Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
524/11.4TBAMR-F.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
REMOÇÃO DO CABEÇA DE CASAL
INAPTIDÃO PARA O EXERCÍCIO DO CARGO DE CABEÇA DE CASAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Compete ao cabeça-de-casal a prática de todos actos exigidos pelo exercício dos seus poderes de administração da herança até sua partilha.

II- No exercício dessas funções o cabeça-de-casal pode praticar actos que, pela sua natureza continuada, poderão ser lesivos dos restantes interessados da herança, de molde a tornarem justificado que, uma vez demonstrados, se ponha fim à situação em ordem a acautelar os direitos daqueles.

III- Na situação de o património hereditário integrar estabelecimentos comerciais ou empresas, será necessário que quem as administra esteja à altura do cargo e possua as qualidades necessárias para o exercício e desempenho cabal de tais funções, de molde a praticar uma administração do património hereditário com competência, prudência e zelo, em ordem á salvaguarda dos direitos dos restantes herdeiros, que não devem ser prejudicados de forma grave e irreparável, sendo, por decorrência a actividade do cabeça de casal indissociável de uma boa e corrente gestão dessas empresas.

IV- Assim sendo, nessa situação, necessário se revela que se demonstre que o cabeça-de-casal não possui qualificação ou quaisquer conhecimentos profissionais ou de gestão que lhe permitam assegurar, pessoal e adequadamente, a boa administração das sociedades comerciais cujas participações sociais integram o acervo de bens da herança, em ordem ao preenchimento dos requisitos indispensáveis ao deferimento da providência cautelar de remoção do cabeça-de-casal solicitada ao Tribunal, nos termos estatuídos na alínea d), do nº 1, do art. 2086º do Código Civil.

V- E essa incompetência, enquanto inaptidão para o exercício do cargo, terá de decorrer da matéria de facto alegada e provada nos autos, ainda que em sede cautelar.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: A. R. e marido, D. M..
Recorrido: A. J..
Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Instância Local Cível de Amares, Secção de Competência Genérica, J1.

Nos presentes autos de inventário a que se procede por óbito de D. M., falecido em Amares, foi nomeada para exercer as funções de cabeça-de-casal A. J., melhor identificado nos autos, filho mais velho dos falecidos, nos termos dos arts. 1339º, do Código de Processo Civil e 2080, nº 1, alínea c), do Código Civil, tendo sido designado dia para o respectivo juramento.

Inconformados com esta decisão apelaram os Interessados A. R. e marido, D. M., sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraíram, em suma, as seguintes conclusões:

1. O presente recurso de apelação tem por objecto o douto despacho datado de 09 de Julho que declarou cessada a suspensão da instância e nomeou, sem mais, para o exercício do cargo de cabeça de casal nos presentes autos, o interessado A. J..
2. A discordância dos Recorrentes em relação ao despacho em crise contende, salvo o devido respeito, com o erro de apreciação e/ou julgamento que crêem ter sido cometido no que concerne à subsunção da realidade fáctica aos critérios jurídicos estabelecidos no art. 2080º do Código Civil para a escolha do cabeça do casal.
3. Em concreto, os Recorrentes discordam veementemente da escolha do interessado A. J. em detrimento da interessada A. R. para o exercício do cabecelato,
4. Porquanto crêem, salvo o devido respeito, que semelhante opção não traduz mais do que uma aplicação formalista e/ou remissão imotivada para o critério legal previsto no art. 2080º, nº 4 do Código Civil, referente ao “herdeiro mais velho”.
5. Desconsiderando por completo a excepção - e os factos que, no presente caso, comprovam inequivocamente a sua verificação - prevista na primeira parte desse normativo.
6. Dispõe o art. 2080º, nº 4 do Código Civil que o exercício do cargo de cabeça de casal será atribuído ao herdeiro mais velho em caso de “igualdade de circunstâncias” entre os diversos interessados.
7. Igualdade essa que não se verifica no caso sub judice.
8. Em primeiro lugar, enquanto os ora Recorrentes A. R. e D. M. detêm simultaneamente a qualidade de herdeiros legais e herdeiros testamentários da inventariada M. G..
9. O interessado, ora nomeado cabeça de casal, A. J., não obstante ser o herdeiro mais velho, não beneficia dessa dupla qualidade, assumindo-se tão só como herdeiro legal, na qualidade de descendente directo da de cujus.
10. Acresce que da relação de bens da herança constam trinta e duas verbas, sendo que a trigésima segunda configura o direito à aquisição do estabelecimento comercial “Farmácia ...”, na proporção de um terço, com o valor relativo de € 526.667,00,
11. Tendo, após licitação a que houve lugar, sido adjudicada, na proporção de 1/3 para cada um, aos ora Recorrentes, A. R. e D. M..
12. Esta verba assume um valor manifestamente superior ao montante relativo ao conjunto dos restantes bens que integram a herança,
13. Sendo certo que, uma vez que cada um dos ora Recorrentes terá direito a 1/3 do remanescente a partilhar, escusado será dizer que serão, a final, titulares de pelo menos 8/9 do estabelecimento comercial em apreço.
14. Equivale isto a dizer que também nesta medida os Recorrentes A. R. e D. M. não se encontram em posição paritária face ao interessado A. J., porquanto este, na melhor das hipóteses, só poderá vir a deter 1/9 daquele estabelecimento.
15. Para além disso, chamando à colação o critério previsto no art. 2080º, nº 3 do CC, não será de somenos salientar que, no decurso dos últimos anos de vida da de cujus, foi a aqui Recorrente e interessada, A. R., quem dela cuidou, vivendo em comunhão de vida, apenas não partilhando com carácter de permanência o mesmo tecto.
16. Como se tanto não bastasse, atendendo ao critério estipulado no art. 2187º, nº 1 do Código Civil quanto à interpretação das disposições testamentárias, constata-se que o teor do testamento feito pela de cujus, nos termos do qual, designando o agora falecido, seu genro, R. M., como seu cabeça de casal.
17. Teve o cuidado de deixar consignado que “no caso de ele falecer antes dela testadora (nomeia como testamenteira) esta mesma sua filha A. R.”.
18. Donde ressalta à evidência que, não obstante não ter cogitado a possibilidade de a Recorrente e interessada A. R. sobreviver ao seu marido e testamenteiro, a de cujus equacionou a hipótese de o testamenteiro R. M. falecer antes dela testadora.
19. Circunstância em que, sem qualquer margem para dúvida, deixou claro ser sua vontade que a sua filha e ora Recorrente, A. R., assumisse o cabecelato da herança.
20. Não tendo em momento algum colocado a possibilidade de atribuir esse cargo ao interessado A. J..

Sem prescindir,

21. Sem prejuízo do que ficou já exposto, dir-se-á ainda que à luz dos critérios de equidade e justiça material do caso concreto, afigura-se manifestamente contraproducente para a manutenção da boa gestão do património da herança, sobretudo da “Farmácia ..., que seja o interessado A. J. a assumir o cargo de cabeça de casal.
22. Com efeito, dada a sua total inexperiência na administração e gestão corrente do estabelecimento comercial - que, desde pelo menos 2011, tem vindo a ser irrepreensivelmente conduzida pela interessada A. R. em conjunto, até ao seu decesso, pelo seu marido e anterior cabeça de casal -.
23. É por demais evidente que aquele interessado não dispõe de idoneidade técnica para assumir a administração do bem de maior valor que integra o acervo hereditário.
24. Na verdade, ditam as regras do bom senso, da equidade e da justiça material que, pressuposto que o exercício do cabecelato implica, in casu, a assunção da gestão corrente da farmácia, essa escolha recaia sobre o herdeiro que detém a ciência, experiência e conhecimento necessários para o efeito.
25. Que, no caso concreto, será necessariamente aquele que desde há anos o tem vindo a fazer sem qualquer mácula, por manifesta vontade da de cujus, ou seja, a ora Recorrente A. R..
26. Sob pena de a inexperiência advinda de uma alteração abrupta na administração daquele património - como a que a nomeação feita nos presentes autos acarreta - ser susceptível de comportar um grave prejuízo para as contas do estabelecimento e, consequentemente, para todos os herdeiros.
27. Por último, importa ainda referir que em certas circunstâncias, por razões de conveniência e de oportunidade, especialmente da justiça concreta em que a equidade se funda, o julgador não está subordinado aos critérios normativos fixados na lei,
28. Pois que, como bem decorre do art. 1339º, nº 1 do CPC, tendo em vista uma solução justa e equitativa que nestes autos se impõe, o juiz pode colher as informações relevantes e necessárias com vista à nomeação para o cargo de cabeça de casal.
29. No caso sub judice, considerando todo o exposto, é firme convicção dos Recorrentes que, salvo o devido respeito por melhor e mais douta opinião, a nomeação do interessado A. J. para o exercício do cabecelato nos presentes autos de inventário configura um grave erro de mérito, devendo, por isso, o douto despacho em crise ser revogado e substituído por outro que, atendendo aos fundamentos ora invocados, invista nesse cargo a pessoa que, ademais de cumprir os restantes requisitos legais, melhor se coaduna com a vontade presumível da testadora e de cujus, ou seja, a ora Recorrente A. R..
*
O Apelado apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:

- Analisar da legitimidade e do cumprimento dos critérios de nomeação para o desempenho das funções de cabeça de casal.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A decisão recorrida tem o seguinte teor:

(…)
Declaro cessada a suspensão da presente instância devendo seguir os seus termos.
*
II - Nos presentes autos de inventário a que se procede por óbito de D. M., falecido em Amares, nomeio para exercer as funções de cabeça-de-casal A. J., melhor identificado nos autos, filho mais velho dos falecidos, nos termos dos arts. 1339º, do Código de Processo Civil e 2080, nº 1, alínea c), do Código Civil.
*
Para juramento designo o próximo dia 09/09/2019, pelas 10:00 horas.
Notifique.
(…)

Fundamentação de direito.

Como fundamento e, em síntese, da apelação que interpuseram alegam os Recorrentes que discordam da escolha do interessado A. J. em detrimento da interessada A. R. para o exercício do cabecelato, porquanto crêem que semelhante opção não traduz mais do que uma aplicação formalista e/ou remissão imotivada para o critério legal previsto no art. 2080º, nº 4 do Código Civil, referente ao “herdeiro mais velho”, desconsiderando por completo a excepção - e os factos que, no presente caso, comprovam inequivocamente a sua verificação - prevista na primeira parte desse normativo.

Na verdade, dispõe o art. 2080º, nº 4 do Código Civil que o exercício do cargo de cabeça de casal será atribuído ao herdeiro mais velho em caso de “igualdade de circunstâncias” entre os diversos interessados, igualdade essa, no entanto, que não se verifica no presente caso, quer porque enquanto os ora Recorrentes A. R. e D. M. detêm simultaneamente a qualidade de herdeiros legais e herdeiros testamentários da inventariada M. G., o interessado, ora nomeado cabeça de casal, A. J., não obstante ser o herdeiro mais velho, não beneficia dessa dupla qualidade, assumindo-se tão só como herdeiro legal, na qualidade de descendente directo da de cujus.

Por outro lado, da relação de bens da herança constam trinta e duas verbas, sendo que a trigésima segunda configura o direito à aquisição do estabelecimento comercial “Farmácia ...”, na proporção de um terço, com o valor relativo de € 526.667,00, tendo, após licitação a que houve lugar, sido adjudicada, na proporção de 1/3 para cada um, aos ora Recorrentes, A. R. e D. M., pelo que, tendo esta verba um valor manifestamente superior ao montante relativo ao conjunto dos restantes bens que integram a herança, uma vez que cada um dos ora Recorrentes terá direito a 1/3 do remanescente a partilhar, escusado será dizer que serão, a final, titulares de pelo menos 8/9 do estabelecimento comercial em apreço e o recorrido só poderá vir a deter 1/9 desse mesmo estabelecimento.

Acresce que, chamando à colação o critério previsto no art. 2080º, nº 3 do CC, não será de somenos salientar que no decurso dos últimos anos de vida da de cujus, foi a aqui Recorrente e interessada, A. R., quem dela cuidou, vivendo em comunhão de vida, apenas não partilhando com carácter de permanência o mesmo tecto.

Mais alega que atendendo ao critério estipulado no art. 2187º, nº 1 do Código Civil quanto à interpretação das disposições testamentárias, constata-se que o teor do testamento feito pela de cujus, nos termos do qual, designando o agora falecido, seu genro, R. M., como seu cabeça de casal, teve o cuidado de deixar consignado que “no caso de ele falecer antes dela testadora (nomeia como testamenteira) esta mesma sua filha A. R.”.

Em seu entender, daqui ressalta à evidência que, não obstante não ter cogitado a possibilidade de a Recorrente e interessada A. R. sobreviver ao seu marido e testamenteiro, a de cujus equacionou a hipótese de o testamenteiro R. M. falecer antes dela testadora, circunstância em que, sem qualquer margem para dúvida, deixou claro ser sua vontade que a sua filha e ora Recorrente, A. R., assumisse o cabecelato da herança.

Por fim alega ainda que à luz dos critérios de equidade e justiça material do caso concreto, afigura-se manifestamente contraproducente para a manutenção da boa gestão do património da herança, sobretudo da “Farmácia ..., que seja o interessado A. J. a assumir o cargo de cabeça de casal, pois, dada a sua total inexperiência na administração e gestão corrente do estabelecimento comercial - que, desde pelo menos 2011, tem vindo a ser irrepreensivelmente conduzida pela interessada A. R. em conjunto, até ao seu decesso, pelo seu marido e anterior cabeça de casal -, é por demais evidente que aquele interessado não dispõe de idoneidade técnica para assumir a administração do bem de maior valor que integra o acervo hereditário.

Antes entrar propriamente na análise do objecto da presente apelação, em ordem a explicitar as condicionantes com que este tribunal de recurso se debate para o proferimento da “melhor” decisão sobre a questão submetida à sua apreciação, afigura-se-nos pertinente tecer algumas considerações sobre aquela que entendemos ser a forma que, com maior aprofundamento das circunstância do caso, permitiria, indubitavelmente, uma decisão mais consistente e melhor fundamentada da questão em apreço.

Conforme se dispõe no actual artigo 1103 (anterior 1339), do C.P.C., “a substituição, a escusa e a remoção do cabeça de casal constituem incidente do processo de inventário, aos quais se aplicam as regras gerais dos incidentes da instância” – cfr. nº 2, do aludido preceito -, sendo que, “se for impugnada a legitimidade do cabeça de casal ou se for requerida a escusa ou a remoção deste, o inventário prossegue com o cabeça de casal designado, até ser decidido o incidente.

Daqui decorre que a impugnação da legitimidade, a escusa e a remoção da cabeça de casal constituem um incidente do processo de inventário, que se encontra subordinado às regras gerais dos incidentes, conforme expressamente resulta do disposto no artº 1103, nº 3, do C:P.C., estando, assim, estas pretensões sujeitas à obrigatoriedade de apresentação dos meios de prova com o respectivo requerimento, conforme impõe o artigo 293º, nº 1, do C.P.C., onde expressamente se prescreve que “no requerimento em que suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova”.

Ora, na presente situação, como resulta evidente, designadamente, da alegação de que no decurso dos últimos anos de vida da de cujus, terá sido a aqui Recorrente, A. R., quem dela cuidou, vivendo em comunhão de vida, bem como, da alegação de uma total inexperiência, por parte do Recorrido, na administração e gestão corrente do estabelecimento comercial, e que este contesta, alegando que além da experiência adquirida noutras áreas, até exerceu, voluntariamente funções na “Farmácia” em causa, além de ter sido gerente e sócio de um “armazém de medicamentos” (distribuição), estamos perante uma factualidade que para adquirir verdadeira relevância não se basta com a mera alegação, carecendo, isso sim, de que se proceda à sua demonstração, sob pena de não poderem ser convenientemente valorados, pois só o poderão ser na estrita medida em que tenham sido admitidos, o que não é o caso.

Na verdade, e exemplificando, fica assim por esclarecer se, de facto, o cabeça de casal nomeado, é uma pessoa totalmente inexperiente na gestão de estabelecimento, ou se, como alega, tem larga experiência nesta área, e, designadamente, no âmbito da actividade farmacêutica e actividade com esta conexa.

Ora, nada disto assim sucederia se, ao invés de ter sido interposta apelação, tivesse sido suscitado o incidente para substituição da cabeça de casal nomeado, com o arrolamento dos indispensáveis e necessários meios de prova visando a demonstração de toda a factualidade alegada.

Mas não foi este o caminho, e com as condicionantes existentes urge tomar posição e decidir a questão suscitada, luz dos à dos factos relevantes e dos citérios legais aplicáveis.

Ora, e em primeiro lugar cumprirá referir que grande parte da fundamentação em que alicerça a sua pretensão de substituição do cabeça de casal nomeado, não se mostra de qualquer relevância para os efeitos pretendidos designadamente:

- O facto de o interessado, ora nomeado cabeça de casal, A. J., não obstante ser o herdeiro mais velho, não beneficiar da dupla qualidade de herdeiro legal e testamentário, do estabelecimento comercial “Farmácia ...”;
- Ter a farmácia um valor manifestamente superior ao montante relativo ao conjunto dos restantes bens que integram a herança;
- E o facto de a farmácia, com o valor relativo de € 526.667,00, ter, após licitação a que houve lugar, sido adjudicada, na proporção de 1/3 para cada um, aos ora Recorrentes, A. R. e D. M., que, por isso, serão titulares de pelo menos 8/9 do estabelecimento comercial em apreço e o recorrido só poderá vir a deter 1/9 desse mesmo estabelecimento.

Resta assim o argumento dos Recorrentes, de que à luz dos critérios de equidade e justiça material do caso concreto, se lhe afigurar contraproducente para a manutenção da boa gestão do património da herança, sobretudo da “Farmácia ..., que seja o interessado A. J. a assumir o cargo de cabeça de casal, pois, dada a sua total inexperiência na administração e gestão corrente do estabelecimento comercial.

Na verdade, sendo irrelevantes, os demais aspectos supra referidos, à luz do regime legal aplicável, como critérios de aferição da legitimidade e legitimação para o desempenho das funções de cabeça de casal, resta apenas este último aspecto, pois, como e bem refere o Recorrido, não há mapa informativo da partilha aberta por óbito do falecido D. M., não há sentença homologatória de tal partilha transitado em julgado, os Recorrentes não pagaram ainda um cêntimo que fosse a título de eventuais tornas, e, por decorrência, não podem ser reconhecidos como possuindo qualquer direito de uma qualquer quota ou percentagem na “Farmácia ...”.

Ora, pese embora se considere que “sendo o património hereditário constituído por estabelecimentos comerciais ou empresas, pode dizer-se que essa actividade é indissociável da boa e corrente gestão dessas empresas” e que “por conseguinte, quem as administra deve estar à altura do cargo, e possuir as qualidades necessárias para o exercício e desempenho cabal de tais funções, e ser capaz de administrar o património hereditário com competência, prudência e zelo, sob pena de prejudicar séria, grave e irreparavelmente os direitos dos restantes herdeiros”(1), como incontornável resulta igualmente que, não obstante, se desconhecer se isto assim será, ou seja, se como alega o interessado A. J., terá abundante experiência de gestão no âmbito da actividade farmacêutica e actividades conexas, ou se, pelo contrário, como aduzem os Recorrentes, terá uma total inexperiência na administração e gestão corrente desse estabelecimento comercial, o certo é que nada consta dos autos que permita afirmar e concluir pela sua total inexperiência, incapacidade ou inidoneidade, ou seja, que permita afirmar que se não está perante uma pessoa suficientemente qualificada para efectuar uma boa gestão da farmácia em referência.

Todavia, como se refere no citado Acórdão da Relação de Lisboa, se é certo que “no exercício dessas funções a cabeça-de-casal pratica actos que, pela sua natureza continuada, poderão ser lesivos dos restantes interessados da herança, a exigir, por conseguinte, que uma vez verificadas tais circunstâncias, se ponha termo a essa situação para se acautelar os eventuais direitos daqueles”, uma vez que se demonstre que que o “(…) cabeça-de-casal não possui qualificação ou quaisquer conhecimentos profissionais ou de gestão que lhe permitam assegurar, pessoal e adequadamente, a boa administração das sociedades comerciais cujas participações sociais integram o acervo de bens da herança, aberta por óbito de seu pai, preenchidos se mostram os requisitos indispensáveis ao deferimento da providência cautelar de remoção do cabeça-de-casal solicitada ao Tribunal, nos termos estatuídos na alínea d), do nº 1, do art. 2086º do Código Civil” (2).

E, como conta da fundamentação deste Acórdão, “(…) a herança é uma “universitas juris” representada, enquanto subsiste, pelo cabeça-de-casal, a quem cabe a administração da herança até à sua liquidação e partilha, nos termos que constam do art. 2079º do CC.
E no exercício de tal cargo compete à cabeça-de-casal a prática de todos os actos que se mostrem indispensáveis à administração dos bens, neles se incluindo a movimentação de todos os depósitos bancários constituídos ao tempo da abertura da herança, e existentes nas contas correntes bancárias, a cobrança de quaisquer dívidas activas da herança, a aplicação e distribuição de rendimentos e a gestão de todo o património que a integre – cf. arts. 2089º, 2087º, 2092º e 2093º, todos do CC.
E sendo o património hereditário constituído por estabelecimentos comerciais ou empresas pode dizer-se que essa actividade é indissociável da boa e corrente gestão dessas empresas. A exigir, por conseguinte, que quem as administra esteja à altura do cargo, e possua as qualidades necessárias para o exercício e desempenho cabal de tais funções e que seja capaz de administrar o património hereditário com competência, prudência e zelo.
Sob pena de poder ser removido do cargo de cabeça-de-casal.
Com efeito, a lei comina com a sanção da remoção, sem prejuízo de outras sanções que ao caso couberem, todo o cabeça-de-casal que, nomeadamente, “não administrar o património hereditário com prudência e zelo” – alínea b), do nº 1, do art. 2086º do CC – e “revelar incompetência para o exercício do cargo” – alínea d) da mesma norma.

A este propósito pode ler-se em Antunes Varela e Pires de Lima, que a incompetência pressupõe que a pessoa nomeada revele, no desempenho do cargo, não possuir a--s qualidades necessárias para o preenchimento da função que lhe foi confiada (3). (4)
Igual incompetência revelará se com a sua conduta ameaçar lesar os interesses dos restantes herdeiros.
E essa incompetência, enquanto inaptidão para o exercício do cargo, terá de decorrer da matéria de facto alegada e provada nos autos, ainda que em sede cautelar.

Ora assim sendo, e em decorrência de tudo o exposto, nada estando comprovado que seja passível de colocar em causa capacidade ou a idoneidade do cabeça de casal nomeado, ou seja, que permita afirmar que se não está perante uma pessoa suficientemente qualificada para efectuar uma boa gestão da farmácia em referência, improcede a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes.
Guimarães, 5/ 03/ 2020.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.


1. Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 14/02/2013, proferido no processo nº 1309/12.6TVLSB-A.L1-8, in www.dgsi.pt.
2. Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa citado na nota anterior.
3. Cf. Antunes Varela e Pires de Lima, in “Código Civil Anotado”, IV Vol., pág. 145.
4. Cfr. Acórdão citado na nota 4.