Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1892/13.9PBBRG.G1
Relator: TERESA COIMBRA
Descritores: PENA DE MULTA
CONVERSÃO PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO DO CONDENADO
REVOGAÇÃO DESPACHO RECORRIDO
AC.FJ 6/2010
PUBLICADO NO DR Nº 99/2010
I
DE 21 DE MAIO DE 2010
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
As razões determinantes da fixação de jurisprudência constantes do Ac.FJ 6/2010, publicado no DR nº 99/2010, I, de 21 de maio de 2010, que culminaram na consideração de que a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de contacto pessoal, como a via postal registada, por meio de carta ou aviso registados, ou mesmo a via postal simples, por meio de carta ou aviso (artigo 113º, nº 1, alíneas a), b), c) e d) do Código de Processo Penal), são transponíveis para a notificação do despacho que converte a pena de multa não paga em prisão subsidiária.
Decisão Texto Integral:
Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.
Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam os juízes desembargadores da secção penal do tribunal da Relação de Guimarães.

I.
No processo especial sumário que, com o nº 1892/13.9PBBRG, corre termos pelo juízo local criminal de Braga foi proferido o seguinte despacho (transcrição):
Invalidade do processado e prescrição da pena de multa
Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 04/11/2013, foi a arguida L. L. condenada na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), num total de €400 (quatrocentos euros) – fls. 80.
Por despacho proferido em 15/07/2014, a pena de multa foi convertida em 53 (cinquenta e três) dias de prisão subsidiária (fls. 159).
Tal despacho foi notificado à Ilustre Defensora da arguida por via postal registada (fls. 161) e, com vista à notificação da arguida, foi remetida via postal simples com prova de depósito para a morada constante do TIR (fls. 8, 162 e 163).
Por despacho proferido em 19/04/2017, a arguida foi declarada contumaz (fls. 460/461).
Coloca-se a questão de saber se o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária foi regularmente notificado à arguida, na medida em que a resposta a tal questão tem consequências ao nível do prazo de prescrição da pena.
Vejamos.
Decorre do art. 113.º, n.º 10 do CPP (correspondente ao anterior n.º 9) que as notificações do arguido podem ser feitas ao respetivo defensor ou mandatário, com exceção das notificações relativas à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais devem ser notificadas tanto ao defensor ou mandatário como ao arguido.
Não se encontrando o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária entre os atos ressalvados no art. 113.º, n.º 10 do CPP, poder-se-ia entender que bastaria a sua notificação ao defensor ou mandatário. Assim não é. Não poderá olvidar-se que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (…), sendo certo, porém, que «[n]ão pode (…) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (…)» - art. 9.º, n.ºs 1 e 2 do CC.
O despacho de conversão da multa em prisão subsidiária consubstancia uma modificação relevante do conteúdo decisório da sentença que tem como efeito direto a privação de liberdade do condenado e até se reveste de maior gravidade do que alguns dos atos expressamente incluídos no elenco das ressalvadas do art. 113.º, n.º 10 do CPP.
Os motivos em que radica a exigência de notificação da sentença tanto defensor ou mandatário como ao arguido (necessidade de garantir um efetivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para exercer o direito ao recurso a que alude o art. 61.º, n.º 1, al. i) do CPP) são transponíveis para a notificação do despacho que converte a multa em prisão subsidiária. Na verdade, o despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada ao arguido que passa ser uma pena detentiva. Daí que se justifique a sua notificação não apenas ao defensor ou mandatário, mas também ao próprio arguido porque esta forma se mostra mais consentânea com as garantias de defesa que, constitucionalmente, lhe são asseguradas.
Assim, o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária, traduzindo uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito direto a privação da liberdade do condenado, deve ser colocado no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levado ao conhecimento do arguido, sendo sujeito à disciplina prevista no art. 113.º, n.º 10, 2.ª parte, do CPP, ou seja, a sua notificação deve ser efetuada quer ao defensor ou mandatário quer ao arguido.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/04/2012, «(…) apesar de este tipo de despacho não se conter na letra do n.º 9 do art. 113.º do CPP, deve entender-se que tem de ser integrado no núcleo essencial defesa do arguido, sendo de exigir a notificação pessoal de decisões que podem conduzir a uma privação de liberdade como de resto ocorre com a eventual revogação da suspensão da execução da pena.
Na verdade, exigindo o citado preceito a notificação pessoal quando estão em causa garantias patrimoniais e dedução de pedido cível, não se vê como não albergar as hipóteses em que poderá haver lugar a privação da liberdade. Aliás, nestes casos, em que a posteriori a decisão versa sobre a execução da pena de substituição é ainda a sentença condenatória que está presente, tratando-se da sua execução, e portanto, devem estes casos ser considerados como abrangidos pela existência de notificação pessoal – proferido no processo n.º 1302/05.5GBFSNT-B.S1, pelo relator Raúl Borges, in www.dgsi.pt.
Neste sentido também se tem pronunciado a jurisprudência dos Tribunais da Relação (cfr., entre outros, Ac. da RG de 03/12/218, proferido no processo n.º 733/09.6PBGMR.G1, pela relatora Ausenda Gonçalves; Ac. da RG de 17/12/2013, proferido no processo n.º 46/11.3PTBRG-A.G1, pelo relator Fernando Monterroso; Ac. da RG de 04/03/2013, proferido no processo n.º 157/05.4TAPVL.G1, pelo relator Paulo Fernandes da Silva; Ac. da RG de 03/07/2012, proferido no processo n.º 449/98.7PCBRG.G1, pelo relator Fernando Chaves; Ac. da RP de 14/12/2011, proferido no processo n.º 80/10.0PTPRT-A.P1, pela relatora Eduarda Lobo; Ac. da RP de 20/04/2009, proferido no processo n.º 732/06.0PBVLG-A.P1, pelo relator Artur Oliveira; Ac. da RP de 23/04/2008, proferido no processo n.º 0810622, pelo relator João Ataíde; Ac. da RC de 07/03/2012, proferido no processo n.º 334/07.3PBFIG.C1, pelo relator Alberto Mira; Ac. da RE de 28/02/2012, proferido no processo n.º 150/05.7PAOLH-B.E1, pela relatora Ana Barata Brito; Ac. da RE de 20/01/2011, proferido no processo n.º 247/06.6PAOLH-B.E1, pelo relator Sénio Alves, todos in www.dgsi.pt).
A contumácia apenas pode ser declarada quando se conclua que o condenado se furtou dolosamente à execução da pena de prisão (arts. 97.º, n.º 2 e 138.º, n.º 4, al. x), ambos do CEP), o que pressupõe, desde logo, que o mesmo tenha conhecimento de que lhe foi imposta tal pena.
Como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 22/04/2008, «[s]ó a partir do trânsito em julgado do despacho que decretou a conversão da pena de multa em pena de prisão, é que o condenado pode ser colocado em cumprimento de pena, ou constatar-se que se eximiu ao cumprimento, abrindo-se então, neste último caso, a possibilidade da sua declaração como contumaz» - proferido no processo n.º 545/08-1, pelo relator Fernando Ribeiro Cardoso, in www.dgsi.pt).
Concluímos, assim, que a declaração de contumácia pressupõe a existência de um despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária transitado em julgado e que o trânsito exige que o arguido seja notificado desse mesmo despacho, não se bastando a sua notificação ao defensor ou mandatário. Assente a necessidade de notificação do despacho de conversão da multa em prisão subsidiária ao arguido, importa esclarecer a modalidade que a mesma deve revestir, designadamente, e no que ora nos interessa, se basta a notificação por via postal simples ou se a notificação terá que ser pessoal.
A notificação por via postal simples pressupõe que o arguido tenha prestado Termo de Identidade e Residência (TIR) – cfr. arts. 113.º, n.ºs 1, al. c), e 3 e 196.º, n.º 2, al. c), ambos do CPP – e, obviamente, que o mesmo tenha eficácia ao tempo da notificação.
De acordo com o art. 214.º, n.º 1, al. e) do CPP, na redação anterior à Lei n.º 20/2013, de 21/02, o TIR extingue-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo certo que o legislador não admitiu qualquer exceção a essa regra, ao contrário do que sucede quanto à caução, estabelecendo que, quando o arguido vier a ser condenado em prisão, a mesma só se extingue com o início da execução da pena (art. 214.º, n.º 4 do CPP).
Tal significa que, nesse regime, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o arguido deixa de estar vinculado às obrigações decorrentes do TIR, pelo que o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária lhe deve ser pessoalmente notificado, não podendo tal notificação ser efetuada por via postal simples. Tem sido este o entendimento da jurisprudência maioritária (cfr. entre outros, Ac. da RG de 03/12/218, proferido no processo n.º 733/09.6PBGMR.G1, pela relatora Ausenda Gonçalves; Ac. da RG de 04/03/2013, proferido no processo n.º 157/05.4TAPVL.G1, pelo relator Paulo Fernandes da Silva; Ac. da RP de 14/12/2011, proferido no processo n.º 80/10.0PTPRT-A.P1, pela relatora Eduarda Lobo; Ac. da RP de 20/04/2009, proferido no processo n.º 732/06.0PBVLG-A.P1, pelo relator Artur Oliveira; Ac. da RP de 23/04/2008, proferido no processo n.º 0810622, pelo relator João Ataíde; Ac. da RC de 07/03/2012, proferido no processo n.º 334/07.3PBFIG.C1, pelo relator Alberto Mira; Ac. da RE de 28/02/2012, proferido no processo n.º 150/05.7PAOLH-B.E1, pela relatora Ana Barata Brito; Ac. da RE de 20/01/2011, proferido no processo n.º 247/06.6PAOLH-B.E1, pelo relator Sénio Alves; todos in www.dgsi.pt).
Não diremos muito para deixar expresso que, no nosso entendimento, a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2010, segundo a qual «a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º1, alíneas a), b) e c) e d),do CPP]» - in DR 99 Série I de 21/05/2010 -, cuja bondade não caberá aqui concretamente apreciar em toda a sua amplitude, não deverá ser estendida, sem mais, às situações congéneres de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, dado que a extensão de jurisprudência de acórdãos de fixação de jurisprudência a questões similares às que concretamente se debruçaram equivaleria atribuir a «força interpretativa» de um acórdão a natureza de lei, natureza esta que aquele naturalmente não tem nem pode ter, sob pena de violação do basilar princípio da separação de poderes, cuja violação esteve, aliás, na génese da extinção dos Assentos no nosso ordenamento jurídico (cfr. Ac. da RG de 03/12/2018, proferido no processo n.º 733/09.6PBGMR.G1, pela relatora Ausenda Gonçalves; Ac. da RG de 04/03/2013, proferido no processo n.º 157/05.4TAPVL.G1, pelo relator Paulo Fernandes da Silva, in www.dgsi.pt).
Atualmente, por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, o TIR apenas se extingue com a extinção da pena (cfr. arts. 196.º, n.º 3, al. e) e 214.º, n.º 1, al. e), ambos do CPP). Porém, como decorre do art. 5.º, n.º 2 do CPP, este novo regime não é aplicável aos TIR prestados ao abrigo da lei anterior, dos quais não constava a advertência de que a morada indicada pelo arguido continuaria a produzir efeitos depois do trânsito em julgado da sentença condenatória (cfr. Ac. da RG de 03/12/218, proferido no processo n.º 733/09.6PBGMR.G1, pela relatora Ausenda Gonçalves; Ac. da RE de 02/06/2015, proferido no processo n.º 1592/07.9GBTABF-B.E1, pela relatora Ana Barata Brito; Ac. da RE de 09/09/2014, proferido no processo n.º 2061/10.5TAPTM-B.E1, pelo relator António João Latas; Ac. da RL de 08/05/2013, proferido no processo n.º 12/11.9PTBRR.L1-3, pela relatora Margarida Ramos de Almeida, todos in www.dgsi.pt)
Assim, quando o TIR não tiver sido prestado nos termos previstos no art. 196.º do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária não poderá ser notificado por via postal simples com prova de depósito na morada do TIR; antes terá que se notificado pessoalmente.
No caso concreto, apesar de o TIR ter sido prestado em 18/09/2013, ou seja, na vigência do atual regime, o mesmo não observou o disposto no art. 196.º, n.º 3, al. e) do CPP, que impõe que do termo deva constar a informação de que, em caso de condenação, o TIR só se extinguirá com a extinção da pena.

Como se refere no Acórdão do STJ de 06/12/2018:
«A validade do TIR prestado pelo requerente e, por conseguinte, a possibilidade de este ser notificado por via postal simples passou a ser condicionada pela advertência que se tornou obrigatória de essa mesma validade e as obrigações dele decorrentes persistirem para lá do trânsito em julgado da sentença condenatória alargando-se até ao momento da extinção da pena» - proferido no processo n.º 149/05.3PULSB-C.S1, pelo relator Nuno Gomes da Silva, in www.dgsi.pt; sublinhado nosso.

A este propósito, também se refere no Acórdão da Relação do Porto de 06/02/2019 que:
«Só com redacção do art.º 214º, n.º 1, alínea d), do CPP, operada pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, é que o TIR apenas se extingue com a extinção da pena, o que deverá ser comunicado ao arguido, devendo constar do mesmo uma tal menção, sem o que não poderá considerar-se eficaz a notificação» – proferido no processo n.º 1630/15.1T9VFR.P1, pelo relator Moreira Ramos, in www.dgsi.pt; sublinhado nosso.
Não tendo o TIR sido prestado nos termos previstos no art. 196.º, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, o despacho que converteu a multa em prisão subsidiária não foi regularmente notificado à arguida, razão pela qual não transitou em julgado.
A omissão da notificação à arguida do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária constitui uma irregularidade, uma vez que a lei não comina com nulidade (art. 118.º, n.º 1 do CPP).
Nos termos do art. 123.º, n.º 2 do CPP que «[p]ode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado».
A não notificação à arguida do despacho que converteu a multa em prisão subsidiária constitui uma irregularidade processual que afetou os seus direitos fundamentais, coartando-lhe as garantias de defesa, pois que viu o processo prosseguir para a fase de execução da prisão subsidiária, apesar de não ter sido notificada do despacho de conversão.
Tal irregularidade conduz à invalidade do ato inquinado e comunica-se ao despacho que declarou a contumácia devido ao nexo de dependência existente entre eles.

A este propósito, no Acórdão da Relação de Guimarães de 03/07/2012, refere-se que:
«(…)
Assim, a falta de notificação ao arguido do despacho que procedeu à conversão da multa em prisão subsidiária constitui uma irregularidade processual nos termos do artigo 123.º que afecta direitos fundamentais, conduzindo à invalidade do acto inquinado e subsequente comunicação ao despacho proferido em 9/9/2008, constante de fls. 366, que declarou a contumácia do arguido devido ao nexo de dependência existente entre eles.
(…)
No caso concreto, a irregularidade cometida reveste acentuada gravidade, uma vez que coarctou as garantias de defesa do arguido que viu o processo prosseguir para a fase de execução da prisão subsidiária, apesar de não estar ainda notificado da decisão que, ao converter a multa em prisão subsidiária, procedeu a uma modificação essencial do conteúdo decisório da sentença condenatória, que tem como efeito directo a privação da sua liberdade, não produzindo o acto praticado os efeitos a que se destina porque não foi dado conhecimento do mesmo ao arguido por forma a disponibilizar-lhe os elementos indispensáveis para, em consciência, decidir se a impugna ou não» - proferido no processo n.º 449/98.7PCBRG.G1, pelo relator Fernando Chaves, in www.dgsi.pt).
A reparação de tal irregularidade impõe que se reconheça a invalidade do processado subsequente ao despacho que converteu a multa em prisão subsidiária, dependente do trânsito em julgado desse despacho, afetando a própria declaração de contumácia e o ulterior processado baseado numa contumácia que não pode produzir efeitos e que importará cessar.
O raciocínio que vimos a expor tem implicações ao nível do prazo de prescrição da pena de multa aplicada ao arguido.
De acordo com o disposto no art.º 122.º, n.º 1, al. d) e n.º 2 do CP, as penas inferiores a dois anos de prisão prescrevem no prazo de 4 anos, começando o prazo de prescrição a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

Prevê o art. 125.º do CP que:
1 - A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão – sublinhado nosso.

Estabelece o art. 126.º do CP que:
1 - A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se:
a) Com a sua execução; ou
b) Com a declaração de contumácia.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade – sublinhado nosso.

No caso concreto, o prazo de prescrição iniciou-se em 04/11/2013, aquando do trânsito em julgado da decisão (art. 122.º, n.º 2 do CP), com término em 04/11/2017.
Não ocorreu qualquer causa de suspensão nem de interrupção do prazo de prescrição (arts. 125.º, n.º 1, a contrario, do CP e 126.º, n.º 1, a contrario, do CP).
Com efeito, o prazo de 15 dias para pagamento voluntário da multa não constitui causa de suspensão ao abrigo do 125.º, n.º 1, al. d) do CP), entendimento que sufragamos, em adesão aos argumentos aduzidos no Acórdão da Relação de Évora de 15/10/2013 (proferido no processo n.º 1.715/03.7PBFAR.E1, pelo relator João Gomes de Sousa, in www.dgsi.pt).
Por outro lado, nem a impossibilidade de execução patrimonial por falta de bens penhoráveis nem a conversão da multa em prisão subsidiária constituem causa de suspensão ou interrupção da prescrição (cfr. Ac. da RP de 09/02/2011, proferido no processo n.º 209/01.0PASTS.P1, pelo relator Ernesto Nascimento; Ac. de 22/09/2010, proferido no processo n.º 245/03.1TASTS.P1, pelo relator Ernesto Nascimento, in www.dgsi.pt).
Acresce que, como vimos, a declaração de contumácia está ferida de invalidade e, como tal, não pode produzir qualquer efeito ao nível do prazo prescricional.
Conclui-se, assim, que decorreram já os quatro anos sobre o trânsito em julgado da decisão que aplicou a pena de multa à arguida, razão pela qual a mesma se encontra prescrita.

Pelo exposto, decide-se conhecer da supra referida irregularidade e, em consequência:
a) Declarar a invalidade do processado subsequente ao despacho que converteu a multa em prisão subsidiária, dependente do trânsito em julgado desse mesmo despacho;
b) Declarar extinta, por prescrição, a pena de multa aplicada ao arguido;
c) Declarar cessada a contumácia.
Notifique.

*
Inconformado com a decisão recorreu o ministério público para este tribunal concluindo a argumentação do seu recurso do seguinte modo (transcrição):

