de reinserção social na matéria da execução da pena.

No nosso entendimento, para além de não ter sido adiantada nos autos qualquer causa, alheia ao próprio arguido, para a frustração da medida adoptada, também os argumentos agora ventilados não evidenciam, ainda que retroprospectivamente, uma justificação bastante para a indisponibilidade em que o mesmo se colocou em relação às atribuições do Tribunal e respectivos serviços de apoio, com vista ao prosseguimento da execução de tal medida, advinda de ele ter violado grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que fora condenado, de que se desinteressou em absoluto, assim impedindo o seu desfecho bem sucedido. Esse desinteresse, sendo voluntário e merecedor de um pesado juízo de censura, foi também a causa adequada da inviabilização do cumprimento integral da pena substitutiva de prestação de trabalho.

Assim, pensamos que a decisão recorrida cumpre, no essencial, a especial exigência da indagação e apreciação dos factos e circunstâncias cognoscíveis e susceptíveis de revelar a possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado iria, supostamente, adoptar no futuro, tendo ponderado, designadamente que o mesmo incumpriu a sua prestação de trabalho e baldou a possibilidade da manutenção dessa pena substitutiva e que, em princípio, melhor se enquadraria num programa legal e constitucional traduzido na ideia de “Direito Penal Mínimo”, em que a prisão deve ser reservada para os crimes manifestamente mais graves, tal como foi expendido no Acórdão da RE de 06-10-2015 (6).
Na verdade, o recorrente não aproveitou a oportunidade que lhe foi concedida, tendo frustrado a realização de quaisquer outras diligências que, eventualmente, se pudessem revelar úteis para se decidir em conformidade com a manutenção do vaticínio em que se fundara a adopção da medida decretada nestes autos.

Improcede, pois, o recurso.

Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro Uc´s.

Guimarães, 18/06/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado
1 V. Acs. da RL de 9/7/2014, de 1/3/2005 (CJ, 2º/123) e de 10/2/2004, da RE de 30/9/2014 e de 18/1/2005 e da RP de 4/3/2009. O citado Ac. da RE de 30/9/2014 acrescentou: «Tanto do ponto de vista gramatical, como sistemático e teleológico, não há nenhuma razão para que a referência do art. 119.º do CPP a qualquer fase do procedimento deva ser entendida como reportando-se unicamente às fases preliminares (inquérito e instrução) e à fase de julgamento do processo penal. Antes, abrange igualmente as nulidades insanáveis verificadas na fase de execução do processo penal, nomeadamente as respeitantes às normas do CPP que disciplinam a execução das penas não privativas da liberdade.».
Realmente, não seria compaginável com os invocados princípios constitucionais o entendimento segundo a qual a falta de garantia do contraditório constitui uma mera irregularidade processual, sanável se não tiver sido suscitada pelo arguido no prazo de três dias após a notificação do despacho.
2 In “Comentário do Código de Processo Penal”, Unv. Católica Editora, 4.ª Edição, pág. 1252.
3 “A suspensão da Execução da Pena Privativa de Liberdade sob Pretexto da Revisão de 2007 do Código Penal”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias”, vol. II, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, pág. 620 e 621).
4 Portanto, são visadas finalidades de prevenção geral e especial, não de compensação da culpa ou de retribuição do mal causado (neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, p. 331).
5 Cf. Armindo Ribeiro Mendes, “Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007”, Coimbra Editora, 2009, p. 81, Castro Mendes, “Direito Processual Civil-Recursos” – ed. AAFDL, p. 25 e ss, e Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, III, p. 266.
6 P. 252/10.8PAOLH.E1 - Ana Brito.