Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1831/20.0T8BRG.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ALIMENTOS A EX-CÔNJUGES
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
EXCECIONALIDADE
SUBSIDIARIEDADE
CARÁCTER TEMPORÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Qualquer dos ex-cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio, sendo que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2 - Com a redacção dos n.ºs 1 a 3 do artigo 2016º e 2016º-A do CC, introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, é o do seu carácter excepcional, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”.
3 – Este direito a alimentos entre ex-cônjuges tem natureza temporária, não deve perdurar para sempre e, no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

M. G. intentou ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra A. J., pedindo que seja decretada a dissolução do casamento entre autora e réu, por divórcio, que se fixe a quantia de € 1.350,00/mês, a título de alimentos provisórios, a pagar pelo requerido à requerente e que se regulem as responsabilidades parentais do filho menor do casal, nos termos apresentados na petição inicial.
Na tentativa de conciliação, as partes declararam pretender converter o divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento, estando de acordo que a casa de morada de família fique atribuída à autora até à partilha. Não houve acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais, nem quanto aos alimentos entre cônjuges.
Foi proferida sentença a decretar a dissolução, por divórcio por mútuo consentimento, do casamento celebrado entre autora e réu. A ação prosseguiu quanto ao pedido de prestação de alimentos.
O réu contestou, em síntese, alegando que a autora pode trabalhar, como já trabalhou num Lar de Idosos, e continua a trabalhar na assistência a idosos e crianças, pelo que entende que não é devido qualquer valor a título de alimentos. Sem prescindir, invoca o valor dos seus rendimentos e despesas, para concluir que não pode pagar o valor pedido pela autora.
Foi elaborado despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enumerados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo o réu do pedido.

A autora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1 – A prova produzida em sede de audiência de julgamento foi coerente, precisa, concludente, espontânea e detalhada, não deixando margem para dúvida.
2 – O depoimento da recorrente foi coerente.
3 – Explicou e comprovou detalhadamente a sua necessidade real de receber alimentos (quer pelas limitações físicas de que padece, quer ainda pelo facto de o mercado de trabalho não lhe dar qualquer resposta), bem como a possibilidade do recorrido os prestar.
4 – O próprio recorrido confirmou a possibilidade de prestar alimentos, bem como a necessidade de a recorrente os receber.
5 – Existiram factos que foram incorretamente qualificados e julgados por parte do Tribunal a quo, de tal modo que se encontram em contradição entre si,
6 – Falamos dos factos 2 a 4 da matéria não provada que, em si mesmos, mais não são que uma decorrência dos factos dados como assentes.
7 – Tal qualificação redundou numa errada ponderação do pressuposto da necessidade de alimentos da recorrente.
8 – Assim, decidiu mal o Tribunal a quo ao absolver o réu na forma como o fez.
Termos em que, e com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve dar-se provimento ao presente recurso, em conformidade com as conclusões acabadas de alinhar e com todas as legais consequências.
Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs, como se espera, a habitual JUSTIÇA!

Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, bem como com a análise da necessidade de alimentos por parte da recorrente.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:
Produzida a prova, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
1. M. G. e A. J. casaram catolicamente, sem convenção antenupcial, em 28 de Dezembro de 1991, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio proferido por sentença decretada a 07.07.2020, transitada em julgado;
2. A casa de morada de família está atribuída à autora, até à partilha, sem qualquer contrapartida financeira;
3. O réu trabalha na Suíça há 30 anos e aufere mensalmente, pelo menos, 5.000,00 Francos Suíços;
4. Em 15.07.2020, o réu celebrou contrato de arrendamento relativo a um apartamento e a um lugar de estacionamento, sendo as rendas no valor mensal de € 1.025,00 Francos Suíços e 40,00 Francos Suíços, respectivamente;
5. O réu beneficia de um seguro de saúde pelo qual despende mensalmente 413,35 Francos Suíços;
6. Em 2019, o réu pagou impostos cantonais e comunais em conformidade com o documento nº 3 junto em 01.09.2020;
7. O réu paga a tarifa básica mensal de 130 Francos Suíços por serviços de telecomunicações;
8. O réu pagou seguro automóvel em conformidade com o documento nº 5 junto em 01.09.2020;
9. O réu reside com o filho do meio, A. F., nascido em -.08.1996;
10. A autora reside com o filho mais velho, P. M., nascido em -.10.1992, e com o filho mais novo, L. R., nascido em -.10.2002;
11. A autora e o filho mais velho mantêm mau relacionamento, o que inclusive já motivou a deslocação da autoridade policial à residência de ambos;
12. Até Junho de 2020, o réu prestou assistência económica à autora, na quantia mensal de € 1.350,00;
13. A autora trabalhou dos 12 aos 21 anos em empresas de confecções e, após o nascimento do primeiro filho do casal, deixou de trabalhar;
14. Após o nascimento do segundo filho, a autora trabalhou, durante um ano e meio, numa empresa de confecções;
15. Fez um curso de geriatria e há 5/6 anos trabalhou, durante dois anos, no Lar de …;
16. Nos períodos em que não trabalhava fora de casa, a autora ficava exclusivamente encarregue da gestão da vida familiar, nomeadamente cuidando dos 3 filhos do casal;
17. A autora nasceu em 16.09.1971 e não tem habilitações profissionais, para além do curso de geriatria;
18. A autora é portadora de cervico-braquialgia direita com acentuada dificuldade para a execução de esforços e outras alterações que constam do atestado médico, datado de 17.08.2020 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, as quais justificam as queixas álgicas agravadas pela execução de esforços;
19. A autora é acompanhada em consultas de psiquiatria desde há vários anos, de forma regular, por sintomatologia ansiosa e depressiva com marcada somatização, tem mantido sintomatologia conversiva (antiga histeria) resultando na incapacidade de realizar adequadamente a sua actividade profissional, tratando-se de quadros clínicos em evidente relação com factores desencadeantes que apresentam melhoria com a resolução dos mesmos, em conformidade com a informação clínica de datada de 17.07.2020 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
20. O réu ajuda os filhos financeiramente e tem uma situação financeira que lhe permite contribuir a título de alimentos para A;
21. A autora trata das lides domésticas e presta assistência a um senhor idoso, de nome J. F.;
22. A autora desloca-se diariamente (fins-de-semana inclusive) à residência do Sr. J. F. – nos meses de verão desloca-se a pé e nos meses de inverno na sua viatura automóvel – de manhã (prepara o pequeno almoço, trata da manutenção da limpeza da casa e dá de comer aos animais) e à noite (aquece a sopa e veste-lhe o pijama);
23. Pela prestação de tais serviços, a autora recebe quantia não apurada.

Factos não provados
1. A autora nunca trabalhou;
2. A autora não tem lugar no mercado de trabalho, devido à idade, ao nível de escolaridade, ao seu estado de saúde e à circunstância de nos encontrarmos em plena crise;
3. A autora necessita da ajuda financeira do réu para satisfazer as suas necessidades, no montante de € 1.350,00;
4. Devido aos seus problemas de saúde, a autora está impossibilitada de exercer qualquer profissão;
5. É ajudada financeiramente por pessoas amigas.

Entende a apelante que os factos não provados 2 a 4 deveriam transitar para os factos provados, por serem uma decorrência dos factos provados, porque, em 28 anos de casamento, a autora apenas trabalhou à volta de 4 anos, tendo dedicado os restantes 24 à gestão da vida familiar e a cuidar dos filhos, sozinha, enquanto o recorrido se encontrava na Suíça, sendo certo que não tem habilitações profissionais, para além do curso de geriatria e que sofre dos problemas físicos e psíquicos salientados nos pontos 18 e 19 dos factos provados. A própria autora confirmou em sede de declarações de parte, que entregou vários currículos em várias instituições do seu concelho de residência e nunca obteve resposta. A apelante conclui que, porque necessita de dinheiro para sustentar o seu agregado, procura trabalho, mas não tem capacidades físicas e psicológicas para o desempenhar. Refere, também que a ajuda que presta a um idoso é feita a título de voluntariado e que nada recebe, como contrapartida. Contudo, não põe em causa o facto provado número 23, pelo que é irrelevante, nessa parte, o seu recurso.

Vejamos.
As simples declarações de parte da autora, ao afirmar que enviou currículos para algumas instituições e que não obteve respostas, por si só, não são de molde a dar como provado o ponto 2 dos factos não provados (“A autora não tem lugar no mercado de trabalho, devido à idade, ao nível de escolaridade, ao seu estado de saúde e à circunstância de nos encontrarmos em plena crise”), uma vez que ficou provado o contrário, com base nas suas próprias declarações e das testemunhas por si arroladas. A autora tem capacidade para trabalhar – e trabalha – na sua área de formação, a geriatria, que, como a Sra. Juiza refere na motivação da sua decisão, é uma área que, atualmente, não está em crise e, ao contrário, “é uma área com grande saída profissional, atenta a esperança de vida e a época complicada vivida nos Lares de Idosos em tempos de pandemia, sendo compreensível que as famílias façam esforços acrescidos para os manter nas respetivas residências”. Por outro lado, a autora, tinha 49 anos à data da instauração da ação, o que, para o tipo de trabalho por si desenvolvido, não é, ainda, uma idade avançada e, finalmente, apesar do seu nível de escolaridade ser baixo – veja-se que começou a trabalhar aos 12 anos – fez um curso de geriatria, que a habilita a trabalhar no apoio a idosos.
Não há motivo, portanto, para alterar o ponto 2 dos factos não provados.
Já o ponto 4 dos factos não provados, deve ser conjugado com os pontos 18 e 19 dos factos provados. Resulta destes que os problemas físicos de que padece – cervico-braquialgia direita com acentuada dificuldade para a execução de esforços – justificam as queixas álgicas agravadas pela execução de esforços e que os problemas psíquicos – sintomatologia ansiosa e depressiva com marcada somatização e sintomatologia conversiva (antiga histeria) resultando na sua incapacidade de realizar adequadamente a sua atividade profissional – são quadros clínicos em relação com fatores desencadeantes, nomeadamente, problemáticas familiares, que apresentam melhoria com a resolução dos mesmos.
Ou seja, a autora, devido a estes problemas, não está impossibilitada de exercer qualquer profissão – motivo pelo qual o ponto 4 dos factos não provados, efetivamente não se provou – apenas podendo concluir-se que, em face desses problemas de saúde, tem mais dificuldade em exercer adequadamente a sua atividade profissional, não só do ponto de vista do acompanhamento psiquiátrico, mas também devido à dificuldade em realizar esforços.
Ora, esta dificuldade acrescida, que deverá ser ponderada em sede do enquadramento jurídico, resulta dos pontos 18 e 19 dos factos provados, pelo que nada há a alterar.
Finalmente, o ponto 3 dos factos não provados, referindo-se expressamente a um valor concreto de ajuda financeira, também não obteve qualquer prova,
Improcede, deste modo, a impugnação da decisão de facto.

Entende, também, a apelante, que foi feita uma errada ponderação do pressuposto da necessidade de alimentos da recorrente.

Vejamos.

Entre os deveres recíprocos dos cônjuges, como efeito do casamento e na vigência da sociedade conjugal, figura o dever de assistência, que compreende a obrigação recíproca de prestar alimentos e o dever recíproco de contribuir para as despesas domésticas – artigos 2015.º e 1675.º, n.º 1 do Código Civil.
Em caso de divórcio e depois deste, cada cônjuge deve prover à sua subsistência – esta é a regra que dimana do artigo 2016.º, n.º 1 do Código Civil – sendo certo que o n.º 2 deste artigo estipula que qualquer dos ex-cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.
Da conjugação destes dois números do artigo 2016.º resulta claramente que “o direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e, este, por sua vez, eternamente vinculado a essa obrigação, assumindo natureza temporária, com vista a permitir ao cônjuge que deles carece a satisfação das suas necessidades básicas nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, de modo a permitir-lhe o mínimo de condições para reorganizar a sua vida” – Tomé d’Almeida Ramião, in “O Divórcio e Questões Conexas”, 3.ª edição, revista e aumentada, Quid Júris, pág. 92.
Nos termos do n.º 1 do artigo 2016.º-A do Código Civil, deve o tribunal tomar em conta, na determinação do montante dos alimentos, a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre a necessidade do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
Deve atender-se a que, por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, nos termos do artigo 2004.º, n.º 1 do Código Civil, obedecendo a medida dos alimentos aos critérios fixados no n.º 2 deste artigo e reafirmados no artigo 2016.º-A, ou seja, a necessidade do alimentando, a possibilidade do alimentante e a capacidade/possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Estipula, ainda o n.º 3 do artigo 2016.º-A do CC que o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio
Veja-se, até, que o n.º 3 deste artigo estabeleceu que “por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado”.
Trata-se de casos em que, como se pode ler no n.º 6 da exposição de motivos da Lei 61/2008 de 31/10, o direito a alimentos deve ser negado ao ex-cônjuge necessitado “por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”, aí se afirmando o princípio de que o credor de alimentos não tem o direito de manter o padrão de vida de que gozou enquanto esteve casado e que, se o casamento não dura para sempre, não pode garantir um certo nível de vida para sempre, estabelecendo-se, ainda, a prevalência de qualquer obrigação de alimentos relativamente a filhos do devedor de alimentos, relativamente à obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge.
Como refere Cristina Araújo Dias, in “Uma Análise do Novo Regime Jurídico do Divórcio” – Lei n.º 61/2008 de 31/10, 2.ª edição, Almedina, pág. 79, ao clarificar a questão anteriormente suscitada de saber qual o alcance do auxílio que se presta ao ex-cônjuge que pretenda exercer o seu direito a alimentos: “A Lei n.º 61/2008, de 31/10, veio clarificar esta questão…, os alimentos servem apenas para auxiliar o cônjuge necessitado no momento da dissolução do casamento, sendo o critério da sua atribuição precisamente a necessidade. A disparidade do padrão de vida causada pelo divórcio poderá fundamentar uma prestação compensatória ao abrigo do artigo 1676.º, destinada a compensar as oportunidades profissionais e patrimoniais perdidas em virtude do casamento”.
Muito a propósito, veja-se a Dissertação de mestrado em Direito Privado de Teresa Caria Magalhães Basto, elaborada sob a orientação da Professora Doutora Rita Lobo Xavier – “O Crédito de compensação a favor de um dos ex-cônjuges – em especial: confronto com a obrigação de prestar alimentos”, in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16047/1/Teresa%20Magalh%C3%A3es%20Basto%20-%20UCP%20-%20340108119.pdf – onde se pode ler:
“A transição para este sistema de divórcio “pura constatação da ruptura do casamento” e a correspondente opção legislativa de permitir a livre saída do casamento, levaram a alterações sofridas no regime jurídico da obrigação de alimentos. A possibilidade de “sair” do casamento não deve ser apenas formal, devendo também reflectir-se no plano patrimonial do divórcio. Não apenas e tão-somente a relação conjugal, mas também as consequências patrimoniais por si implicadas devem terminar no divórcio – divórcio clean break (sobre o conceito de divórcio clean break cfr. Tomé, Maria João “Considerações sobre alguns Efeitos Patrimoniais do Divórcio na Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro: (in)adequação às realidades familiares do século XXI?”, in E foram felizes para sempre…? Uma análise crítica do novo regime jurídico do divórcio – Actas do Congresso de 23, 24 e 25 de Outubro de 2008. Coimbra: Coimbra Editora, 2010; Clean break significa em português “ruptura limpa”, “limpa” no sentido de “definitiva” e que procura deixar o mínimo de dependência possível pós-ruptura). Por conseguinte, aquelas mesmas razões que conduzem à adopção daquele sistema de divórcio levam à preconização de um novo enquadramento da obrigação de alimentos.
Com a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, introduziram-se efectivamente modificações significativas no regime jurídico da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, estabelecendo-se desde logo expressamente o princípio da auto-suficiência de cada um deles, pois cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio (art. 2016.º, n.º 1, CC). Caso contrario, haveria muitos casamentos que se manteriam simplesmente porque um dos cônjuges não tinha possibilidades económicas para se auto-sustentar. A possibilidade de atribuição de uma pensão alimentar pós-divórcio pretende evitar que, uma vez dissolvido o casamento e, consequentemente, desaparecido o dever recíproco de cooperação e assistência que vincula os cônjuges como efeito do matrimónio, um deles possa vir a encontrar-se em situação de necessidade (Tomé, Maria João “Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hörster. V. N. Famalicão, Almedina, 2012, p. 445).
Pelo já explicado, o conceito de “divórcio ruptura” parece ficar comprometido ao estipular-se a possibilidade de um dos ex-cônjuges sustentar o outro para o resto da vida – ainda que a obrigação de alimentos seja temporária, manter-se-á enquanto se mantiver a situação de necessidade, ou seja, se a situação de necessidade se mantiver “para sempre”, a obrigação de alimentos também se manterá. Não deixa, no entanto, de se tratar de uma obrigação temporária, por a esta se impor o limite temporal da cessação da necessidade. No entanto, a verdade é que, ao consagrar o divórcio, o legislador não poderia esquecer o passado comum dos cônjuges e os futuros separados dos ex-cônjuges. Trata-se, de entre outras várias considerações, do dever de “solidariedade pós-conjugal”, que tem de existir por se ter em consideração que provavelmente os cônjuges acordaram entre si quanto a quem exercia ou não a actividade profissional remunerada durante a vida em comum – princípio da co-direcção da família – e por se ponderar como é difícil o ex-cônjuge que esteve fora do mercado de trabalho durante a vigência do casamento, nele ingressar após o divórcio. Tal dever será uma expressão de perpetuidade virtual do casamento, que só nasce quando os alimentos são pedidos e não antes, quando estão cumpridos os respectivos pressupostos (necessidade deles e possibilidade de os prestar) – neste sentido acórdão do STJ de 23/10/2012, Proc. 320/10.6TBTMR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt”.
Ou seja, os princípios mais emblemáticos do regime de alimentos entre ex-cônjuges, são o seu caráter excecional, limitado e de natureza subsidiária (Acórdão do STJ, de 20/02/2014, proferido no processo n.º 141/10.6TMSTB.E1.S1, in www.dgsi.pt).
No mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa n.º 1933/09.4TCLRS-B.L1-1 de 18/06/2013 (relatora Teresa Henriques), www.dgsi.pt, onde se pode ler: “Com esta orientação o legislador visou explicitar, de uma forma clara, que o direito a alimentos na sequência do divórcio só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência. Este direito, assentando num dever assistencial que perdura para além do casamento, passou a ter carácter subsidiário e, seguramente, limitado pela obrigação de socorro numa situação de grande exigência resultante de manifesta carência de meios de subsistência num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna”.

Sendo este o quadro legal em que nos movemos, importa considerar que a autora tem possibilidades de prover à sua subsistência, desempenhando funções de apoio domiciliário a idosos, para o que possui o respetivo curso de geriatria. Desempenha, atualmente, tal atividade, se bem que apenas na casa de um idoso, onde se desloca diariamente, de manhã e à noite, não tendo sido possível apurar a quantia que aufere com tal trabalho.
Não se pode esquecer, no entanto, que a autora, em face do seu quadro físico e psíquico (para o qual muito contribuiu o desgaste da relação familiar) não pode desempenhar tais funções sem acrescida dificuldade, designadamente, na execução de esforços que necessariamente implica o desempenho da função de apoio a idosos (ajudar a levantar e deitar, vestir, dar banho, etc) e sabendo-se, como resulta dos factos provados, que não tem habilitações profissionais, ou sequer escolaridade, para o desempenho de qualquer outra atividade, tendo ficado em casa durante 24 anos dos 28 que durou o seu casamento, para tomar conta dos filhos e gerir a vida familiar, enquanto o réu trabalhava na Suíça, onde continua hoje a trabalhar e porque, como resulta do depoimento da testemunha F. M., o réu nunca quis que a autora trabalhasse e sempre disse que o que ele ganhava chegava para sustentar a família e que ela tinha que ficar em casa a tomar conta dos filhos.
Não há dúvida, portanto, que a autora ver-se-á em sérias dificuldades para a obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna.
Importa, aqui, trazer à colação o dever de “solidariedade pós-conjugal” (a que se refere o estudo supra citado), que tem de existir por se ter em consideração que provavelmente os cônjuges acordaram entre si quanto a quem exercia ou não a actividade profissional remunerada durante a vida em comum – princípio da co-direcção da família – e por se ponderar como é difícil o ex-cônjuge que esteve fora do mercado de trabalho durante a vigência do casamento, nele ingressar após o divórcio.
Assim, não esquecendo que o direito a alimentos por parte de ex-cônjuge tem natureza temporária, deve estar limitado à necessidade determinada por razões de subsistência, não deve perdurar para sempre e, no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio, mas resultando dos factos provados, a dificuldade da autora na execução de esforços e a sua incapacidade de desenvolver adequadamente a sua atividade profissional, que resultou em grande medida das vivências por si suportadas na constância do matrimónio, entende-se adequado fixar uma prestação alimentar por parte do ex-cônjuge, ainda que num valor reduzido, considerando, ainda, que a casa de morada de família está atribuída à autora até à partilha, sem qualquer contrapartida financeira, aí residindo a autora com dois dos filhos do casal (apesar do mau relacionamento com o mais velho) e que, claro, a prestação em causa não se destina a possibilitar à autora a manutenção do estilo de vida que tinha na pendência do matrimónio, mas apenas a assegurar-lhe, nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, a possibilidade de uma vida minimamente condigna e enquanto não se organiza de forma a reentrar no mercado de trabalho de forma a obter rendimento necessário à sua subsistência, considerando as habilitações de que dispõe.
Partindo, claro, do pressuposto, que resulta dos factos provados, que o réu tem possibilidade de prestar estes alimentos.
Tudo ponderado, julga-se adequado fixar o valor da prestação alimentar a pagar pelo réu à autora, nos termos supra expostos, em € 500,00/mês, de forma a que a autora consiga obter um rendimento próximo da retribuição mínima mensal garantida, considerando o trabalho que já vem desenvolvendo e enquanto não se organiza de forma a conseguir, por si, obter um rendimento necessário à sua subsistência.
Nestes termos, procede, parcialmente, a apelação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se o réu A. J. a pagar à autora M. G., a quantia de € 500,00/mês, a título de prestação de alimentos.
Custas por apelante e apelado na proporção do decaimento.
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Guimarães, 30 de setembro de 2021

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira