Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1176/16.0T8CHV-B.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: PRESCRIÇÃO
SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO
JUROS VINCENDOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do relator:

1. Aos juros vincendos emergentes duma sentença transitada em julgado, fundamento de acção executiva, aplica-se o regime prescricional de curto prazo nos termos conjugados do artigo 311 n.º 2 e 310 al. d) do C.Civil.

2. O prazo prescricional, para este efeito, será contado desde o trânsito em julgado da sentença e os últimos 5 anos referenciados à data da propositura da acção”.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

António, Executado nos autos principais de execução, veio deduzir embargos de executado alegando, em síntese, que a sentença que vem dada à execução condena o Réu, aqui executado/embargante, a pagar à A., aqui exequente/embargada, o seguinte:
a quantia de 1.920.000$00 a título de rendas vencidas e não pagas, sendo que aquele montante convertido para os actuais Euros corresponde a: 9.576,91 € (1.920.000,00 : 200,482 ) e não a 9.600,00 € conforme vem referido na p.i.

Por outro lado, alega que dos juros que vêm liquidados (15.768,00€) no requerimento inicial, já prescreveram, no montante de 11.953,55 €., os contados desde o trânsito em julgado da sentença, em 20/02/1998, até cinco anos antes da data, 04/01/2017, em que ocorreu a primeira citação, ao abrigo do disposto nos artigos 310º-d), 311º-2 e 323º-1 do Cod. Civil.,

Por último alega também que a Exequente peticiona, desde já, o reembolso da taxa de justiça que pagou (204,00 €) com o requerimento inicial da execução, sendo certo, no entanto, que só o pode fazer a final em sede de eventual reembolso de custas de parte e de acordo com a decisão final, sendo evidente que esta obrigação de reembolso não consta do título executivo.

Concluiu pedindo a procedência dos presentes embargos e, em consequência, a execução não prosseguirá quanto a: - 23,09€ do capital indicado no requerimento executivo inicial; - 11.953,55€ dos juros peticionados, ou sejam os vencidos desde 20/02/1998 até 04/01/2012 porque prescritos; - 204,00€ de reembolso de taxa de justiça.

Recebidos os presentes embargos, foi notificada a exequente, a qual apresentou contestação, alegando, em síntese, que o Executado tem razão na parte em que alega um erro de cálculo quanto ao valor do capital devido, pedindo a improcedência da oposição quanto ao demais alegado, pois os juros deverão ser calculados nos termos do art. 311.º do CPC e a taxa de justiça poderá ser reclamada para ser paga pelo produto da venda de bens penhorados nos autos.
Concluiu nos termos acabados de expor.

Foi proferida, no saneador, decisão de mérito, julgando nos termos seguintes:

“Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os presentes embargos de executado e, subsequentemente, deverão os autos principais de execução prosseguirem os seus termos de acordo com o ora decidido, ou seja, a quantia exequenda corresponde ao somatório dos montantes relativo ao capital que se fixa em 9.576,91 €, acrescido de juros à taxa legal sucessivamente em vigor até efetivo e integral pagamento da quantia exequenda.
Custas a cargo do Executado/Embargante e da Exequente/Embargada na proporção do decaimento (art.527.º do Código de Processo Civil).”

Inconformado com o decidido o embargante interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

3.1. Para melhor enquadramento quer da sentença exequenda e na parte aqui impugnada, quer das presente alegações deve aditar-se aos factos assentes relevantes que: O executado/embargante foi citado para os termos da execução em 04/01/2017.
3.2: A sentença exequenda condena no pagamento "de juros de mora à taxa prevista no arte 559º do Código Civil até integral pagamento",
3.3: Estes juros, que estão liquidados no requerimento executivo à taxa de 4%, só começaram a vencer-se a partir do trânsito em julgado da sentença, pelo que devem ser considerados como prestações ainda não devidas, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artº 311 do Código Civil.
3.4. Também os juros que no requerimento executivo estão peticionados com fundamento no n.º 4 do artº 829 do Código Civil e liquidados à taxa de 5% só começaram a vencer-se, até por imperativo legal (cfr. aquele nº 4 ), após o trânsito em julgado da sentença, pelo que também devem ser considerados como prestações ainda não devidas, nos termos e para os efeitos daquele normativo.
3.5: E todos estes juros são legais porque previstos na lei, mais concretamente no art. 559º-l por referência à portaria respectiva, e no artº 829-A-4., ambos do Código Civil.
3.6: Assim sendo, ou seja porque são juros legais e porque são vincendos e também porque ambos vêm liquidados pelo período temporal posterior ao transito em julgado da sentença, assumem, com respeito à mesma, a natureza de prestações ainda não devidas,

Pelo que
3.7: O crédito dos juros peticionados está prescrito quanto a todos os juros vencidos para além dos cinco anos que precedem a citação do executado/embargante, ou seja quanto a 11.953,55€.
3.8: Na douta sentença recorrida a Meritíssima Senhora Juíza a quo errou na interpretação do n.º 1 do artº 311, e deixou de aplicar, como se lhe impunha, o n.º2 do mesmo artº e também os artº 310º -d) e 323º-l, todos do Código Civil.
Vossas Excelências na procedência do presente recurso decretarão a prescrição peticionada por via dos embargos de executado e, em consequência, a execução não prosseguirá quanto 11.953,55€,”

Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões:

1. Se é de aditar aos factos provados a data da primeira citação do executado, que ocorreu a 4/01/2017.
2. Se os juros vincendos, emergentes da sentença, enquanto título executivo desta ação executiva, prescrevem no prazo de cinco anos.

Vamos conhecer das questões enunciadas.

1. Se é de aditar aos factos provados a data da primeira citação do executado, que ocorreu a 4/01/2017.

Coloca-se a questão de saber se deve ser aditada, aos factos assentes, a data da citação do executado.

É um facto essencial para a liquidação dos juros na perspetiva do apelante nos embargos de executado, uma vez que defende a prescrição dos juros entre a data do trânsito em julgado da sentença a 20/02/1998 e a citação do executado para a execução a 4/01/2017. E o exequente não impugna este facto como resulta da leitura do artigo 2º da contestação aos embargos, sendo um facto aceite por acordo. Daí que se admita o seu aditamento aos factos dados como assentes, que passará a ter a seguinte redação: “ O executado foi citado para a execução a 4/01/2017”.

Vamos fixar a matéria de facto assente.

A. Factos dados como assentes na decisão recorrida:

“Em face da documentação junta aos autos, é possível dar como assente a seguinte factualidade, com relevância para a apreciação e decisão dos presentes embargos de executado:

1. Por sentença transitada em julgado em 20-02-1998 o Executado foi condenado a pagar à Exequente a quantia 1.920.000$00 (ou seja, 9.576,91 €), acrescida de juros à taxa legal até integral e efectivo pagamento.
2. No requerimento executivo que deu origem aos autos principais de execução, a Exequente liquidou a obrigação exequenda da seguinte forma: “Ao capital em dívida de 9.600,00 aplicou-se a taxa legal de 4% o que deu €7008,00 e aplicou-se a taxa prevista no Art.º 829-A do CC a 5% que deu €8760,00, somando também a taxa de Justiça paga de €204,00”.
3. Até à presente data o Executada não pagou tal quantia à Exequente nem parte dessa mesma quantia.
4. O processo onde foi proferida a sentença aludida em 1) correu termos pelo Tribunal Judicial de Sabrosa com o n.º 38/95.”

B. Facto aditado: “O executado foi citado para a execução a 4/01/2017”.

2. Se os juros vincendos, emergentes da sentença, enquanto título executivo desta ação executiva, prescrevem no prazo de cinco anos.

O tribunal, na decisão recorrida, defende que os juros vincendos, porque emergem duma sentença transitada em julgado, prescrevem no prazo máximo de 20 anos nos termos do artigo 311 n.º 1 do C.Civil, pelo que são devidos desde o trânsito em julgado da sentença até ao pagamento da obrigação principal.

O apelante insurge-se contra este entendimento, alegando que se deve aplicar o disposto no artigo 311 n.º 2 do C.Civil, que, no que diz respeito a “…prestações ainda não devidas..” se aplica o regime da prescrição a curto prazo.

A doutrina e a jurisprudência maioritárias, para não dizer unânimes, vão no sentido de que quando o título executivo seja uma sentença que reconheça direitos, quando estão em causa prestações vincendas emergentes da sentença, estas estão sujeitas ao regime prescricional de curto prazo, previsto no artigo 311 n.º 2 do C.Civil, que é uma exceção ao regime consignado no n.º 1 do mesmo artigo. E isto porque as prestações vincendas ainda não se constituíram, irão nascer em momento posterior, pelo que não são devidas no momento da sua eficácia, isto é, do trânsito em julgado. E nestas prestações vincendas se incluem os juros, que são obrigações acessórias, mas relativamente autónomas à obrigação principal, (artigo 561 do C.Civil), cujo prazo prescricional será o de 5 anos previsto no artigo 310 al. d) do C.Civil, uma vez que são obrigações que renascem dia a dia (conferir Ac. STJ. 12/11/1996, Ac. STJ. 17/04/1997, Ac. STJ. 7/9/2003, Ac. STJ. 22/11/2007; Ac. Rla. 19/10/2006 e Ac. Rla. 13/01/2016, e a doutrina aí citada, disponíveis em www.dgsi.pt).

No caso em apreço, estão questionados os juros vencidos entre a data do trânsito em julgado da sentença (20/02/1998) sobre o capital de 9.576,91€ e o seu pagamento e os últimos 5 anos entre a data da citação para a execução (14/01/2017), o que correspondem, na liquidação do apelante, a 11.953,55€, cujo montante considera prescrito.

Aplicando os princípios, acima expostos, ao caso em apreço, os juros vincendos estão prescritos entre a data do trânsito em julgado da sentença (20/02/1998), fundamento da execução, e os últimos cinco anos contados desde a entrada em juízo da ação executiva e não da citação, porque a obrigação já está definida no título executivo e é exigível desde o seu trânsito em julgado, e vence-se dia a dia, revelando o feito em juízo uma manifestação inequívoca de exigência da prestação.

Assim, a apelação terá de proceder, parcialmente, no que se refere à prescrição dos juros contados desde o trânsito em julgado da sentença e os cinco anos anteriores à propositura da ação executiva.

Concluindo: 1. Aos juros vincendos emergentes duma sentença transitada em julgado, fundamento de acção executiva, aplica-se o regime prescricional de curto prazo nos termos conjugados do artigo 311 n.º 2 e 310 al. d) do C.Civil.
2. O prazo prescricional, para este efeito, será contado desde o trânsito em julgado da sentença e os últimos 5 anos referenciados à data da propositura da ação.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, alteram a decisão recorrida no sentido de que os juros vincendos estão prescritos desde a data do trânsito em julgado da sentença até cinco anos antes da propositura da ação executiva. No resto mantêm o decidido.

Custas a cargo da apelante e apelado na proporção de vencimento.

Guimarães,

Joaquim Espinheira Baltar
Eva Almeida
António Beça Pereira