Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
66/21.0T8VNC.G2
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: NULIDADE
CONTRATO
MENTORIA
COACHING
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Um contrato no qual uma das partes, através do programa “Abundância Ilimitada em 12 meses”, e mediante o pagamento da quantia de € 14.999,00, se obriga a fornecer à outra, condições para que esta pudesse proceder à criação da vida de sucesso e abundância plena, ensinando-a a identificar, remover e transformar os bloqueios que impedem a participante de atrair e criar abundância e sucesso em todas as áreas da vida, potenciando a essência e a conexão ao seu plano de alma e fornecendo-lhe ferramentas, recursos e estratégias que permitem continuar a desbloquear e conquistar a abundância durante toda a vida, é um contrato nulo por o seu objeto ser indeterminado e indeterminável (art. 280º,1 CC).
2 - A consequência dessa nulidade é a devolução da quantia que foi entregue.
3 - A declaração de nulidade tem como efeito a devolução de tudo o que pode ser determinado (a quantia), mas já não se pode ordenar a devolução do que não é determinável, nem se pode quantificar (ainda que nos socorrêssemos da equidade) o que não é quantificável.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA deduziu ação declarativa contra “A..., Lda.” pedindo que seja reconhecido o direito de anulação do contrato à luz do artigo 253.º do CC ou seja declarada nula a cláusula 7.ª do contrato à luz do estabelecido no artigo 19.º do Diploma das Cláusulas Contratuais Gerais ou ainda, se assim não se entender, seja declarada válida a resolução do contrato por parte da autora, devendo, em consequência e em qualquer caso, ser a ré condenada a devolver á autora o valor de € 14.999,00 ou, no limite, este valor deduzido de 16 das 36 sessões no módulo a que a autora assistiu.

Para o efeito, alegou que celebrou com a ré um contrato de “Mentoria & Coaching” e, tendo pago o respetivo preço, a ré não cumpriu com a sua prestação, designadamente, por falta de habilitações adequadas das pessoas responsáveis pela formação, porque as formações eram adiadas e repetidas sem justificação e porque lhe foi alterada a mentora responsável pelo seu acompanhamento por uma outra sem experiência para o efeito.
A ré contestou por impugnação, sustentando ter cumprido as suas obrigações contratuais.
Foi proferido convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, designadamente, considerando alguns lapsos de escrita quanto a algumas datas e tendo em vista a concretização de alguns factos alegados relativamente às promessas da ré e ao número de sessões que teriam sido adiadas, substituídas e repetidas.
A autora respondeu ao convite, concretizando os pontos a que se refere o despacho de aperfeiçoamento e a ré contestou, dando por integralmente reproduzida a matéria da sua contestação.
Foi proferido saneador-sentença que julgou a ação procedente, declarou a nulidade do contrato celebrado entre autora e ré e determinou a restituição pela ré à autora, da quantia de € 14.999,00 pela mesma entregue por força da celebração do contrato.

Tendo a ré interposto recurso, veio a ser proferido Acórdão neste Tribunal da Relação, que julgou procedente a apelação e anulou a decisão recorrida, determinando “que seja convocada audiência prévia com identificação, no despacho respetivo, dos fins a que se destina, ou que sejam notificadas as partes para se pronunciarem por escrito quanto à matéria de que se pretende conhecer e que não foi debatida nos articulados, identificando-a no despacho respetivo, ao abrigo do disposto no artigo 597.º do CPC”

O processo baixou à 1.ª instância, tendo aí sido proferido o seguinte despacho:

“Em obediência ao doutamente decidido, com vista a assegurar o exercício do contraditório por escrito, nos termos do disposto no artigo 597.º do CPC, notifique as partes para que, no prazo de dez dias, se pronunciem sobre a nulidade do contrato objeto dos autos, por indeterminabilidade e impossibilidade do seu objeto, designadamente quanto ao seu fim de que a ré fornecesse à autora, através do programa “Abundância Ilimitada em 12 meses”, e mediante o pagamento da quantia de 14.999,00€, condições para que esta pudesse proceder à “criação da vida de sucesso e abundância plena”, ensinando-a “a identificar, remover e transformar os bloqueios que impedem a participante de atrair e criar abundância e sucesso em todas as áreas da vida, potenciando a essência e a conexão ao seu plano de alma” e fornecendo-lhe “ferramentas, recursos e estratégias que permitem continuar a desbloquear e conquistar a abundância durante toda a vida”
Cumprido o contraditório, foi elaborado saneador-sentença que julgou a ação procedente, declarou a nulidade do contrato celebrado entre a autora e a ré e determinou a restituição, pela ré à autora, da quantia de € 14.999,00 pela mesma entregue por força da celebração do contrato.

A ré interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

I) O Tribunal a quo já antes havia proferido Saneador-Sentença – que veio a ser anulado por preterição de audiência prévia por este venerando Tribunal – o que obrigou a Mmª Juiz a quo a notificar as partes para se pronunciarem por escrito sobre a nulidade do contrato objeto dos autos, por indeterminabilidade e impossibilidade do seu objeto.
II) Contudo, e conforme já se deixava antever pelo teor do seu despacho datado de 20.04.2022, através do qual notificou as partes para exercerem o seu direito ao contraditório por escrito, o tribunal a quo proferiu novo Saneador-Sentença, em nada alterando o sentido do previamente decidido, havendo-se cingido tão somente ao cumprimento de uma mera formalidade legal.
III) O Tribunal a quo ignorou ainda por completo a douta fundamentação expendida no Acórdão desta Relação - proferido no âmbito dos presentes autos, e datado de 24 de fevereiro de 2022 - nomeadamente quanto à importância, de no caso concreto, ser convocada audiência prévia: “não só pelo valor de apenas menos um euro em relação à metade da alçada da Relação, como pela complexidade e novidade das questões suscitadas nos autos e, sobretudo, pela necessidade de assegurar o contraditório, face ao eventual conhecimento no saneador de questão que, até ao momento, não havia sido colocada nem debatida por nenhuma das partes nos articulados, e que acabaria por pôr termo ao processo, deveria a Sra. Juíza ter convocado audiência prévia, conforme está previsto na alínea b) deste artigo 597.º do CPC. Neste caso, a questão a decidir aconselha e justifica a observância de tramitação similar à definida para o processo comum.” – cfr. Abrantes Geraldes, in obra citada, pág. 703”.
IV) Doutamente discerniu esta Relação – ao contrário da Mmª Juiz a quo – de que estamos perante questões que para além de serem novas – dado que raramente são suscitadas nos tribunais portugueses – são complexas, o que não permitirá dispensar o princípio do contraditório, nem tão pouco o princípio da imediação.
V) Se por ventura as partes tivessem sido convocadas para a realização de audiência prévia, quiçá a Recorrente tivesse conseguido fazer ver ao tribunal a quo que o objeto do contrato não é nem indeterminável, nem impossível - apesar de comportar uma vertente esotérica, que se a determinadas pessoas causa repulsa, a outros desperta um legítimo interesse ou curiosidade.
VI) Não obstante, sem convocação de audiência prévia e sem produzir qualquer prova testemunhal, decidiu o tribunal a quo declarar uma vez mais que o negócio de “Mentoria & Coaching” celebrado entre a Recorrente e a Recorrida é nulo, por ter entendido que os conceitos plasmados naquele contrato não têm concretização jurídica, e a sua eventual concretização humana depende das crenças, do esoterismo e das idiossincrasias de cada indivíduo e, nessa medida, tornam o objeto do negócio, celebrado entre as partes, física e legalmente impossível, e indeterminável.
VII) Havendo condenado a Recorrente a restituir tudo o que foi prestado em consequência do negócio supostamente viciado, julgando procedente o pedido da Recorrida de devolução do montante de 14.999,00€ por si pago à Recorrente.
VIII) Segundo o disposto no artigo 644.º, nº 1, a) do Código de Processo Civil, cabe recurso de apelação da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente. Por sua vez, estabelece o artigo 645º, nº1, a) do CPC que sobem nos próprios autos as apelações interpostas das decisões que ponham termo ao processo. E o artigo 647º, nº1, a) do CPC dispõe que a apelação tem efeito meramente devolutivo, exceto nos casos previstos nos números seguintes.
IX) Nestes moldes, a Decisão em crise é imediatamente recorrível, para o qual a Recorrente tem legitimidade e está em tempo, devendo ser atribuído ao presente Recurso, nos supramencionados termos legais, não efeito meramente devolutivo mas sim o efeito suspensivo.
X) Não se desconhecendo ser a regra-geral a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, a lei possibilita ao apelante requerer a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, o que depende da apresentação de: • Requerimento nesse sentido • Invocação de que a execução da decisão lhe causará prejuízo considerável • O oferecimento e subsequente prestação de caução, no prazo fixado pelo tribunal.
XI) In casu o prosseguimento dos autos sem que o presente Recurso se suspenda causará o irreversível prejuízo à Recorrente de passar a constar das bases de dados como DB Informa, Einforma, Racius, etc, a existência de um processo de execução, o que terá impacto no seu bom-nome e na sua credibilidade junto das Instituições bancárias, fornecedores e clientes da Recorrente, que acedem a tais bases de dados antes de contratarem com a Recorrente, o que se traduzirá numa afetação irreparável do seu bom nome e numa perda de clientela cujo prejuízo será muito difícil de estimar como é consabido ser um dano de lucros cessantes.
XII) Finalmente, a prestação de caução assegurará plenamente o direito creditício da Autora, o que aqui se requer se necessário for à obtenção do efeito suspensivo.
Acresce que,
XIII) A Autora/Recorrida instaurou a presente ação de processo comum contra a Ré/Recorrente sustentando, em suma, que celebrou com a Recorrente um contrato de “Mentoria & Coaching”, através do qual a Ré/Recorrente se comprometeu, mediante o pagamento, por parte da Recorrida, da quantia de 14.999,00€, a apoiar e a acompanhar a Recorrida, ministrando cursos e realizando sessões de Coaching e Mentoria - Individuais e em Grupo, e fornecendo-lhe inúmeras ferramentas e recursos que melhor se descreverão infra.
XIV) Alegou a Autora/Recorrida que, tendo pago o respetivo preço, a Ré/Recorrente não cumpriu com a sua prestação, por um conjunto de motivos que elenca, designadamente, entre o mais, porque as pessoas responsáveis pela formação não tinham habilitações adequadas para as ministrar, porque as formações eram adiadas e repetidas sem justificação e porque lhe foi alterada a mentora responsável pelo seu acompanhamento por uma outra sem experiência para o efeito, terminando com o petitório transcrito na alegação 45. e que aqui se dá como integralmente reproduzida.
XV) A Decisão proferida pelo Tribunal a quo concluiu que o negócio celebrado entre a Recorrida e a Recorrente é nulo, nos termos do disposto no artigo 280.º do Código Civil, alegando que os conceitos plasmados no contrato de “Mentoria & Coaching” celebrado entre as partes “não têm concretização jurídica, e a sua eventual concretização humana depende das crenças, do esoterismo e das idiossincrasias de cada indivíduo e, nessa medida, tornam o objeto do negócio, celebrado entre as partes, física e legalmente impossível, e indeterminável.”
XVI) para além de obviamente não poder a Recorrente concordar com este entendimento, o que infra se explanará em sede do mérito da Sentença, esta evidentemente incorreu em EXCESSO DE PRONÚNCIA por se ter pronunciado sobre um vício contratual que não foi alegado pela Autora em sede de petição inicial, e muito menos cuja declaração não foi por ela peticionada, o que acarreta que a Sentença, ipso facto, seja inevitavelmente nula por excesso de pronúncia ex vi art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
XVII) Na alínea a) do pedido, a Autora peticiona que “seja reconhecido o direito de anulação do contrato à luz do art.º 253º do CC”, i.e., anulação por suposto DOLO, e não de declaração de nulidade por impossibilidade e indeterminabilidade do objeto do contrato (que foi o sentenciado). Por sua vez, o dolo é um vício na formação a vontade de contratar e representa um erro qualificado por ser causado por ação ou omissão do seu autor (deceptor), contra o errante ou enganado (deceptus); nada tem que ver com a nulidade do contrato sentenciada em manifesto excesso de pronúncia - cfr. artigo 253º do Código Civil.
XVIII) Com interesse para a quaestio decidenda, é o seguinte o sumário do Acórdão da Relação de Guimarães de 23-04-2015 (Processo n.º 6482/09.8TBBRG.G1, in www.dgsi.pt):
1. O dolo, enquanto erro qualificado, previsto no art.º 253º do Código Civil, não é relevante para efeito de anulação do contrato, quando o deceptor recorre a artifícios ou sugestões usuais, consideradas legítimas, segundo as conceções dominantes no comércio jurídico, como acontece com elogios ou enaltecimentos que facilitem, para o vendedor, a realização do negócio jurídico, sem falsidade relevante sobre a qualidade do seu produto e sem a ganância própria de habilidoso.
2. Ao deceptus, principalmente quando também ele é comerciante, não está dispensado do espírito crítico, estudo do mercado, e recolha de informação e de elementos, mesmo fora da relação comercial, quando está em causa uma relação negocial duradoura que implica, da sua parte, um avultado investimento tendo em vista a obtenção de lucros.
XIX) Ora, in casu, o curso em causa visava dar ferramentas e mentoria/”coaching” para que a pessoa – neste caso, a Autora - pudesse criar e expandir o seu próprio negócio, portanto, tinha como destinatários pessoas de negócios, se é que tal é sequer relevante.
XX) E conforme expende o citado Acórdão da Relação de Guimarães de 23-04-2015 (Processo n.º 6482/09.8TBBRG.G1, in www.dgsi.pt) na sua fundamentação:
“É da A. o ónus da prova do dolo da R. (art.º 342º, nº 1, do Código Civil).
Mas não provou sequer que a R. enganou a A. Para o efeito teria que demonstrar a falsidade das declarações prestadas pelo representante da R. na fase das negociações e, pelo menos, a consciência de que a alegação de tais falsidades iria determinar o enganado a emitir a declaração que conduz ao encontro de vontades e à assinatura do contrato. (...)
A conduta da R. não se traduz em má fé, arbítrio e ganância própria de habilidoso, de modo a que se possa considerar a existência de dolo relevante (dolus malus) na relação que estabeleceu com a A. (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., vol. II, pág. 144).
Não há elementos de facto que permitam concluir que as informações prestadas pela R. à A. constituíram um artifício aplicado com a intenção ou consciência de a induzir ou manter em erro, ou que, por força da lei ou de estipulação negocial devesse elucidá-la de modo diferente, de forma a levá-la a celebrar o contrato que efetivamente celebrou no dia 17 de setembro de 2008. As informações prestadas pela R. não constituem prática não séria e desleal, como tal condenável pelas conceções dominantes e, por isso, integradoras, in abstracto, da noção de dolo ilícito.
Improcede, assim, esta questão do recurso.”
XXI) O mesmo sucedeu in casu: a Autora nunca foi enganada, e tanto é assim que, no Despacho de 03-07-2021, destinado a convidar ao aperfeiçoamento da petição inicial, o Tribunal a quo pediu à Autora - após esta ter sustentado que as pessoas que ministravam os diversos módulos não dispunham de qualquer título académico que lhes permitisse ministrar devidamente os módulos em causa - que concretizasse que títulos académicos deveriam ter essas pessoas «tendo presente que estamos a falar de uma escola com o nome “Escola da Abundância”».
XXII) E se a tal prova do engano a Autora se propunha nesta ação, a mesma nunca resultaria dos autos sem a produção de prova testemunhal em sede de audiência final, com a respetivo ónus a seu encargo. Termos em que, o excesso de pronúncia é evidente!
XXIII) Por sua vez, na alínea b) do Pedido, a Autora apenas peticiona que “Seja declarada nula a cláusula 7ª do contrato à luz do estabelecido no art.º 19º do Diploma das Clausulas Contratuais Gerais,” invocando que a cláusula 7ª do contrato que só permite a desistência do curso nos 14 dias sobre a data da assinatura é nula e de nenhum efeito à luz do Diploma que regula as cláusulas contratuais gerais.
XXIV) Na alínea c) do Pedido, a Autora peticiona que “Seja declarada válida a resolução do Contrato por parte da A. devendo, em consequência e em qualquer caso ser a R. condenada a devolver à A. o valor de €14.999,00 ou no limite este valor deduzido de 16 das 36 sessões no modulo a que a A. assistiu.” Para fundamentar a resolução contratual, a Autora não invoca a nulidade do contrato que foi sentenciada mas tão-somente que:
“62º A cláusula 7ªn.º2 do Contrato permite a resolução com justa causa tendo ocorrido incumprimento por parte da R.
O que,
63º Efetivamente aconteceu! Assim sendo,
64º Mesmo que não se admitisse nenhum dos vícios do contrato acima indicados e devidamente fundamentados sempre a A. teria direito a pôr fim ao contrato através da resolução por incumprimento, ou requerer anulabilidade com base no artº.253º do CC.” (cfr. P.I.)
Portanto,
XXV) A Autoral imita-se, em sede de nulidades contratuais, a insurgir-se contra o prazo de 14 dias para desistir do contrato, e não por o objeto deste ser impossível e indeterminável, ao que acresce que em parte alguma a Autora fundamentou uma resolução contratual motivada por nulidade do contrato por impossibilidade e indeterminabilidade do seu objeto! Termos em que, o excesso de pronúncia é evidente!
XXVI) Portanto, em parte alguma da petição inicial a Autora fundamentou uma resolução contratual motivada por nulidade do contrato por impossibilidade e indeterminabilidade do seu objeto!
XXVII) Doutamente decidiu o Acórdão desta Relação datado de 30-06-2022– que se junta como Documento nº 1, por ainda não estar publicado na base de dados www.dgsi.pt - num processo semelhante ao dos autos - em que a Autora na petição inicial pediu que fosse reconhecida a nulidade do contrato por nulidade nos termos do disposto no artigo 280º do C.C., sem todavia aduzir qualquer razão pela qual deve ser considerado nulo tal contrato:
“A questão em apreciação tem uma dimensão que ultrapassa a simples omissão de uma formalidade, pois é de ordem substancial, respeitando ao cumprimento do princípio do contraditório.
E o problema emerge da circunstância de a Autora, na petição inicial, pedir que «seja reconhecida a invalidade do contrato, seja por nulidade nos termos do disposto no art.º 280.º do CC ou (…)», sem aduzir a razão pela qual deve ser considerado nulo tal contrato. Não adiantou qualquer concreto argumento que evidencie o fundamento pelo qual deve ser declarada a nulidade do contrato.
O artigo 280º do Código Civil dispõe:
«1 – É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
2 – É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes». ~ O aludido preceito rege sobre as seguintes realidades:
a) Objeto do negócio fisicamente impossível; b) Objeto do negócio legalmente impossível; c) Objeto do negócio contrário à lei; d) Objeto do negócio indeterminável; e) Negócio contrário à ordem pública; f) Negócio ofensivo dos bens costumes.
Para além de a Autora não indicar sequer qual dos dois números do preceito estaria em causa, não especificou qualquer uma das seis apontadas causas de nulidade do negócio jurídico. Aludiu ao menu geral sem especificar qualquer um dos fundamentos que, no seu entendimento, gera a nulidade do contrato celebrado.
Como facilmente se constata, é tarefa espinhosa alguém defender-se de um fundamento que não lhe foi indicado de forma suficientemente precisa pela contraparte, que se limita a invocar uma categoria genérica onde cabem vários fundamentos específicos. Uma coisa é indicar-se um fundamento concreto para a pretensão e o juiz proferir uma decisão em que considera procedente a ação com base precisamente nesse fundamento, na concreta qualificação jurídica sustentada pela parte, sobre o qual a contraparte teve a possibilidade de apresentar a sua defesa; coisa distinta é não se invocar qualquer concreto fundamento e o juiz, sem mais, proferir uma decisão com base num dos seis fundamentos abstratos suscetíveis de servir de base à procedência da ação.
Esta última decisão, não tendo sido precedida de discussão sobre a solução jurídica que o juiz perspetivava para o litígio, só pode ser qualificada como uma decisão-surpresa. Isto porque a ação é decidida sem o juiz proporcionar as condições para que as partes pudessem discutir sobre o mérito da causa, atenta a insuficiente fundamentação aduzida na petição inicial no que respeita à nulidade do contrato.
E a consequência é esta: se o juiz conhece na decisão de algo de que não podia conhecer sem a realização do ato omitido, essa decisão é nula por excesso de pronúncia, em conformidade com o disposto no artigo 615º, nº 1, al. d), do CPC”.
XXVIII) Aqui como ali, a Autora não alegou, em sede de petição inicial “a razão pela qual deve ser considerado nulo tal contrato”: a diferença é que aqui a Autora nem sequer formulou pedido nesse sentido, ao passo que a ali Autora pelo menos “aludiu ao menu geral”, peticionando a nulidade nos termos do disposto no artigo 280º do Código Civil.
Nestes termos,
XXIX) E ainda que já tenha sido dada oportunidade às partes para se pronunciarem por escrito sobre a alegada nulidade, sempre a decisão recorrida padecerá de nulidade por excesso de pronúncia, pelo facto da Mmª Juiz a quo ter conhecido na decisão de algo de que não podia conhecer, em conformidade com o disposto no artigo 615º, nº 1, al. d), do CPC.
Acresce que,
XXX) Quanto ao mérito da sentença, entendeu o Tribunal a quo, em Saneador-Sentença, ter-se provado, com relevo para a decisão da causa os factos transcritos na alegação 51. e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
XXXI) Conforme alegado supra, a Decisão proferida pelo Tribunal a quo concluiu que o negócio celebrado entre a Recorrida e a Recorrente é nulo, nos termos do disposto no artigo 280.º do Código Civil, alegando que os conceitos plasmados no contrato de “Mentoria & Coaching” celebrado entre as partes “não têm concretização jurídica, e a sua eventual concretização humana depende das crenças, do esoterismo e das idiossincrasias de cada indivíduo e, nessa medida, tornam o objeto do negócio, celebrado entre as partes, física e legalmente impossível, e indeterminável”, entendimento com o qual não pode a Recorrente concordar.
Porquanto,
XXXII) O objeto do contrato a que se referem os presentes autos - junto com a P.I. como documento nº ... e que aqui se dá como integralmente reproduzido - não é fisicamente impossível, nem legalmente impossível, e muito menos indeterminável, conforme melhor infra se expenderá.
XXXIII) O negócio jurídico, como ato de autonomia privada, exige da parte dos seus intervenientes liberdade e discernimento normais, isto é, que são próprios das pessoas comuns ou da normalidade das pessoas e, nessa medida, para celebrar negócios jurídicos não é preciso ser dotado de excecional inteligência ou ter formação superior, basta ter o discernimento suficiente para se compreender o que se está a fazer e a liberdade suficiente para se poder optar entre celebrar, ou não, o negócio.
XXXIV) A autonomia privada ou liberdade negocial traduz a amplitude que é deixada aos particulares para disciplinarem os seus interesses, sendo que do preceituado no artigo 405.º n.º1 do Código Civil resulta, além do mais, que os contraentes são inteiramente livres, tanto para contratar ou não, como na fixação do conteúdo das relações contratuais que estabeleçam, desde que não haja lei imperativa, ditame de ordem pública ou bons costumes que se oponham.
XXXV) In casu, antes de tomar a decisão de contratar os serviços da Recorrente, a Recorrida participou num evento de 3 dias promovido pela Recorrente - cfr. introito da petição inicial em que a própria A. afirma que “a aqui A. Participou num evento promovido pela R. que teve lugar nos dias 24 a 26 de Janeiro de 2020” - em que foi abordado que, segundo o método utilizado pela Recorrente, os passos para manifestar um negócio alinhado com o propósito da pessoa/“plano de alma”, consistiria em primeiro lugar num processo de trabalho interior, de modo a “desbloquear a abundância”, em que se eliminariam pensamentos/crenças limitadoras da própria pessoa, e após esse processo dar-se-iam ferramentas e mentoria/”coaching” para que a pessoa pudesse criar e expandir o seu próprio negócio. Ali foram explicados de forma transparente e clara o programa e respetivos métodos, durante um evento de - reitere-se - três dias, sem que a Ré/Recorrente houvesse usado de qualquer artifício que possa ser considerado ilegítimo à luz dos usos próprios do comércio, sendo de salientar que o método da Ré/Recorrente se trata assumidamente de uma mentoria/coaching.
Contudo,
XXXVI) Apesar de não existir nos autos prova documental relativamente aos factos supramencionados, e já alegados em sede de contestação, entende a Recorrente que produziria prova testemunhal nesse sentido, se o Mmº Juiz do Tribunal a quo tivesse permitido que o processo chegasse à competente fase de julgamento.
XXXVII) Provar-se-ia - se houvesse sido dada oportunidade para tal pelo Tribunal a quo - que Autora/Recorrida possuía discernimento suficiente para compreender o que estava a fazer, e a liberdade suficiente para optar entre celebrar, ou não o negócio - o que, aliás, o Tribunal a quo não questiona, havendo inclusive questionado a Autora, no Despacho de 03-07-2021, que tipo de formadores estaria à espera que ministrassem os cursos «de uma escola com o nome “Escola da Abundância”» - cfr. Despacho proferido nos presentes autos datado de 03-07-2021.
XXXVIII) Incorre assim em crasso erro de julgamento a Sentença recorrida, quando, para aferir da possibilidade - física e legal - e da determinabilidade do objeto do presente contrato, constata que os conceitos que lhe subjazem são, “do ponto de vista jurídico, abstratos, inconcretizáveis, imaterializáveis e até esotéricos”, mais indagando as seguintes questões, que ora se transcrevem:
“Se é que existe, o que é uma “vida de sucesso”?
Se é que existe, o que é a “abundância plena”?
Em que se consubstanciam os “bloqueios” que impedem tais concretizações?
Será material ou juridicamente possível ajudar alguém a atingir uma vida de sucesso e abundância plena e, sobretudo, em todas as áreas da vida?
O que é a alma, juridicamente?
E o que é a essência e a conexão a um plano de alma?”
Acresce que,
XXXIX) O presente contrato é um contrato de prestação de serviços - cfr. art.º 1154.º do Código Civil -, por força do qual a Ré/Recorrente que se dedica à atividade de Mentoria e Coaching, se obrigou perante a Autora/Recorrida, e a pedido desta, a fornecer-lhe as ferramentas, os recursos, i.e. “os meios tendentes ao desbloqueio da sua abundância, criação e expansão do seu negócio, acompanhando-a e ajudando-a a desbloquear” - cfr. ponto 3. da cláusula quinta do contrato, que refere que a Escola (a sociedade aqui Ré) nunca será responsável pelos resultados obtidos pelo formando, obrigando-se apenas a instruí-lo dos meios necessários para os atingir.
Ora,
XL) Se nas obrigações de resultado só há cumprimento quando o resultado efetivamente ocorra, mesmo que o devedor tenha realizado todos os atos necessários a esse resultado e só por infortúnio o resultado não tenha ocorrido, nas obrigações de meios, pelo contrário, o devedor cumpre com cada ato que pratique e que seja adequado ao resultado final, independentemente de este vir ou não a ocorrer.
XLI) In casu, estaremos perante um contrato de prestação de serviços atípico -porquanto não se enquadra numa das três modalidades identificadas no art.º 1155.º do Código Civil - mandato, depósito e empreitada -, nem se encontra regulado especialmente - que, por sua vez, abrange uma enorme variedade de vínculos jurídicos, sendo que no domínio do direito contratual vigoram os princípios da liberdade contratual e da autonomia privada, pelo que, conforme dispõe o art.º 405.º n.º 1 do Código Civil, “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.
Isto posto,
XLII) Preceitua o n.º1 do art.º 280.º do Código Civil que é nulo o negócio jurídico de objeto, física ou legalmente, impossível, contrário à lei ou indeterminável. E acrescenta o n.º2 do referido preceito que é nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.
XLIII) Quanto à alegada impossibilidade física do objeto do contrato em apreço, e sabendo que é fisicamente impossível o objeto de um negócio que envolva uma prestação impossível, vendo o contrato em apreço, que é assumidamente de Mentoria e Coaching, forçoso será concluir que este tem como objetivos, para além da criação de uma vida de sucesso - i.e., de acordo com os objetivos a serem definidos por cada formando -, e inerente remoção de “crenças” ou “bloqueios” - i.e. comportamentos e hábitos sabotadores que impedem as pessoas de lograrem os seus objetivos -, a criação e expansão de um negócio - cfr. b) do ponto 2. da cláusula primeira do contrato, objetivos que têm uma dimensão física, possível e material, realizável e realizada, a saber: no fornecimento de diversas “ferramentas, recursos e estratégias”, melhor descritas no programa do curso - cfr. ponto 2. da cláusula primeira do contrato junto como documento nº ... da P.I., nomeadamente:
• um “curso online intensivo - desbloqueia a tua abundância (DTA), composto por treze módulos, cada um com a duração aproximadamente de duas/três horas semanais (acesso vitalício)”;
• um “curso online intensivo - cria e expande o teu negócio (CEN), composto por doze módulos, sobre como criar e/ou expandir o negócio passo a passo (acesso vitalício)”;
• “34 sessões de grupo de mentoria de “desbloqueia a tua abundância” durante 12 meses. As sessões acontecem às terças-feiras das 18h00 às 19h30 nas primeiras 3 semanas do mês (regra geral, mas poderão existir exceções que serão comunicadas antecipadamente) - 2 sessões por mês são garantidas com a BB e as outras poderão ser com especialistas convidados. Nos meses de férias da Escola da Abundância - Agosto e Dezembro - só acontecerão 2 sessões de Mentoria de Grupo nas duas primeiras semanas”
• “24 sessões de grupo de mentoria de Liderança & Marketing/Vendas durante 12 meses. As sessões acontecem às segundas-feiras das 18h00 às 19h30 nas primeiras 2 semanas do mês (regra geral, mas poderão existir exceções que serão comunicadas antecipadamente) - todas as sessões de liderança serão com a BB, as sessões de Marketing/Vendas poderão ser facilitadas por especialistas convidados”;
• “36 Sessões Individuais de Coaching e Terapia Personalizada, no total máximo de 2h por mês (1ª sessão do mês - duração de 60 minutos, 2ª sessão do mês - 30 min e 3ª sessão do mês - 30 minutos) com uma Mentora da Abundância da Equipa da BB -durante os 12 Meses do Programa. Nos meses de férias da Escola da Abundância, acontecerão 2 sessões individuais de 1h cada nas primeiras duas semanas dos meses de Agosto e Dezembro”;
• “1 Entrada para o evento “Desbloqueia para Vender” de 3 dias presenciais (alojamento, alimentação e transporte não incluídos), a realizar durante os 12 meses do programa”;
• “1 Entrada para o evento “Marketing para Vender” de 3 dias presenciais (alojamento, alimentação e transporte não incluídos), a realizar durante os 12 meses do programa”,
e ainda os serviços descritos no ponto 3. da primeira cláusula do contrato, que infra se reproduzem:
• “1 Entrada para o evento “Encontro com a Alma” de 3 dias presenciais (alojamento, alimentação e transporte não incluídos), a realizar durante os 12 meses do programa”;
• Mini-Livro “Mapa da Alma” a ser entregue no Evento “Encontro com a Alma”;
• “2 Sessões de Coaching de Grupo de 60 minutos Específicas sobre Plano de Alma, a usufruir após realização do evento “Encontro com a Alma”;
• “Curso Online - Conquista a tua liberdade financeira, composto por seis Módulos + cinco Workshops Bónus (acesso vitalício) para limpeza de condicionamentos relativos ao dinheiro e ativação de códigos de prosperidade”, “Apoio técnico: 3 mini-sessões (de 15 minutos cada)/por mês, a ser usufruídas em regime SOS, não acumuláveis se não usufruídas”;
• “12 Sessões de Grupo de Círculo de Deuses e Deusas da Abundância durante 12 meses. As sessões acontecem uma vez por mês nos dias de Lua Cheia (regra geral, mas poderão existir exceções que serão comunicadas antecipadamente) - todas as sessões serão realizadas pela BB”;
• “Acesso ao grupo de Facebook: Abundância Ilimitada - Premium, uma comunidade de Rainhas e Reis, altamente comprometidos com a criação da sua vida de Abundância, durante os 12 Meses do Programa”;
• “Gravações das Sessões de Mentoria de Grupo apenas durante a duração do Programa (disponíveis no grupo de Facebook acima referido)”;
• «Reflexões Flash de Inspiração à Abundância, através de mensagens diárias via Facebook - para manter a energia da “bolha da abundância”»;
• «Gravação do workshop “Acelera os teus resultados”»;
• «Gravação do workshop “Gestão Emocional e Criança Interior”»; • «Gravação do workshop “Introdução à meditação transpessoal”»;
• «Gravação do workshop “Desbloqueia a tua relação com o dinheiro”»;
• «Gravação do workshop “Como criar objetivos e declarações poderosos e alinhados com a tua alma”»;
• «Gravação do workshop “Aprender a perdoar e a soltar”;
• «Gravação do workshop “Prospera rapidamente com o trabalho da tua alma”.
XLIV) Não é pelo facto de existirem nas prestações que integram o presente contrato, conteúdos e conceitos simbólicos/esotéricos/religiosos - como “alma” ou “deuses” que o objeto do contrato passa a ser nulo por fisicamente impossível, porquanto o referido contrato, e as prestações que o integram, têm uma dimensão física, possível e material, realizável e realizada, como supra se expendeu.
Acresce que,
XLV) Conforme já referido, o contrato sub iudice é de Mentoria e Coaching: isto posto, nos materiais e nos processos de coaching e mentoring é “muito comum abordar os pilares da vida humana, pois é fundamental para o ser humano compreender seu estado geral para que possa conscientemente definir onde quer chegar. Vieira (2015) ressalta no seu trabalho a importância de 11 pilares, sejam eles: espiritual, família, conjugal, filhos, social, saúde, serventia, intelectual, financeiro e profissional, Alves (2014) enumera apenas 8 desses: espiritual, familiar, financeiro, profissional, saúde, lazer, conjugal e intelectual” - cfr. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Gestão de Érika Fernanda de Araújo Lago intitulada “Coaching e Mentoring como Instrumento para Obter Sucesso Profissional Um Estudo das Competências Desenvolvidas” apresentada em junho de 2020 à Universidade da Beira Interior, disponível em:
https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/10925/1/7602_16088.pdf
XLVI) Cita esta Autora, o Autor Alves (2014), que, por sua vez, descreve o pilar Espiritual do Coaching como não estando “diretamente relacionado à religião, mas sim com a fé, pois ela representa a essência do ser humano. O lado espiritual esta intimamente relacionado com a parte emocional, com nossa motivação interior, com as crenças e como vemos o mundo e a vida” - cfr. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Gestão de Érika Fernanda de Araújo Lago intitulada “Coaching e Mentoring como Instrumento para Obter Sucesso Profissional Um Estudo das Competências Desenvolvidas” apresentada em junho de 2020 à Universidade da Beira Interior, disponível em:
https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/10925/1/7602_16088.pdf
Deste modo,
XLVII) Não é pelo facto do presente contrato de Coaching comportar uma vertente espiritual, que este se torna física ou legalmente impossível, e muito menos indeterminável.
A propósito,
XLVIII) Decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 26-02-2019 (Proc. 95184/17.7YIPRT.P1, in www.dgsi.pt), que é de prestação de serviços, sendo devida a correspondente remuneração, o contrato através do qual alguém que exerce atividades alternativas ou espirituais e se obriga perante o proprietário de imóveis que os pretende vender a realizar, a troco de uma remuneração, ações de trabalho espiritual para impulsionar essa venda. Nesse Acórdão considerou-se que o dito trabalho espiritual a que a ali autora se obrigou a realizar em favor da ali ré, mediante o pagamento de uma quantia total de €15.000,00, tem uma dimensão física possível e material, realizável e, realizada in casu, nas cerimónias espirituais, missas, rezas, e nas raízes e ervas que a Autora forneceu ao representante legal da Ré para este tomar. Por maioria de razão, se ali o objeto será fisicamente possível, também o será o objeto do contrato dos presentes autos. Sem prescindir,
XLIX) A realidade dos presentes autos, embora comporte uma vertente espiritual, é muito distinta da realidade em análise naquele aresto, porquanto, a atividade de “coaching profissional” pode ser definida como: “um relacionamento profissional em movimento que ajuda as pessoas a produzir resultados extraordinários nas suas vidas, carreiras, negócios ou organizações. No decorrer do processo de coaching, os clientes aprofundam a sua aprendizagem, melhoram o seu desempenho, e atingem a sua qualidade de vida” - cfr. Tese de Doutoramento de Sandra Almeida intitulada “Supervisão em Coaching: O desenvolvimento profissional de especialistas de Coaching”, apresentada em setembro de 2013 à Universidade de Évora, p.14, e disponível em
http://www.rdpc.uevora.pt/bitstream/10174/12271/1/Tese_Final_Doutoramento_Sandra%20Almeida.pdf
L) Com o coaching, as pessoas atingem qualidade de vida, atingem objetivos a que se propõem, o que é obviamente sinónimo de “sucesso”. Para o coaching, o sucesso pode ser definido como «um processo de contínuo esforço para tornar-se uma “pessoa maior”, representa uma oportunidade de continuar a crescer emocional, social, espiritual, fisiológica, intelectual e financeiramente, ao mesmo tempo que se contribui de modo positivo para outras pessoas. Ainda de acordo como autor, o caminho para o sucesso é algo que está sempre em construção, onde não há um fim a ser alcançado e sim uma trajetória a ser seguida. É possível então afirmar que o sucesso é gerado por resultados positivos alcançados através de ações eficientes e eficazes desenvolvidas a partir de grandes ideias em busca de prosperidade e felicidade» - cfr. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Gestão de Érika Fernanda de Araújo Lago intitulada “Coaching e Mentoring como Instrumento para Obter Sucesso Profissional Um Estudo das Competências Desenvolvidas” apresentada em Junho de 2020 à Universidade da Beira Interior, disponível em: https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/10925/1/7602_16088.pdf
LI) «Para além disso, ao longo da revisão de literatura, pode-se perceber que os autores estão habituados a utilizar diferentes termos para se referirem ao “sucesso”, nomeadamente: excelência, resultados notáveis, ações, prosperidade, felicidade e ideias fortes (Robbins, 2009; Vieira, 2015; Alves, 2015). A ideia é ampliar o campo de visão dos indivíduos, ao invés de a restringir, visto que cada indivíduo traz consigo um conjunto de crenças que podem ajudar ou dificultar à busca pela prosperidade» - cfr. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Gestão de Érika Fernanda de Araújo Lago intitulada “Coaching e Mentoring como Instrumento para Obter Sucesso Profissional Um Estudo das Competências Desenvolvidas” apresentada em Junho de 2020 à Universidade da Beira Interior, disponível em: https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/10925/1/7602_16088.pdf
Por sua vez,
LII) A impossibilidade legal, ou jurídica, ocorre quando a prestação consiste num ato que a lei não permite que seja realizado, podendo impedi-lo; há contrariedade à lei se a prestação consiste num ato que viola uma proibição legal que não pode, em todo o caso, impedir a sua ocorrência - cfr. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, pág. 831, e Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, págs. 550 - no entanto, a Sentença recorrida limita-se a afirmar que o objeto do presente contrato é legalmente impossível, sem, todavia, referir qual o dispositivo legal que as prestações que integram o objeto do presente contrato violam, pelo que para além de padecer de falta de fundamentação, dir-se-á que não o fez porquanto esse dispositivo legal ou proibição legal imperativa inexiste - cfr. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-02-2019 (Proc. 95184/17.7YIPRT.P1).
LIII) Já no que concerne à alegada indeterminabilidade, refere a Sentença recorrida: “a Ré comprometeu-se a ajudar a Autora a alcançar uma vida de “abundância plena”, mas isto, em si mesmo, não significa absolutamente nada. Abundância plena de quê? Não se sabe, nem o objeto do contrato o permite compreender. Ainda que ao longo do contrato sejam especificadas algumas atuações com vista à concretização de tais objetivos, a verdade é que esses objetivos são, em si mesmos, indetermináveis e, dir-se-á ainda, inconcretizáveis juridicamente”.
LIV) Não obstante, claramente que o Tribunal a quo não interpretou o contrato sub iudice à luz dos conceitos próprios de um contrato de prestação de serviços de formação.
LV) Porquanto, quando nos confrontamos com um Plano de uma ação de formação, podemos verificar que os respetivos objetivos, ou resultados esperados, podem ser descritos com diversos níveis de generalidade, desde a indicação muito ampla do que se pretende com a formação, até à indicação muito precisa do que o formando deverá ser capaz de fazer numa situação muito específica.
LVI) São os chamados objetivos pedagógicos gerais e específicos: os gerais são formulados em competências mais amplas, globais ou complexas, por sua vez os específicos resultam da decomposição dos objetivos gerais em aspetos mais restritos - cfr. formação disponível no website da Duas S... - Formação e Investigação Lda. - empresa de formação e serviços de consultoria em diversos domínios da aquisição e desenvolvimento de competências nas empresas e pessoas – disponível em ... gogicos_operacionalizacao-da-formacaodo-plano-a-acao_1parte.pdf
LVII) Como é do conhecimento geral, não raras vezes, são usadas formulações muito genéricas no que diz respeito aos objetivos de uma formação, i.e. objetivos gerais. Veja-se o seguinte exemplo: “no final da ação de formação X os formandos devem ser capazes de: compreender a literatura portuguesa contemporânea”. Como é evidente, nenhuma formação existente será apta a colocar um individuo na situação de compreender, em todas as suas múltiplas facetas, todas e quaisquer obras da literatura portuguesa de uma determinada época, podendo com segurança afirmar-se que isso será impossível, até para um indivíduo com uma cultura e inteligência acima da média.
LVIII) Como é bom de ver, esta é uma formulação de objetivo de formação muito genérica, que, no entanto, pouco ou nada diz sobre o objeto daquele contrato de prestação de serviços ou de como as prestações do contrato aptas a atingir aquele objetivo serão efetuadas.
LIX) Aqui como ali, no ponto um da cláusula primeira do contrato dos presentes autos apenas se encontra enunciado o objetivo geral da formação da escola da Ré, que, por esse motivo, é enunciado de forma muito genérica, e que não se pode confundir com o objeto do contrato!
LX) O objeto do contrato, por sua vez, encontra-se descrito nos pontos dois e três da cláusula primeira.
Sem prescindir,
LXI) Uma vida de sucesso será realmente algo absolutamente impossível de determinar? Como afirma a sentença recorrida?
LXII) Não se olvide que o referido contrato é de Mentoria e Coaching - como bem refere a Sentença recorrida.
Posto isto,
LXIII) A International Coach Federation define a atividade de “coaching profissional” como: “um relacionamento profissional em movimento que ajuda as pessoas a produzir resultados extraordinários nas suas vidas, carreiras, negócios ou organizações. No decorrer do processo de coaching, os clientes aprofundam a sua aprendizagem, melhoram o seu desempenho, e atingem a sua qualidade de vida” - cfr. Tese de Doutoramento de Sandra Almeida intitulada “Supervisão em Coaching: O desenvolvimento profissional de especialistas de Coaching”, apresentada em setembro de 2013 à Universidade de Évora, página 14, e disponível em: http://www.rdpc.uevora.pt/bitstream/10174/12271/1/Tese_Final_Doutoramento_Sandra%20Almeida.pdf
LXIV) Com o coaching, as pessoas atingem qualidade de vida, atingem objetivos a que se propõem, o que é obviamente sinónimo de “sucesso”.
Ora,
LXV) Na língua portuguesa, sucesso significa “um resultado positivo, favorável, ou proveitoso de algo” - cfr. "sucesso", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/sucesso [consultado em 22-10-2021].
LXVI) O que é precisamente o que se pretende com o coaching, isto é, resultados positivos, de alcance de metas previamente estabelecidas.
Escalpelizando,
LXVII) Para o coaching, o sucesso pode ser definido como «um processo de contínuo esforço para tornar-se uma “pessoa maior”, representa uma oportunidade de continuar a crescer emocional, social, espiritual, fisiológica, intelectual e financeiramente, ao mesmo tempo que se contribui de modo positivo para outras pessoas. Ainda de acordo com o autor, o caminho para o sucesso é algo que está sempre em construção, onde não há um fim a ser alcançado e sim uma trajetória a ser seguida. É possível então afirmar que o sucesso é gerado por resultados positivos alcançados através de ações eficientes e eficazes desenvolvidas a partir de grandes ideias em busca de prosperidade e felicidade» - cfr. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Gestão de Érika Fernanda de Araújo Lago intitulada “Coaching e Mentoring como Instrumento para Obter Sucesso Profissional Um Estudo das Competências Desenvolvidas” apresentada em Junho de 2020 à Universidade da Beira Interior, disponível em: https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/10925/1/7602_16088.pdf
LXVIII) «Para além disso, ao longo da revisão de literatura, pode-se perceber que os autores estão habituados a utilizar diferentes termos para se referirem ao “sucesso”, nomeadamente: excelência, resultados notáveis, ações, prosperidade, felicidade e ideias fortes (Robbins, 2009; Vieira, 2015; Alves, 2015). A ideia é ampliar o campo de visão dos indivíduos, ao invés de a restringir, visto que cada indivíduo traz consigo um conjunto de crenças que podem ajudar ou dificultar à busca pela prosperidade» - cfr. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Gestão de Érika Fernanda de Araújo Lago intitulada “Coaching e Mentoring como Instrumento para Obter Sucesso Profissional Um Estudo das Competências Desenvolvidas” apresentada em junho de 2020 à Universidade da Beira Interior, disponível em: https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/10925/1/7602_16088.pdf
Assim,
LXIX) Sucesso é algo que muitos acreditam ter um significado objetivo, mas que, na realidade, é totalmente subjetivo.
LXX) Ser bem-sucedido pode ter sentidos totalmente diferentes para cada indivíduo: uma pessoa pode associar sucesso a ter uma carreira brilhante numa grande empresa, enquanto para outra ter sucesso será abrir o seu próprio negócio, não obstante para outro indivíduo ter sucesso poderá apenas ser feliz, e sentir satisfação na vida em geral, independentemente da sua posição profissional.
LXXI) Existem múltiplas definições de sucesso e nem todas farão sentido para um determinado indivíduo, mas o objetivo de um programa de mentoria e coaching como o da escola da Ré também é esse: permitir ao formando refletir sobre a sua própria definição de sucesso, questionando-se sobre que metas gostaria de alcançar na sua vida.
LXXII) Cada indivíduo tem a sua ideia de “vida de sucesso”, objetivos, metas que quer atingir, o que no Coaching se chama de “estado desejado (Ponto B)”, e quando inicia o programa esse individuo encontra-se no Ponto A, que se chama de “estado atual”.
LXXIII) Durante o programa, o Mentor/Coach irá auxiliar o cliente/formando a traçar o caminho, as estratégias que o levarão do seu Ponto A para o seu Ponto B.
LXXIV) O Mentor/Coach irá fazer esse caminho com o seu cliente, motivando-o, apoiando-o e inspirando-o a manter o foco para alcançar os resultados desejados.
LXXV) Durante esse processo, o cliente/formando, além de trabalhar os seus objetivos específicos, passa ainda a conhecer-se melhor, toma consciência das atitudes, sentimentos e pensamentos que até ali considera não terem funcionado da forma que desejaria na sua vida ou carreira, permitindo-lhe mudar em conformidade e assim maximizar os resultados que pretende.
Assim,
LXXVI) No momento da celebração do negócio, o objeto do contrato está já plenamente determinado, a prestação da Ré já está determinada, e que consiste na obrigação de meios (e não de resultado) de prestar serviços de Mentoria/Coaching conforme o Plano de formação previsto no Contrato; o que não estão determinados são os objetivos pessoais de cada um dos seus formandos, o que nunca se poderá confundir com o objeto do contrato.
LXXVII) Um objeto indeterminável constitui um objeto impossível de determinar. Neste sentido, não existindo a possibilidade de determinar a prestação, não existirá qualquer vinculação para o devedor - o que não é, de todo, o caso dos presentes autos, em que o Plano de formação, que nem sequer tinha que estar no Contrato, nele é descrito, em sinal de transparência.
Sem prescindir,
LXXVIII) É pacífico na Doutrina e na Jurisprudência que “apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objeto indeterminável, mas não os de objeto indeterminado” - cfr. P. Lima e A. Varela, in “C.Civil, Anotado”, pág. 240 e, entre outros, Ac. do STJ de 26.01.1999, disponível em www.dgsi.pt.
Acresce que,
LXXIX) No momento da celebração do negócio, a lei não exige que o seu objeto esteja já determinado. Importa é que, nesse momento, ele possa ser determinável no futuro e atempadamente em função dos contornos negociais gizados pelas partes a essa data. Sendo que a determinabilidade subsequente terá de advir da existência de um critério objetivo, legal ou negocial, que permita estabelecê-la, ou seja, que permita fixar ou estabelecer o conteúdo da prestação ou demarcar/individualizar o seu objeto e, respetivos termos e limites. - cfr. Acs. do STJ de 20.01.2000, p. 99B1116, de 11.05.2000, p. 00B250 e de 06.12.2011, p. 669/07.5TBPTM-A.E1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
LXXX) E como bem ensina o Prof. Jorge Morais Carvalho, a determinabilidade “trata-se de um requisito do objeto que se encontra ligado à possibilidade. Um objeto indeterminável constitui um objeto impossível de determinar. Neste sentido, não existindo a possibilidade de determinar a prestação, não existe qualquer vinculação para o devedor” - cfr. Jorge Morais Carvalho - “A determinabilidade do objeto do negócio jurídico como limite à autonomia privada” in Revista Jurídica da Universidade de Santiago - Ano 1 - nº 1 - Jan/Dez 2013 - ISSN 2309-3595.
LXXXI) Atento o teor do contrato dos presentes autos, é evidente que o objeto do contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida foi determinado à ocasião da conclusão daquele acordo de vontades, consistindo no fornecimento de ferramentas, recursos, i.e. de cursos online, workshops, sessões individuais e em grupo de coaching e mentoria, entre os demais descritos no ponto 2. da cláusula primeira do contrato. as prestações a que Ré/Recorrente se obrigou estão perfeitamente determinadas - referindo-se inclusive no contrato o número de sessões e os dias da semana em que se irão realizar - cfr. ponto 2. da cláusula primeira do contrato.
LXXXII) É permitido, no entanto, às partes configurarem o conteúdo do contrato por forma a que resulte alguma margem de incerteza quanto a uma ou várias prestações, sem que isso, por si só, ponha em causa a sua validade - cfr. Jorge Morais Carvalho em “A determinabilidade do objeto do negócio jurídico como limite à autonomia privada”, in Revista Jurídica da Universidade de Santiago -Ano 1 - nº 1 - Jan/Dez 2013 - ISSN 2309-3595.
Acresce que,
LXXXIII) Conforme supra referido, o presente contrato é um contrato de Coaching, pelo que cabe chamar à colação a forma como os Autores McLean e Hudson (2012) definiram o processo de Coaching:
“1ª Etapa: Estabelecer o contrato de coaching;
2ª Etapa: Entender a situação atual do cliente e o que deseja alcançar;
3ª Etapa: Construir um plano de ação;
4ª Etapa: Executar o plano de ação;
5ª Etapa: Concluir o processo de coaching.”
- cfr. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Gestão de Érika Fernanda de Araújo Lago intitulada “Coaching e Mentoring como Instrumento para Obter Sucesso Profissional Um Estudo das Competências Desenvolvidas” apresentada em Junho de 2020 à Universidade da Beira Interior, p. 11, disponível em: https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/10925/1/7602_16088.pdf
Efetivamente,
LXXXIV) In casu, após terem sido estabelecidas as duas primeiras etapas supra referidas, estava a ser construído e executado um plano de ação com a Recorrida mediante a realização de sessões individuais de mentoria e coaching, existindo, inclusive, relatórios da mentora individual com todas as sessões realizadas pela Recorrida, e o resumo das conquistas de cada sessão - cfr. artigo 49º da contestação e Relatório junto com a contestação como Doc. nº .... Ademais, é a própria Autora/Recorrida que afirma no artigo 14º da petição inicial que “no dia 28/11/2020 foi contactada pela sua mentora individual e iniciou as sessões de Mentoria Individual com uma mentora, a saber, CC, tendo tido 14 sessões no total (…)”, tendo a Autora/Recorrida acabado por desistir do programa, decidindo não agendar mais sessões, por supostamente lhe ter sido posteriormente atribuída outra mentora - cfr. artigos 16º, 17º, 18º, 19º, 20º e 21º da p.i. e Doc. nº ... junto com a p.i.
Destarte,
LXXXV) É indubitável que não só o objeto do contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida é determinável, como está, in casu, determinado.
Por sua vez,
LXXXVI) No supramencionado aresto do Tribunal da Relação do Porto de 26-02-2019 (Proc. 95184/17.7YIPRT.P1), considerou-se, quanto à determinabilidade do objeto do contrato celebrado naqueles autos, que, “atentos os factos provados nos autos, é evidente que o objeto do contrato celebrado entre autora e ré foi determinado à ocasião da conclusão daquele acordo de vontades, consistindo no fornecimento de ervas por parte da autora ao legal representante da ré, para ele as tomar; idas da autora ao empreendimento imobiliário em causa, e aí realizar cerimónias espirituais, pagar e rezar as competentes missas”.
LXXXVII) Mais concluiu aquele aresto que “é também para nós evidente que o objeto do contrato celebrado entre autora e ré não é ofensivo dos bons costumes, pois que não nos parece atentar contra as regras da moral vigente na nossa sociedade”. E a fortiori o mesmo se diga quanto ao contrato sub judice. Destarte, aqui como ali, o contrato em apreço nos presentes autos, fundado na autonomia da vontade ou a liberdade negocial de Recorrida e Recorrente, não se vislumbra inquinado do vício da nulidade, pelo que muito mal andou a Sentença recorrida ao declará-lo, ainda para mais, sem conceder à Recorrente o prévio exercício do direito ao contraditório.
LXXXVIII) Nestes termos, só poderá ser revogada a decisão “saneador-sentença” recorrida, substituindo-a por outra que declare que o objeto do contrato em apreço nos autos não é nulo, mais se determinando o prosseguimento dos autos.
Sem prescindir, ainda que assim não se entenda,
LXXXIX) Ainda que o negócio celebrado entre as partes seja declarado nulo - o que somente por mera cautela e dever de patrocínio se concebe - não pode a Recorrente concordar com o entendimento plasmado na sentença recorrida de que “uma vez declarado nulo o negócio, deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado em consequência do negócio viciado – cfr. artigo 289.º do Código Civil – pelo que é procedente o pedido de autora de devolução do montante de 14.999,00€ por si pago à ré. No caso dos autos, está provado, com base no acordo das partes, que a autora pagou à ré, em virtude do contrato celebrado, a quantia de 14.999,00€, pelo que é este o valor a restituir", porquanto, se é certo que a declaração de nulidade de um negócio jurídico tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente – cfr. artigo 289º, nº 1, do Código Civil - de modo a serem repostas as coisas no estado anterior, nunca deveria ter sido a Recorrente condenada a restituir o valor integral do curso, mas apenas o valor correspondente das sessões que a Recorrida não frequentou, conforme a própria peticiona na p.i., ainda que subsidiariamente: “devendo em consequência e em qualquer caso ser a R. condenada a devolver à A. o valor de €14.999,00, ou no limite este valor deduzido de 16 das 36 sessões no módulo a que a A. assistiu” - cfr. p.i.
Nestes termos,
XC) Ainda que se considere que o objeto do contrato em apreço nos autos é nulo, padece a sentença de erro de julgamento quando condena a Recorrente a restituir à Recorrida o valor integral do curso, quando apenas deveria ter sido condenada a restituir o valor das sessões que a Recorrida não frequentou - ainda que relegasse para liquidação de sentença o valor das sessões a que a Autora assistiu - o que subsidiariamente se peticiona.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.EXAS.MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA NOS TERMOS SUPRA, COM VISTA A SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA DECISÃO QUE DECLARE QUE:
- A SENTENÇA PADECE DE EXCESSO DE PRONÚNCIA POR SE TER PRONUNCIADO SOBRE O VÍCIO DE NULIDADE POR IMPOSSIBILIDADE E INDETERMINABILIDADE DO OBJETO DO CONTRATO QUANDO TAL VÍCIO NÃO FOI INVOCADO NEM PETICIONADO NA P.I.;
- A SENTENÇA PADECE DE ERRO DE JULGAMENTO PORQUANTO O OBJETO DO CONTRATO EM APREÇO NOS AUTOS NÃO É NULO;
MAIS ORDENANDO O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS.
SUBSIDIARIAMENTE,
- AINDA QUE SE CONSIDERE QUE O OBJETO DO CONTRATO EM APREÇO NOS AUTOS É NULO, PADECE A SENTENÇA DE ERRO DE JULGAMENTO POR CONDENAR A RECORRENTE A RESTITUIR À RECORRIDA O VALOR INTEGRALMENTO PAGO PELO CURSO, QUANDO APENAS DEVERIA TER SIDO CONDENADA A RESTITUIR O VALOR DAS SESSÕES QUE A RECORRIDA NÃO FREQUENTOU,
ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!

Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, após despacho que indeferiu a atribuição de efeito suspensivo por se ter entendido que a recorrente não alegou factos para que se possa considerar que a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, com a questão da nulidade do contrato por objeto indeterminável e, subsidiariamente, considerando-se o contrato nulo, saber qual a quantia a restituir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

“Provou-se, com relevo para a boa decisão da causa, que:
1. Autora e Ré celebraram um documento escrito, com data de 18/02/2020, o qual, nos termos da sua cláusula primeira, tem o seguinte objeto, cfr. contrato junto aos autos e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido:
“Um. O presente contrato reporta-se aos serviços de Mentoria & Coaching pessoal e profissional que configuram o programa “Abundância Ilimitada em 12 meses”, através do qual a segunda outorgante se compromete a:
a) apoiar e a acompanhar cada participante na criação da vida de sucesso e abundância plena;
b) ensinar a identificar, remover e transformar os bloqueios que impedem a participante de atrair e criar abundância e sucesso em todas as áreas da vida, potenciando a essência e a conexão ao seu plano de alma;
c) fornecer ferramentas, recursos e estratégias que permitem continuar a desbloquear e conquistar a abundância durante toda a vida”.
2. Tais serviços realizar-se-iam durante um período de 12 meses - cfr. contrato junto aos autos e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
3. E ocorreriam integralmente online, “excepto nos eventos presenciais” - cfr. contrato junto aos autos e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
4. Por tais serviços a ré pagou o valor de 14.999,00€.
5. E frequentou 16 sessões, de um total de 36.

Factos não provados
Nenhum facto com relevo para a boa decisão da causa ficou por demonstrar.

No despacho saneador-sentença considerou-se que “Face ao teor dos articulados e dos documentos juntos aos autos, bem como ao cumprimento prévio do princípio do contraditório, entende este Tribunal encontrar-se em condições de proferir decisão imediata do mérito da causa. Assim, nos termos do disposto nos artigos 593.º n.º 1, 591.º n.º 1 d) e 595.º n.º 1 b) do Código de Processo Civil” foi, de imediato, proferida sentença que julgou nulo o contrato celebrado entre as partes, nos termos do disposto no artigo 280.º do Código Civil, por o seu objeto, do ponto de vista jurídico, ser “abstrato, inconcretizável, imaterializável e, até, esotérico”, com “objetivos em si mesmos indetermináveis e, dir-se-á, ainda, inconcretizáveis juridicamente”.

A primeira questão colocada na apelação, relativamente ao efeito do recurso, foi conhecida em 1.ª instância, de forma correta e foi já confirmada por este Tribunal no despacho que recebeu o recurso com o efeito que lhe foi fixado em 1.ª instância, pelo que nada mais há a acrescentar.

Relativamente ao excesso de pronúncia, também não tem razão a apelante.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), “in fine” do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, em violação do disposto no artigo 609.º, n.º 1 do mesmo Código que estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Domina, aqui, o princípio do dispositivo cuja, rigidez, contudo, tem vindo a ser atenuada pela prática judiciária, inclusivamente em Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência, como nos dá conta Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, no seu CPC Anotado, vol. I, pág. 728 e 729.
Não pode pôr-se em causa a possibilidade de o tribunal qualificar livremente a matéria de facto apurada, em termos de ter por preenchida determinada realidade contratual: na verdade, o que, para tal, releva é naturalmente a factualidade alegada e provada, considerada em si mesma, independentemente da qualificação jurídica que os litigantes lhe deram, a qual não vincula o juiz, que não está sujeito à qualificação jurídica que as partes realizaram da realidade factual em litígio.
Tem-se considerado que “é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao autor por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter” – Acórdão do STJ de 07/04/2016, processo n.º 842/10.9TBPNF.P2.S1 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt.
Neste Acórdão considera-se, aliás, que o grupo de situações em que vem sendo mais frequentemente admitida a reconfiguração jurídica do específico efeito peticionado pelo autor, situa-se no campo dos valores negativos do ato jurídico (nulidade, anulabilidade, ineficácia, inoponibilidade).
“Pretendendo o autor, em termos práticos e substanciais, a destruição dos efeitos típicos que se podem imputar ao negócio jurídico celebrado, ocorre uma deficiente perspetivação jurídica desta matéria, configurando a parte o efeito prático-jurídico pretendido – de aniquilação do valor e eficácia do negócio – no plano das nulidades quando, afinal, a lei prevê para essa situação um regime de ineficácia ou inoponibilidade; ou na invocação de um regime de anulabilidade quando o valor negativo do ato se situa no plano da nulidade, ou vice-versa.
Sendo o objetivo prosseguido pela parte a aniquilação ou destruição dos efeitos produzidos pelo ato em causa, não deverá um simples erro de configuração normativa do valor negativo do ato e do particular regime que lhe corresponde ditar a injustificável improcedência da ação, com os custos de celeridade e economia processual a que atrás se aludiu, quando, com toda a certeza, o autor se conformaria inteiramente com a aplicação do regime que decorre da correta caracterização normativa da pretensão deduzida” – cfr. Acórdão do STJ citado.
Pelo que, pese embora a autora tenha peticionado a anulabilidade do contrato ou a sua resolução, o efeito jurídico por si pretendido era o da “aniquilação do valor e eficácia do negócio”, a destruição dos efeitos do contrato celebrado, pelo que se a correta caraterização normativa da pretensão deduzida se situa no plano da nulidade, pode e deve a mesma ser decretada.
Diga-se, ainda, que, em cumprimento do primeiro acórdão proferido nestes autos, foi dada oportunidade às partes de se pronunciarem sobre a questão que não havia sido debatida nos articulados, designadamente “a nulidade do contrato objeto dos autos, por indeterminabilidade e impossibilidade do seu objeto”, pelo que, tendo sido exercido o contraditório sobre esta questão em particular, não pode considerar-se que o tribunal tenha incorrido em excesso de pronúncia, ao decidir tal questão, depois de dar oportunidade às partes de sobre a mesma se pronunciarem.
Improcede, assim, nesta parte, a apelação.

Cabe, agora, apreciar o mérito da decisão e a conclusão pela nulidade do contrato por ter um objeto indeterminável.
Estabelece o artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil que “É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”
Conforme se pode ler em Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, pág. 258: “Apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objeto indeterminável, mas não os de objeto indeterminado”.
Menezes Cordeiro, in CJ, 1992, 3.º, pág. 61, citado em Abílio Neto, CC Anotado, 17.ª edição revista e atualizada, pág. 195, refere que “o objeto do negócio pode ser indeterminado; o que não pode ser é indeterminável. E a diferença entre indeterminado e indeterminável está no seguinte: a prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor mas, não obstante, exista um critério para se proceder à determinação; exemplos claros são os constituídos pelas obrigações alternativas e pelas obrigações genéricas; a prestação é indeterminada e indeterminável quando não exista qualquer critério para proceder à determinação. Neste último caso, a obrigação é nula”.
Veja-se, também Luís Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, 1983, II volume, pág. 245: “A indeterminabilidade pode reportar-se tanto ao objeto material - coisa ou prestação – como ao objeto jurídico. No primeiro caso, o objeto é determinado se se mostra devidamente individualizado no negócio jurídico. Por exemplo, num contrato de compra e venda, identifica-se o prédio rústico vendido por todos os elementos de localização, identificação fiscal e registral, etc… Será indeterminado se apenas se fizer ao objeto uma referência vaga, ou genérica um prédio, um anel, etc. O objeto pode não ser determinado, desde que, pela aplicação das regras legais supletivas ou das regras contratuais, a sua determinação seja possível. A este respeito interessa ter presente o disposto no art. 400º do Cód. Civil, que estabelece os meios através dos quais se pode obter a determinação da prestação que não seja logo determinada no negócio”
Assim delimitados os conceitos, parece-nos óbvio que o objeto do negócio celebrado entre a autora e a ré não é determinado e nem sequer determinável – neste sentido se decidiu já nesta Relação, em caso em tudo idêntico ao destes autos, em Acórdão proferido, nesta 2.ª Secção Cível, no processo n.º 237/21.9T8VNC.G1, relatado pelo Sr. Desembargador Afonso Cabral de Andrade.
Como aí se diz, e bem, “importa ter presente a finalidade da declaração negocial, ou seja, o fim do negócio.
No caso dos autos, o fim do negócio celebrado entre as partes era que a ré fornecesse à autora, através do programa “Abundância Ilimitada em 12 meses”, e mediante o pagamento da quantia de € 14.999,00, condições para que esta pudesse proceder à “criação da vida de sucesso e abundância plena”, ensinando-a “a identificar, remover e transformar os bloqueios que impedem a participante de atrair e criar abundância e sucesso em todas as áreas da vida, potenciando a essência e a conexão ao seu plano de alma” e fornecendo-lhe “ferramentas, recursos e estratégias que permitem continuar a desbloquear e conquistar a abundância durante toda a vida”.
Ora, se é certo que os negócios jurídicos e, em particular, os contratos, são formas de livre manifestação da vontade das partes contratantes, essa liberdade não é absoluta, sofrendo restrições desde logo decorrentes da própria lei.
Já vimos que é nulo o negócio cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
“Compulsado atentamente o contrato objeto dos presentes autos verificamos que praticamente todos os conceitos que lhe subjazem e, em particular aqueles que definem o seu objeto, são conceitos, do ponto de vista jurídico, abstratos, inconcretizáveis, imaterializáveis e até esotéricos” – cfr. sentença proferida nos autos – “vida de sucesso”, “abundância plena”, “bloqueios que impedem tais concretizações”, “alma”, “essência e conexão a um plano de alma”
Como aí se questiona, “será material ou juridicamente possível ajudar alguém a atingir uma vida de sucesso e abundância plena e, sobretudo, em todas as áreas da vida?”
Pode, assim, concluir-se, como na sentença recorrida, que “Todos estes conceitos não têm concretização jurídica e a sua eventual concretização humana depende das crenças, do esoterismo e das idiossincrasias de cada indivíduo e, nessa medida, tornam o objeto deste negócio, celebrado entre as partes, física e legalmente impossível e até indeterminável. Ainda que ao longo do contrato sejam especificadas algumas atuações com vista à concretização de tais objetivos, a verdade é que esses objetivos são, em si mesmos, indetermináveis e, dir-se-á ainda, inconcretizáveis juridicamente”.
Lido e analisado o contrato é impossível perceber qual a prestação a que a recorrente se obrigou, qual o conteúdo das aulas ou cursos que a ré proporcionaria à autora.
Como bem se conclui no Acórdão desta Relação já citado e proferido em caso em tudo idêntico ao nosso, “a única realidade verdadeiramente tangível que se consegue retirar do contrato celebrado entre as partes é a que se refere ao pagamento do preço: os valores dos vários módulos ou “sessões de abundância”, as formas de pagamento, a indicação de uma conta bancária, tudo isso são realidades concretas e determinadas. Assim, a prestação da autora está totalmente determinada: uma quantia específica, em dinheiro.
Mas, qual a contraprestação da ré? Prestar serviços de Mentoria & Coaching pessoal e profissional que configuram o programa “Abundância Ilimitada em 12 meses” a) apoiar e a acompanhar cada participante na criação da vida de sucesso e abundância plena; b) ensinar a identificar, remover e transformar os bloqueios que impedem a participante de atrair e criar abundância e sucesso em todas as áreas da vida, potenciando a essência e a conexão ao seu plano de alma; c) fornecer ferramentas, recursos e estratégias que permitem continuar a desbloquear e conquistar a abundância durante toda a vida.
Exatamente o que é que a ré iria fornecer à autora?”
Não se sabe.
O objeto deste negócio é completamente indeterminado e indeterminável, sendo impossível, portanto, aplicar-lhe as regras legais sobre equilíbrio das prestações, incumprimento, mora, etc.
Daí que bem andou a primeira instância ao declarar a nulidade do contrato.

A última questão colocada pela apelante prende-se com a restituição do valor pago. Entende que, perante a declaração de nulidade do negócio celebrado entre as partes, apenas deveria ser condenada a restituir o valor correspondente às sessões que a recorrida não frequentou e não o valor integral do curso.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
Ora, a nulidade do contrato importa a falta de causa jurídica ou justificativa das prestações efetuadas em execução dele, as quais terão de ser restituídas.
Como refere Mota Pinto, in Teoria Geral, 1967, pág. 365 “A restituição tem lugar mesmo que não se verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa, sendo as partes obrigadas a restituir tudo o que receberam e não apenas aquilo com que se locupletaram”.
Neste caso, como já vimos, o contrato é nulo porque a prestação a cargo da ré/recorrente é indeterminada e indeterminável. Já a prestação a cargo da autora é concreta e determinada: o pagamento da quantia de € 14.999,00. Como tal, a declaração de nulidade tem como efeito a devolução de tudo o que pode ser determinado (a referida quantia), mas já não se pode ordenar a devolução do que não é determinável, nem se pode quantificar (ainda que nos socorrêssemos da equidade) o que não é quantificável, pelo que não pode atribuir-se um valor/sessão – no mesmo sentido o Acórdão desta Relação já citado e que conheceu de questão idêntica.
Improcede, assim, também neste segmento, a apelação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
***
Guimarães, 12 de janeiro de 2023

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira