Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
40/12.7IDVRL.G2
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: FRAUDE FISCAL
ELEMENTOS TÍPICOS DO ILÍCITO
CO-AUTORIA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ARGUIDOS
TEMPESTIVIDADE DO RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Porque o critério baseado na teleologia do acto de notificar é a precípua função de assegurar ao visado a oportunidade de impugnar a decisão que lhe é desfavorável com a ciência transmitida pelo próprio tribunal e não mediatamente por interposta pessoa, o recurso interposto pelo defensor da sentença condenatória proferida contra arguido ausente, enquanto este não se mostrar notificado da mesma, não deve ser admitido e se o for não pode ser objecto de apreciação pelo tribunal superior.

II- Todavia, corroborando o advento da moderna visão da instrumentalidade da forma e a ideia de que não se deve prejudicar o sujeito que, de boa-fé, em consonância com a celeridade processual, se antecipou ao procedimento, nada de substancialmente sólido se opõe, numa perspectiva racional e teleológica, a que o inconformado, tendo conhecimento dos termos da decisão por qualquer meio que o permita, a impugne ainda antes da sua formal e pessoal notificação, independentemente da fluição do prazo recursal só vir a ter como posterior padrão de início a prática de tal procedimento de intimação.

III - Assim, atendendo à finalidade do prazo, não se descortina a real razão por que tal acto não poderá ser praticado antes do seu início, uma vez que o direito de interpor o recurso apenas se extingue com o término do respectivo prazo: o recurso “prematuro” não se identifica com a sua interposição depois de exaurido o respectivo prazo, apenas é “intempestivo” por preceder a prática formal do acto de intimação da decisão recorrida, sendo, por isso, apresentado em data anterior (ante tempus) à abertura do respectivo prazo e não porque se mostre extinto o direito de praticar tal acto, não podendo ser equiparado ao recurso interposto depois de escoado in albis o prazo peremptório para o mesmo estatuído, pois apenas este é preclusivo da faculdade de recorrer.

IV - Como tal, nada obsta ao aproveitamento, sem necessidade da sua repetição, da interposição de recurso já praticada em nome do arguido pelo seu defensor quando o mesmo teve a oportunidade de, caso assim o entendesse, fazer uso da faculdade concedida pelo art. 63º, n.º 2, do CPP, e retirar eficácia ao acto realizado em seu nome, pelo que a ausência de uma sua declaração nesse sentido só pode significar que manteve interesse no conhecimento do recurso.

V - Constitui o crime de fraude fiscal p. no art. 103º do RGIT a conduta ilegítima, designadamente a celebração de negócio simulado quanto ao valor, que vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, desde que a vantagem patrimonial ilegítima não seja inferior a € 15.000 (na redacção introduzida pela Lei nº 60-A/2005 de 30.12), bastando comprovar que o agente quis a respectiva acção ou omissão e que ela era adequada à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição da receita tributária não inferior a tal montante.

VI - No caso, todos os arguidos, ao omitirem ao preço real do negócio a quantia de € 215.000, actuaram, em concertação de esforços, na sequência de acordo entre todos celebrado, com o intento da obtenção da vantagem patrimonial ilegítima no montante global de € 55.213,55 e do correspondente prejuízo ao Estado, em sede de imposto de mais-valias e do IMT.

VII - Portanto, os factos foram praticados pelos arguidos em regime de comparticipação, sob a forma de co-autoria, tal como prevê o art. 26º do C. Penal e art. 6º, do RGIT, pois executaram a conduta típica por meio de uma divisão de tarefas, repartindo entre eles o condomínio do processo delitivo e detendo cada um deles o domínio funcional do facto, correspondente à divisão de tarefas própria do iter criminis em condomínio, todos com a consciência e a vontade da colaboração na realização do tipo legal de crime e a intenção da obtenção da aludida vantagem patrimonial indevida, à custa do erário público.

VIII - No caso, actuando os arguidos em co-autoria e estando na base da fraude fiscal um negócio simulado, a vantagem referenciada no normativo deverá ser entendida como composta pelos vários benefícios visados, umbilicalmente ligados ao único comportamento naquele negócio corporizado: só a soma dos valores com este pretendidos é susceptível de fornecer o real elemento quantitativo da fraude.

IX - Como corolário do assim ajuizado, o apuramento feito sobre o valor integral da vantagem ilícita pretendida repercute-se no objecto da responsabilidade penal e, por isso, necessariamente, deve ser considerado também na medida da responsabilidade cível dos arguidos: sendo vários os (co)autores, todos eles respondem, solidariamente, pela vantagem ilícita que se apure (cf. arts. 490º, 512º e 513º do CC).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

No processo comum singular n.º 40/12.7IDVRL, do Juízo de Competência Genérica de X do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, por sentença proferida e depositada a 22-03-2018, os arguidos F. B., S. C., M. A., M. P. e M. L. foram condenados, como coautores materiais de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), nas penas de 160 dias de multa, os dois primeiros à taxa diária de € 4 e os restantes à taxa diária de € 8, e ainda, a pagarem solidariamente à demandante Autoridade Tributária e Aduaneira, representada pelo Ministério Público o montante de € 55.213,55.

Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso que rematou com as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso versa exclusivamente matéria de direito, na parte atinente à escolha e medida da pena aplicada.
2. A douta sentença recorrida condenou cada um dos arguidos na pena de 160 dias de multa, pena a nosso ver inadequada, dado que, no caso, a pena não privativa da liberdade não se revela suficiente para acautelar as finalidades da punição.
3. Entendemos que uma correta aplicação do normativo ínsito nos arts. 40, n.º 1 e 70.º, do Código Penal impunha a aplicação aos arguidos de uma pena privativa da liberdade, ainda que suspensa na sua execução, pelo que se pugna, pois, in casu apenas a pena detentiva satisfaz as necessidades da punição.
4. Refere-se na douta sentença que: “As exigências de prevenção geral e especial revelam-se acentuadas, em face da banalização da prática do crime em análise, demonstrada pelos elevados índices de criminalidade fiscal; A ilicitude revela-se normal para o tipo; A consequência do ilícito reveste alguma gravidade, na medida em que os arguidos causaram ao Estado um prejuízo de valor relativamente elevado. O grau da culpa mostra-se elevado, tendo em conta que os arguidos agiram com dolo direto.”
5. E, baseia-se o Tribunal para a aplicação da pena de multa (saliente-se, 160 dias) apenas no facto de os arguidos não terem registados antecedentes criminais e de estarem social e familiarmente inseridos.
6. A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas. Assim, a escolha da pena depende de critérios de prevenção geral e especial, pelo que o julgador, perante um caso concreto, tem que valorar os factos para depois optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.
7. A escolha da pena, nos termos do artigo 70.º, do C. Penal, depende exclusivamente das finalidades da punição, pelo que o julgador só deve optar pela cominação de pena privativa da liberdade quando a mesma se mostre consentânea com os princípios de prevenção geral e especial, isto é, quando se mostre necessária porque a aplicação de pena não detentiva não se mostra adequada e suficiente às finalidades da punição. Mas em tal situação deve aplica-la.
8. Sobre a escolha da pena a aplicar nos crimes fiscais são de considerar prementes no caso as exigências de prevenção geral.
9. É certo que os arguidos não têm passado criminal, mas nada mais milita a favor dos mesmos, sendo que o arguido F. B., o único que prestou declarações, negou os factos.
10. Não podem ser descuradas as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, na medida em que, pese embora, como se disse, os arguidos não tenham passado criminal e estejam inseridos social e familiarmente, no que respeita ao arguido F. B. negou os factos, chegando mesmo, numa de defesa concertada com os arguidos S. C. e M. A., e através de requerimentos iguais, a manifestar com eles oposição ao que foi determinado oficiosamente pelo Tribunal, quanto a obterem-se os extratos das suas contas bancárias, para se conhecer quem procedera ao pagamento do distrate da hipoteca do imóvel e com que dinheiro, vindo a apurar-se ser do montante de € 215.000,00.
11. Assim, entendemos ser de aplicar aos arguidos pena de prisão, sob pena de as sanções para as condutas em análise serem tomadas como simples impostos, assim se contribuindo para a manutenção do grau de frequência do referido ilícito.
12. Tal como refere o Dr. Jorge dos Reis Bravo, “nas infrações fiscais ou tributárias puníveis, em alternativa, com pena de multa ou de prisão, a opção por esta última impõe-se dadas as fortes razões de prevenção geral que particularmente se fazem sentir neste tipo de ilícitos e sempre que o benefício ilegítimo obtido pelo arguido, com o correspondente prejuízo para o Estado, seja significativo”.
13. Assim, sendo o benefício obtido já considerado significativo (€55.213,55), entendemos ser de revogar a decisão recorrida, uma vez que a pena não detentiva (concretamente, a pena de 160 dias de multa) não se mostra suficiente para realizar as finalidades da punição (art. 70.º do C. Penal) e a proteção dos bens jurídicos e a integração do agente na sociedade (art. 40.º do mesmo diploma legal).
14. No que respeita à medida da pena, importa dizer que na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no art. 71.º, nº 1 e 2, do C. Penal. Dispõe o n.º 1, que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial). Visando-se, com a aplicação das penas, a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, conforme preceituado no art. 40.º, nº 1, do Cód. Penal.
15. Dispõe ainda o art. 13.º do RGIT que “ Na determinação da medida da pena atende-se sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime”.
16. No caso concreto entendemos que ilicitude revela-se acentuada e as consequências do ilícito assumem gravidade, na medida em que os arguidos causaram ao Estado um prejuízo de valor já considerável (€55.213,55), prejuízo esse que nenhum dos arguidos ressarciu.
17. O grau da culpa mostra-se acentuado, tendo em conta que os arguidos agiram com dolo direto.
18. Por sua vez as exigências de prevenção geral e especial revelam-se acentuadas, havendo que incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos desta natureza são punidos, assim como há que dissuadir os arguidos para que não voltem a prevaricar.
19. Entendemos, assim, atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la, sob pena não surtir o efeito pretendido pela lei e não sentirá, certamente, com uma pena de multa de 160 dias.
20. Tendo em conta o supra expendido e a moldura penal do crime (pena de prisão até três anos), e uma vez que os arguidos não têm passado criminal, temos como justa e adequada a pena concreta de 1 (um) ano de prisão.
21. Quanto à suspensão da execução da pena, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, decidiu: «No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.».
22. Tendo em conta as condições económicas dos arguidos que resultaram provadas, entendemos que existe o indicado juízo de prognose de possibilidade de satisfação da condição legal.
23. Nos termos do art. 14.º do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de 5 anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, podendo ser acrescida do pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
24. Assim, não tendo os arguidos antecedentes criminais registados, entendemos que a pena de 1 (um) ano de prisão a aplicar aos arguidos, deverá ser suspensa na sua execução com a condição de os arguidos, solidariamente, procederem ao pagamento dos impostos em dívida e acréscimos legais.
25. Ao assim não decidir, tendo condenado os arguidos em pena de multa (160 dias), violou o Tribunal a quo o disposto nos arts. 40º, 50.º, 70.º, 71.º do C. Penal, 13.º e 14.º, do RGIT.»

