Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
363/16.6T8VRL.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
VALOR SEGURO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CAPITAL DE REMIÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1. “Se a responsabilidade pelo risco decorrente de acidente de trabalho estiver transferida para Seguradora com base em retribuição superior à auferida pelo sinistrado, àquela, e não a esta, se deverá atender para o cálculo da indemnização por incapacidade temporária e da pensão”.

2- A obrigação de pagamento de juros de mora deve ocorrer sobre o capital de remição desde o dia imediato ao da alta até efectivo pagamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Neste processo especial emergente de acidente de trabalho é sinistrado B. P. e, Companhia de Seguros de Vida, Sa.
Foi realizado exame médico em que se fixou a incapacidade permanente em 13,8413%.
Realizada tentativa de conciliação a mesma frustrou-se:
Declarou-se, designadamente:
“SINISTRADO/A: (…)
À data do acidente o sinistrado auferia a remuneração de 1.075,00 € x 14 meses (15.050,00€) + 93,94€ x 11 meses de subsídio de alimentação (1.033,34€), perfazendo a retribuição anual de 16.083,34€.
(…)
Está a receber pensão provisória, com base no art.º 52 º. da LAT ( Lei nº. 98/2009 de 04/09).
O representante legal da entidade seguradora:
Que a entidade empregadora tinha a sua responsabilidade por acidente de trabalho transferida para a Companhia de Seguros, pela remuneração de 1.075,00€ x 14 meses (15.050,00€) + 112,64€ x 11 meses (1.239,04€), perfazendo a retribuição anual de 16.289,04€ (apólice 001010168195).
*
O Digno Magistrado do Ministério Público:
(…) formulou a seguinte:

PROPOSTA DE ACORDO:
1) A Companhia de Seguros SA, pagará à/ao sinistrado/a:
a) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 1.578,23 € (mil quinhentos e setenta e oito euros e vinte e três cêntimos) a partir de 19/02/2016, inclusive, calculados nos termos dos arts. 48º. nº. 3 al. c), 50º nº. 2 e 75º nº. 1, da LAT.

(…)
c) Os correspondentes juros de mora, à taxa legal (artº. 135º do CPT).
*
Dada a palavra à/ao sinistrado/a por ele foi dito que aceita a proposta de acordo do Ministério Público, pelo que se concilia.
*
Dada a palavra ao representante da Companhia de Seguros, por ele foi dito que, com excepção do ponto assinalado a final, ACEITA a proposta de acordo do Ministério Público e os elementos fácticos com base nos quais a mesma foi formulada - e, consequente e designadamente:
i) A existência e caracterização do acidente como de trabalho (tal como descrito pelo sinistrado).-
ii) O nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas e descritas.
iii) O salário transferido de 1.075,00€ x 14 meses + 112,64€ x 11 meses, no valor anual de 16.289,04€.
(…)
vi) NÃO ACEITA, porém, a IPP de 13,8413% atribuída pelo perito médico do G.M.L., mas apenas a IPP de 11,69% atribuída pelos seus serviços clínicos, pelo que não se concilia”.
A última requereu a realização de exame por junta médica dele resultando a desvalorização de 7,44%, reiterada por esclarecimentos face a requerimento do MºPº.
Proferiu-se sentença na qual se decidiu:
“Perante o resultado de exame médico, não posto em crise, declaro, ao abrigo do disposto no artº. 140º do Cód. Proc. de Trabalho, que o sinistrado B. P., sofreu um acidente de trabalho, por via do qual ficou afectado de uma I.P.P. de 7,44% desde 18/02/2016.
À luz do regulamento nas disposições aplicáveis, condeno a Companhia de Seguros de Vida, S.A., a pagar ao referido sinistrado a quantia de € 12,37 (doze euros e trinta e sete cêntimos) a título de diferença entre indemnização pelos períodos de incapacidade temporária liquidada e a devida; a pensão anual e vitalícia de € 837,62 (oitocentos e trinta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), a partir de 19/02/2016, sendo que, esta pensão, é obrigatoriamente remível, acrescidos dos respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre o valor da diferença de indemnização devida a título de incapacidades temporárias e desde o dia seguinte ao da alta clínica supra fixada e dos vincendos até integral pagamento, dado que estando o sinistrado a receber pensão provisória se considera inexistir mora por parte da demandada segurador quanto ao valor da pensão anual acima fixada.
Condeno, ainda, a seguradora pagar ao sinistrado a quantia de € 75,00 a título de despesas de transportes.
(…)
Oportunamente, proceda ao cálculo e entrega do Capital de Remição”.
O MºPº recorreu.

Conclusões:
1ª) Se a responsabilidade pelo risco decorrente de acidente de trabalho estiver transferida para entidade seguradora com base em retribuição superior à auferida pelo sinistrado, àquela, e não a esta, se deverá atender para o cálculo da indemnização por incapacidade temporária e da pensão (cfr. supra cit. Acórdão da Relação do Porto de 04/02/2013);

2ª) Na fase contenciosa de processo emergente de acidente de trabalho devem considerar-se assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação (cfr. artº 131º, nº 1, alínea c) do CPT);
3ª) Tendo, “in casu”, a entidade empregadora transferido para a entidade seguradora não questionado valor de remuneração anual superior à realmente auferida pelo sinistrado, o cálculo das devidas indemnização por incapacidade temporária e da pensão anual e vitalícia deve fazer-se com base naquele valor;

4ª) Considerando, por um lado, tal transferida remuneração anual (€.16289,04) e, por outro, o grau de IPP atribuído na sentença recorrida ao sinistrado (7,44%), o valor da correspondente pensão anual e vitalícia será, de acordo com a regra de cálculo extraída da conjugação do disposto nos arts 48º, nº 3, alínea c) e 71º, nº 1 da LAT, de €.848,33 (€.16289,04 x 70% x 7,44%);

5ª) Assim, ao fixar um valor de pensão anual e vitalícia inferior (€.837,62) ao devido, a sentença recorrida inobservou, objectivamente, a disciplina resultante dos normativos contidos nos cits. arts 131º, nº1, alínea c) do CPT e 48º, nº3, alínea c) e 71º, nº1 da LAT;

6ª) Sendo, por outra parte, a pensão anual e vitalícia aqui devida ao sinistrado obrigatoriamente remível (por força do prescrito no artº 75º, nº 1 da LAT), sobre o valor do correspondente capital de remição são devidos, nos termos estatuídos no artº 135º do CPT, juros moratórios, independentemente da verificação do circunstancialismo previstos nos arts 804º e 805º do Código Civil, como sejam a culpa do devedor e a interpelação deste para cumprir”;

7ª) Ao não condenar a entidade seguradora nos sobreditos juros moratórios, com base na ponderação de “estando o sinistrado a receber pensão provisória se considera inexistir mora por parte da demandada segurador quanto ao valor da pensão anual acima fixada”, a Srª juíza recorrida desaplicou o comando contido no artº 135º do CPT e interpretou erradamente o preceituado nos arts 50º, nº 2 e 52º da LAT;

8ª) Ignorando (i) a diferença existente entre a pensão provisória e a indemnização em capital, (ii) que o capital de remição não é uma realidade compensatória distinta da correspondente pensão anual e vitalícia, antes uma forma de pagamento unitário de tal prestação e (iii) a natureza especial (e imperativa) da norma do artº 135º do CPT, que, sobrepondo-se ao regime geral estabelecido nos artº 804º e 805º do CCivil, impõe, como se disse, a fixação de juros moratórios independentemente da culpa do devedor, da sua interpelação para cumprir ou da liquidez da dívida;
9ª) Nestes termos, deverá proceder-se à revogação, na parte em causa, da sentença recorrida e ordenada a sua substituição por outra que (i) calcule e atribua a pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado com base no valor da remuneração anual transferida e aceite pela entidade seguradora (€.16289,04) e (ii) condene esta no pagamento dos juros moratórios incidentes sobre o correspondente capital de remição, contados desde o dia seguinte ao da alta daquele (sem prejuízo da oportuna aplicação do preceituado no artº 52º, nº 5 da LAT relativamente às importâncias efectivamente liquidadas a título de pensão provisória).
Não se contra-alegou.
Efectuado o exame preliminar cumpre decidir.
As questões a decidir versam o cálculo da pensão anual e vitalícia e o momento a partir do qual se vencem juros de mora sobre o capital de remição.
A factualidade a considerar é a que resulta objectivamente do relatório.
Vejamos.
Contas feitas, o tribunal a quo efectivamente condenou a recorrida na pensão anual e vitalícia de 837,62€ [(15.050,00€+1.033,34€) x 70%x7,44%] face à retribuição declarada pelo sinistrado e, portanto, não em função do salário transferido de 1.075,00€x14 meses+112,64€x11 meses, no valor anual de 16.289,04€, como foi aceite por aquela na tentativa de conciliação. Neste caso a pensão anual seria no valor de 848,33€ [(15.050,00€+1.239,04€)x70%x7,44%] tal como se pretende no recurso ( artºs 48º, nº3, alª c), e 71º, nº 1 da LAT ).
Entendemos que são os valores que obtiveram anuência da recorrida que devem servir de referencial para o cálculo da pensão, atento à jurisprudência citada no recurso (Acs do STJ de 12.01.2012 e da RP de 04.02.2013 in www.dgsi.pt).
Como se menciona no primeiro:
“Atente-se no seguinte, atinente à responsabilidade da Ré seguradora:
a) A Seguradora declara que celebrou com a entidade patronal da A. um contrato de seguro, mediante o qual assumiu a reparação de acidentes de trabalho que a Autora viesse a sofrer, tendo em conta a retribuição de €: 39 x 30 d x 14m, ou seja, €: 16.380 por ano. Pagou à Autora as indemnizações por incapacidade temporária com base em tal valor (€ 16.380) e, da sua contestação, resulta que se prontificou a pagar as demais prestações calculadas em função de tal valor retributivo transferido, desde que se viesse a demonstrar, como foi o caso, que se estava perante um típico acidente de trabalho.
À guisa de comentário nosso, digamos que nem podia a sua atitude ser outra: se recebeu um prémio de seguro, calculado em função da retribuição anual de €: 16.380, nada mais lógico e justo do que assegurar, uma vez verificado o risco assumido, o valor das prestações calculadas em função da retribuição transferida, pois de outro modo cair-se-ia numa situação de enriquecimento sem causa (a Seguradora cobraria um prémio correspondente ao salário anual de €: 16.380, mas responsabilizar-se-ia apenas por prestações correspondentes ao salário anual de €: 3.033,33!)
b) Por sua vez, a entidade patronal da Autora, declara que celebrou com a Ré Seguradora um contrato de seguro por acidentes de trabalho, mediante o qual transferiu para a Seguradora a responsabilidade por acidentes de trabalho, pelo salário anual de €: 16.380 (€ 39x30dxl4m).
c) A Autora reclama que as prestações (v. g., a PAV), a cargo da seguradora, sejam calculadas em função da retribuição anual transferida de €:16.380 (€ 39 x 30 d x 14m).
Do sucintamente exposto, resulta que todas as partes processuais aceitam que as prestações derivadas de acidente de trabalho, maxime a PAV (pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível), a cargo da Ré Seguradora sejam calculadas em função da referida retribuição anual transferida de €: 16.380. Não obstante isso, o Tribunal da l.ª instância, primeiro, e o Tribunal da Relação, depois, a isso se opõem, considerando que há que recorrer ao seu prudente arbítrio para determinação da retribuição anual, acabando por, desse modo, vir a encontrar o valor anual de €: 3.033,33 e com base nele calcular a PAV de € 169,87!.
Mais uma vez enfatizando o máximo respeito pelo Tribunal a quo, entendemos que é inaceitável tal entendimento.
Vejamos então a fundamentação adrede aduzida para afastar a referida retribuição anual de €: 16.380.
O Tribunal da Relação depois de enunciar a questão a apreciar (“Quanto à outra questão colocada, a do valor do salário anual da sinistrada a considerar para efeito do cálculo das prestações reparatórias:...”, vd. fls. 465), e transcrever a apreciação do Tribunal da l.ª instância (vd. Fls 465-466), expende:
“Nos termos do art.º 26.º, n.º 2, da LAT de 1997, as pensões por incapacidade permanente são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado.
Mesmo que o empregador tenha transferido a responsabilidade emergente de um acidente de trabalho, em relação a determinado sinistrado, para uma seguradora, mencionando um valor da retribuição superior ao realmente praticado, não é defensável que a seguradora fique vinculada na reparação àquele valor, já que no âmbito do respectivo seguro obrigatório é a responsabilidade do empregador que é transferida (art.º 37.º n.º 1 da LAT) e não pode conceber-se que a seguradora responda por valores de reparação superiores ao que o tomador do seguro responderia.
A seguradora responde em substituição do empregador e, no máximo, na exacta medida da responsabilidade civil objectiva deste. Ou seja, não pode a Autora, em princípio, obter reparação da seguradora superior àquela que lhe seria devida pelo empregador" (vd. fls. 466).
Se bem interpretamos, a tese do Tribunal a quo tem subjacente o entendimento de que os trabalhadores por conta de outrem, pelos acidentes de trabalho que sofram, não podem ser ressarcidos por valores diferentes aos resultantes da LAT, nem menos, nem mais. Concordamos que os valores das prestações por acidente de trabalho não podem ser inferiores aos resultantes da LAT, pois tal resulta desde logo do art.º 34.º, da LAT; mas já temos como inaceitável e injustificada a tese de que não podem receber valores superiores. Com efeito, a lei dos acidentes de trabalho estabelece valores mínimos obrigatórios, mas não estabelece qualquer valor máximo, nada impede que o empregador, querendo ir além dos valores das prestações resultantes da LAT, firme um contrato de seguro com uma empresa de seguros por valores retributivos superiores à retribuição real pagando o correspondente prémio. Quando assim é, o que se pode dizer é que uma parte do valor da prestação se inclui no mínimo obrigatório estabelecido pela LAT e, na parte excedente, a reparação se situa na parte facultativa com que o empregador quis beneficiar os seus trabalhadores.
A própria evolução da reparação de acidentes de trabalho milita nesse sentido (vd. exórdio do DL 143/99): o legislador reconhece que a reparação deveria ser mais ampla, mas só não vai mais além porque não quer onerar os empregadores com prémios de seguro elevados. Por isso estabelece tão só mínimos obrigatórios. Mas quando uma dado empregador entende que tem condições económicas para reparar os acidentes de trabalho por valores superiores aos da LAT, para tanto fazendo os correspondente transferência para empresas de seguros, qual é o problema, se tal vai no sentido preconizado pelo legislador? Qual o princípio ou juízo ético - jurídico, fundante da Ordem Jurídica, que a tal se opõe? Bem pelo contrário, tal vai no sentido da ordem jus-laboral: o legislador laboral estabelece mínimos, nada impedindo que haja valores superiores: é assim com a remuneração mínima garantida, com o valor das reformas, com os subsistemas de saúde, etc.
E, com incidência sobre tal questão, seja-nos permitido realçar mais o seguinte:
Como se sabe, o contrato de trabalho subordinado tem carácter sinalagmático, sendo a retribuição a prestação essencial definidora da contrapartida da prestação laboral. Porém, se atentarmos na génese do contrato de trabalho, na decisão de contratar, o trabalhador não tem apenas em consideração a retribuição stricto sensu: na formação da sua vontade considera também o sistema de reforma que lhe é facultado (se se atentar no panorama da actividade económica verificar-se-á que há empresas com sistemas de reforma específicos, mais vantajosos do que o regime geral...), o sistema de saúde, o sistema de reparação dos acidentes de trabalho em caso de infortúnio/acidente laboral, etc. Ou seja, nada impede que uma empresa conceda aos seus trabalhadores um sistema de reparação de acidentes de trabalho mais vantajoso do que o mínimo obrigatório resultante da LAT. Aliás, ao que julgamos, isso é até relativamente frequente, instituindo no contrato de seguro condições particulares ou especiais mais vantajosas para o trabalhador sinistrado. Figuremos um exemplo, tomando como referência a RA de € :3.033,33, embora se discorde e não se aceite tal valor, como já bem vincado, mas que aqui se considera apenas para efeitos de raciocínio, a fim de transmitirmos a ideia que pretendemos realçar. Como bem se observa no douto acórdão, as prestações obrigatórias definidas na LAT “...são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado”(vd. fls 466). Porém, se atentarmos no cálculo da PAV, imediatamente constatamos que, desse valor ilíquido apenas se considera o correspondente a 70%. Assim, no caso destes autos, o valor da PAV (€: 169,87) encontrada pelo Tribunal a quo foi assim calculado: € 3.033,33 x 70% x 8%. Ora, cremos que com alguma frequência se firmam apólices de seguro donde resulta que, no cálculo das prestações (vg. PAV) se deve considerar o salário integral líquido ou em percentagem superior aos referidos 70% (por ex., 80%). Ora, no caso, se no contrato de seguro, nas condições particulares/especiais se tivesse considerado o valor integral líquido, teríamos a PAV de 242,67 (€ 3.033,33 x 8%); caso se considerasse 80% do salário líquido, teríamos a PAV de €: 194,13 (€: 3033,33 x 80% x 8%). Que seja do nosso conhecimento, tais prestações, acima dos valores obrigatórios definidos pela LAT, não são considerados ilegais. Porém, se bem vemos, no exemplo figurado, na tese que obteve vencimento, os valores de €: 242,67 e €: 194,13 teriam de ser reduzidos para o mencionado valor de €:169,87.
Como bem pondera o Prof. P. R. Martinez, in "Direito do Trabalho", 2.ª ed. Almedina, pag. 796-797:
“Nos termos do art.º 34.º da LAT é nula a convenção contrária aos direitos ou garantias do trabalhador estabelecidos para o caso de acidente de trabalho e doença profissional. Do disposto neste preceito parece poder deduzir-se que nada obsta quanto a ser acordado um agravamento de tal responsabilidade; será, pois válido um regime convencional que exceda os limites legais, designadamente admitindo uma indemnização fixada por parâmetros mais elevados do que a retribuição...”.
Por sua vez, o Dr. Carlos Alegre (in "Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais. Regime Jurídico Anotado", Almedina, 2.ª ed.) em anotação ao referido art.º 34.º da LAT, expende:
“... levanta-se uma questão frequentemente discutida, na prática, que é a de saber se o que contraria o que dispõe a lei é, apenas, tudo quanto diminua os direitos e garantias nela consagrados ou, também, o que os acrescente. Em relação aos actos e contratos que conduzam à diminuição dos direitos e garantias legalmente consagrados, a opinião é unânime no sentido de que tais actos e contratos são nulos. Já em relação aos actos e contratos que levam ao aumento daqueles direitos e garantias, as opiniões se dividem.
Têm sido propostas e defendidas duas teses opostas:
a) Uma no sentido de considerar válidos o acto ou cláusula contratual que preveja tratamento indemnizatório (em sentido lato) mais favorável aos trabalhadores acidentados do que o previsto na lei. Os direitos e garantias previstos na lei constituirão o limiar mínimo indisponível, abaixo do qual as partes não podem descer. Mas, tal limiar, constituindo um mínimo legal, não representa, simultaneamente, um limiar máximo indisponível, pelo que é lícito às partes contratarem ou promoverem tratamento mais favorável que o máximo previsto. A imperatividade dos regimes dos acidentes de trabalho estabelecidos na Lei n.º 2127/65 e, agora, na Lei n.º 100/97, funciona em defesa mínima do sinistrado, sem que ela impeça a fixação de outros regimes mais favoráveis aos sinistrados, desde que expressamente aceites pelas entidades patronais.
b) A outra tese nega aquele tipo de considerações, dizendo que o que a lei prevê, em matéria de direitos e garantias dos trabalhadores sinistrados, é taxativo do ponto de vista das leis infortunísticas. (...)
Num sentido e noutro tem oscilado a Jurisprudência, talvez com maior prevalência para a l.ª tese que pode ver-se vertida em acórdãos do STJ (v.g. in BMJ 334, 321; 335.º, 226 ou 399.º, 381)”.
Em nosso entender, resulta claro que a entidade patronal da A., ao efectivar um contrato de seguro com a Ré seguradora tendo em conta a referida retribuição (€ 39 x 30 d x 14 m) promoveu e quis que a A., na hipótese de acidente de trabalho, fosse ressarcida em função de tal retribuição transferida para a seguradora, o que a Autora aceitou e a Ré seguradora assumiu.
Assim, ao contrário do entendimento que obteve vencimento no douto acórdão, entendemos, na esteira do sustentado no voto de vencido, que o cálculo das prestações pelo acidente de trabalho sofrido pela Autora, mormente a PAV, deve considerar o valor transferido (€.16.380/ano) para a seguradora a título de retribuição.
(…)
Quer dizer: a Autora, trabalhando embora a tempo parcial para a Ré e auferindo em média a retribuição diária de € 25, tinha a responsabilidade emergente do acidente transferida para a seguradora, com base na retribuição diária de € 39 e por tempo integral e por valor superior à retribuição mínima garantida.
O que significa que para encontrar a retribuição devida para cálculo da pensão não há necessidade de recorrer a qualquer remuneração ficcionada, designadamente encontrada através da equidade, dado que a garantida através do contrato de seguro, por ser superior à auferida e quiçá determinável com base na equidade, é a que deve prevalecer.
Na verdade, quando a retribuição declarada para efeito de seguro de acidente de trabalho for superior à realmente auferida pelo sinistrado, é com base na última que as prestações devidas devem ser calculadas.
A tal não pode obstar a imperatividade dos regimes dos acidentes de trabalho estabelecidos na lei [designadamente na Lei n.º 2.127/65 e na Lei n.º 100/97], porque essa imperatividade, em bom entendimento, deve funcionar apenas em defesa da garantia mínima dos direitos do sinistrado, sem que impeça a fixação de outros regimes mais favoráveis, desde que promovidos pelas entidades patronais.
Quando o artigo 34.º, n.º 1, da Lei 100/97, estabelece que «é nula a convenção contrária aos direitos e garantias conferidas nesta lei ou com eles incompatível», obviamente que tem a consequência de os valores das prestações por acidente de trabalho não poderem ser inferiores aos resultantes da mesma lei, mas nada impede que tais valores possam ser superiores desde que assegurados intencionalmente pelas entidades empregadoras, como meios de proporcionar aos seus trabalhadores uma mais condigna reparação em caso de acidentes de que venham a ser vítimas.
É que, na verdade, a lei dos acidentes de trabalho estabelece valores mínimos obrigatórios, mas tais valores não representam, simultaneamente, valores máximos admissíveis, pois que não se vislumbra qualquer justificação plausível para que assim fosse, atento o princípio da liberdade contratual (art. 405.º do CC).
Se o empregador pretender beneficiar o trabalhador, conferindo-lhe direito a um regime reparatório de acidente de trabalho mais benéfico que o estatuído na lei geral não se lobriga que esta o entrave.
E do estatuído no art. 37.º, n.º 1, da LAT, também não se pode tirar argumento em sentido contrário.
Se é de concluir que nos termos deste preceito a entidade empregadora não pode transferir a sua responsabilidade emergente de acidente para a entidade seguradora por valor inferior ao da retribuição auferida pelo trabalhador, sob pena de, em caso de acidente, ter de responder pela diferença não transferida, já não se pode concluir que a entidade seguradora apenas seja responsável pelo valor real auferido pelo trabalhador em caso de o valor transferido ser superior àquele.
A seguradora é responsável antes pelo valor declarado para o seguro, que é com base nele que é pago o respectivo prémio. Podendo, por isso, responder por valor superior àquele pelo qual responderia a entidade empregadora, porque para aferir da responsabilidade da seguradora sempre deverá contar, e apenas, o valor garantido pelo contrato de seguro, quer este valor seja igual, quer seja inferior, quer seja superior, ao auferido pelo trabalhador.
Não se pode, pois, ter como princípio o de que a seguradora não deverá responder por valor superior àquele pelo qual responderia a entidade empregadora, pois que nada impede que esta, pretendendo garantir ao trabalhador um regime reparador de acidentes de trabalho mais favorável que o decorrente da LAT, o faça através de adequado contrato de seguro, pelo qual despenderá o correspondente pagamento.
O que não seria justificável era que o empregador tivesse de suportar o pagamento de um prémio de seguro mais elevado para garantir prestações mais vantajosas para o sinistrado e, por se considerar haver impedimento legal no assegurar de tais prestações, se constituísse um benefício para a seguradora, sem qualquer contrapartida.
Do que se conclui que no caso vertente para o cálculo das prestações pelo acidente de trabalho sofrido pela Autora, designadamente da pensão anual e vitalícia, deve tomar-se em consideração o valor transferido (de € 16.380 anuais) para a seguradora a título de retribuição, pelo que a mesma pensão será do valor de € 917,28 e obrigatoriamente remível”.
No âmbito desta jurisprudência permaneceu este tribunal no acórdão de 06.10.2016, se bem que valorizando situação algo diversa:
“Sendo pacífico entre as partes que o A. foi vítima de acidente de trabalho indemnizável, a questão que se coloca no recurso em apreço é a de saber se as prestações pecuniárias que a R. seguradora foi condenada a pagar ao sinistrado devem ser calculadas em função da retribuição diária de € 64,71 e não da que foi considerada na sentença recorrida.
Com efeito, resultou provado, por um lado, que à data do acidente a retribuição auferida pelo A. e paga pelo seu então empregador, como contrapartida do trabalho a tempo parcial que lhe prestava, era de € 15,00 por 4 horas diárias, ou seja, € 3,75/hora, o que corresponde a uma retribuição mensal de € 900,00 e anual de € 12.600,00.
Mais se provou, por outro lado, que o co-R. empregador tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a co-R. seguradora através de contrato de seguro de área agrícola titulado pela apólice n.º AT…, sem nomes, na modalidade de prémio fixo, nos termos constantes das condições particulares da apólice a que se refere o doc. de fls. 5 v.º, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, dele constando, além do mais:
«PESSOAS SEGURAS:

Salário Máximo Mulher – EVENTUAL – 38,83 DIÁRIO REMUN. BASE
Salário Máximo Homem – EVENTUAL – 64,71 DIÁRIO REMUN. BASE»

Provou-se, finalmente, com interesse que a entidade empregadora, no contrato de seguro mencionado, para salvaguardar situações especiais ou ocasionais e diferentes funções, contrata um seguro pelo valor máximo diário que pode atingir o salário dum trabalhador, daí a indicação de salário até € 64,71/dia.
O Apelante insurge-se contra o entendimento plasmado na sentença recorrida ao ter calculado a indemnização por ITA e a pensão anual e vitalícia devidas ao sinistrado, não com base na retribuição que alegadamente decorre do contrato de seguro celebrado entre o empregador e a entidade seguradora, mas antes com referência à retribuição por aquele realmente auferida, que é inferior, invocando, por um lado, que o regime jurídico de acidentes de trabalho estabelece valores mínimos das prestações devidas aos sinistrados, que podem ser superiores por vontade das partes, e, por outro lado, que a natureza consensual e formal do contrato de seguro e os princípios da autonomia da vontade e da liberdade negocial determinam que se considere o mutuamente aceite por empregador e seguradora.
Na sua alegação, o Recorrente chama à colação, designadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2012, proferido no âmbito do processo n.º 421/06.5TTFIG.C1.S1 (Relator Pereira Rodrigues), disponível em www.dgsi.pt, que tem o seguinte sumário:
(…)
Invoca ainda o Acórdão da Relação do Porto de 4 de Fevereiro de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 225/10.0TTOAZ.P1 (Relatora Paula Leal de Carvalho, também disponível em www.dgsi.pt, que tem o seguinte sumário:
(…)
Ora, conforme se pode extrair dos sumários, e confirmar através da leitura integral destes acórdãos, neles se considera:
- por um lado, que o regime jurídico de acidentes de trabalho apenas estabelece valores mínimos das prestações devidas aos sinistrados, os quais podem ser superiores por iniciativa do empregador que, designadamente, celebre contrato de seguro baseado em retribuição superior à efectivamente paga, devendo o mesmo ser respeitado pelos respectivos contraentes;
- por outro lado, que, nos casos concretos aí apreciados, a responsabilidade por acidente de trabalho relativa aos aí sinistrados está efectivamente transferida para as aí seguradoras por retribuição superior à realmente auferida por aqueles. No segundo Acórdão, aliás, sublinha-se que tal decorre das declarações da própria seguradora relativamente ao valor retributivo em função do qual tinha já aceitado nos autos a sua responsabilidade.
Na situação em apreço nos presentes autos, contudo, independentemente da posição que se tenha no que concerne à questão jurídica, enunciada em primeiro lugar, não é também pacífico que se possa considerar que a responsabilidade do empregador pelo acidente de trabalho que vitimou o A. estava transferida para a seguradora em função da retribuição diária de € 64,71, e não da que foi considerada na sentença recorrida, pois nenhum dos RR. o aceita, sendo esse o busílis da questão.
Na verdade, concordamos que a lei dos acidentes de trabalho estabelece apenas valores mínimos obrigatórios, não decorrendo dos seus termos que proíba o empregador de, querendo ir além dos valores das prestações resultantes da mesma, celebrar um contrato de seguro com uma seguradora por valores retributivos superiores à retribuição real, pagando o correspondente prémio.
Como refere Pedro Martinez, mencionando uma norma do anteprojecto do Código do Trabalho que expressamente previa o agravamento da responsabilidade por via contratual, “[a] norma não foi incluída na versão final do Código do Trabalho nem na versão da LAT de 2009, mas a solução nela proposta não se encontra proibida e continua a valer por via do princípio da liberdade contratual. Do disposto no art. 12.º da LAT parece poder deduzir-se que nada obsta quanto a ser acordado um agravamento de tal responsabilidade; será, pois, válido um regime convencional que exceda os limites legais, designadamente admitindo uma indemnização fixada por parâmetros mais elevados do que a retribuição ou abrangendo outros danos, como os lucros cessantes.
Porém, como se disse, nos autos discute-se se a responsabilidade do R. empregador pelo acidente de trabalho que vitimou o A. estava transferida para a R. seguradora em função da retribuição diária de € 64,71, pois ambos os RR. o negam, sustentando que tal valor apenas fixava o limite máximo da responsabilidade da seguradora, caso o salário de algum trabalhador abrangido o atingisse, sem prejuízo de responder em função de valores inferiores se fossem os efectivamente auferidos.
Por outras palavras, a questão, pelo menos quanto a nós, não é a da admissibilidade legal de convenção que garanta ao sinistrado direitos mais vantajosos em matéria de reparação de acidente de trabalho – pois aceitamos esse pressuposto –, mas sim a da interpretação do contrato de seguro a que se reportam os autos em termos de apurar se o sentido do aí declarado pelas partes se reconduz a tal propósito.
Estabelece o Código Civil, na parte que interessa:
Artigo 236.º (Sentido normal da declaração)
(…)
No caso em apreço, como se provou, o co-R. A. S. tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a co-R. seguradora através de contrato de seguro de área agrícola titulado pela apólice n.º AT…, sem nomes, na modalidade de prémio fixo, nos termos constantes das condições particulares da apólice a que se refere o doc. de fls. 5 v.º, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, dele constando, além do mais:
«PESSOAS SEGURAS:
Salário Máximo Mulher – EVENTUAL – 38,83 DIÁRIO REMUN. BASE
Salário Máximo Homem – EVENTUAL – 64,71 DIÁRIO REMUN. BASE»
O co-R. D., para salvaguardar situações especiais ou ocasionais e diferentes funções, contrata um seguro pelo valor máximo diário que pode atingir o salário dum trabalhador, daí a indicação de salário até € 64,71/dia.

Em face do exposto, parece-nos, inclusive, que a vontade real dos declarantes coincide com a que objectivamente se poderia inferir da mencionada declaração escrita nos termos dos citados arts. 236.º, n.º 1, 237.º e 238.º, n.º 1, ou seja, de que as partes no contrato de seguro dos autos quiseram que a responsabilidade por acidente de trabalho ficasse transferida do empregador para a seguradora em função da retribuição real das pessoas seguras, a qual seria no máximo de € 38,83/dia no caso de mulheres ou no máximo de € 64,71/dia no caso de homens.
Na verdade, se a intenção fosse garantir que as prestações devidas por acidente de trabalho a todas as trabalhadoras e a todos os trabalhadores fossem calculadas em função da retribuição única de € 38,83/dia e € 64,71/dia, respectivamente, independentemente do salário que efectivamente auferissem, não havia necessidade de consignar a expressão «máximo», que teria sido introduzida sem qualquer utilidade, designadamente a de fixar a responsabilidade máxima da seguradora no caso de as pessoas seguras auferirem retribuição superior, pois tal é o que resulta directamente da lei, sem necessidade de expressa ressalva.
Com efeito, na generalidade dos contratos de seguro de acidentes de trabalho, as partes limitam-se a consignar a retribuição das pessoas seguras, em função da qual se afere e circunscreve o quantum da responsabilidade da seguradora, respondendo o empregador pela diferença, no caso de o valor da retribuição declarado ser inferior ao real, sem necessidade de qualquer salvaguarda expressa.
Assim, sempre se imporia que se atribuísse um sentido útil à inserção das expressões «Salário Máximo Mulher» e «Salário Máximo Homem», em vez de «Salário Mulher» e «Salário Homem», o qual apontaria necessariamente para a possibilidade de o salário atendível variar, com o indicado limite, designadamente em atenção à variedade de funções e qualificações das pessoas susceptíveis de serem contratadas.
Aliás, como se disse, foi isso mesmo que se provou que foi a vontade real dos declarantes / declaratários, que são, in casu, o R. empregador e a R. seguradora, na medida em que sustentam precisamente o que ora se conclui”.
Deste modo o recurso merece provimento nesta parte.
Tal como deve acontecer com a questão relacionada com o momento a partir do qual se vencem juros de mora sobre o capital de remição da pensão anual e vitalícia.
Condenou-se: “…, a pagar ao referido sinistrado a quantia … a título de diferença entre indemnização pelos períodos de incapacidade temporária liquidada e a devida; a pensão anual e vitalícia de € 837,62 …, a partir de 19/02/2016, sendo que, esta pensão, é obrigatoriamente remível, acrescidos dos respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre o valor da diferença de indemnização devida a título de incapacidades temporárias e desde o dia seguinte ao da alta clínica supra fixada e dos vincendos até integral pagamento, dado que estando o sinistrado a receber pensão provisória se considera inexistir mora por parte da demandada segurador quanto ao valor da pensão anual acima fixada”.
Com efeito no dispositivo da sentença apenas se condena no pagamento de juros vencidos quanto à diferença indemnizatória devida a título de incapacidades temporárias e não sobre o capital de remição da pensão anual e vitalícia. Quanto a este unicamente se condena em juros vincendos.
Já tivemos a oportunidade de decidir a mesma questão (acórdão de 04.05.2017, procº 891/11.0TTVCT.G1) expendendo-se:
“Por último, a recorrente entende que sendo condenada a satisfazer juros moratórios relativamente à pensão devia ser “apenas, no pagamento dos juros moratórios sobre cada duodécimo das pensões vencidas, desde 05/11/2011, até integral satisfação do respectivo capital de remição”: “a prestação que, no caso em apreço, não foi atempadamente satisfeita pela Ré não foi outra senão a pensão provisória de 770,46 € anuais, paga em duodécimos, que seria devida ao sinistrado desde 05/11/2011”.
Isto, apesar do artº 135º do CPT (na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa, integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzir, e fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso), segundo a mesma, atento ao artº 52º da Lei nº 98/2009 não se pode afirmar que exista um regime especial excepcional de indemnização; e o artº 50º nº 2 da Lei 98/2009 (a pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado).
O artº 52º da Lei nº 98/2009 prevê pensão provisória: “1 - Sem prejuízo do disposto no Código de Processo do Trabalho, é estabelecida uma pensão provisória por incapacidade permanente entre o dia seguinte ao da alta e o momento de fixação da pensão definitiva.
2 - A pensão provisória destina-se a garantir uma protecção atempada e adequada nos casos de incapacidade permanente sempre que haja razões determinantes do retardamento da atribuição das prestações.
(…)
5 - Os montantes pagos nos termos dos números anteriores são considerados aquando da fixação final dos respectivos direitos”.
Segundo ainda a recorrente, além do mais, com este último normativo “a obrigação de pagamento de uma pensão provisória ao sinistrado (cfr artigo 52º da LAT), … é incompatível com a simultânea verificação de mora sobre o capital de remição desde o dia seguinte ao da alta” e por isso, “não é sobre o capital de remição – e desde a data da alta – que são devidos juros”, “sendo, … absolutamente incongruente o entendimento de que os juros são devidos sobre o capital de remição desde o dia seguinte ao da alta” na medida também em que “caso não seja alterada a incapacidade no decurso do processo o sinistrado terá recebido, nesse caso, até à data do cálculo do capital de remição – se a entidade patronal persistir no pagamento até essa data – a totalidade da indemnização que lhe era devida até então”, sendo certo que no artº 50º, nº 2 deve ser interpretada no sentido “da prestação pecuniária devida no dia seguinte ao da alta não é o capital de remição, mas antes uma pensão por incapacidade fixada em montante anual”.
Não vislumbramos como o procedimento legal até à remição da pensão em instância judicial possa influir na decisão desta questão.
Estamos perante um regime especial, o mesmo regime que permite processualmente uma fase conciliatória com as consabidas consequências legais (artºs 99º a 116º do CPT).
E o que permite este regime é a conjugação de diversas formas compensatórias da incapacidade de ganho, na qual se inclui ainda a pensão provisória e a remição facultativa (artºs 121º a 124º e 148º a 150º do CPT, 75º e 76º da Lei 98/2009).
A responsável tem o domínio de todo o circunstancialismo que possa levar a ela a partir do momento que toma conhecimento do sinistro e tem conhecimento da data de alta do sinistrado bem como do resultado do exame médico.
Se assim é a admissibilidade de juros sobre o capital de remição desde o dia seguinte à data da alta do sinistrado não deve ser excluído pela redacção do aludido artº 50º, nº 2, e na altura da prolação da sentença encontra-se a devedora em mora desde esse dia, nascendo na esfera jurídica do sinistrado o direito ao capital de remição.
E certo é mais uma vez, no parecer fez-se correta análise desta questão:
“A Recorrente vem, finalmente, manifestar o seu inconformismo relativamente ao segmento decisório da sentença recorrida que a condenou no pagamento de juros de mora sobre o capital de remição, sustentando, em suma, para tanto, que sendo a pensão fixada ao sinistrado Recorrido obrigatoriamente remível, os juros de mora devidos devem incidir sobre os montantes vencidos da pensão a remir desde as datas dos respectivos vencimentos até à data do pagamento/entrega do correspondente capital de remição e não sobre o capital de remição como se considerou no referido segmento decisório.
Em abono do referido entendimento, a Recorrente vem, para além do mais, invocar a doutrina constante do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02.05.2014, proc.º 121/12.7TTFIG-A.Cl (acessível em www.dgsi.pt; onde se concluiu que “( ... ) a obrigação de pagamento de juros de mora não ocorrerá sobre “o capital de remição desde o dia imediato ao da alta e até efectivo pagamento” - como se decidiu na decisão recorrida - mas sobre o montante da pensão atribuída desde o dia seguinte ao da alta até à entrega efectiva do capital de remição ao sinistrado. ( ... )”.
Sempre salvaguardando o devido e muito respeito que nos merece a referida solução jurisprudencial, não a podemos, contudo, acompanhar.
Com efeito, sendo a pensão fixada ao sinistrado Recorrido obrigatoriamente remível, o mesmo tem direito a partir da data do seu vencimento - dia seguinte à data da alta - a um capital de remição e não a uma pensão - cfr. art.ºs 48.º, n.ºs 2 e 3, al. c), última parte, 50.º, n.º 2, 75.º, n.º 1 e 76.º da LAT.
Tendo, desde logo, o sinistrado Recorrido direito a um capital de remição e tendo em consideração o regime especial previsto no art.º 135.º do CPT, os respectivos juros de mora devem incidir sobre o montante desse mesmo capital contados desde a data do seu vencimento e não sobre a alegada pensão que nunca integrou a sua esfera jurídica, não tendo, por isso, a nosso ver, fundamento legal ficcionar que para efeitos do início da contagem dos juros de mora nas situações em que a pensão fixada é obrigatoriamente remível não se considere o respectivo valor do capital de remição e a sua data de vencimento, mas antes a pensão anual (não vitalícia) que (apenas) serve de base ao cálculo desse mesmo montante.
Nesse mesmo sentido decidiu o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.07.2013, proc.º n.º 941/08.7TTGMR.Pl.SI (acessível em www.dgsi.pti, o qual, não obstante ter incidido sobre uma situação regida pela anterior LAT aprovada pela Lei n.º 100/97, de 13.09, mantém plena actualidade/validade face ao regime similar consignado na LAT ora vigente.
Já no domínio da actual LAT, decidiram, também, nesse mesmo sentido, entre outros, os doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 06.10.2014, proc.º 90/12.3TTOAZ-A.Pl, do Tribunal da Relação de Évora de 09.03.2016, proc.º n.º 354/15.4T8BJA.El e do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.05.2016, proc.º n.º 2445/15.2T8CSC.L1-4 (todos acessíveis em www.dgsi.pt) e deste Tribunal da Relação de Guimarães de 03.12.2015, proc.º n.º 969/10.7TTVCT.Gl e de 06.10.2016, proc.º n.º 364/14.9TTVCT.Gl (não publicados), a cuja doutrina e fundamentação aderimos na íntegra”.
E esta foi a posição da jurisprudência deste tribunal, entre outros, acórdãos proferidos nos processos nºs 5868/15.3T8VNF.G1, de 5.03.2016, 1804/15.5T8BCL.G1 de 06.10.2016 e 39/12.3TTVNF.G1, de 17.11.2016, não publicados, referindo o último:
“Quanto ao capital de remição.
O recorrente alude ao vencimento de juros desde a data do seu vencimento. Tratando-se de remição facultativa, os juros são devidos desde o dia seguinte ao do requerimento a solicitar a remição, data considerada para efeitos de cálculo. Sobre o vencimento de juros quanto ao capital de remição desde a data em que o mesmo é devido (data da consolidação da pensão devida em capital de remição), vd do mesmo relator, processo 643/14.5T8BCL.G1, onde se refere:
“Apoiada no Ac. RC de 2/5/2014, processo nº 121/12.7TTFIG-A.C1, disponível na net, defende a recorrida que os juros são devidos sobre a pensão anual e vitalícia, devida desde o dia seguinte ao da alta, seja, sobre cada prestação da mesma pensão e tendo em conta o momento em que as mesmas se vencem, e não sobre o valor do capital de remição, referindo o disposto no nº 2 do artigo 50 da LAT (l. 98/2009). Refere que não existe qualquer norma que indique o momento do vencimento do capital de remição, e alude a que não podendo fazer a entrega não ocorre mora da sua parte. Refere que só após a tramitação prevista, tem o sinistrado direito a receber o capital, e que o artigo 135º do CPT não prescinde da culpa do devedor. Alude ainda no facto de a lei prever uma pensão provisória no artigo 52º, circunstância incompatível com a verificação de mora sobre o capital.
A tese no sentido da atribuição de juros sobre o valor da pensão (prestações) assenta no pressuposto de que sendo prestações distintas, a pensão e o capital, (art. 47.º n.º 1 al. c) da LAT/2009, no anterior regime o art. 10.º al. b) da Lei 100/97, na sua tradução normativa a lei faz corresponder aquela obrigação de pagamento de capital ao valor da remição da pensão anual e vitalícia (arts. 48.º n.º 3 al. c) e 75.º da LAT/2009), pelo que isso significaria que na génese evolutiva do direito ao capital da remição está o direito a uma pensão anual e vitalícia.
Tendo os juros de mora uma função indemnizatória, visando ressarcir o prejuízo decorrente do retardamento da prestação, para resolver a questão colocada importa saber qual o exato direito do credor de juros. Só assim pode partir-se para a dilucidação do montante sobre que estes devem incidir e desde quando.
A este raciocínio importa menos a génese do direito que a sua configuração concreta tal como a lei a determina. Seja, pouco importa saber da sua conceção, pouco importa que o capital de remição seja um filho da pensão anual, importa mais saber a sua data de nascimento efetivo, e é, a data em que o direito à sua perceção nasce na esfera jurídica do credor.
Importa previamente referir que no domínio do direito laboral existem regras próprios relativamente aos juros, que resultam do artigo 135º do CPT, onde se refere que na sentença o juiz, se foram devidos, fixa os juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso. Não é necessário sequer que exista pedido.
Esta regra implica um desvio em relação à disciplina civilista resultante dos artigos 804 e 805 do CC. Desde que ocorra atraso no pagamento, ainda que não imputável ao devedor, devem ser fixados os juros. NS. STJ de 2/2/90, processo nº 002285, www.dgsi.pt.

Citado nos Acs. RP de 29/5/2016, processo nº 0610535 e de 18/10/2010, processo nº 509/09.0YTMTS.P1, disponíveis na net.
O facto de por força das regras legais a entrega do capital estar dependente de um procedimento – artigos 149º ss do CPT -, não impede a mora, conquanto sem culpa do devedor.
Vd. Ainda Abílio Neto C.P.T. Anotado em anotação ao artº. 135, e Prontuário de Legislação do Trabalho, CEJ, atualização n.º 35, novembro de 1990, com anotação de Cruz de Carvalho, citado no Ac. RP 18/10/2010, processo nº 509/09.0YTMTS.P1. RL de 18/11/2015, processo nº 14934/13.9T2SNT.L1-4.
A desnecessidade de culpa do devedor resulta do artigo 135º do CPC…

A tese apresentada, no sentido de juros calculados sobre o valor das prestações mensais que resultariam da pensão anual, esbarra desde logo com a circunstância de tais prestações não serem devidas. Não há vencimento de qualquer prestação de uma pensão anual, pelo que carece de sentido fazer incidir juros sobre valores ficcionados.

Assim é que o artigo 47º da mesma, relativo às modalidades de prestações, refere no nº 1, al. c) a par da pensão por incapacidade a “ indemnização em capital”, esclarecendo o artigo 48º no seu nº 2 que a indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho. Assim, capital de remição e pensão anual a pagar em duodécimos são coisas distintas no quadro da LAT, referindo expressamente atribuição única e não continuada ou periódica.
Resta saber quando se vence o aludido direito a uma indemnização em capital, resposta que será determinante para a opção a tomar.
O artigo 50º reporta-se ao modo de fixação da incapacidade temporária e permanente, referindo:
1 - A indemnização por incapacidade temporária é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao do acidente.
2 - A pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado.
3 – (…)
Não refere a lei quando se vence o direito ao capital, mas tal circunstância não significa que o seu vencimento esteja dependente do cálculo (que é meramente aritmético), o que implicaria uma insegurança quanto à data e disparidade na mesma em função da maior ou menor rapidez do tribunal e do processo.
Há que descortinar na sua génese quanto deve considerar-se ocorrer o vencimento. Tratando-se de um substituto, um derivado da pensão anual e vitalícia, essa data há-de corresponder àquela data que for considerada para o cálculo, e é a data em que se opera a metamorfose, a “condensação “ da pensão anual em capital.
A portaria 11/2000 de 13/1 aprova as bases técnicas aplicáveis ao cálculo, referenciando a tábua de mortalidade e a taxa técnica de juro.
Aí se refere que na aplicação das tabelas se tomam em consideração a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se referem os cálculos.
Ora, no caso de pensões obrigatoriamente remíveis… a data do cálculo corresponde necessariamente à data em que se iniciaria o vencimento da pensão, seja, o dia seguinte ao da alta.

O direito à indemnização em capital tem vencimento no dia seguinte ao da alta, não ocorrendo qualquer injustiça na condenação dos juros, dado que as regras do cálculo, no processo de condensação da pensão fazem já os ajustes devidos. Aquele é o valor devido àquela data, a pagar de uma só vez, para compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho – artigo 48º, 2.
No sentido de vencimento de juros desde dia seguinte ao da data da alta sobre o montante do capital, RG de 3/12/2015 processo nº 969/10.7TTVCT.G1 e processo nº 1608/15.5T8TVCT.G1; RP de 18-10-2010, Proc. 509/09.0 YTMTS.P1; RP de 7/1/2016, processo nº 117/14.4TTMR-A.E1; RL de 4/5/2016, processo nº 675/14.3T8TVD-.L1-4.
…”
No caso presente, como já referido, tratando-se de remição facultativa, os juros são devidos desde o dia seguinte ao do requerimento a solicitar a remição, data considerada para efeitos de cálculo, seja, desde 30/12/2015”.
Pelo que se deixa dito procederá o recurso.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1. “Se a responsabilidade pelo risco decorrente de acidente de trabalho estiver transferida para Seguradora com base em retribuição superior à auferida pelo sinistrado, àquela, e não a esta, se deverá atender para o cálculo da indemnização por incapacidade temporária e da pensão”.

2- A obrigação de pagamento de juros de mora deve ocorrer sobre o capital de remição desde o dia imediato ao da alta até efectivo pagamento.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação, pelo que confirmando no mais a sentença revogam-na condenando a apelada a pagar ao sinistrado o capital de remição da pensão anual e vitalícia no valor de 848,33€ acrescido de juros de mora vencidos desde 19.02.2016 e vincendos.
Sem custas.
*****
O acórdão compõe-se de 24, com os versos não impressos.
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19.10.2017