1. Por sentença transitada em julgado no dia 4 de Novembro de 2013, foi a arguida L. L. condenada pela prática, em co-autoria, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 80 dias de multa á taxa diária de € 5,00, o que perfaz o montante global de € 400,00.
2. Por despacho proferido a 15 de Julho de 2014, a dita pena de multa foi convertida em 53 (cinquenta e três) dias de prisão, abrigo do disposto no artigo 49º, nº 1, do Código Penal.
3. Este despacho foi notificado ao Ministério Público no próprio dia, à ilustre defensora do arguido por via postal registada e ao arguido por via postal simples com prova de depósito para a morada constante do TIR prestado no dia 18/09/2013 (sem que tivesse sido observado o disposto no art. 196.º, n.º 3, al. e) do CPP).
4. A condenada foi válida e regularmente notificada do despacho que converteu a pena de multa não paga em prisão subsidiária.
5. Não ocorreu omissão na sua notificação ou qualquer irregularidade.
6. À data, o Tribunal a quo considerou que a lei não impunha que a dita comunicação se fizesse por contacto pessoal.
7. Sendo certo que também não existia jurisprudência uniformizada e obrigatória nesse sentido.
8. E, assim, a sobredita decisão transitou em julgado.
9. Por despacho proferido no dia 19 de Abril de 2017 pelo Tribunal de Execução de Penas do Porto, a condenada foi declarado contumaz.
10. E, nessa sequência, foram emitidos os competentes mandados de detenção para que a arguida cumprisse os 53 dias de prisão subsidiária fixados.
11. Posteriormente, foram proferidos despachos judiciais no sentido de encetar diligências para localizar a arguida e dar cumprimento aos mandados de detenção emitidos ou para aguardar que fosse conhecido o seu paradeiro.
12. Sucede que, por decisão proferida no dia 13 de Janeiro de 2021, o Tribunal a quo declarou a irregularidade na notificação à arguida do despacho que converteu a multa em prisão subsidiária, por não ter sido feita por contacto pessoal, e considerou que tal irregularidade conduz à invalidade do ato inquinado e comunica-se ao despacho que declarou a contumácia e, dessa forma, declarou extinta, por prescrição, a pena de multa aplicada à arguida.
13. Todavia, o vício de irregularidade invocado pelo Tribunal a quo não pode ser declarado oficiosamente após o trânsito em julgado de tal decisão.
14. Pois o caso julgado é um efeito processual da decisão transitada em julgado, que por elementares razões de segurança jurídica, impede que o que nela se decidiu seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material).
15. Implicando, como tal, que tal decisão seja imutável e irrevogável.
16. Com efeito, como ensina João Conde Correia, in “Contributo Para A Análise Da Inexistência E Das Nulidades Processuais Penais”, Studia Iuridica 44, da Coimbra Editora, a página 169, “a formação de caso julgado torna insindicáveis todos os vícios suscetíveis de constituir causa de nulidade – seja qual for a sua natureza – permitindo a sua conservação. (…) Em ambos os casos, o vício perde qualquer relevância e os efeitos prático-jurídicos produzidos ficam consolidados para sempre. Jamais poderá ser questionada a regularidade do processo e abalada a eficácia dos atos inválidos praticados.».
17. Sendo este também o entendimento dos Tribunais superiores, que consideram que uma decisão final transitada em julgado cobre todas as nulidades e irregularidades de todos os actos processuais até então praticados (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de fevereiro de 2010 e de 23 de dezembro de 2015, proferidos, respetivamente, os processos n.º 21/07.2SULSB-E.S1 e n.º 130/12.6JELSB-E.S1, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16 de junho de 2015, proferido no processo n.º 181/06.0TASEIA. C1, e do Tribunal da Relação do Porto, de 7 de fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 90/07.5GDAND-H.P1, e no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 8 de Setembro de 2015, proferido no âmbito do Processo nº 246/11.6GBTNV-B.E1 –todos disponíveis em www.dgsi.pt.
18. Tal raciocínio não colide com o princípio constitucional das garantias de defesa, como já decidiu o Tribunal Constitucional no seu aresto n.º 146/2001, de 28.03.2001, publicado no DR, II Série de 22 de Maio do mesmo ano, que entendeu que a interpretação de que o caso julgado se sobrepõe ao conhecimento de nulidade insanável está conforme com as garantias de defesa do arguido consagradas no artigo 32º, nº 1 da Constituição.
19. Ao conhecer a suposta irregularidade após o trânsito em julgado da decisão, o Tribunal a quo violou flagrantemente o caso julgado formado, que tem valor constitucional.
20. Desta feita, resulta evidente que a declaração de contumácia da condenada mantém plena eficácia e constitui causa de suspensão e de interrupção da prescrição da pena, nos termos do disposto no artigo 125º, nº 1, alínea b) e 126º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal.
21. O que vale por dizer que não ocorreu a prescrição da pena de multa aplicada à condenada.
22. Nesta senda, urge concluir que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 49º, nº 1, 125º, nº 1, alínea b) e 126º, nº 1, alínea b), todos do Código Penal, nos artigos 113º, 123º, nº 2, 196º, 335º e 467º, nº 1, todos do Código de Processo Penal e 205º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e, concludentemente, ser a mesma substituída por outra que julgue válido todo o processado subsequente ao despacho que determinou a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, incluindo a declaração de contumácia, e, em consequência, julgue não verificada a prescrição da multa aplicada e determine a emissão de mandados de detenção para que a condenada cumpra os 53 dias de prisão subsidiária fixados.
Vossas Excelências, no entanto, decidirão como for de JUSTIÇA.
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Admitido o recurso, foi a decisão recorrida sustentada pelo tribunal a quo e remetidos os autos a este tribunal onde, de novo, o ministério público pugna pela procedência do recurso.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP).
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Após os vistos, realizou-se conferência.

II.
Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que é pelas conclusões do recurso que se afere o seu âmbito e que, analisando-as é este tribunal chamado a decidir se é, ou não, de manter o despacho que declarou que a arguida não foi válida e regularmente notificada do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária e que, consequentemente, declarou cessada a contumácia e prescrita a pena imposta.

É, em resumo, a seguinte a factualidade com interesse para a decisão:
- Por sentença transitada em julgado em 04/11/2013 foi a arguida L. L. condenada como coautora de um crime de furto p.p. artigo 203º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 5€.
- Tendo requerido a substituição de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, veio o requerimento a ser indeferido por falta de colaboração da arguida para a elaboração do plano.
- A arguida não pagou a multa voluntariamente, não requereu o pagamento em prestações e foi julgada inviável a cobrança coerciva.
- Por despacho de 15/07/2014 foi convertida a multa em 53 dias de prisão subsidiária.
- Este despacho foi remetido à arguida por carta simples com prova de depósito e depositada na caixa de correio de morada indicada no TIR em 17/07/2014 e notificado também à sua ilustre defensora.
- Passados mandados de detenção para cumprimento da prisão subsidiária não foi possível alcançar o seu cumprimento por ser desconhecido o paradeiro da arguida, razão pela qual, por despacho de 19/04/2017 veio a ser declarada contumaz.
- Em 18/09/2013 a arguida havia prestado TIR nos termos do qual foi-lhe dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei a obrigar ou para tal for devidamente convocada;
b) Da obrigação de não mudar de residência, nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrada;
c) De que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para o endereço acima indicado para esse efeito, exceto se comunicar um outro, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria dos serviços onde o processo correr termos nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legítima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e, bem assim, a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º do CPP.
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Apreciação do recurso.

O tribunal a quo entendeu que a notificação da arguida levada a efeito por carta simples remetida para a morada do TIR, não foi regularmente efetuada, determinando a invalidade de todo o processado posterior e, consequentemente, a prescrição da pena imposta e a cessação da contumácia.
E assim entendeu porque, não obstante o TIR ter sido prestado em 18/09/2013, dele não ficou a constar que só se extinguiria com a extinção da pena, como decorre da al. e) do nº 1 do artigo 214º do CPP, na redação que lhe foi conferida pela lei 20/2013 de 21.02, entrada em vigor a 23.03.2013.
Efetivamente, a lei 20/2013 de 21/02 deu nova redação à alínea e) do nº 1 do artigo 214º do CPP (extinção das medidas de coação) nos termos da qual manteve que as medidas de coação se extinguiam com o trânsito em julgado da sentença condenatória, mas passou a excecionar o termo de identidade e residência que só se extinguiria com a extinção da pena. Portanto, antes do aditamento do segmento final na redação da referida alínea, constava do artigo 214º apenas que as medidas de coação (e, portanto, também o TIR) se extinguiam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Ora, o referido aditamento, já estava em vigor no momento em que foi prestado o TIR, mas não ficou a constar do texto do TIR (minuta preenchida e assinada pela arguida), daí retirando o tribunal a quo que, não tendo sido avisada a arguida de que as obrigações do TIR se mantinham até à extinção da pena, deixaria a arguida, após o trânsito da sentença condenatória de poder ser notificada validamente para a morada do TIR.
E, portanto, o tribunal a quo entendeu que tendo sido remetida a decisão de conversão de multa em prisão subsidiária para a morada do TIR, e constituindo tal decisão "uma modificação relevante do conteúdo decisório da sentença que tem como efeito direto a privação de liberdade do condenado e até se reveste de maior gravidade (…) justifica-se a sua notificação não apenas ao defensor ou mandatário, mas também ao próprio arguido porque esta forma se mostra mais consentânea com as garantias de defesa que, constitucionalmente, lhe são asseguradas", razão pela qual, continuou o despacho recorrido “o despacho de conversão de multa em prisão subsidiária (…) deve ser colocado no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levado ao conhecimento do arguido (…)"
Sustenta esta posição com diversa jurisprudência e, uma vez aceite que a arguida teria de ser notificada de tal despacho, passou a considerar que a notificação não podia ser efetuada, como o foi, por via postal simples com prova de depósito, devendo sê-lo pessoalmente. A suportar este entendimento refere também alguma jurisprudência no mesmo sentido.
Vejamos se tal entendimento é de manter.
Contrariamente ao que ocorre quando é sentenciada uma absolvição, o trânsito em julgado de uma sentença condenatória não põe fim a um processo. Aí se inicia uma nova etapa processual que vai prolongar-se até à extinção da pena e durante a qual novas decisões são tomadas agora respeitantes ao cumprimento da pena.
A pena de multa pode, por exemplo, ser cumprida na modalidade de pagamento diferido ou fracionado (artigo 47º, nº 3 do CP) ou por prestação de trabalho (artigo 48º do CP), desde que respeitados os prazos legalmente previstos (artigos 489º e 490º do CPP). Também a pena de prisão pode ser substituída por penas não privativas de liberdade, por exemplo, pela suspensão da execução da prisão (artigo 50º e ss do Código Penal e 492º e ss do Código de Processo Penal).
Sempre se entendeu, - apesar das opiniões se dividirem quanto ao modo como fazê-lo -, que as decisões que forem sendo tomadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória têm de chegar ao conhecimento do próprio condenado se não pessoalmente, pelo menos ao defensor ou mandatário que o represente.
Mas a controvérsia à volta da questão de saber quais as decisões a notificar pessoalmente ao condenado e como fazê-lo foi-se adensando ao longo dos tempos, sendo conhecidos entendimentos jurisprudenciais distintos em várias questões, de que são exemplo as diversas interpretações a que foi sujeito o (atual) nº 10 do artigo 113º do CPP, a necessidade, ou não, de garantir o contraditório antes da decisão de conversão de multa em prisão subsidiária, ou o modo como deve ser efetuada a notificação do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.
Esta última questão pela gravidade que encerra, uma vez que contende com a liberdade do condenado, esteve na origem do acórdão da Fixação da Jurisprudência 6/2010 publicado no DR nº 99/2010, I, de 21 de maio de 2010, ele próprio revelador de que a posição adotada não foi pacífica, dados os votos de vencido que dele constam.
A decisão recorrida refere este acórdão de Fixação de Jurisprudência para dizer que não é aplicável aos autos, quer porque não se trata aqui de revogação de uma pena suspensa, quer porque a extensão de jurisprudência fixada a questões similares equivaleria a atribuir à “força interpretativa" de um acórdão a natureza de lei, natureza que não tem, nem pode ter, "sob pena de violação basilar princípio de separação de poderes, cuja violação esteve, aliás, na génese da extinção dos Assentos no nosso ordenamento jurídico".
Mas se é verdade que nestes autos não está em causa a revogação de uma suspensão, também é verdade que das considerações feitas no referido acórdão e da solução a que chegou se retira a luz necessária para iluminar o caminho a percorrer nestes autos.
Vejamos porquê, começando por deixar clara uma distinção basilar na apreciação da questão. E a distinção é esta: o que se exige de um arguido até à fronteira que o trânsito em julgado da sentença condenatória constitui é bem diferente de que se exige após essa fronteira.
Até ao trânsito em julgado de uma sentença condenatória, do arguido não se espera colaboração que vá além dos deveres de comparecer perante autoridade judiciária se para tal convocado, de responder com verdade às perguntas sobre a identidade, de prestar termo de identidade e residência logo que assuma a qualidade de arguido e de se sujeitar às diligências de prova e medidas de coação e garantia patrimonial legalmente previstas, quando impostas por entidade competente.
Diferente é a situação de um arguido após uma condenação transitada em julgado. A partir desse momento não lhe é autorizado que se exima ao cumprimento da pena imposta. Ora qualquer arguido sabe que, se foi condenado, a pena imposta tem de ser cumprida e enquanto o não for o processo não termina (a não ser em casos excecionais que aqui não importa detalhar), mesmo que terminem os efeitos das medidas de coação fixados por lei, incluindo os do TIR prestado. Isto é, mesmo que um arguido passe a poder mudar de residência ou a poder dela se ausentar por mais de 5 dias sem ter de dar conhecimento ao tribunal, por exemplo, como acontecia na redação anterior à lei 20/2013 de 21.02, sabe que, estando a pena por cumprir, continuará a ser notificado no âmbito do processo, até que a pena seja efetivamente cumprida.
Ora, ao prestar TIR a arguida foi advertida de que as posteriores notificações (sem qualquer limite temporal imposto) seriam feitas por via postal simples para a morada escolhida, exceto se outra fosse indicada posteriormente, e foi advertida, igualmente, de que o incumprimento de tal obrigação legitimava a sua representação por defensor escolhido ou nomeado, nos atos processuais em que devesse estar presente.
Significa isto que a inércia a que se podia votar antes da condenação, deixou de ser opção após o trânsito em julgado da sentença condenatória. A presunção de inocência acabou e a pena tem que ser cumprida para que o processo possa ser julgado extinto. É por isso que a lei passa a exigir ao condenado o empenho necessário a alcançar o cumprimento da pena, deixando claro que se a pena não foi cumprida voluntariamente, sê-lo-à coercivamente.

O despacho recorrido entendeu que não constando do TIR prestado a advertência de que o mesmo se prolongaria até à extinção da pena, após o trânsito em julgado da condenação, estariam extintas as obrigações por ele impostas e a arguida porque deixou de estar obrigada a receber cartas na morada indicada e não deu nova morada, não se pode considerar regularmente notificada.
Mas, então, e a advertência de que as posteriores notificações seriam feitas por carta simples para a morada escolhida? Será aceitável que uma arguida que ainda não cumpriu a pena imposta possa agir, como se nenhuma pena tivesse para cumprir, ausentando-se da morada indicada sem dar nova morada, sabendo que a obrigação de cumprir a pena que sobre ela impendia ainda não se mostrava satisfeita? A desresponsabilização da arguida que o despacho recorrido pressupõe não é compatível com os deveres que passaram a ser exigíveis a um condenado após uma condenação.
Isto mesmo deixou claro o Ac. FJ 6/2010 ao considerar que "o condenado em pena de prisão suspensa continua afeto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coação de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, as de "as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada") e que "a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de "contacto pessoal", como a "via postal registada, por meio de carta ou aviso registados", ou mesmo "a via postal simples, por meio de carta ou aviso" (artigo 113º, nº 1, alíneas a), b), c) e d) do Código de Processo Penal)”.
Ora, se tal é possível estando em causa uma decisão de revogação de uma pena suspensa, muito mais terá de o ser estando em causa a imposição de uma pena de prisão subsidiária, porque sempre, isto é, a todo o tempo, revertível pelo pagamento. E se tal foi fixado jurisprudencialmente num tempo em que o TIR se extinguia com o trânsito em julgado da sentença condenatória, muito mais terá razão de ser numa altura em que o TIR estendia os seus efeitos até à extinção da pena, mesmo que o arguido de tal não fosse informado expressamente.
Não se trata de aplicar o referido AFJ à situação em apreço, trata-se de perceber que a ratio que o enforma vale mutatis mutandis para a situação que nos ocupa.
Eis, pois, a razão pela qual atrás dissemos que o caminho a percorrer nesta decisão poderia ser iluminado pelas considerações feitas pelo Ac. FJ 6/2010: tal como ali, também nesta situação a decisão de conversão em prisão subsidiária da multa não paga pode-se considerar complementar à inicial sentença; tal como ali, as razões que fundamentam a exigência da notificação tanto ao arguido como ao defensor são transponíveis para a notificação do despacho que converte em prisão da multa não paga; tal como ali, se deve entender ser disfuncional (porque frequentemente impraticável) a exigência de "contacto pessoal" na notificação do condenado; tal como ali também se deve entender que o arguido que deu a sua residência no processo cumpriu, também, uma obrigação de informação a que o Estado vai corresponder, informando-o, no mesmo local indicado, de toda a decisão que possa afetar os seus interesses; tal como ali, o arguido sabendo que foi condenado numa pena (…)e olimpicamente se ausenta do local que indicou fica com um problema que o afeta a si única e exclusivamente como cidadão relapso; tal como ali a condenação em pena (de multa no nosso caso) não constitui uma carta de alforria que permite ao arguido proclamar que nenhum dever lhe assiste na sua relação com o Estado, nem sequer a obrigação de o manter informado sobre a sua residência e também como ali a qualidade de condenado não é incompatível com a de arguido, a qual se conserva durante todo o processo.
A jurisprudência fixada veio a merecer a aprovação do Tribunal Constitucional que, pelo acórdão nº 109/2012, in DRII de 11.04.2012, não julgou inconstitucionais as normas dos art. 113 nº 3 e 196 nº 3 c) e d) do CPP quando interpretadas em sentido concordante ao do Acórdão de Fixação de Jurisprudência.
Ora, perante uma questão que já foi superiormente abordada e decidida e da qual só é possível divergir com argumentos verdadeiramente novos, que ultrapassem a mera discordância, ponderados e ponderosos, nenhuma razão há para afastar o entendimento fixado jurisprudencialmente e considerar que a notificação efetuada não foi regular e válida.
E sendo-o, uma outra consequência se impõe processualmente: é que tendo o despacho, regularmente notificado, de conversão em prisão da multa não paga, transitado em julgado, porque dele não foi oportunamente interposto recurso, não podia o tribunal a quo vir, decorridos vários anos, considerar cometida uma irregularidade na notificação, nem podia anular o processado posterior, nem pode este tribunal de recurso avaliar a bondade do despacho transitado em julgado, sob qualquer outra perspetiva.
As considerações feitas pelo recorrente sobre os efeitos do caso julgado no que se reporta à segurança jurídica e à cobertura de todas as nulidades e irregularidades eventualmente cometidas são corretas e não há que repeti-las. Sempre se diga, contudo que, como é dito no Assento 1/2003, citando João Conde Correia "O legislador português (…) criou um sistema responsabilizador e progressivo, onde os sujeitos processuais são convidados a participar na marcha processual e a denunciar, com prontidão, as infrações cometidas e onde as possibilidades de sanação do vício vão aumentando à medida que o processo se afasta do ato imperfeito e se aproxima do seu epílogo".
Ora, em nenhum momento a arguida invocou qualquer irregularidade ou nulidade de que devesse o tribunal conhecer. Por outro lado, nenhuma irregularidade na notificação se poderá considerar cometida, pelas razões atrás expostas, donde não pode manter-se o despacho recorrido quando declara a invalidade do processado posterior à notificação da arguida, com a consequente prescrição da pena e cessação da contumácia.
O recurso terá, pois, de ser julgado procedente.
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III.
DECISÃO

Em face do exposto, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogam o despacho recorrido e determinam que seja substituído por outro que julgue válido todo o processado subsequente à notificação do despacho que determinou a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, com as demais consequências ao nível da contumácia e da não prescrição da pena.
Sem custas.
Guimarães, 13 de julho de 2021

Maria Teresa Coimbra
Cândida Martinho