Os arguidos M. A., M. P. e M. L. também interpuseram recurso, de cuja motivação se extraem as conclusões que seguem:

«1) A Mmª Juíza “a quo”, entendeu, no que respeita ao elemento subjectivo, ou seja o dolo, com que os arguidos/recorrentes terão actuado, que se verificou, chegando a essa conclusão lançando da chamada “prova indirecta”, fazendo uma análise objectiva das condutas adoptadas por todos os arguidos e concluindo que os elementos do dolo estiveram presentes nas condutas de todos eles.
2) Salvo o devido respeito, que é muito, não se pode concordar com essa conclusão, uma vez que o uso de prova indirecta implica dois momentos de análise: Um primeiro requisito, de ordem material, exigirá que os indícios estejam completamente provados por prova directa, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência;
3) Posteriormente, um juízo de inferência que seja razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência e da vida (dos factos base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência).
4) Tendo presentes estes pressupostos e com relevo, veja-se o que é dito na douta sentença em crise:
5) “16. Em data não apurada, mas anterior a 03.06.2011, os arguidos F. B. e S. C. acordaram com os compradores, o arguido M. A. e com os seus pais, M. P. e M. L., que iam representar na escritura, a venda dos referidos imóveis e combinaram, igualmente, no sentido de declararem, na escritura de compra e venda dos imóveis, valores monetários inferiores aos valores efectivamente recebidos pelo comprador por venda dos aludidos imóveis, por modo a ocultar os verdadeiros lucros resultantes dessas vendas e a pagar menos imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), e a permitir que o comprador pagasse menos imposto pela aquisição desses imóveis (IMT)”.
6) Fica-se, assim, sem perceber se os arguidos M. A., M. P. M. L., aquando do alegado convénio com os restantes arguidos, acordaram unanimemente na alegada simulação do negócio, ou seja, quais os termos da vontade de cada um daqueles arguidos.
7) Se foram todos completamente receptivos à proposta dos demais arguidos, se foram estes que apresentaram essa proposta, se foram os arguidos M. A., M. P. M. L. que a apresentaram àqueles, ou, ainda se foi apenas um dos arguidos que o fez.
8) O mesmo se diga, em relação à aceitação dos termos do negócio, isto é, se tal proposta foi unanimemente aceite, ou se foi aceite apenas por algum ou alguns dos arguidos.
9) Relevando tais questões, na modesta opinião dos recorrentes, em sede de elemento subjectivo, tendo em conta os elementos do dolo.
10) Com efeito, para o legislador português, o dolo é essencialmente representação e vontade, é a vontade de realizar um tipo penal conhecendo o sujeito todas as suas circunstâncias fácticas objectivas.
11) Do lado da vontade, entre o querer e o não querer existe abertura para uma progressão do mesmo género e, no seu íntimo, o agente tanto pode aprovar o resultado criminoso que previu como possível, como encará-lo com a mais absoluta indiferença ou mesmo nem sequer o desejar.
12) O dolo não prescinde da vontade nem da consciência, porque, de acordo com a perspectiva corrente “nihil volitum nisi praecognitum”, ou seja, só se pode querer aquilo que se conhece.
13) Tendo em conta que está dado como provado que os arguidos M. P. e M. L., têm respectivamente o 4º e o 3º ano de escolaridade, o grau de conhecimento dos mesmos relativamente aos alegados termos da imputada simulação de negócio não foi sequer objecto de pronúncia na douta decisão em crise, onde apenas se refere que os mesmos terão tido intervenção no negócio em representação de M. A..
14) Pertinazmente pode perguntar-se, terão sido instruídos por ele? Em que termos e circunstâncias?
15) Ocorre, por isso, na modesta opinião dos recorrentes, omissão de pronúncia relativamente ao dolo dos arguidos M. P. e M. L., que expressamente se invoca para os legais efeitos.
16) Resulta também da douta decisão em crise, designadamente do ponto 20 dos factos dados como provados que, “por conseguinte, o arguido M. A. obteve vantagens, em sede de IMT, que se cifram em 13.975,00 €, resultante da aplicação da taxa de 6,5% - artigo 17º, nº 1, do Código do IMT (…)”.
17) O artº 103º do RGIT incrimina como fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no artigo, que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
18) Essas condutas encontram-se descritas nas alíneas a) a c) do nº 1.
19) E o nº 2 prescreve que “os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem ilegítima for inferior a 15.000 €” (na redação introduzida pela Lei nº 60-A/2005 de 30.12), aplicável à data dos factos.
20) O valor de 15.000 € previsto declaradamente no art. 103º nº 2 do RGIT constitui um limiar mínimo de punição, ou seja, consubstancia uma fronteira de relevância típica, ou seja, um limite mínimo de dignidade penal, integrando assim o tipo de ilícito.
21) Não configura uma simples condição de punibilidade, o que pressuporia que o tipo já estivesse realizado só havendo punição se a condição se verificasse; representa, sim, um elemento do próprio tipo de ilícito, sem o qual este não se realiza.
22) Assim, as condutas – todas as condutas – adequadas a causar diminuição de receita tributária inferior a 15.000,00 € não serão puníveis, já que a ação não atinge dignidade penal.
23) Na douta decisão em crise, verificamos que a Mmª Juíza “a quo”, para chegar à punibilidade dos arguidos, ora recorrentes, “junta” os montantes das alegadas vantagens patrimoniais, 41.238,55 €, a obtida pelos arguidos F. B. e S. C. e 13.975,00 € e a obtida pelo arguido/recorrente M. A., obtendo um total de 55.213,55 €.
24) Montante que imporia a condenação dos arguidos, não pela prática de um crime de fraude fiscal simples, como ocorreu, mas pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, atento o disposto no artº 104º nº 2, alínea b), do RGIT.
25) Salvo o devido e merecido respeito, o douto Tribunal “a quo”, não pode concluir, como fez, que as condutas dos arguidos, ora recorrentes, tivessem como fim defraudar a Administração Fiscal naquele montante de 55.213,55 €, desde logo, porque as vantagens patrimoniais obtidas se cifram em montantes completamente diferentes, com relevo para a que foi obtida pelos outros dois arguidos.
26) Do ponto de vista da comparticipação, exigia-se uma distinção entre as condutas dos arguidos, tendo em conta o resultado das mesmas, até porque a culpa na comparticipação é graduada em função do respectivo grau.
27) Com efeito, sendo a responsabilidade criminal estritamente individual e a medida concreta da pena dependente da medida da culpa (grau pessoal de censurabilidade pelo ilícito típico cometido), cada comparticipante é punido na medida da sua culpa (artº 29º, do C. Penal).
28) A culpa dos arguidos aqui recorrentes deve graduar-se em função da vantagem patrimonial obtida, ou seja, de 13.975,55 €, montante esse que não tem sequer dignidade penal.
29) É, por isso, de forçosa conclusão que a conduta dos arguidos/recorrentes não é punível criminalmente, pelo que deverão os mesmos ser absolvidos.
30) Resulta ainda da douta decisão ora em apreço que os arguidos, aqui recorrentes foram, além do mais, condenados, solidariamente, no pagamento, à Autoridade Tributária e Aduaneira, do montante de 55.213,55 €.
31) Uma vez mais, ressalvando todo o devido e merecido respeito, entende-se que a douta decisão aqui em crise laborou em erro.
32) Já que, tendo conta o disposto no artº 129º, do C. Penal, a responsabilidade por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela Lei Civil, sendo, por isso, o instituto competente para este fim o da responsabilidade civil extra contratual, regulada nos artºs 483º e seguintes do C. Civil.
33) Nos termos do disposto no nº 1 da norma vinda de enunciar, “aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
34) Interessa-nos, neste âmbito, a parte final da norma acima referida, quando se refere aos danos resultantes da violação.
35) “In casu”, verifica-se que a conduta dos arguidos, ora recorrentes, provocou a obtenção de uma vantagem patrimonial indevida no valor de 13.975,00 € e a consequente lesão do património do Estado nesse montante.
36) Porém, julgados verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, os aqui recorrentes são condenados a pagar, solidariamente, à Autoridade Tributária, não aquele montante, mas sim o de 55.213,55 €.
37) Ou seja, responsabilizam-se os recorrentes pelo pagamento de montante que as suas condutas não geraram, à revelia de todas as normas da responsabilidade civil.
38) Na verdade, aquele que viola ilicitamente o direito de outrem, apenas fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação de que foi autor, não pelos danos que outros intervenientes provocaram naquele.
39) Nessa conformidade, não pode proceder uma decisão relativa a um pedido de indemnização que condene o responsável civil nesses termos.
40) Entendem os ora recorrentes que as suas condutas, tendo em conta o resultado das mesmas, não podem ser objecto de punibilidade penal, atento o disposto no artº 103º nº 2, do RGIT.
41) Pelo que inexistindo a prática de crime pelos ora demandados civis, inexiste igualmente responsabilidade civil dos mesmos, devendo a decisão relativa ao pedido de indemnização deduzido, ser revogada e substituída por outra que absolva os aqui demandados civis.
42) A douta decisão em apreço, violou o disposto nos artºs 103º nºs 1 e 2, do RGIT, 29º, do C. Penal e 483º e seguintes do C. Civil.»

Os arguidos F. B. e S. C. também se insurgiram contra a decisão recorrida, colhendo-se da sua motivação as seguintes conclusões:

«1ª Os Recorrentes foram condenados cada um, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103° do Regime Geral das Infrações Tributárias (doravante RGIT), na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 4,00€.
2ª O Tribunal a quo condenou ainda os Recorrentes a pagar, solidariamente, à demandante Autoridade Tributária e Aduaneira, representada pelo Ministério Público, o montante de €55.213,55 euros e acréscimos legais, sendo os juros contabilizados até integral pagamento – correspondente ao pedido de indemnização cível.
3ª Os Recorrentes aceitam os factos dados como provados e a sua qualificação jurídica, bem como com a natureza e medida concreta da pena principal em que foram condenados, sendo que apenas discordam do montante respeitante ao pedido de indemnização civil.
4ª Na realidade para chegar aquele valor o Tribunal a quo teve que somar ao imposto de mais-valias os valores em falta em sede de IMT, que de todo não eram ou são da responsabilidade dos recorrentes, que não são neste negócio sujeitos passivos de IMT. Neste sentido, os Recorrentes apenas deveriam ter sido condenados a pagar uma indemnização correspondente ao prejuízo causado pelo crime, ou seja, no montante de €41.238,55 euros.

Porquanto,

5ª Tal como consta da douta sentença proferida “os arguidos F. B. e S. C., omitiram na declaração de IRS de 2011 que apresentaram à administração Fiscal a mesma quantia de € 215.000,00, obtendo ao assim proceder uma vantagem patrimonial que ascende a €41.238,55”.
6ª Mesmo assim e para aferir a vantagem patrimonial dos Recorrentes, deveria a administração fiscal, levar em conta o valor gasto nas avultadas obras de valorização e manutenção do imóvel, os custos da certificação energética deste, os custos da comissão paga à imobiliária, os custos de solicitadoria, as despesas com a aquisição (IMT e Imposto de selo), entre outras, pelo que o valor a que a ATA chegou não está correto e também não está correta, porque parte de pressupostos errados ou insuficientes, a sentença aqui em questão, que assim viola o disposto nas als. c) e a) do nº 2 do art. 410º do CPP. A falta de consideração destes elementos torna a sentença proferida nesta sede nula – o que se requer, porquanto tais vícios – insuficiência da matéria de facto dada como provada - resultam da própria sentença.
7ª A vantagem patrimonial dos Recorrentes corresponderia sempre e somente ao imposto de mais-valias, apreciado à luz dos critérios fixados em sede de Impostos sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e que, pelo menos, nunca poderá ser superior à quantia de €41.238,55 euros, mas que será sempre inferior a este montante.
8ª Não se considerando assim, temos neste particular que o RGIT não afasta a regra geral constante do art. 483º do Código Civil, aplicável por remissão do art.º 3.º, al. c) do RGIT, segundo o qual: “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
9ª Por este motivo, os Recorrentes apenas podem ser condenados a indemnizar a Autoridade Tributária e Aduaneira pelo montante de que ilicitamente se locupletaram, logo, não podem ser solidariamente responsáveis pela vantagem que os restantes arguidos obtiveram em sede de IMT.
10ª No caso em apreço, estamos perante um caso de responsabilidade civil por facto próprio, facto culposo causador do não pagamento do montante de €41.238,55 euros – Recorrentes apenas são responsáveis pelos danos resultantes da violação de que foram autores.
11ª Cumpre ainda referir que, de acordo com a sentença proferida, a atuação dos arguidos, ora Recorrentes, enquadra-se nos tipos objetivo e subjetivo do ilícito “fraude fiscal”, pelo que, foram condenados, cada um, pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo art. 103º do RGIT.
12ª Já assim entendia a Mma. Juíza e bem, a nosso ver, que a vantagem patrimonial dos aqui Recorrentes havia sido superior ao montante de €50.000,00 euros, por esse motivo, também não enquadrou as condutas dos arguidos no âmbito do nº 2 do art. 104º do RGIT.
13ª Assim, mais uma vez, de acordo com a qualificação jurídica do crime praticado pelos Recorrentes, entendemos que estes não podem ser estes solidariamente responsáveis pelo pagamento da quantia de €13.975,00 euros, correspondente à vantagem patrimonial que o arguido M. A. obteve em sede de IMT, resultante da aplicação da taxa de 6,5%, ao montante da alienação omitido.
14ª Ao fazê-lo a sentença recorrida violou o disposto no nº 2 do art 410º do CPP.»

Os recursos foram admitidos por despacho proferido a fls. 927.

Os arguidos responderam ao recurso apresentado pelo Ministério Público, pugnando pela respectiva improcedência e pela manutenção da decisão recorrida.

Por sua vez, o Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta aos recursos dos arguidos, defendendo a sua total improcedência, por entender que tendo os arguidos actuado em conjugação de esforços e sendo a vantagem global obtida e consequente prejuízo no montante total de € 55.123,55, tal conduta consubstancia a prática por todos do crime de fraude fiscal pelo qual foram condenados, sustentando, ainda, que a sentença recorrida não deixou de se pronunciar sobre todas as questões suscitadas, nomeadamente sobre o dolo com que actuaram os arguidos M. P. e M. L., e não violou quaisquer normativos legais, mormente o disposto nos artigos 103º do RGIT, 29º do C. Penal e 483º do C. Civil.

E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, suscitando a questão prévia do não conhecimento do recurso apresentado pelo arguido M. A., na medida em que o mesmo, após a notificação da sentença, não se manifestou inconformado com a mesma, não devendo, por isso, ser aproveitado o recurso anteriormente interposto pelo respectivo mandatário. Relativamente aos recursos interpostos pelo Ministério Público e arguidos defende que devem ser julgados improcedentes os destes e procedente o daquele. Segundo aduz, todos os arguidos actuaram em conjunto e concertadamente, de forma deliberada, livre e consciente, com a intenção de declararem na compra e venda um valor muito inferior ao valor real, causando ao Estado um prejuízo de € 55.213,55, como se retira da conjugação dos factos provados com as regras da experiência comum: qualquer cidadão que corresponda ao padrão do homem médio, agindo como os arguidos agiram, revela inequivocamente intenção de praticar os factos, como estes na realidade praticaram, sendo do conhecimento comum, assim como dos recorrentes, que ao efectuarem um contrato de compra e venda de imóveis e ao declararem na escritura e comunicarem à Autoridade Tributária que o imóvel foi vendido e comprado por um preço muito inferior ao preço que realmente foi praticado, vão pagar impostos inferiores aos que na realidade são devidos.

Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP. Efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.
*
II - Fundamentação

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, nos recursos suscitam-se as seguintes questões (organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência):

1 - A questão prévia do não conhecimento do recurso;
2 - Os vícios da sentença quanto à não pronúncia sobre o elemento subjectivo da infracção;
3 - O preenchimento pela conduta dos arguidos M. A., M. P. e M. L. do pressuposto previsto no art. 103º, n.º 2 do RGIT;
4 - A escolha e medida concreta das penas;
5 - A medida da responsabilidade cível dos arguidos.
*
Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinente a factualidade considerada na decisão recorrida:

Factos provados:

1. Em data não apurada, os arguidos F. B. e S. C. contactaram a imobiliária..., para publicitar a venda da fracção autónoma designada pela letra A, correspondente à loja para comércio ou serviços no rés-do-chão, lado direito, que faz parte do prédio urbano afecto ao regime de propriedade horizontal sito na Rua …, freguesia e concelho de X, descrito na Conservatória sob o número 9 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1574, da freguesia de X, pelo preço de €98.000,00 e; bem assim, o prédio misto, destinado a habitação, com uma área total de 985m2, sito no Lugar ..., Rua do ..., freguesia de X, concelho de X, descrito na conservatória do Registo Predial de X, sob a ficha n.º .../19890906, isento de licença de utilização, e inscrito na matriz predial urbana, com o artigo n.º 799 e na matriz predial rústica, com o artigo n.º 105 da freguesia do X, pelo preço de €450.000,00. O que se concretizou através da emissão, designadamente, de dois folhetos, sob os números 122351001-459 e 122351001-469.
2. Entretanto, no dia 10.01.2011, a firma Y, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA com sede social na Rua …, Vila Real celebrou com os arguidos F. B. e S. C. o contrato de mediação imobiliária n.º 390, no qual os segundos declararam ser proprietários e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra A, correspondente à loja para comércio ou serviços no rés-do-chão, lado direito, que faz parte do prédio urbano afecto ao regime de propriedade horizontal sito na Rua …, freguesia e concelho de X, descrito na Conservatória sob o número 9 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1574, da freguesia de X.

3. Da 2ª clausula consta que:

1 - A mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de €98.000.00, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informação sobre os negócios pretendidos e características do respectivo imóvel;
2 - Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e por escrito à mediadora.
4. Na cláusula 4ª resulta que “ o segundo contratante - os arguidos F. B. e S. C. – contrata a mediadora em regime de exclusividade.
5. Na cláusula 5ª consta que
1- “ A remuneração só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (…).
2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração, a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor”.
6. No dia 24.02.2011, a firma Y, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA com sede social na Rua …, Vila Real, celebrou com os arguidos F. B. e S. C. o contrato de mediação imobiliária n.º 390, no qual os segundos declararam ser proprietários e legítimos possuidores de um prédio misto, destinado a habitação, com uma área total de 985m2, sito no Lugar ..., Rua do ..., freguesia de X, concelho de X, descrito na conservatória do Registo Predial de X, sob a ficha n.º .../19890906, isento de licença de utilização, e inscrito na matriz predial urbana, com o artigo n.º 799 e na matriz predial rústica, com o artigo n.º 105 da freguesia do X.

7. Da 2ª clausula consta que:

1 - A mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de €450.000.00, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informação sobre os negócios pretendidos e características do respectivo imóvel;
2- Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e por escrito à mediadora.

8. Na cláusula 5ª consta que:

1- “ A remuneração só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (…).
2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração, a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor”.
9. Em data anterior a 11.04.2011, a firma Y, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA angariou dois compradores para os imóveis, o arguido M. A., representado pelos seus pais, os Arguidos M. P. e M. L..
10. No dia 11 de Abril de 2011, os arguidos F. B. e S. C. celebraram com o arguido M. A., representado por M. P. e M. L., seus pais, contrato promessa de compra e venda, no qual os primeiros arguidos (F. B. e S. C.) declararam que são proprietários do prédio misto, composto por casa com dois pisos e vinha na região demarcada do Douro, sita na Rua do ..., freguesia e concelho de X, inscrito na matriz sob os artigos 2309 urbano e rústico 105 – secção B, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., detentor do alvará de licença de utilização n.º 13/11, emitido pela Câmara Municipal de X em 12.04.2011 e; fracção autónoma designada pela letra A, correspondente à loja para comércio ou serviços no rés-do-chão, lado direito, que faz parte do prédio urbano afecto ao regime de propriedade horizontal sito na Rua …, freguesia e concelho de X, descrito na Conservatória sob o número 9 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1574, detentor do alvará de utilização n.º 9/84, emitido pela Câmara Municipal de X em 04.06.1984;
11. Consta, ainda do dito contrato que os primeiros outorgantes (arguidos (F. B. e S. C.) prometem vender aos segundos outorgantes (M. A., representado pelos seus pais, M. P. e M. L.), os prédios descritos.
12. Mais se fez consignar, no referido contrato, que o preço total do contrato prometido é de €500.000,00, a ser pago da seguinte forma:
a) A título de sinal e princípio de pagamento a quantia de €95.000,00, que serão pagos no momento da assinatura do contrato de promessa;
b) O remanescente do preço será pago no momento da assinatura da escritura pública do contrato prometido.
13. Decorre da cláusula 7ª, que as partes se vincularam à celebração do contrato prometido no prazo de 30 dias, após a realização do contrato promessa.
14. No dia 13.04.2011, a firma Y, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA emitiu a factura n.º 02/11, a favor do arguido F. B., que lhe pagou a título de comissão pela intermediação do negócio imobiliário realizado, a título de comissão a quantia de € 31.365,00, sendo €25.000,00 de comissão e €5865,00 correspondente ao valor do IVA devido pela operação.
15. O valor cobrado pela firma - €2500,00 – reporta-se a aplicação da comissão de 5% sobre o valor do negócio - €500.000,00x5% -, de harmonia com a cláusula 5ª do contrato de mediação imobiliária, acrescido de €500,00, alusivos a despesas do contrato.
16. Em data não apurada, mas anterior a 03.06.2011, os arguidos F. B. e S. C. acordaram com os compradores, o arguido M. A. e com os seus pais, M. P. e M. L., que iam representar na escritura, a venda dos referidos imóveis e combinaram, igualmente, no sentido de declararem, na escritura de compra e venda dos imóveis, valores monetários inferiores aos valores efectivamente recebidos pelo comprador por venda dos aludidos imóveis, por modo a ocultar os verdadeiros lucros resultantes dessas vendas e a pagar menos imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), e a permitir que o comprador pagasse menos imposto pela aquisição desses imóveis (IMT).
17. Assim, em concretização dos seus intentos, os arguidos F. B. e S. C. celebraram com o comprador dos imóveis acima identificados, M. A., representado pelos seus pais, os arguidos M. P. e M. L. a escritura de compra e venda, nela declarando valores inferiores aos efectivamente recebidos, nos termos a seguir discriminados.
18. No dia 3 de Junho de 2011, por escritura lavrada no cartório notarial de …, os arguidos F. B. e S. C. declararam vender ao arguido M. A., representando pelos seus pais M. P. e esposa M. L. os seguintes imóveis:
a) Prédio misto, composto por casa com dois pisos e vinha na região demarcada do Douro, sita na Rua do ..., freguesia e concelho de X, inscrito na matriz sob os artigos 2309 urbano e rústico 105 – secção B, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., com os valores patrimoniais respectivamente de €143.610,00 e €26,78 respectivamente, pelo preço de €145.000,00 e €70.000,00;
b) Fracção autónoma designada pela letra A, correspondente à loja para comércio ou serviços no rés-do-chão, lado direito, que faz parte do prédio urbano afecto ao regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., freguesia e concelho de X, descrito na Conservatória sob o número 9 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1574 com o valor patrimonial de €4792,44, pelo preço de €30.000,00. Tudo no valor global de €245.000,00
19. Com as condutas acima descritas de todos os arguidos, F. B., S. C. e M. A., visaram e lograram obter vantagens patrimoniais indevidas, à custa do património do Estado, vantagens que por banda do comprador - M. A. – se materializam no valor do Imposto Municipal sobre transmissões onerosas de Imóveis – IMT – que deixou de ser pago e por parte dos vendedores - F. B. e S. C. – na correspondente redução do imposto – mais-valias – em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).
20. Por conseguinte, o arguido M. A. obteve vantagens em sede de IMT, que se cifram em €13.975,00, resultante da aplicação da taxa de 6,5% - artigo 17.º, n.º1, do código do IMT – ao montante da alienação omitido - €215.000,00.
21. Já os arguidos F. B. e S. C., omitiram na declaração de IRS de 2011 que apresentaram à administração Fiscal a mesma quantia de € 215.000,00, obtendo ao assim proceder uma vantagem patrimonial que ascende a €41.238,55.
22. Até a presente data tais quantias não se mostram pagas.
23. Os arguidos em concertação de esforços, de forma livre, deliberada e consciente, actuaram com o intuito de declarar um preço que não correspondia às suas vontades e efectiva e respectivamente pago e recebido, bem sabendo que assim diminuíam as receitas tributárias devidas, causando prejuízo à administração fiscal, no montante global de €55.213,55.
24. Bem sabiam, ainda, os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
(…) 26.º Inexistem [antecedentes criminais], quanto a todos os arguidos.

Da situação pessoal dos arguidos:

27.º Quanto à situação pessoal de F. B. e S. C.:

a) É casado com S. C., co-arguida nestes autos
b) O agregado familiar vive em ….
c) S. C. aufere a quantia de seiscentos euros mensais a título de vencimento.
d) O arguido trabalha na agricultura, auferindo a quantia de oitocentos euros mensais a título de vencimento.
e) Têm dois filhos a cargo, com 22 e 16 anos.
f) Habitam em casa arrendada, pagando mil euros a título de renda.
g) Possui o 11º ano.

28.º Quanto à situação pessoal de M. P.:

a) É casado com M. L., arguida nestes autos
b) Reformado, auferindo a quantia de mil euros mensais, a título de pensão de reforma.
c) Vivem com sua mulher em casa pertencente ao seu filho, o arguido M. A..
d) Possui o 4º ano de escolaridade.

29.º Quanto à situação de M. L.:

a) Reformada, auferindo a quantia de mil euros mensais, a título de pensão de reforma.
b) Possui o 3º ano de escolaridade.
30.º Quanto à situação de M. A.:
a) Encontra-se a trabalhar na Suíça.
b) A sua entidade empregadora é a … S.A.
c) É proprietário dos imóveis referidos nos factos provados.
*
A Fundamentação da decisão de facto (sic):

O Tribunal respondeu à matéria de facto da forma supra descrita tendo em consideração, desde logo, a análise crítica da documentação junta aos autos: o auto de notícia, a fls. 40 a 42, o relatório de inspecção tributária, a fls. 43 a 55, o contrato de promessa de compra e venda, a fls. 57, os contratos de mediação imobiliária, a fls. 59 a 61, a factura, a fls. 63 e 64, a escritura pública a fls. 65 a 71, os documentos a fls. 140 a 145, o parecer a fls. 147 e seguintes, bem como os documentos posteriormente solicitados por nós à AT, e juntos aos autos durante as sessões de audiência de julgamento, designadamente, a publicidade da Imobiliária ... de fls. 594, as informações prestadas pelos bancos a fls. 631 e ss., 725 e ss., cheque de fls. 878.

Conjugadas com o teor do depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, com especial relevância para o depoimento das testemunhas, C. P., C. M. e A. E., inspectores tributários da Direcção de Finanças de Vila Real, cujos depoimentos se afiguraram isentos e credíveis, os quais confirmaram o teor dos relatórios e pareceres da ATA, constantes dos autos e identificados supra.

Consideramos ainda o teor do depoimento de C. F., residente em Matosinhos, que à data dos factos era gestora dos recursos humanos na imobiliária que intermediou o negócio, que nos explicou como se processava o pagamento da comissão à imobiliária, e que valores estavam na base de tal montante.

Não atribuímos tanta importância ao depoimento de J. M., contabilista dos arguidos M. A., M. P. e M. L., uma vez que prestou um depoimento comprometido e pouco espontâneo, onde referiu nada saber.

Também não atribuímos credibilidade a M. C., farmacêutico, residente em …, que era gerente da imobiliária à altura dos factos. De forma pouco credível, referiu não se lembrar do imóvel em causa, prestando um depoimento pouco credível, tendo nós ficado com a sensação que a testemunha sabia mais do que aquilo que contava. Estranhamente, a testemunha, que não se lembrava do imóvel em causa, a instâncias da defesa, lembrou-se das obras (volumosas) de que o mesmo necessitava.

Por fim, pese embora tenha sido o primeiro a falar em sede de julgamento, temos a explicação dada por F. B., arguido nestes autos:
Refere que, em finais de 2010,colocou dois imóveis à venda pela Imobiliária ..., com o valor global de €500.000,00, e que os arguidos M. P. e M. L. mostraram interesse no negócio.

Mais refere que o imóvel principal necessitava de muitas obras.

Celebraram contrato promessa de compra e venda, tendo sido paga a quantia de 95.000,00€ a título de sinal, valor esse correspondente à comissão devida à imobiliária–três cheques nos valores de 25.000,00€, 18.635,00€ e 20.000,000€.
Mais refere que quem pagou a comissão directamente à imobiliária foi o arguido M. P.– cerca de 30.000,00€.
Passados os três meses, como não conseguiu concluir as obras no imóvel, acordou com o comprador a redução do preço da venda para metade, tendo sido marcada a escritura.
Refere que recebeu a quantia de 150.000,00€ aquando da celebração escritura, e que a diferença para os 245.000,00€ foi paga directamente ao banco pelo comprador (M. P.), que liquidou os valores que este tinha em divida, por causa das hipotecas.
Nas suas declarações tem sempre a atenção em dizer que não se recorda de números, de datas, de negociações, o que não nos parece credível dada a necessidade de fechar o negócio.
Mais referimos que nas suas declarações tenta fugir às perguntas que lhe são feitas, escusando-se às respostas, dizendo que “está baralhado”, e a fazendo observações laterais.
Os restantes arguidos presentes remeteram-se, legitimamente, ao silêncio.
Os documentos, e as regras de experiencia comum, comprovam que esta versão dos factos apresentada por F. B., e onde se alicerça a defesa dos arguidos, não corresponde à verdade.

Vejamos.

Temos, em primeiro lugar, de dizer que em três meses não conseguiria, nunca, terminar umas obras que acenderiam a cerca de 250.000,00€.Desde logo, porque obras desse montante num imóvel com as dimensões daquele que consta do anúncio de fls. 594, corresponderiam, quase, à reconstrução do mesmo. Pelo que a justificação da redução do preço para metade em virtude das obras, não colhe.

Em segundo lugar, temos um cheque visado no valor de 215.000,00€, que, em 03.06.2011, data em que foi celebrada a escritura pública, entrou na conta do arguido F. B. (fls. 736 verso), e que em 01.06.2011 saiu da conta do arguido M. P. (fls. 763), cuja cópia se encontra nos autos a fls. 878, tendo como portador F. B..
Ora, a diferença de valores do negócio simulado para o negócio real foi paga com o cheque em causa, uma vez que não existia qualquer outro motivo para que M. P. pagasse 215.000,00€ a F. B., que não a diferença do preço.
O que nos permite concluir que os imóveis foram vendidos, pelo menos, pelo preço global de 460.000,00€-245.000,00€ declarados e 215.000,00€ não declarados.
Ao omitirem, indevidamente, a quantia de 215.000,00€, causaram ao estado prejuízo de €13.975,00em sede de IMT(6,5% do valor omitido) e de €41.238,55em sede de IRS não declarado pelos arguidos F. B. e S. C..
Dúvidas não restam que os factos objectivos e dados como provados supra foram praticados pelos arguidos. Resta, pois, averiguar se de tais factos objectivos é passível de ser extraído o aspecto subjectivo que comporta a existência de crime.
Ora, no aspecto subjectivo, tem de levar-se em conta o iter criminis apurado, e constante dos factos dados como provados supra.
Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa –vide M. Cavaleiro Ferreira, in Curso de Proc. Penal. Vol. II, 1981, pg. 292.
Em corroboração desta afirmação, diz-nos N. F. Malatesta, in A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pg. 172 e 173, que exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência.

Como refere o Acórdão do S.T.J. de 07.07.93 (publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º STJ l99307070444783): "Os elementos do crime, de estrutura psicológica como o dolo, só são, em regra, susceptíveis de prova indirecta, porque muito raros são os casos em que o agente anuncia que vai praticar um crime".

Ora, é recorrendo às regras de experiência que se há-de aferir ou não a existência da intenção criminosa, e é da matéria fáctica dada como provada que se hão-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação.

Compulsando a prova documental e, máxime, as declarações prestadas pelo arguido (conjugadas com os depoimentos de A. M. e R. C.–uma vez que apresentam a mesma “versão dos factos”)não foi apresentada qualquer prova que imponha decisão diversa.
Com efeito, segundo a normalidade do acontecer e, portanto, as regras gerais da experiência, é normal que nas circunstâncias como as materialmente provadas as pessoas efectuem negócios como vendas por valor fictício, inferior ao real, com a intenção de obter em lucro para si, pelo prejuízo causado à fazenda pública.
Pelo exposto nenhuma prova foi apresentada que imponha decisão diversa, em relação à intenção com actuaram os arguidos, provando-se, assim, o elemento subjectivo.
Da situação pessoal dos arguidos, neste particular, o tribunal atendeu também às declarações prestadas.
Para prova da ausência de antecedentes criminais registados aos arguidos atendeu-se ao teor dos CRC juntos aos autos.
*
III- O Direito.

1. A questão prévia.

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer veio defender que o recurso do arguido M. A. não deve ser conhecido, porque o mesmo, após ter sido notificado da sentença, não fez qualquer declaração no sentido de manter interesse na apreciação do recurso que o seu mandatário havia interposto da decisão.

Com todo o respeito, afigura-se-nos não assistir razão ao Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto.

Na verdade, não suscita qualquer dúvida que o prazo para interposição do recurso se inicia com a notificação do arguido – artigo 333º, n.º 5 do CPP (1).

Já o mesmo não sucede quanto à questão de saber se um recurso interposto por intermédio do advogado ou defensor oficioso do arguido, sem que este se encontre (pessoalmente) notificado, deve ser rejeitado por intempestividade, uma vez que ainda não se mostra iniciado o prazo para a sua interposição.

Assim, os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, in “Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas”, Coimbra Editora, pp. 832/833, tendo por referência o princípio do direito de defesa constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, perfilham o entendimento de que «o termo inicial do prazo do trânsito em julgado da sentença resultante de audiência, inclusive a leitura, que decorreu sem a presença do arguido só começa a correr com a sua notificação ao próprio, o que significa que o recurso que tenha sido interposto pelo seu defensor não pode ser admitido, por manifesta intempestividade».

Idêntica posição foi seguida no Ac. da RL de 28-01-2014 (p. 445/09.OGASXL.L1-3, rel. Margarida Almeida), na decisão sumária da RC de 10-05-2017 (p. 18/11.8TAOFR.C1, rel. Vasques Osório), 15-05-2013 (p. 414/10.8TAMGR.C1, rel. Maria José Nogueira) e 21-03-2012 (p. 83/08.5JAGRD, rel. Alberto Mira) e no Ac. da RP de 07-07-2010 (p. 1349/06.4TBLSD.P1, rel. Jorge Raposo) (2).

Entendimento dissonante foi sufragado no Acórdão do STJ de 07-01-2009 (p. 08P2865, Cons. Raúl Borges) (3) e na decisão sumária proferida pelo Exmo. Desembargador Cruz Bucho em 16-05-2016 (p. 1384/13.6TABRG.G1), em que defendeu que o recurso não deve ser julgado extemporâneo (4). Também o Exmo. Desembargador Fernando Monterroso, no voto de vencido aposto no Ac. desta Relação de 22-10-2012 (p. 585/09.6GBVVD.G1), partindo do entendimento que o prazo para a interposição de recurso é um prazo final, defendeu não haver razão alguma, relacionada com os fins visados pela norma, que impeça a interposição do recurso antes de iniciada a contagem do prazo (5). Também nós, tomando partido na divergência que, neste âmbito, continua a manifestar-se na jurisprudência, seguimos esta última posição por entendermos que é a que melhor se enquadra na letra e no espírito da lei, no que concerne, estritamente, à interposição de recurso na hipótese de ainda não ter sido efectivada a notificação (pessoal) da sentença ao arguido julgado na respectiva ausência.

Com efeito, a tempestividade do recurso emerge como requisito extrínseco da sua admissibilidade, impondo que a irresignação seja interposta dentro do prazo assinalado por lei, que é peremptório e, por isso, insuspcetível de dilação por convenção dos sujeitos processuais ou por decisão do juiz.

E não parece questionável que o recurso interposto pelo defensor da sentença condenatória proferida contra arguido ausente, enquanto este não se mostrar notificado da mesma, não deve ser admitido e se o for não pode ser objecto de apreciação pelo tribunal superior (6).

Mas essa óbvia constatação não suporta a ventilada tese da extemporaneidade – e do consequente não conhecimento – do recurso prematuramente interposto, talqualmente se impõe com o que seja deduzido após o término do prazo peremptoriamente estabelecido para o efeito.

A abordagem desta questão insta a perscrutar as finalidades dos factores motivadores da definição dos marcos temporais do início e do termo da recorribilidade, interpretadas do modo mais favorável ao acesso à justiça, por ser o direito ao recurso essencial na consolidação da garantia fundamental do due process of law, do princípio do processo justo: o que se extrai, a partir do disposto na lei é que o critério baseado na teleologia do acto de notificar é a precípua função de assegurar ao visado a oportunidade de impugnar a decisão que lhe é desfavorável, com a ciência transmitida pelo próprio tribunal e não mediatamente por interposta pessoa, enquanto, por seu turno, a previsão do marco peremptório para a interposição do recurso decorre de um valor funcional do direito, que é a segurança ou a consolidação de uma determinada situação jurídica, pondo termo à intranquilidade dos sujeitos processuais, mediante a estatuição de um prazo após o qual não é mais possível a impugnação da decisão.

Sublinhe-se que é em prol da ciência da decisão, «tendo em conta, em particular, as exigências decorrentes da protecção constitucional do direito de defesa, incluindo o direito ao recurso» (7), que reside o factor do estabelecimento do início do fluxo do prazo de recurso e tanto assim é que o próprio art. 373º do CPP faz equivaler a leitura da sentença em audiência à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes, visto que, ao ser lida, tem-se conhecimento imediato dela, e o subsequente art. 411º atribui à notificação das decisões em geral a função de deflagrar o início do prazo de recurso, ressalvando, no entanto, o caso especial da sentença, que o legislador entendeu fazer depender do seu depósito na secretaria, porque, como imediatamente se alcança, a cabal ciência do nela decidido e da sua fundamentação só é convenientemente assegurada através do acesso ao respectivo suporte textual.

Assim, numa perspectiva racional e teleológica, nada de substancialmente sólido se opõe a que o inconformado, tendo conhecimento dos termos da decisão por qualquer meio que o permita, a impugne ainda antes da sua formal e pessoal notificação, independentemente da fluição do prazo recursal só vir a ter como posterior padrão de início a prática de tal procedimento de intimação.
Trata-se de, em detrimento do velho brocardo dura lex, sed lex, corroborar o advento da moderna visão da instrumentalidade da forma, cada vez mais apontada pela actual processualística, bem como a ideia de que não se deve prejudicar o sujeito que agiu, de boa-fé, em consonância com a celeridade processual, antecipando-se ao procedimento.

Afinal, também o tribunal deve agir em conformidade com a boa-fé objectiva: à luz do princípio da boa-fé processual, se os prazos preclusivos visam a regular tramitação do processo, não faria sentido, em nome dum rigorismo formal injustificado, penalizar com o não conhecimento do recurso o sujeito que contribui para o célere desenvolvimento dos seus trâmites.

Portanto, atendendo à finalidade do prazo, não se descortina a real razão por que tal acto não poderá ser praticado antes do seu início, uma vez que o direito de interpor o recurso apenas se extingue com o término do respectivo prazo: o recurso “prematuro” apenas é “intempestivo” por preceder a prática formal do acto de intimação da decisão recorrida, sendo, por isso, apresentado em data anterior (ante tempus) à abertura do respectivo prazo e não porque se mostre extinto o direito de praticar tal acto, razão pela qual não pode ser equiparado ao recurso interposto depois de escoado in albis o prazo peremptório para o mesmo estatuído, pois apenas este é preclusivo da faculdade de recorrer (8).

A interposição prematura do recurso traduz-se na antecipação de um acto processual, que, como é salientado no voto de vencido atrás citado, de modo algum prejudica quem quer que seja e não se identifica com a interposição intempestiva do recurso, depois de exaurido o respectivo prazo, de que decorre a aceitação tácita da decisão judicial e a categórica preclusão do recurso.

Essa prematuridade apenas deve determinar a não admissão imediata do recurso, ficando este a aguardar a notificação (pessoal) da sentença ao arguido, ou seja, o suprimento da apontada omissão – o que não pode deixar de ser feito, como no caso já foi – para acautelar a exigência qualificada da inequivocidade da ciência do acto.

Nada obstaculizará ao aproveitamento, sem necessidade da sua repetição, do acto (interposição de recurso) já praticado em nome do arguido pelo seu defensor e que lhe está reservado pessoalmente por lei, o qual teve a oportunidade de, caso assim o entendesse, fazer uso da faculdade concedida pelo art. 63º, n.º 2, do CPP: «[o] arguido pode retirar eficácia ao acto realizado em seu nome pelo defensor, desde que o faça por declaração expressa anterior a decisão relativa àquele acto». Ora, a ausência de declaração, de qualquer tipo, por parte do arguido só pode significar, ao abrigo desse dispositivo, que o mesmo não retirou eficácia ao acto praticado, mantendo, consequentemente, interesse no conhecimento do recurso.

2. Os vícios da pronúncia quanto ao elemento subjectivo.

Enquanto os arguidos/recorrentes F. B. e S. C. declararam aceitar os factos dados como provados e a sua qualificação jurídica, os demais arguidos/recorrentes (M. A., M. P. e M. L.), embora também sem impugnarem a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art. 412º, n.º 3 do CPP, insurgiram-se contra o juízo de inferência sobre o elemento subjectivo da infracção expresso na sentença, alegando que, face a esta, fica sem se perceber quais os termos da vontade de cada um dos arguidos aquando do alegado convénio para a simulação do negócio e que ocorre omissão de pronúncia relativamente ao dolo dos arguidos M. P. e M. L..

Por um lado, a nulidade por omissão de pronúncia a que alude o preceito do art. 379º, n.º 1, c) do CPP, apenas ocorre quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, compreendidas no objecto do processo.

Tal vício prende-se com o incumprimento do dever de resolver todas as «questões» submetidas à apreciação do tribunal, exceptuando aquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela solução dada a outra, verificando-se, pois, quando tenha ocorrido ausência de decisão (9).

Dito de outro modo, a omissão de pronúncia constitui um vício da decisão que se consubstancia na violação por parte do julgador dos seus poderes/deveres de cognição, ocorrendo quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que a lei impõe que conheça e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar.

Por outro lado, quanto ao dolo, há que ter em consideração, na verificação do respectivo preenchimento, que o mesmo se desdobra nos chamados elementos intelectual – representação, previsão ou consciência dos elementos do tipo de crime – e volitivo – vontade dirigida à realização daqueles elementos do tipo (10). Aos elementos intelectual e volitivo acresce um elemento emocional, que é dado, em princípio, pela consciência da ilicitude (11): «uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas (…) quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal» (12).

E, como é por todos sabido, esses elementos podem inferir-se a partir de circunstâncias externas da acção concreta, ou seja, das bases de facto submetidas à instrução. Especificamente em relação aos factos do foro psicológico do agente a que se reconduz o elemento subjectivo da infracção, sendo impossíveis de apreender directamente, designadamente através de prova testemunhal, a sua demonstração – não existindo confissão – pode deduzir-se ou inferir-se de dados que, com muita probabilidade, o revelem, à luz das regras da normalidade e da experiência comum.

Ora, do descrito na sentença recorrida quanto aos factos provados, retira-se, em suma:

- Os arguidos F. B. e S. C. acordaram com os arguidos M. A., M. P. e M. L. declarar na escritura da compra e venda dos imóveis um preço inferior ao efectivo, de modo a pagarem menos imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e menos imposto pela aquisição desses imóveis (IMT), (item 16);
- Assim, omitiram ao preço real do negócio a quantia de € 215.000, concretizando aquele seu intento e logrando obter vantagem patrimonial indevida à custa do património do Estado, que ascendeu aos montantes de € 41.238,55 (redução do imposto de mais-valias em sede de IRS, por banda dos arguidos F. B. e S. C.) e de € 13.975 (valor do IMT que deixou de ser pago pelo arguido M. A.), (itens 17 a 21);
- Os arguidos actuaram em concertação de esforços, de forma livre, deliberada e consciente, com o intuito de causarem o correspondente prejuízo à administração fiscal no montante global de € 55.213,55, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei (itens 23 e 24).
Perante tal factualidade, não é facilmente inteligível a argumentação aduzida pelos recorrentes, neste conspecto.

Por um lado, não pode deixar de se reconhecer que a sentença recorrida contém a pronúncia explícita sobre a “questão” do elemento subjectivo do ilícito pelo qual os recorrentes foram condenados, tanto na decisão sobre a matéria de facto, propriamente dita, como na respectiva motivação, essencialmente assente nas ilações extraídas à luz das regras de experiência a partir do iter criminis apurado e constante dos demais factos dados e, por isso, inteiramente conforme ao acima expendido.

Por outro lado, ao invés do sustentado no recurso, o teor da decisão criticada permite perceber, inteiramente, o percurso lógico-dedutivo trilhado na formação da convicção para ter por adquirida a discutida factualidade, possibilidade que se estende, inevitavelmente, a qualquer destinatário directo e aos demais cidadãos: qualquer comum cidadão sabe, independentemente do seu grau de literacia, que a obtenção de uma vantagem, à custa do correspondente prejuízo do Estado, é o resultado desejado e idoneamente realizado pela actuação de vários agentes que omitem, em concertação de intentos e esforços, a quantia de € 215.000 ao preço real de uma compra e venda de imóveis, ainda que, quando delineiam esse resultado, a determinação líquida daquela vantagem dependa de variáveis que tais intervenientes não dominem inteiramente (13).

Por conseguinte, a sentença não sofre de qualquer vício nesta vertente.

3. O pressuposto previsto no art. 103º, n.º 2 do RGIT.

Os arguidos M. A., M. P. e M. L. também defenderam que a sua conduta não reveste dignidade penal, face ao disposto no art. 103º, n.º 2 do RGIT, uma vez que se cifra apenas em € 13.975 a vantagem obtida pelo primeiro deles.

Apreciando.

Uma vez assente a factualidade, a qual se impõe, definitivamente, para este Tribunal de recurso, podemos desde já avançar que as razões invocadas pelos recorrentes não têm a virtualidade de pôr em causa o enquadramento jurídico para aquela oferecido na sentença recorrida.

Efectivamente, as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem, ainda que, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, seja sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente (art. 2º, n.ºs 1 e 4, do CP).

Ora, como se extrai do art. 103º do RGIT, constitui crime de fraude fiscal a conduta ilegítima, designadamente, a celebração de negócio simulado quanto ao valor, que vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, desde que a vantagem patrimonial ilegítima não seja inferior a € 15.000 (14).

Assim, para a punição do agente basta comprovar que este quis a respectiva acção ou omissão e que ela era adequada à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição da receita tributária não inferior a tal montante.

Conforme resulta da descrição típica das condutas elencadas no preceito, o regime tem como alicerce uma relação jurídico-tributária previamente estabelecida, cuja estrutura compreende como sujeito activo o Estado, em sentido amplo, e como sujeito passivo, o sujeito adstrito à obrigação tributária, seja esta a obrigação principal de pagamento do imposto, ou de devolução de certa quantia ou de benefício fiscal concedido. Deste modo, a incriminação pressupõe, prima facie, a violação de tal obrigação tributária, o incumprimento do dever fiscal que subjaz a qualquer das condutas típicas. (15)

Trata-se de um crime de execução vinculada já que apenas pode ser cometido através de uma das formas típicas descritas nas alíneas do n.º 1 do artigo 103º (16), inserindo-se, na categoria dos delitos de infracção de dever, atenta a violação do dever jurídico extra-penal que lhe é inerente.

Como asseveram os Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade (17), trata-se de um delito de resultado cortado, posto que a obtenção efectiva da vantagem ilegítima não é um elemento do tipo, repercutindo a sua relevância exclusivamente no domínio da graduação concreta da pena. É suficiente que a conduta do autor tenha por finalidade a obtenção de tal vantagem.

Como justamente se acentua no Acórdão do STJ de 13-11-2013 (18), «[n]o crime de fraude fiscal pretende-se obstar à diminuição de receitas tributárias globais, quer evitando a redução da entrega pelos contribuintes, quer evitando a concessão indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais indevidas, integrando-se na chamada «delinquência patrimonial astuta», assim o apelida Quintano Ripollés, in Tratado de la Parte Especial del Derecho Penal, I, 2.ª ed., Madrid, 1977, págs. 96 e segs”.

Com a alteração introduzida ao art. 104º do mesmo diploma pela Lei 64-B/2011, de 30/12, uma tal conduta passou a ser qualificada e punível com prisão de um a cinco anos, se a vantagem patrimonial for de valor superior a € 50.000, mas, como esta qualificativa não estava prevista na lei vigente na data das condutas em apreço nestes autos (Abril/Junho de 2011), no caso, não poderia ter-se por verificada essa agravação, por não lhes poder ser aplicada retroactivamente (arts. 29º da CRP e 1º do CP).

Salvo o devido respeito, a argumentação aduzida por estes recorrentes obnubila o preenchimento pela apurada conduta de todos os arguidos dos pressupostos para a qualificação de cada um deles como co-autor do ilícito previsto na alínea c) do citado art. 103º.

É certo que não foi idêntica a contribuição de cada um dos arguidos na obtenção da vantagem patrimonial ilegítima no montante global de € 55.213,55 e do correspondente prejuízo ao Estado. Todavia, actuaram todos com esse intento em concertação de esforços, na sequência de acordo entre todos celebrado, de forma livre, deliberada e consciente e sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas.

Todos os arguidos agiram de forma deliberada, em acção conjunta e concertada, com a consciência de que, ao omitirem ao preço real do negócio a quantia de € 215.000, causavam prejuízo ao Estado, bem como com a intenção de obterem a correspondente vantagem patrimonial indevida, consistente em os arguidos F. B. e S. C. colherem o aludido benefício patrimonial em sede de imposto de mais-valias e em o arguido M. A. deixar de pagar parte do valor do IMT, o que lograram.

Assim sendo, não restam dúvidas que cada um dos referidos arguidos – portanto também qualquer um dos ora recorrentes – praticou factos que se subsumem aos elementos objectivos e subjectivos – estes na modalidade de dolo directo – do citado tipo de ilícito (fraude fiscal) (19).

Portanto, os factos foram praticados pelos arguidos em regime de comparticipação, sob a forma de co-autoria, tal como prevê o art. 26º do C. Penal e art. 6º, do RGIT.

Efectivamente, na co-autoria, os comparticipantes executam a conduta típica por meio de uma divisão de tarefas. Assim, a função de cada co-autor na execução do evento típico é de tal ordem que por sua mera vontade a realização do ilícito corre o risco de fracassar. Tal é o papel essencial que assume cada co-autor, entre eles repartindo-se o condomínio do processo delitivo, o designado domínio colectivo do facto. Cada co-autor detém por sua vez o chamado domínio funcional do facto, correspondente à divisão de tarefas própria do iter criminis em condomínio.

Sobre o alcance daquele normativo, Figueiredo Dias (20) defende que a responsabilidade do co-autor só se verifica na precisa medida em que a execução se encontre coberta pela decisão conjunta. Acções singulares de um dos co-autores que vão para além dela (casos ditos de excesso), sejam elas praticadas com dolo ou por negligência, só podem ser, em princípio, imputadas ao seu autor singular. O excesso só pode caber na responsabilidade dos não excedentes na medida em que possa imputar-se – o que, nota F. Dias, não constituirá caso raro – ao seu dolo, ao menos eventual. Sem prejuízo, como é óbvio, de nos restantes casos ficar ressalvada uma responsabilização por negligência, nos termos gerais (21).

Por outro lado, Faria Costa escreve que para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime (“juntamente com outro ou outros”) (22).

E, sobre o mesmo preceito, na jurisprudência nacional é paradigmático o Ac. do STJ de 13/2/1991 (23).

Ponderados todos esses contributos, consideramos que a norma do art. 26º do C. Penal faz assentar a co-autoria num acordo, mas, para que este exista, é suficiente a consciência e vontade da colaboração de várias pessoas na realização dum tipo legal de crime.

Para além disso, o artigo 28.º do C. Penal permite punir comparticipantes no crime de fraude fiscal que não sejam sujeitos passivos do imposto. Assim, para que todos respondam pelo crime de fraude, é suficiente que a qualidade de sujeito passivo se verifique em qualquer dos intervenientes (28.º, n.º 1, do CP), seja co-autor, autor mediato, instigador ou cúmplice. Mais ainda, o artigo 6.º do RGIT amplia igualmente o âmbito de aplicação da fraude fiscal a qualquer agente que voluntariamente actue como titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva ou ainda em representação legal ou voluntária do sujeito passivo.

Ora, no caso dos autos, é insofismável que resulta da matéria de facto provada que, desde o início, a intenção de todos os arguidos era a obtenção da aludida vantagem patrimonial indevida, à custa do erário público. Na execução dessa intenção, baseada num projecto congeminado entre todos, os arguidos protagonizaram a sua descrita actuação com que concretizaram a obtenção da projectada vantagem.

Seguindo de perto as posições da doutrina e da jurisprudência, no que respeita à execução propriamente dita, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado.

Como já se acentuou, a fraude fiscal visa punir condutas fraudulentas e não a efectiva obtenção de vantagem patrimonial, pelo que basta a demonstração de uma aptidão concreta para diminuir as receitas fiscais, acrescida da vontade do agente nesse sentido (24).

Realmente, não se pode olvidar que o negócio em que intervieram os arguidos, enquanto acto de execução do crime da fraude fiscal, foi idóneo a lesar a verdade da relação fiscal quanto a dois impostos (IMT e IRS), por ser simulado quanto ao preço. E esse acto de execução – o negócio simulado previsto no art. 103º, n.º1 e alínea c) – foi susceptível de causar a diminuição das receitas tributárias ao nível desses dois impostos e, por outro lado, não pode deixar de se se afirmar o nexo ou a ligação entre a conduta de todos os arguidos e a ilegítima vantagem patrimonial por eles pretendida, tida esta no seu conjunto.

Com efeito, estando na base da fraude fiscal um negócio simulado, a vantagem referenciada no normativo deverá ser entendida como composta pelos vários benefícios visados, umbilicalmente ligados ao único comportamento naquele negócio corporizado: só a soma dos valores com este pretendidos é susceptível de fornecer o real elemento quantitativo da fraude.

É, por isso, indiscutível que os arguidos, incluindo os ora recorrentes, actuaram em co-autoria e, assim, improcede o recurso, também nesta parte.

4. A medidas das penas.

O Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal, restrito à questão das penas aplicadas aos arguidos, sustentando que, considerando o significativo benefício obtido (€ 55.213,55), apenas se mostra adequada e suficiente para a proteção dos bens jurídicos e a integração do agente na sociedade a imposição, em concreto, não da pena de 160 dias de multa, mas da pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução com a condição de os arguidos, solidariamente, procederem ao pagamento dos impostos em dívida e acréscimos legais.

Em face da factualidade dada como provada e à semelhança do que lhes vinha imputado, os arguidos incorreram na prática, em co-autoria, de um crime de fraude fiscal (simples) p. e p. pelo art. 103º do RGIT, abstractamente punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

O bem jurídico que se visa proteger com esta incriminação reconduz-se, no essencial, à tutela do erário público e do interesse do Estado na integral obtenção das receitas tributárias. A função tributária ou as receitas Fiscais do Estado visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas, mas, também, uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (art.º 103º, nº1, da CRP).

Tem-se intensificado, progressivamente, a censura ético-social relativamente a comportamentos que inibem o Estado de dar cabal satisfação às incumbências que lhe são cometidas, sobretudo, num quadro em que, perante o agravamento das dificuldades económicas, aos cidadãos, na sua generalidade, continua a ser imposto um enorme aumento dos sacrifícios. Assim, tal como também se observa na decisão recorrida, «por um lado, a danosidade social nos crimes fiscais é inúmeras vezes superior à dos crimes comuns, por outro, o fenómeno constitui inaceitável violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade contributivas, pelo que, não sendo combatido de forma eficaz, criará nos contribuintes uma sensação de impunidade que o Estado de Direito não pode permitir».

Como referem Tolda Pinto e Jorge Reis Bravo (25), é este o tipo de crime fiscal com o maior desvalor da acção no sentido que pune as condutas que são social e eticamente mais danosas dos interesses inseridos no âmbito da relação jurídico-tributária entre o Estado e os cidadãos.

De harmonia com o disposto no art. 40º, n.º 1 do C. Penal, a aplicação de penas ou medidas de segurança têm como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.

Em consonância com o estipulado no n.º 1, do art. 71º, do mesmo diploma legal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o art. 40º, n.º 2, do mesmo Código.

Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica» (26). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» (27). «Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» (28).

Em suma, a pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que «não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa» (cfr. art. 40º, n.º 2, do C. Penal).

A culpa consiste no juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

Com efeito, o facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal, com a acção ilícita-típica, sendo ainda necessário que a conduta seja culposa, isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por traduzir uma atitude interna, pessoal e juridicamente desaprovada, pela qual ele tem de responder perante as exigências do dever ser sociocomunitário.

Esta culpabilidade não se confunde com a intensidade do dolo ou a gravidade da negligência, sendo antes um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

O Tribunal a quo, depois de ponderar que os arguidos se encontram social e familiarmente integrados e não possuem antecedentes criminais, optou pela pena de multa, por no caso satisfazer as finalidades da punição. E, na sequência, fixou a questionada pena em 160 dias, portanto, num limiar próximo da média da referida moldura abstractamente aplicável, considerando todos os critérios legalmente estipulados para determinar «o espaço possível para a resposta às necessidades de reintegração social do agente».

No caso vertente, não vislumbramos qualquer fundamento para divergir da decisão recorrida, ponderando a integração social e familiar dos arguidos, que estes não possuem antecedentes criminais e, também, o longo período temporal já decorrido desde a data da prática dos factos, a par, tal como naquela se fez, do modo e gravidade com que decorreu a ofensa perpetrada pelos arguidos, das prementes exigências de prevenção geral que, no caso, se fazem sentir relativamente ao crime em questão – que continua a grassar na nossa sociedade – e das mitigadas exigências de prevenção especial impostas pelas atitudes e personalidades dos arguidos.

Acresce que, tendo o Tribunal recorrido beneficiado da imediação e oralidade, a intervenção deste Tribunal, no âmbito do recurso, na cognoscibilidade da concretização do quantum da pena e no controlo da sua proporcionalidade sempre teria de ser autolimitada e necessariamente parcimoniosa: ainda que o cumprimento do dever de fundamentação da determinação concreta da pena pelo tribunal recorrido vise, precisamente, facultar o controlo dessa determinação, uma vez que nesta sejam observados os apontados critérios da sua dosimetria, há uma margem de actuação do julgador que não deve ser fiscalizada.

Como se defende no Acórdão do STJ de 12-07-2018 (29), pode sindicar-se a decisão, quer quanto à desconsideração ou errada aplicação pelo tribunal dos princípios gerais de determinação da medida da pena, à correcção das operações nela efectuadas, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como à forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção. Mas já não a determinação do quantum exacto da pena que se cinja àqueles parâmetros, ressalvados os casos de patente violação das regras da experiência ou de desproporção dessa quantificação.

O recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar, como também já se sustentou no acórdão da RE de 22/04/2014 (30):

«A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada.».

Assim sendo, este Tribunal de recurso apenas deveria intervir na medida das penas, modificando-as, se detectasse incorrecções ou distorções no seu processo de aplicação, na interpretação e aplicação das normas constitucionais e legais que a regem, como já se acentuou. Ora, o Tribunal recorrido observou correctamente todos os parâmetros estabelecidos na lei e não se detecta qualquer distorção na determinação da medida das penas fixadas.

5. A medida da responsabilidade cível dos arguidos.

Os arguidos F. B. e S. C., por um lado, e os demais, por outro, insurgiram-se contra a decisão recorrida, sustentando que não deveriam ter sido condenados na indemnização correspondente ao prejuízo global causado pelas respectivas condutas, no montante de € 55.213,55, mas apenas nos de € 41.238,55 e € 13.975, respectivamente.
Como corolário da declaração da quantia correspondente à vantagem ilícita obtida com a prática do crime acima enunciado e que foi fixada em € 55.213,55 pelo Tribunal recorrido, este condenou os arguidos/recorrentes, a pagar solidariamente ao Estado tal quantia.
Sobre este ponto, os recorrentes defendem que o pagamento teria de limitar-se aos impostos em falta e apurados como vantagem patrimonial obtida na esfera dos respectivos beneficiários.

Vejamos.

No que concerne a esta questão, como ajuizámos e aqui reiteramos, o apuramento feito sobre o valor integral da vantagem ilícita indevidamente obtida repercutir-se-ia no objecto da responsabilidade penal e, por isso, necessariamente, deve ser considerado também para este efeito cível. Sendo vários os (co)autores, como supra já considerámos assente, todos eles respondem, solidariamente, pela medida integral da vantagem ilícita que se apure (cf. arts. 490º, 512º e 513º do CC).
Daí que o valor global da vantagem relevante para a decisão nestes autos seja o da soma dos valores obtidos como vantagem em sede de IRS (mais-valias) e de IMT.

Improcedem, pois, todos os recursos.
*
IV. Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento aos recursos e, por consequência, em manter a decisão recorrida.

Custas pelos arguidos/recorrentes, fixando-se as respectivas taxas de justiça em quatro unidades de conta (art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, art. 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
Guimarães, 25/06/2019

Ausenda Gonçalves
Maria José Matos
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1 Cfr. Ac. da RG de 10-3-2003, CJ, 2º/p. 289 e Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora 4ª ed. pág. 838, 2007, p. 821.
2 Em que se consignou o seguinte sumário: «No caso de julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência (art. 333.º, do CPP), o prazo para a interposição de recurso conta-se a partir da notificação da sentença ao arguido. Este prazo é peremptório, i.é., estabelece o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem). É extemporânea a interposição de recurso pelo defensor antes de realizada a notificação da sentença ao arguido.».
3 No mesmo sentido, Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora 4ª ed., p. 862.
4 Dela se extrai: «Com o devido respeito, aquele entendimento, para além de não ter correspondência na letra da lei, não é razoável, posto que penaliza o advogado diligente, privilegiando o formalismo inútil em detrimento dos princípios da economia e celeridade processuais, da instrumentalidade do processo e da efectividade da tutela jurisdicional. Na verdade, a preclusão é a consequência que a lei prevê para o incumprimento de prazo peremptório, supondo, portanto que este tenha decorrido (cfr. artº145º, 3 do CPC ex vi do artigo 104.º, n.º1 do CPP e a anotação de Lebre de Freitas e Outros no CPC, vol I, 1ª ed, p. 254); A preclusão temporal, portanto, apenas poderia ocorrer pela perda do prazo, e não pela antecipação da prática do acto processual. Como é sabido, na prática processual dos nossos tribunais, a regra é de que os prazos processuais não podem ser excedidos, podendo todavia ser antecipados (cfr., v.g., os acórdãos do STA de 13-1-1988, rec. nº 22.424, de 9-10-2002, proc.º n.º 026482, rel. Brandão de Pinho e de 28-2-2007, proc.º n.º 01121/06, rel. Lúcio Barbosa, os dois últimos in www.dgsi.pt).».
5 Mais acrescenta em tal declaração: «(…) é um comportamento processual que em nada afeta os fins para que o prazo foi estabelecido, nomeadamente a celeridade processual ou o direito ao contraditório. Dele não resulta qualquer prejuízo para quem quer que seja, nomeadamente para os outros sujeitos processuais, que não ficam limitados no direito à resposta. Na realidade, o que se visa com a fixação do prazo para a interposição do recurso é impedir o arrastamento temporal do processo e a incerteza daí decorrente. Não é criar limites ao direito ao recurso (art. 32 nº 1 da CRP), com argumentos formais, sem razões substantivas, para se conseguir uma decisão mais justa ou mais célere. Razão pela qual conheceria do recurso.».
6 Cfr. neste sentido o Ac. da Rel. do Porto de 19-11-2003 (proc.º n.º 0344551, rel. Isabel Pais Martins).
7 Acórdão já cit. do STJ de 07-01-2009, fazendo referência a que também o TC já se pronunciou, por diversas vezes, sobre tais exigências.
8 Diferentemente do que sucede com o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência que, nos termos do art. 438º do CPP, só pode ser interposto depois de transitado em julgado o acórdão (proferido em último lugar), sobre o qual o STJ, no seu Ac. de 09-10-2003 (p. 03P2711), se pronunciou, mediante a seguinte síntese: «Os prazos peremptórios representam o período de tempo dentro do qual podem ser levados a efeito os respectivos actos, o referido terminus intra quem, e a sua fixação funciona como instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as partes a praticar o acto dentro dos limites de tempo que lhe são assinalados».
O mesmo aresto esclareceu essa conclusão com as seguintes considerações:
«(…) não é exacto pretender-se que o prazo peremptório só estabelece o seu termo ad quem (30 dias depois do trânsito em julgado), podendo ser validamente antecipada a prática do acto para antes da ocorrência do termo a quo (ocorrência do trânsito em julgado).
Com efeito, “os prazos peremptórios estabelecem o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem). Se o acto não for praticado no prazo peremptório, também chamado preclusivo, não poderá já, em regra, em regra ser praticado. Exemplos de prazo peremptório são os prazos para arguir nulidades e irregularidades, requerer a instrução ou interpor recursos.” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, pág. 37, no mesmo sentido Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, pág. 77-8).
Esses prazos representam, pois, o período de tempo dentro do qual podem ser levados a efeito os respectivos actos, o referido terminus intra quem, e a sua fixação funciona como instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as partes a exercer os seus poderes-ónus segundo um determinado ritmo, a adoptar um determinado comportamento processual e, consequentemente, praticar o acto dentro dos limites de tempo que lhe são assinalados (cfr. Anselmo de Castro, op. cit., pág. 78) e não do limite final.».
9 A expressão «questões», de modo algum, se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que os sujeitos processuais fundam a sua posição na controvérsia, antes se prende, desde logo, com a pretensão punitiva do Estado ou com a de ressarcimento que os demandantes submetam à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir invocadas. Também em processo civil, quanto ao conceito de questão constante do artigo 660º, n.º2 do Código de Processo Civil (actual artigo 615, n.º1, al. d) do NCPC), o Cons.º Rodrigues Bastos assinala que de tal conceito «(…) devem arredar-se os 'argumentos' ou 'raciocínios' expostos na defesa da tese de cada uma das partes, que podendo constituir 'questões' em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz (…)”, explicitando de seguida que “(...) as questões sobre o mérito a que se refere este n.° 2 serão as que suscitam a apreciação quer da causa de pedir apresentada, quer do pedido formulado. As partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a 'questão' da procedência ou da improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa (....)» (Notas ao CPC, vol. III, 3ª ed., pág. 180).
10 Em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal (directo, necessário e eventual): intenção de realizar o facto típico, aceitação como consequência necessária da conduta, conformação ou indiferença pela realização do resultado previsto como possível.
11 Cfr. Figueiredo Dias, “Jornadas de Direito Criminal”, Fase I, ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 71-72 e Rev. Port. de Ciência Criminal, Ano 2, 1º, p. 18-19.
12 Ainda Figueiredo Dias, em “Direito Penal, Parte Geral”, I, Coimbra Editora, 2004, p. 333.
13 Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5-11-1997, proferido no âmbito do processo 97P549: «O crime de “fraude fiscal” tem como elemento subjectivo um dolo específico complexo: intenção do agente de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida, visando uma diminuição das receitas fiscais ou a obtenção de um benefício fiscal injustificado».
14 Na redacção introduzida pela Lei nº 60-A/2005 de 30.12.
15 Tem sido largamente debatido na doutrina se o delito em questão é comum ou se pelo contrário é especifico:
Paulo Dá Mesquita entende o crime de fraude fiscal como específico, visto o ilícito exigir a intervenção de pessoas de um determinado círculo (sujeitos passivos de relações tributárias), mas podendo, contudo, ser imputado a qualquer pessoa (in “A tutela penal das deduções e reembolsos indevidos de imposto”, Revista do Ministério Público, Ano 23, n.º 91, p. 58-154). Susana Aires de Sousa configura-o igualmente como delito específico (in “Os Crimes Fiscais - Análise Dogmática e Reflexão Sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador”, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 98 e 99), entendendo esta Autora, contudo, que a conduta plasmada na alínea c) do n.º 1 desse artigo 103º conforma-se como um crime comum. No mesmo sentido, Germano Marques da Silva (“Direito Penal Tributário - Sobre as responsabilidades das Sociedades e dos seus Administradores Conexas com o Crime Tributário”, Universidade Católica Editora, 2009, p. 235) e André Teixeira dos Santos (“O Crime de Fraude Fiscal - Um Contributo para a Configuração do Tipo Objectivo de Ilícito a Partir Do Bem Jurídico”, 2009, Coimbra Editora, p. 251-272).
Diferentemente, Isabel Marques da Silva (in “Regime Geral das Infracções Tributárias”, Cadernos DEFF, n.º5, 2.ª edição, pp. 157 e 158) defende que se trata de um crime comum e, no mesmo rumo, Nuno Pombo (“A Fraude Fiscal – a norma incriminadora, a simulação e outras reflexões”, Coimbra, 2007, Almedina, pp. 58-59). Também no sentido de que o crime de fraude fiscal pode ser perpetrado por qualquer pessoa, pronunciaram-se, na jurisprudência, os Acs da Rel. de Coimbra de 4-5-2011, p. 954/02.2JFLSB.C1, de 12-9-2012, p. 379/07.3TAILH.C1 e de 2-10-2013, todos rel. por Des. Jorge Dias.
Importa, porém acentuar, com Susana Aires de Sousa, que “…as diferentes consequências que poderiam retirar-se a partir da uma classificação do crime de fraude Fiscal como crime específico quer na vertente activa, quer na vertente omissiva, ou de uma tal classificação apenas na vertente omissiva, acabam por diluir-se por via da aplicação a estas situações do regime previsto no artigo 28.º do CP, aplicável através do artigo 3.º do RGIT” (“Os Crimes Fiscais …”, cit. nota 185, pp. 98-99).
16 Cfr., v.g., Isabel Marques da Silva, “Regime Geral …”, cit., p. 158.
17 In “O Crime de Fraude Fiscal no Novo Direito Penal Tributário Português (considerações sobre a factualidade típica e o concurso de infrações), em Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários”, Vol. II, Coimbra Editora, pp. 55 e 56.
18 P. 33/05.0JBLSB.C1.S2, relatado pelo Cons. Armindo Monteiro.
19 Neste sentido ver Acórdão da RC de 11-06-2008, p. 53/06.8IDAVR.C1.
20 In “Direito Penal – Parte Geral”, I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 793.
21 Também Gimbernat Ordeig (“Autor y Cómplice en Derecho Penal”, Madrid: Sección de Publicaciones de la Facultad de Derecho de la Universidad Complutense, 1966, p. 308 e ss.), a propósito dos casos de roubo com homicídio, traça o seguinte quadro: Se os comparticipantes não puderem prever a morte dolosa que ia executar o autor directo, aqueles respondem unicamente por roubo; Se a morte dolosa foi apenas previsível, respondem por participação no roubo em concurso com homicídio negligente; Se os comparticipantes, que não o autor principal, tenham agido com dolo eventual a respeito da morte executada com dolo directo, devem responder por roubo e homicídio. No mesmo sentido, pode ver-se Jescheck, Derecho Penal – Parte General, 4.ª ed., Granada: Comares, ps. 617 – 618.
22 Formas de Crime”, Jornadas de Direito Penal, Lisboa: CEJ, 1983, p. 170.
23 No BMJ, 404º/212: no caso objecto deste aresto ficou provado que cinco indivíduos entraram em acordo para realizar um assalto; chegados juntos ao local, dois deles colocaram-se de vigia, com armas empunhadas, e os outros começaram a arrombar as portas; um dos vigias atirou sobre a vítima, atingindo-a mortalmente. O STJ entendeu que, sabendo os demais agentes que o autor do disparo usava arma de fogo e prevendo que esta pudesse disparar e atingir, com as consequências mais graves, inclusive a morte, quem se opusesse aos seus desígnios, havia acordo sobre a execução do crime de homicídio, sendo todos eles autores.
Na mesma linha, o Ac. do STJ de 14/6/1995 (CJSTJ, 2º-230) considerou co-autora do crime de homicídio praticado durante a execução de um crime de roubo a arguida que ficou a vigiar a vítima que tinha sido atada, por um outro arguido, em termos que a impediam de respirar, vindo a falecer em consequência disso.
Deve ainda realçar-se o Ac. do STJ de 15/4/2009 (p nº 09P0583, disponível em www.dgsi.pt), no qual se entendeu que os agentes que, na execução de um projecto comum, assaltaram uma ourivesaria, eram co-autores do crime de homicídio do ofendido, por terem previsto que eventuais dificuldades que surgissem fossem resolvidas através da morte de qualquer pessoa, com isso se conformando.
24 Ademais, no caso de negócio simulado, seguindo o entendimento mais consensual na jurisprudência, a consumação ocorre no momento de celebração do negócio simulado: v., entre outros, os acórdãos da RP de 09-11-2016 (p. 438/10.5IDPRT.P1) e de 3-12-2012 (p. 2690/01.8TAVFR.P1), embora não se desconheça a doutrina que se orienta no sentido de que a consumação se verifica no termo do prazo para apresentação da declaração à administração judiciária ou no momento da entrega da declaração ou ainda no momento da liquidação pela autoridade tributária (Germano Marques da Silva, “Direito Penal Tributário”, Universidade Católica, 2009, p. 232 e Carlos Teixeira e Sofia Gaspar, “Comentário das Leis Penais Extravagantes”, 2, Universidade Católica, 2011, p. 455 e 456 e Susana Aires de Sousa, “Os Crimes Fiscais”, Coimbra, 2009, p. 84-86.
25 In “Regime Geral das Infracções Tributárias e Regimes Sancionatórios Especiais, Anot.”, 2002, p. 310.
26 Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s.
27 Ibidem, p. 575.
28 Ibidem, p. 558.
29 Proc. nº 116/15.9JACBR.C1.S1, Relatado pelo Conselheiro Raúl Borges.
30 Proc. nº 291/13.7GEPTM.E1, relatado por Ana Barata Brito.