Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1761/18.6T8GMR-A.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PLANO DE RECUPERAÇÃO
PRINCÍPIO DE IGUALDADE DOS CREDORES
PRIORIDADE NA RECUPERAÇÃO DO DEVEDOR
TRATAMENTO DIFERENCIADO DE CREDORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Ao abrigo do art.º 194.º, do CIRE, o plano de recuperação deve obedecer ao princípio da igualdade dos credores de insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas.

2 - Este princípio da igualdade dos credores não é absoluto, pois permite, em consideração do princípio da prioridade na recuperação económica do devedor (n.º 1 do art. 1.º do CIRE), que se adote um tratamento diferenciado, conquanto o mesmo se justifique por razões objetivas.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

“Irmãos X & C.ª, Lda”, requerente em processo especial de revitalização, interpôs recurso da sentença de recusa de homologação do acordo de pagamento, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:

1°) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao não homologar o plano de recuperação apresentado, alvo de votação e aprovado pela maioria dos credores, uma vez que deveria ter sido o mesmo totalmente homologado.
2°) Cumpre desde logo referir que não se verificam os pressupostos legais para se considerar a existência com fundamento no disposto no artigo 215° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, de violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano de recuperação, mais concretamente do disposto no artigo 194° do mesmo código, que impõe a não homologação do plano de recuperação apresentado.
3°) Convém talvez começar por referir que os credores foram tratados de igual forma e modo consoante a natureza dos créditos reclamados independentemente das entidades que os reclamam.
4°) Com efeito das PROVIDÊNCIAS COM INCIDÊNCIA NO PASSIVO previstas na segunda versão do Plano de Recuperação depositado no Tribunal (remetido a 06/08/2018) extrai-se:
A proposta de Revitalização que visa a recuperação da Irmãos X & C~ Lda. impõe, nomeadamente, as seguintes providências com incidência no passivo da Devedora [artigos 196° e 197° do CIRE}:
11.Perdão integral de juros de mora, cláusulas penais, indemnizatórias e compensatórias, inclusive os vencidos entre a data da admissibilidade a PER e o trânsito em julgado do Despacho da Homologação do Plano de Recuperação, com exceção do Credor N. - Sociedade de Garantia Mútua dado o seu regime legal;
12.Relativamente aos créditos do Banco ..., S.A. relativos ao contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º …, é proposta a manutenção dos termos contratualizados no referido contrato com as alterações impostas no âmbito do Plano de Recuperação Homologado no âmbito do Processo n.º 958/14.2TBGMR, com exceção do valor residual do imóvel em causa, que aumenta dos 2% para os 10% do valor inicialmente contratado.
13.Relativamente aos créditos decorrentes dos contratos de Locação Financeira Mobiliária, nomeadamente:
a. Contratos celebrados com a Y ... - Instituição Financeira de Crédito, S.A. (n° …) e com o Banco ..., S.A. (contrato n.° ...) é proposta a manutenção dos termos contratualizados no referido contrato com as alterações impostas no âmbito do Plano de Recuperação Homologado no âmbito do Processo n.º 958/14.2TBGMR, com exceção do valor residual dos mesmos, que aumenta dos 2% para os 5% do valor inicialmente contratado;
b. Contratos celebrados com o Banco..., S.A. (contratos n.ºs … e …) é proposta a manutenção dos termos contratualizados no referido contrato, com exceção do valor residual dos mesmos, que aumenta dos 2% para os 5% do valor inicialmente contratado.
14.Relativamente aos créditos Garantidos do Banco..., S.A. (garantidos através de hipoteca sobre o imóvel da Requerente) e da Caixa ..., S.A. (que dispõe de garantia da N., que por sua vez dispõe de hipoteca sobre o imóvel sobredito), é proposto:
a. Consolidação dos juros remuneratórios e demais comissões, às taxas contratadas, que são devidos entre a admissão a PER e o trânsito em julgado Despacho de Homologação do Plano de Recuperação;
b. Carência de 24 meses, contados a partir do mês seguinte ao trânsito em julgado do Despacho da homologação do Plano de Recuperação;
c. Pagamento de 64,77% do valor em dívida em 120 prestações postecipadas, mensais, iguais e sucessivas, iniciadas no mês seguinte ao último mês de carência;
d. Prestação bullet de 35,23% a pagar no fim do 12.º ano;
e. Pagamento de juros remuneratórios vincendos calculados a partir do trânsito em julgado do Despacho de Homologação do Plano de Recuperação, na seguinte taxa: Euribor 6M acrescida de um spread de 3,00%;
f Se o indexante for negativo a taxa de juro será igual ao spread;
g. Manutenção das garantias/avais prestadas pela Devedora ou por terceiros.
15.Relativamente aos créditos Garantidos da N. - Sociedade de Garantia Mútua, S.A. (garantidos através de hipoteca sobre o imóvel da Requerente), é proposto:
a. Consolidação dos juros vencidos e vincendos e demais comissões, às taxas contratadas, tendo como limite máximo as taxas remuneratórias contratadas com o Credor principal, que são devidos entre a admissão a PER e o transito em julgado Despacho de Homologação do Plano de Recuperação;
b. Carência de 24 meses, contados a partir do mês seguinte ao trânsito em julgado do Despacho da homologação do Plano de Recuperação;
c. Pagamento de 64,77% do valor em dívida em 120 prestações postecipadas, mensais, iguais e sucessivas, iniciadas no mês seguinte ao último mês de carência;
d. Prestação bullet de 35,23% a pagar no fim do 12.º ano;
e. Pagamento de juros vincendos calculados a partir do trânsito em julgado do Despacho de Homologação do Plano de Recuperação, na seguinte taxa: Euribor 6M acrescida de um spread de 3,00%;
f Se o indexante for negativo a taxa de juro será igual ao spread;
g. Manutenção das garantias/avais prestadas pela Devedora ou por terceiros.
h. Pagamento de juros remuneratórios vincendos calculados a partir do trânsito em julgado do Despacho de Homologação do Plano de Recuperação, na seguinte taxa: Euribor 6M acrescida de um spread de 3,00%;
i. Se o indexante for negativo a taxa de juro será igual ao spread;
j. Manutenção das garantias/avais prestadas pela Devedora ou por terceiros.
16.Relativamente aos demais créditos Comuns, incluindo o crédito do Banco ..., S.A., é proposto:
j. Perdão de 50% do capital em dívida;
k. Carência de 12 meses, contados a partir do mês seguinte ao trânsito em julgado do Despacho da homologação do Plano de Recuperação;
I. Pagamento de 50% do valor em dívida em 132 prestações postecipadas, mensais, iguais e sucessivas, iniciadas no mês seguinte ao último mês de carência;
m. Possibilidade de regularização do IVA relativo aos créditos perdoados, conquanto que cumpridas todas as formalidades previstas nos artigos 78° a 78°-D do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
n. Relativamente aos fornecedores que sacaram a Devedora e descontaram as letras de cambio junto da banca, no sentido de evitar duplicação dos pagamentos, a Devedora T. só paga até ao limite dos 50% do capital reclamado pelo fornecedor, seja ao fornecedor ou ao banco titular dos originais das letras de câmbio ou a ambos cumulativamente, mas sempre com aquele limite de 50%.
17.Relativamente aos créditos da Instituto da Segurança Social, LP., é proposto:
g. Cumprimento do plano de pagamentos prestacional em vigor, até ao trânsito em julgado do Despacho de Homologação do Plano de Recuperação;
h. Realização de novo plano de pagamento prestacional para o valor em falta à data do trânsito em julgado do Despacho de Homologação do Plano de Recuperação, mantendo intacta a taxa dos juros moratórias vincendos e definindo o número de prestações a pagar em 138 prestações mensais, iguais e sucessivas;
i. Que as ações executivas que eventualmente se encontrem pendentes, fiquem suspensas em resultado da homologação do presente Plano de Recuperação, até ao integral cumprimento do plano de pagamentos, momento em que poderão ser efetivamente extintas.
18.Relativamente aos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira, é proposto:
i. Redução dos juros moratórias vincendos para a taxa anual de 5.476%, nos termos do Decreto-Lei n. o 73/99 de 16 de março, tendo em conta a renúncia superior dos demais credores;
j. Pagamento do valor em dívida, acrescido dos juros moratórios vincendos e vencidos que vierem a ser devidos, em 36 prestações mensais e iguais, nos termos do art.º 196.º do CPPT, a qual se vence no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17°-D do ClRE, não sendo nenhuma prestação inferior a 1 unidade de conta (atualmente 102,00€);
k. Irá ser requerida a isenção de prestação de garantia (n.º 4 do artigo 52.º da LGT), no prazo para prestação de garantia, ou seja, 15 dias a contar do términus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE, junto do serviço de finanças da sede da Devedor, o qual será aferido nos termos das disposições legais (nomeadamente, n.º 4 do artigo 52.º da LGT e artigo 170.º do CPPT) ou em alternativa a não prestação de garantias adicionais (nos termos do n.º 13 do artigo 199.º do CPPT);
I. Que as ações executivas que eventualmente se encontrem pendentes, fiquem suspensas em resultado da homologação do presente Plano de Recuperação, até ao integral cumprimento do plano de pagamentos, momento em que poderão ser efetivamente extintas.
19.Relativamente aos créditos Subordinados, é proposto o perdão integral do capital em dívida e respetivos juros de mora.
20.Sempre que o valor da prestação mensal de cada credor seja tão reduzida que o somatório anual das mesmas seja inferior a 120,00€, a mesma será paga tão somente no mês de janeiro do ano seguinte a que respeita.
Tudo conforme melhor exposto no requerimento de 06/08/2018 que junta a versão definitiva do Plano de Recuperação aos Autos (doc. 8).
5°) As alterações efetuadas na versão definitiva do Plano de Recuperação (doc. 8) são substanciais e não afetam apenas o credor Banco ..., S.A., mas sim todos os créditos Comuns, seja eles de fornecedores, prestadores de serviços, credores comuns por salários, créditos comuns das instituições financeiras e bancárias, desde logo, Banco …., Caixa ... e Banco ..., e ainda a outros que eventualmente não estejam contemplados nas demais alíneas do Plano de Pagamentos.
Pelo exposto desde logo se verifica que não existe qualquer violação do princípio da igualdade entre credores, uma vez que fornecedores, prestadores de serviços, credores comuns por salários, créditos comuns das instituições financeiras e bancárias terão de suportar igual perdão (50%).
7°) Assim, na presente data e atendendo à informação já obtida da execução das garantias prestadas pela N. por parte da Caixa ..., é possível detalhar com exatidão os créditos comuns que suportarão também um perdão de 50% de capital e 100% de juros de mora, nomeadamente:
IV. Fornecedores - num total de créditos de 775.826,48 €, sendo que destes 720.857,70 € respeitam a capital (neles incluídos os 14.500,00 € reconhecidos à condição ao fornecedor Costura, Lda.) e os demais 54.968,78 € relativos a juros de mora. Assim, o perdão a aplicar é de 400.897,63 € [((720.857,70 € - 14.500,00 €) x 50%) + 54.968,78 € = 400.897,63 €)];
v. Outros Credores Comuns (M. S.) - Crédito reconhecido no montante de 116.909,80 €, relativo a capital. Assim, o perdão a aplicar é de 58.454,90 € (116.909,80 € x 50%);
VI. Instituições Financeiras:
a. Banco ..., S.A., crédito relativo a 10 Letras de Câmbio endossadas pelo fornecedor Costura, Lda., no valor de 14.500,00 €, com um perdão de 7.250,00 € (14.500,00 € x 50%);
b. Caixa ..., S.A., crédito reconhecido no valor de 66.861,22 € e de natureza Comum, sendo que deste foram executadas ao longo do Processo Especial de Revitalização as garantias prestadas pela N., S.A., no montante de 40.973,78 € e ficando assim em dívida apenas 25.887,44 €. Assim, o perdão a aplicar é de 12.943,72 € (25.887,44 € x 50%);
c. Banco ..., S.A., crédito Comum reconhecido no valor de 39.465,45 €, sendo que deste 32.955,38 € respeita a capital e 6.510,07 € a juros de mora e com perdão a aplicar de 22.987,76 € [(32.955,38 € x 50%) + 6.510,07 €), relativo ao perdão de 50% do capital e 100% de juros de mora.

Deste modo, o tratamento diferenciado aplica-se única e exclusivamente a créditos vincendos decorrentes de contratos de locação, sendo os demais créditos comuns das instituições bancárias (Banco …, Caixa ... e Banco ...) tratados como todos os demais créditos comuns, conforme já anteriormente mencionado, num total de perdão previsto que ascende a 502.534,01 €.
8°) O perdão de 50% de capital e 100% dos juros de mora foi objeto de negociação com as instituições financeiras, tendo merecido o voto desfavorável de duas dessas instituições (Banco ... e Caixa ...) e o voto favorável de uma instituição (Banco ...), não obstante o conhecimento milimétrico do perdão imposto por parte do Banco ..., conforme e-mail de 14/08/2018 da Direção de Recuperação do Banco ..., cuja publicação no presente documento foi previamente autorizada pelo remetente, que se reproduz infra e que se junta em anexo (doc. 9). Contudo, as providências previstas no Plano com incidência no passivo da Devedora não afetam a existência nem o montante dos direitos dos Credores contra os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação, nos termos do n.° 4 do artigo 217° do CIRE.

No caso em concreto, os créditos comuns das instituições financeiras que gozem de garantia pessoal (aval de terceiros - gerentes da Devedora), mantêm intactas todas as garantias, independentemente do sentido de voto dos Credores que beneficiam das mesmas, tendo sido já exigido pelo Banco ..., S.A. o pagamento por parte destes garantes e avalistas dos valores perdoados em sede de Processo Especial de Revitalização.

Nesse sentido, e mesmo tendo em conta os votos desfavoráveis do Banco ... e da Caixa ..., o Plano de Recuperação foi aprovado pela maioria dos credores com direitos de voto (52,446%), conforme ata da votação junta aos Autos (doc. 10).
9°) Os créditos vincendos decorrentes de contratos de locação, respeitantes aos credores Banco ... e Y ... dispõe de um tratamento diferenciado atendendo que a propriedade dos bens é dos respetivos credores, devendo os contratos ser integralmente cumpridos para que a Devedora possa manter o gozo dos bens em causa (eventualmente vir a adquirir a propriedade dos mesmos) e assim continuar com a sua normal atividade.

Deste modo, tal tratamento diferenciado aplica-se única e exclusivamente a créditos vincendos decorrentes de contratos de locação, sendo os demais créditos comuns das instituições bancárias (Banco ..., Caixa ... e Banco ...) tratados como todos os demais créditos comuns, conforme já anteriormente mencionado.

Importa ainda esclarecer que tal tratamento diferenciado aos credores locadores nos contratos de locação vai ao encontro do disposto na lei, uma vez que nenhum Plano de Recuperação pode afetar contratos bilaterais sem consentimento do locador, conforme dispõe o artigo 437.° do Código Civil, e em conformidade com a jurisprudência superior, como decorre do Acórdão de 10/09/2015 do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 442/14.4T8VFX-A.Ll-6 (doc. 11) e Acórdão de 10/05/2018 do Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo 1681/17.1 T8STR.E1, cuja cópia se junta (doc. 12).
10°) O tratamento diferenciado das instituições financeiras e sociedades de garantia mútua comparativamente aos fornecedores, prestadores de serviços e à generalidade demais credores, no que ao pagamento de juros remuneratórios concerne, resulta do escopo prosseguido por essas mesmas instituições, e bem assim da natureza dos respetivos créditos e da solidez dessas mesmas instituições. Isto é, enquanto que a margem de negócio dos fornecedores e prestadores de serviços consta já do valor em dívida reconhecido no PER, a margem de negócio das instituições financeiras é precisamente o juro remuneratório que resulta das operações de financiamento. Sendo que, enquanto ao fornecedor importa obter quitação integral da totalidade da dívida no mais curto espaço de tempo possível, já às instituições financeiras, e desde que sejam efetuados atempadamente os devidos pagamentos, interessa a manutenção de um determinado nível de endividamento devidamente remunerado.
Assim, atendendo que tal tratamento diferenciado se justifica por uma razão objetiva e intrinsecamente relacionada como o escopo comercial de cada credor, não viola o princípio de igualdade previsto no artigo 194.° do CIRE.
11º) Face ao supra exposto, não se vislumbra qualquer violação do Princípio da Igualdade, conforme dispõe no artigo 194.º do CIRE, uma vez que:
v. É dado o mesmo tratamento aos Créditos Comuns fornecedores, prestadores de serviços, credores comuns por salários, créditos comuns das instituições financeiras e bancárias, uma vez que no Plano de Recuperação é proposto:
a. Perdão de 50% do capital em dívida;
b. Carência de 12 meses, contados a partir do mês seguinte ao trânsito em julgado do Despacho da homologação do Plano de Recuperação;
c. Pagamento de 50% do valor em dívida em 132 prestações postecipadas, mensais, iguais e sucessivas, iniciadas no mês seguinte ao último mês de carência;
d. Possibilidade de regularização do IVA relativo aos créditos perdoados, conquanto que cumpridas todas as formalidades previstas nos artigos 78º a 78°-D do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
e. Relativamente aos fornecedores que sacaram a Devedora e descontaram as letras de cambio junto da banca, no sentido de evitar duplicação dos pagamentos, a Devedora T. só paga até ao limite dos 50% do capital reclamado pelo fornecedor, seja ao fornecedor ou ao banco titular dos originais das letras de câmbio ou a ambos cumulativamente, mas sempre com aquele limite de 50%.
VI. Que o perdão imposto também às instituições financeiras e bancárias foi previamente negociado e merecendo o voto desfavorável de duas dessas instituições (Banco ... e Caixa ...) e o voto favorável de uma instituição (Banco ...);
VII. O tratamento diferenciado dos Créditos Comuns decorrentes de Contratos de Locação vai ao encontro do disposto no Código Civil (artigo 437.°) uma vez que nenhum Plano de Recuperação pode afetar contratos bilaterais sem consentimento do locador, bem como da jurisprudência superior supra mencionada;
VIII. O tratamento diferenciado das instituições financeiras e sociedades de garantia mútua comparativamente aos fornecedores, prestadores de serviços e à generalidade demais credores, no que ao pagamento de juros remuneratórios concerne, resulta do escopo prosseguido por essas mesmas instituições, e bem assim da natureza dos respetivos créditos e da solidez dessas mesmas instituições.
12°) Ora, não pode a Recorrente/devedora estar mais em desacordo com a referida decisão do Tribunal a quo de não homologação que, desde logo, não atentou à integralidade do Plano e, concomitantemente, salvo o devido respeito, a uma leitura correcta do mesmo. O que vem afectar a prossecução da recuperação da Recorrente/devedora, por essa via, nem privilegiando a recuperação e manutenção da Devedora no giro comercial à satisfação de créditos dos credores. Dúvidas não há de que decorre do Plano de Recuperação da Devedora as medidas de incidência, nele, estipuladas respeitam os princípios de boa-fé, igualdade e proporcionalidade.
13°) Nenhum Credor, senão apenas e só o Senhor M. S. requereu a não homologação do Plano.
14°) Quer doutrina, quer jurisprudência, trataram logo de consagrar que a análise das circunstâncias de cada empresa, da sua concreta situação financeira, da sua estrutura de credores, poderia e deveria justificar outros alinhamentos de créditos. Em suma razões que permitem destrinçar, dentro da mesma categoria, tratamentos diferenciados.
15°) A revitalização visa, assim, evitar os custos inerentes ao desaparecimento de agentes económicos que se encontram em dificuldades, no pressuposto de que ainda é possível mantê-los em actividade, por terem viabilidade e o esforço da recuperação não ser (pelo menos manifestamente) desfavorável aos credores (por contraposição com a liquidação do património do devedor em processo de insolvência).
16°) O principio da igualdade de credores, aplicável ao processo especial de revitalização, por aplicação do disposto nos art.ºs 215.° e 216.°, ex vi art.º 17.º- F, n.º 7, configurando-se como uma regra não negligenciável aplicável ao conteúdo do plano de recuperação, admite, todavia, algumas excepções. Desde logo, é permitida uma desigualdade de credores justificadas por razões objectivas. Por outro lado, esse tratamento desfavorável é consentido desde que haja anuência dos credores visados e em idêntica situação.
17°) Tem-se, assim, entendido que o juiz, no exercício da sua função de sindicância do cumprimento das normas, deve ter em atenção as situações de ''violação grave não negligenciável" das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, uma vez que, as violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano. Coloca-se, no entanto, a questão em saber o que deve compreender-se por ''vício não negligenciável" que sustente a recusa de homologação do Plano de Revitalização, uma vez que o legislador não o caracteriza.
18°) A lei não define, com efeito, o que deva considerar-se vício negligenciável nem fornece objectivamente pistas que iluminem a descoberta da resposta. Dir-se-á, com feito, que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são consideradas as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido. Então, verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores - que é, afinal de contas, aquilo que aqui está em causa -, é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada. O que é importante é, pois, sindicar se a nulidade observada é susceptível de interferir na boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger - nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta que é, apesar de tudo, livremente renunciável.
19°) Em decorrência, parece poder concluir-se fazerem parte dos vícios não negligenciáveis ou não desculpáveis, todos aqueles que determinem, por modo inequívoco, violação de normas imperativas, cujo resultado é ilegal, e em todo o caso insusceptível de poder ser suprido com o consentimento dos tutelados, ou dito de outro modo, que consistam em violações destas normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza.
20°) Assim resulta desde logo do plano apresentado que, os credores da revitalização são tratados de forma igual, mas segundo a qualidade dos seus créditos. E é a esta luz que deve ser lido o princípio da igualdade dos credores que o plano de revitalização deve acatar, principio que a norma que o proclama, logo admite a sua restrição, desde que a diferenciação se justifique por razões objectivas (art° 194 nºs 1 e 2 do CIRE). O plano deve, pois, orientar-se pelo princípio da satisfação paritária dos interesses credores, ou, pela negativa, deve impedir que algum credor possa obter uma satisfação mais eficaz do que os restantes credores, pese embora este princípio da igualdade dos credores não proíba que no plano de insolvência se faça distinções entre eles. Assim, proibindo apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objectivos relevantes, tolera, no entanto, a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante. O plano deve, pois, tratar de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual.
21°) O principio da igualdade dos credores supõe, assim, uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista, sendo, precisamente, a perspectiva pela qual se fundamenta essa desigualdade e, consequentemente, a justificação para o tratamento desigual que não podem ser arbitrárias, tendo de se poder considerar tal justificação para a distinção entre os credores como razoável e relevante, ou seja, perante o espaço de conformação do plano, o tribunal deve limitar-se a analisar se a regulação desigual da situação dos credores é manifestamente desadequada, por inexistência de fundamento razoável e relevante.
22°) Por decorrência de tudo o acabado de expender, em face de um concreto plano, com o objectivo último de homologar ou de recusar a sua homologação, o juiz terá, assim, de proceder a um duplo exame: - Por um lado, ao exame do acto sob o ponto de vista do procedimento; - E, por outro, ao exame sob o ponto de vista do seu conteúdo. E se na primeira situação o exame terá por objecto as normas de tramitação, ou seja, as normas que regulam a sequência de actos que constituem o processo relativo à apresentação e aprovação do plano, já no segundo, esse objecto é constituído pela normas de conteúdo, ou, dito de outro modo, pelas normas processuais que o permitem determinar o conteúdo desse mesmo plano.
23°) E assim sendo, enquanto no exame do ponto de vista do procedimento, se procurará averiguar se o plano acatou as normais processuais integrantes do iter legalmente previsto, conducente à sua aprovação, no exame do conteúdo, indagar-se-á se o plano observou as normas que conformam a respectiva substância, designadamente, as que definem um conteúdo vinculado desse mesmo plano. Destarte, e em síntese, o tribunal terá de examinar se se verifica, quer no plano do procedimento relativo à aprovação do plano de revitalização, quer no plano atinente ao seu conteúdo, uma qualquer nulidade processual, ou seja, se se praticou um acto que não é permitido ou foi omitido um acto imposto ou uma formalidade essencial (artºs 195, do CPC ex-vi art° 17 do CIRE).
24°) No entanto, para recusar, mesmo oficiosamente, a homologação do plano não é suficiente a constatação de que houve violação tanto de normas de tramitação como de normas relativas ao conteúdo do plano. Na verdade, a ofensa de normas de qualquer destas espécies apenas autoriza a recusa da homologação se for não negligenciável, exigência que vincula, evidentemente, à distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes e que traz, naturalmente, implicada a concessão ao juiz de um largo poder de apreciação. Essa apreciação deve nortear-se pelos princípios orientadores, em geral, da nulidade processual, entre os quais se conta o da essencialidade, de harmonia com o qual a nulidade não se verifica se a prática ou a omissão do acto ou da formalidade não influir no exame e na decisão da causa (art°s 195, in fine, do NCPC, ex-vi art.º 17 do CIRE).
25°) Por outro lado seria desproporcional que a oposição de um só credor inviabilizasse a revitalização da devedora, contrariando a aprovação do plano apresentado e que foi aceite (aprovado) por larga maioria dos votos emitidos e capital representado, relegando a empresa para uma situação de liquidação do seu património e lançando para o desemprego mais umas centenas de trabalhadores, com todas as nefastas consequências daí decorrentes, quer para a região onde a mesma se insere (e onde escasseiam as oportunidades de emprego) quer para o erário público.
26°) Ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legitima num quadro de ponderação de interesses - o interesse individual por contraposição ao colectivo - se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua relevância pública" - ln AC. STJ de 25/03/2014, Proc. n° 6148/12.1TBBRG.G1.S1, 6.ª Secção, in www.dgsi.pt.
27°) Pelo que, também aqui parece ser manifesto que, nos autos e no Plano de Revitalização, não ocorre "violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo " - neste sentido o supra citado douto Ac. do TRG de 15.10.2015 e, o Ac. TRL de 28./0112016, Proc. n° 1702/15.2T8SNT.L1-8 e o Ac. TRP de 7/04/2016, Proc. 1709/15.0T8AVR.P1, todos em www.dgsi.pt - Ao contrário o Plano de Recuperação cumpre os principios subjacentes ao PER, tratando de forma igual o que é igual, e de forma desigual o que é desigual, conforme as medidas muito bem evidenciam, assim se cumprindo o disposto no art. 194° do ClRE. Sendo certo que os credores e também o senhor AJP, que estudou e analisou de forma competente as condições de viabilização económico financeira da actividade empresarial do devedor, concordaram com a projectada reestruturação financeira do devedor e, muito acertadamente, respeitaram o objectivo do legislador com a reforma e lançamento de um novo paradigma para a recuperação das empresas em dificuldade. O Principio da Igualdade também se concretiza no tratamento de forma diferente, de realidades diversas, traduzindo-se na ideia geral de "proibição do arbítrio". Entre as razões objectivas que justificam a diferenciação dos credores, nos termos do n° 1 do art. 194 do CIRE, destaca-se a diferenciação entre créditos garantidos e privilegiados, créditos comuns e créditos subordinados, prevista no art. 47° do mesmo diploma legal.
28°) Decorrendo da lei, que em primeiro lugar é dado pagamento aos créditos com garantias ou privilégios creditórios, e o remanescente, se o houver, será distribuído pelos créditos comuns (arts. 174°, 175° e 176° do CIRE), o Plano de Recuperação que distingue e privilegia um crédito hipotecário, leasings e privilegiados, relativamente a um segundo patamar onde integra todos os créditos comuns, não viola o princípio da igualdade enunciado no n° 1 do art. 194° do CIRE.
29°) ln casú, e resumindo entre o primeiro plano apresentado e o segundo plano que foi aprovado há uma alteração substancial do plano que impõe a todas as instituições financeiras que não possuem créditos garantidos ou leasings o mesmo perdão imposto aos demais credores comuns - fornecedores/requerente, havendo uma diferenciação objectiva entre aquilo que são credores comuns relativos ao contrato de leasing - que receberão tudo e os restantes credores que receberão metade. Existe pois uma diferenciação objectiva entre os credores comuns relativos a rendas vincendas a cobrar no âmbito de contratos de locação financeira e os demais credores comuns - instituições financeiras/fornecedores.
30°) De facto, os credores comuns são titulares de um direito de crédito que se funda numa obrigação pecuniária vencida que é exigível. Os outros credores comuns - locadoras - reclamam prestações vencidas por conta de uma prestação futura a fornecer à recuperanda que é o gozo das coisas - atento que a propriedade dos bens é dos respectivos credores, devendo os contratos ser integralmente cumpridos para que a devedora possa manter o gozo dos bens em causa e eventualmente vir a adquirir a sua propriedade, prosseguindo assim com a sua actividade.
31°) Há mais uma diferenciação objetiva relativamente a créditos vincendos decorrentes de contratos de locação ou com garantias, ainda que reconhecidos pelo AJP como comuns, já que para esses há lugar a pagamento de juros remuneratórios o que não acontece com os demais credores comuns e em particular com os fornecedores, já que no preço final do produto vendido ou serviço prestado já colocaram as suas margens de lucro, o que não acontece com os bancos cuja margem está precisamente nos juros remuneratórios.
32°) Por outro lado o Requerente avalia o esforço em absoluto que faz cada classe de credores/Instituições Financeiras/Fornecedores/Ele, ficando com a ideia errada de que ele próprio e os fornecedores são os que ficam mais prejudicados com o plano aprovado. Tal raciocínio é incorreto uma vez que quem fica mais prejudicado são os credores que tem menos garantias e privilégios, pois é o que sucederia em sede de rateio, numa eventual liquidação, por força da hierarquização legal dos credores em sentença de graduação de créditos.
33°) Assim os esforços da recuperação da empresa, além de respeitar a hierarquia legal das garantias e privilégios, são repartidos na mesma proporção (vulgo percentagem) entre os credores comuns – Instituições Financeiras/Fornecedores/Requerente.
34°) Finalmente cumpre referir que nenhum credor está melhor na liquidação do que na via do plano apresentado e aprovado e que deveria ter sido já homologado.
35°) Pelo que, salvo o devido e merecido respeito, a sentença recorrida violou e ou interpretou erradamente, entre outros, o conjugadamente disposto nos art°s 17 -A, 17- F, 47 n.º 4, al. a), o art°194°, 196° e o art° 197 n.º 1 al. a) do CIRE, pelo que deve ser julgado procedente o recurso aqui interposto revogando-se a sentença recorrida e decretando-se a homologação do plano de revitalização maioritariamente aprovado pelos credores da Recorrente com todas as suas legais consequências.
36°) A Douta sentença violou o disposto nos artigos 17 -A, 17- F, 47 n° 4, al. a), o art°194°, 196° e o art.º 197 n° 1 al. a) e 215°, todos do ClRE.

Termos em que, pelo que vem de expor-se e pelo muito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao recurso e em consequência revogar-se a sentença recorrida, decretando-se a homologação do plano de revitalização maioritariamente aprovado pelos credores da Recorrente com todas as suas legais consequências.
Assim se fazendo, uma vez mais, JUS T I Ç A !

Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com efeito devolutivo e subida imediata.

Foram colhidos os vistos legais.

A questão a resolver traduz-se em saber se o plano de recuperação apresentado viola o princípio da igualdade entre credores.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Nos presentes autos, após a junção de um primeiro plano de recuperação, veio o credor M. S. pedir a sua não homologação por violação do princípio da igualdade e dos princípios orientadores do processo especial de revitalização.

O AJP remeteu, então, uma nova versão do plano de recuperação que, segundo ele “saneia o alegado tratamento diferenciado entre credores da mesma classe”.

De novo, o credor M. S. veio requerer a não homologação do plano de recuperação por este violar o princípio da igualdade dos credores e os princípios orientadores do processo especial de revitalização, não tendo qualquer credibilidade e viabilidade.

O Plano de recuperação foi aprovado com votos favoráveis de 27 credores representativos de 52,446% do total dos direitos de voto emitidos. Votaram desfavoravelmente 9 credores (24,721%) e 1 absteve-se (1,979%). Não votaram, 88 credores (20,855%).

Na sentença recorrida considerou-se que houve violação do princípio da igualdade dos credores, uma vez que o plano apresentado trata de forma desigual credores do mesmo tipo (comuns), havendo uma discriminação positiva a favor das instituições bancárias e em detrimento dos fornecedores e diferentes condições para a Autoridade Tributária e Segurança Social. Mais considera que a relevância de um credor para a aprovação do plano não pode, só por si, servir de fundamento para um tratamento mais favorável, tendo em conta que o princípio da igualdade é o princípio estruturante de qualquer plano de revitalização. Daí que tenha concluído, com fundamento no disposto no artigo 215.º do CIRE, pela existência de violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano de recuperação, mais concretamente do disposto no artigo 194.º do mesmo código, que impõe a não homologação do plano apresentado.

Vejamos.

Nos termos do artigo 17.º-F, n.º 5 do CIRE, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, determinando o artigo 215.º do CIRE que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais.

Invoca o credor M. S. (único credor a peticionar a não homologação do plano, correspondendo o seu crédito a 7,18% do valor global de créditos) a violação do princípio da igualdade, para peticionar a não homologação do plano.

É certo que, ao abrigo do art.º 194.º, do CIRE, o plano de recuperação deve obedecer ao princípio da igualdade dos credores de insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.

“A razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos constantes do art.º 47.º, do Código; (…) para além disso, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos; (…) mas a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito; (…) o que está vedado é, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias iguais – Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pg. 194.

Como indica Menezes Leitão no seu CIRE Anotado, 8.ª edição, Almedina, pág. 225, “a nossa jurisprudência tem interpretado latamente esta possibilidade de estabelecer diferenciações entre os credores com fundamento em razões objetivas” e cita o Ac. da Relação de Lisboa de 12/07/2007 (Abrantes Geraldes) que considerou ser admissível a homologação de plano que prevê a manutenção apenas de alguns trabalhadores na empresa adquirente do património da insolvente e diferentes percentagens de pagamento imediato a certos credores privilegiados”

Como se refere no acórdão desta Relação de 04/03/2013, in www.dgsi.pt: “Em suma, e como resulta outrossim do artigo 194º, do CIRE, o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos lesados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações, exigindo-se tão só que assentem elas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado”.

No caso dos autos, todos os credores comuns tiveram o mesmo tratamento (na versão definitiva do plano), com perdão de 50% do capital em dívida, carência de 12 meses, contados a partir do mês seguinte ao trânsito em julgado do despacho de homologação, pagamento de 50% do valor em dívida em 132 prestações postecipadas mensais, iguais e sucessivas, iniciadas no mês seguinte ao último mês de carência e possibilidade de regularização do IVA relativo aos créditos perdoados – aqui se incluindo todos os créditos comuns, sejam eles de fornecedores, prestadores de serviços, credores comuns por salários, créditos comuns das instituições financeiras e bancárias e eventualmente outros não discriminados.

O tratamento diferenciado existe, unicamente, para créditos vincendos decorrentes de contratos de locação financeira e para instituições financeiras (créditos garantidos por hipotecas) e sociedades de garantia mútua, relativamente ao pagamento previsto para estas de juros remuneratórios e de 64,77% do valor em dívida em 120 prestações postecipadas, mensais, iguais e sucessivas, iniciadas no mês seguinte ao último mês de carência (24 meses de carência), com prestação bullet de 35,23% a pagar no fim do 12.º ano.

Tal tratamento diferenciado é justificado no plano:

- quanto aos créditos decorrentes de contratos de locação, uma vez que a propriedade dos bens é dos respetivos credores, devendo os contratos ser integralmente cumpridos para que a devedora possa manter o gozo dos bens em causa e assim continuar com a sua normal atividade;
- quanto aos créditos de instituições financeiras (garantidos por hipotecas) e sociedades de garantia mútua, no que ao pagamento dos juros remuneratórios diz respeito, tal resulta “do escopo prosseguido por essas mesmas instituições, pois a sua margem de negócio é precisamente o juros remuneratório que resulta das operações de financiamento” e quanto ao mais, pela necessidade da devedora manter o imóvel dado de garantia para a sua atividade;
- quanto à Autoridade Tributária e Segurança Social, uma vez que as condições previstas são impostas a todos os devedores.

Ou seja, o diferente tratamento conferido a certos credores, está objetivamente justificado no Plano.

Veja-se, aliás, que os credores comuns, como se salientou, não têm tratamento diferenciado e que este apenas é conferido a créditos garantidos e privilegiados, nos termos do artigo 47.º do CIRE (com exceção dos contratos de locação financeira, pelos motivos expostos no plano).

Ora, “ponderando que o PER tem como fim primordial a recuperação da empresa, a derrogação do princípio da igualdade dos credores é legítima num quadro de ponderação de interesses – o interesse individual por contraposição ao colectivo – se este se situar num patamar material e fundadamente superior em função dos direitos que devem ser salvaguardados, atendendo a sua relevância pública” – Acórdão do STJ de 25/03/2014, processo n.º 6148/12.1TBBRG.G1.S1 (Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.

Pode ler-se, ainda, no citado acórdão: “Esta constatação é indissociável do facto de estar nas mãos dos credores públicos e privados da insolvente o destino da empresa particular enquanto estrutura organizada de meios de produção, cujo funcionamento transcende interesses meramente privados de obtenção de lucro, seja para a empresa e para os seus sócios ou accionistas, já que o seu regular funcionamento cria e mantém postos de trabalho, gerando riqueza; isso implica que, nas concretas circunstâncias do caso, se atenue o princípio da igualdade, de outro modo, para satisfazer plena e imediatamente o interesse do recorrido, muito provavelmente, se impulsionaria a recorrente para o estado da insolvência com a muito provável liquidação, sendo que, no caso em apreço, aqueles entes públicos (no caso a Segurança Social e Autoridade Tributária) também abdicaram da intangibilidade dos seus créditos visando a recuperação da empresa (…) A parte final do art. 194º, nº1, do CIRE foi ditada por razões de ordem pública convocando o princípio constitucional da proporcionalidade”.

De igual modo vem salientado no Acórdão do STJ de 03/11/2015, processo n.º 863/14.2T8BRR.L1.S1 (Salreta Pereira), in www.dgsi.pt: “O princípio da igualdade dos credores (art. 194.º do CIRE) não é absoluto, pois permite, em consideração do princípio da prioridade na recuperação económica do devedor (n.º 1 do art. 1.º do mesmo código), que se adopte um tratamento diferenciado, conquanto o mesmo se justifique por razões objectivas”.

Em face das justificações apresentadas para a diferenciação no tratamento de credores, julga-se não se encontrar violado o princípio da igualdade previsto no artigo 194.º do CIRE, pelo que, na procedência da apelação, decide-se revogar a sentença recorrida, passando a homologar-se o plano de recuperação apresentado.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e homologando-se o plano de recuperação apresentado.
Custas pelo apelado.
***
Guimarães, 14 de fevereiro de 2019

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes