Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
348/17.5T8VCT.G2
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
DEVER DE INFORMAÇÃO
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I- No âmbito do “depósito bancário” estabelece-se uma relação obrigacional complexa, de confiança mútua dominada pelo “intuitus personae”, que impõe à instituição financeira padrões profissionais e éticos elevados, traduzidos em deveres de proteção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa fé (cfr. arts. 227º, n.º 1 e 762º, n.º 2, do C. Civil; e arts. 73º e segs. do D.L. n.º 292/98, de 31.12, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – RGICSF), mormente, deveres de diligência e cuidado, deveres de alerta, aviso, advertência e prevenção para certos riscos e sua repartição, deveres de informação, deveres de descrição, sigilo ou segredo profissional, cuja inobservância ou violação poderá pôr em causa a “uberrima fides” do cliente e o “intuitus personae” da relação e originar a responsabilidade da instituição financeira imprudente ou não diligente.

II- Um dos deveres por que se concretiza o instituto dito “culpa in contrahendo” é o de informar, o qual será tanto mais intenso e extenso quanto maior for a complexidade do contrato e da realidade, por ele envolvida; assim como quanto mais inexperiente ou ignorante for a contraparte.

III- A responsabilidade do “intermediário financeiro”, aludida no art. 314º, do CVM, trata-se de uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do C. Civil; constituindo fonte de tal responsabilidade designadamente a violação do “dever de informação” a que estão obrigados os Bancos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

S. F. e esposa Maria intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco A, S.A., através da qual pedem que:

a) Se condene o Banco réu a pagar aos Autores a quantia de € 150.000,00, acrescida dos juros de mora contados desde a data acordada para o respetivo reembolso (09/05/2016) até à instauração da ação, que perfazem a quantia de € 4.389,04 e dos juros legais vincendos contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;

Ou, caso assim se não entenda, que:

b) Se declare nulo o contrato de emissão de obrigações subordinadas S. Rendimento Mais 2 – S. 2006 dos autos e, consequentemente, ser o Banco Réu condenado a restituir/pagar aos Autores a quantia de € 150.000,00, acrescida dos juros de mora contados desde a data acordada para o respetivo reembolso (09/05/2016) até à instauração da ação, que perfazem a quantia de € 4.389,04 e dos juros legais vincendos contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;
c) Se declare nulo qualquer eventual contrato de adesão que o Réu invoque para ter aplicado, em obrigações subordinadas S. Rendimento Mais 2 – S. 2006, os € 150.000,00 que os Réus lhe entregaram;
d) Se declare ineficaz em relação aos Autores a aplicação que o Réu tenha feito desse montante;
e) Se condene o Réu a restituir aos Autores os € 150.000,00 que lhe entregaram e ainda não receberam, acrescida dos juros de mora contados desde a data acordada para o respetivo reembolso (09/05/2016) até à instauração da ação, que perfazem a quantia de € 4.389,04 e dos juros legais vincendos contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;

E sempre que:

f) Se condene o Réu a pagar a cada um dos Autores a quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos, num total de € 10.000,00, acrescida dos respetivos juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegaram os autores para tanto, e em síntese, que realizaram operação bancária de subscrição de obrigações por indicação do Banco Réu, sendo que este omitiu aos clientes, ora os Autores, as características do produto e os riscos que ele comportava.

Deve, pois, o Banco Réu indemnizar os Autores, indemnização correspondente ao capital investido e não resgatado de € 150.000,00, acrescido de juros, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data acordada para o respetivo reembolso (09.05.2016), até efetivo e integral pagamento. Também sendo nulo o identificado contrato de aplicação financeira, isso obriga o Banco Réu a restituir e pagar aos Autores o capital de € 150.000,00, acrescido dos juros à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data acordada para o respetivo reembolso (09.05.2016), até efetivo e integral pagamento.
O Banco réu apresentou contestação, excecionando a incompetência territorial, invocando a ineptidão da petição inicial e a prescrição do direito dos AA e por fim impugnando os factos alegados por estes, tendo concluído pela procedência das exceções invocadas e, caso assim não se entenda, pela improcedência da ação.
Os autores ainda responderam, tendo concluído pela improcedência das suscitadas exceções.

Foi proferido despacho saneador, julgando-se improcedentes as exceções dilatórias invocadas pelo Banco réu, fixando-se de seguida o objeto do litígio e selecionando-se os temas de prova (cfr. fls. 60 a 62).

Procedeu-se à realização da audiência final.

Na sequência, por sentença de 9 de Janeiro de 2017, veio a julgar-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, decidiu-se “condenar o R. no pagamento aos AA da quantia de € 152.000,00 (€150.000,00 + €1.000,00 + €1.000,00), acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde 9/5/2016 sobre o capital de € 150.000,00 (danos patrimoniais), e desde a data da presente decisão sobre o capital de € 2.000,00 (danos não patrimoniais).

Inconformado com o assim decidido, veio o réu (Banco A, S.A.) interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

I. Com base nas declarações da testemunha C. C., nos trechos do seu depoimento acima transcritos, bem como na documentação junta com a contestação entende o Recorrente que deveriam ter sido dados como não provados os factos constantes dos pontos 24, 25, 27, 33, 34, 39, 43, 46, 56, 57, 62, 65, 68, 73, 75, 76 e 77 da matéria de facto dada como provada.
II. Deveria ainda ter sido dado como não provados os factos 26, 29 e 74 dos factos dados como provados uma vez que nenhuma prova foi produzida relativamente aos mesmos.
III. Deverá também ser eliminado o facto 67 uma vez que se trata de uma conclusão pelo que não deveria constar do elenco de factos provados.
IV. Com base nos mesmos elementos de prova deveria ainda ter sido dado como provado o seguinte facto: “i) - Foi transmitido à Autora que o produto em questão se tratavam de obrigações emitidas pela S., empresa que detinha o Banco, facto que transmitia ao produto em causa uma segurança adicional, sendo transmitido que quem garantia o capital era o grupo S..”
V. O Tribunal a quo condenou o Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter dito ao Autor que a aplicação financeira tinha “garantia de capital e juros” no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa.
VI. O uso dessa expressão apenas pode ser visto como referencia à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.
VII. É utópico pretender ver nessa singela referência qualquer espécie de garantia absoluta do investimento, até porque essa garantia não existe.
VIII. Mesmo que se compare o investimento efetuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo – essa garantia não existe, sobretudo até considerando que uma hipótese de insolvência da instituição bancária sempre redundaria na cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos que, à data do investimento se cifrava em apenas 25.000,00 euros, o que seria fraco consolo para ressarcir uma perda de investimento de 100.000,00 euros.
IX. O Tribunal a quo parece considerar que a aplicação financeira era afinal um “produto de risco”, pelo facto do Autor não ter recebido o capital investido no final do prazo.
X. Porém esse raciocínio é uma falácia, pois confunde a causa com a consequência. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco.
XI. Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.
XII. As obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu, detendo-o até a 100%.
XIII. O investimento efetuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
XIV. Pelo que o investimento efetuado era então adequado a alguém como o Recorrente.
XV. A sentença recorrida merece censura por tratar indistintamente os deveres que incidem sobre o intermediário financeiro, sem cuidar de perceber o momento ou o negócio a que dizem respeito e em função do qual devem ser cumpridos.
XVI. Os deveres de informação podem ser categorizados segundo o momento em que devem ser cumpridos (informação pré-contratual ou informação contratual) ou também segundo a estrutura própria dos negócios de intermediação financeira.
XVII. Trata-se, em suma, de sistematizar os deveres de informação, consoante se referem: i) ao negócio de cobertura – a saber, o contrato de intermediação propriamente dito celebrado entre o intermediário financeiro e o cliente –; ii) ao negócio de execução – a saber, os contratos que o intermediário celebra com terceiros com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo negócio de cobertura, ou até mesmo os contratos celebrados entre o cliente e o terceiro, com intermediação do intermediário –; iii) ao instrumento financeiro propriamente dito.
XVIII. Esta segmentação do dever de informação pode ser claramente vista no corpo do nº 1 do art. 312º do CdVM, donde resulta que os deveres de informação aí previstos dizem respeito ao negócio de cobertura, com exceção da alínea d) do referido nº 1 que se refere aos instrumentos financeiros propriamente ditos.
XIX. O art. 312º do CdVM serve como verdadeiro índice programático dos deveres de informação que são aí genericamente afirmados, para depois serem densificados nos preceitos seguintes. Por isso, não tem qualquer cabimento a alegação do Recorrente de que o Recorrido violou as disposições vertidas no art. 312º nº 1 alíneas d) e e). A afirmação desses deveres não assume qualquer autonomia, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
XX. A menção do art. 312º n.º 1 alínea e) quanto aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira, enquanto negócio de cobertura e não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si. Por isso o art. 312º nº 1 alínea e) em nada se relaciona com a situação aqui em crise, de nada servindo a sua invocação para aí estribar um ilícito do Banco Réu.
XXI. O dever de informação previsto no art. 312º n.º 1 alínea d) do CdVM respeitante aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas é depois densificado no art. 312º-E nºs 1 e 2.
XXII. A referência do nº 1 deste artigo à natureza do instrumento financeiro refere-se às características e funcionamento do instrumento financeiro.
XXIII. O que, no caso presente, foi suficientemente cumprido pelo Banco Recorrido, conforme resulta da boa análise da matéria de facto provada.
XXIV. A menção do art. 312º-E nº 1 do CdVM quanto aos riscos do tipo do instrumento financeiro remete para o nº 2 do mesmo preceito, onde o legislador esclareceu a que riscos se refere e sobre os quais está o intermediário financeiro obrigado a informar o investidor, desde que tais riscos sejam aplicáveis, claro está, ao tipo de instrumento financeiro escolhido para o investimento.
XXV. Nos termos da lei, são estes e apenas estes os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o intermediário financeiro tem que prestar informação.
XXVI. Os riscos a que se refere o art. 312º-E nº2 são riscos endógenos e próprios do tipo de instrumento financeiro e não motivados por quaisquer fatores extrínsecos aos mesmos.
XXVII. Ora, o investimento sobre que versa o presente processo foi feito em Obrigações e é, portanto, um investimento de baixo risco por se tratar de investimento não sujeito a qualquer volatilidade.
XXVIII. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco da perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, porque não é inerente ao produto!
XXIX. E não se confunda o cumprimento do dever de informação quanto ao risco da perda da totalidade do investimento com a necessidade de advertência do investidor sobre os riscos de incumprimento pelo obrigado da obrigação de compra decorrente do cumprimento da opção de venda, ou sequer com qualquer advertência sobre uma hipotética insolvência desse mesmo obrigado.
XXX. É que essa característica excludente do risco de perda da totalidade do investimento em nada se confunde ou exclui o risco geral de incumprimento de toda e qualquer obrigação.
XXXI. De facto, esse é um RISCO GERAL e latente de toda e qualquer obrigação e não qualquer risco específico do tipo de instrumento financeiro escolhido e, portanto, não se insere naquela previsão do art. 312º-E nº 2 alínea a).
XXXII. A redação do CdVM anterior à DMIF era muito mais ligeira na obrigação de informação do intermediário financeiro.
XXXIII. E, então, não estava sequer tão densificado o dever de informação, conforme hoje resulta das disposições dos arts. 312º-A a 312º-G, que apenas foram aditadas com o já referido D.L. 357-A/2007 de 31/10.
XXXIV. À data da subscrição das Obrigações, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)!
XXXV. Para além disto, a anterior redação do CdVM apenas afirmava no art. 323º uma regra geral quanto ao dever de informação nos negócios de execução, donde resultava a obrigação do intermediário informar o cliente sobre a execução e resultados da operação, da ocorrência de dificuldades especiais na execução ou a inviabilidade da operação, ou de qualquer circunstância que pudesse justificar a modificação ou revogação da ordem.
XXXVI. Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redacção do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
XXXVII. O incumprimento do dever de informação implica uma presunção de culpa do intermediário financeiro, nos termos do art. 304º-A nº 2 do CdVM, porém não existe qualquer presunção de ilicitude a este respeito, cabendo portanto ao lesado e aqui Autor alegar e provar o que concretas informações é que o Réu deveria ter dado que não deu.
XXXVIII. O que, como não foi feito, condena a presente ação ao fracasso.
XXXIX. A ideia que fica de toda a prova produzida é que a referência que foi feita pelo funcionário do Banco Réu à garantia de capital e juros tinha que ver com o modo de funcionamento da aplicação financeira (que não estava sujeita a volatilidade de preço/cotação no termo do prazo) e que, findo o prazo de investimento, haveria o retorno integral do capital, acrescido dos juros.
XL. A expressão garantia tem que ver por isso com um retorno certo do capital e não com qualquer caução que o Banco prestasse.
XLI. E aliás diga-se que, o próprio funcionário do Banco associou essa garantia de capital e juros com o reembolso dos títulos ser efectuado ao valor nominal acrescido dos respectivos juros na data de vencimento de cada emissão, conforme consta da nota informativa!
XLII. Fica assim suficientemente esclarecido o que o funcionário pretendia dizer!
XLIII. Ora, esta expressão do funcionário do Banco Réu tem também que ser vista no contexto em que foi proferida. De facto, no início do 2008 ainda não tinha deflagrado a crise financeira de Setembro de 2008 (com a falência do LB). Nessa altura não era vulgar o incumprimento das obrigações assumidas em títulos, ou a insolvência dos emitentes.
XLIV. Por isso, esse risco não era algo que o público em geral tivesse consciência e que se buscasse certificar ou fosse necessário elucidar.
XLV. E a informação a prestar pelo intermediário financeiro tem que ser prestada segundo o critério objetivo previsto no art. 312º-A, n.º 1 alínea c) do CdVM, ou seja, de forma a ser percetível pelo destinatário médio.
XLVI. Nada obrigando a que o intermediário financeiro tenha, para além do dever de informar, o dever também de se assegurar que o investidor compreendeu a informação!
XLVII. Por tudo isto é necessário concluir que o Banco Réu agiu sem culpa.
XLVIII. Não está provado que se tenha tornado total ou parcialmente impossível receber o montante investido pelo Autor nas Obrigações S..
XLIX. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º n.º 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber da S. e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.
L. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave.
LI. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário do Banco Réu nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do Autor.
LII. Terá havido portanto (e quando muito) uma indução do Autor em erro, sem que por parte do funcionário do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se portanto de uma indução negligente em erro –.
LIII. Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente -, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida.
LIV. A decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º, 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE.

Finaliza, pedindo que se altere a decisão sobre a matéria de facto nos termos expostos, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se o recorrente do pedido deduzido pelos autores.
Ainda que não se entenda, sempre com base na matéria de facto dada como provada na 1ª instância, deverá ser revogada a decisão recorrida, absolvendo o recorrente do pedido deduzido pelos autores.
Juntou ainda pareceres jurídicos.
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Os autores apresentaram contra-alegações, tendo concluído pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pelo réu recorrente.
- Na sequência, saber se deverá ser realizada outra nova interpretação e aplicação do Direito à factualidade apurada, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1. O Banco Réu foi constituído em 1993 e a sua transformação em banco comercial deu-se no ano de 1998.
2. Em 27/10/1999 foi criada a sociedade X, SGPS, S.A., que integrava o capital do X, S.A., que era o seu principal ativo.
3. Na data da subscrição dos produtos em causa nos autos, a sociedade X, SGPS, SA. era detida na totalidade pela S., SGPS, SA (hoje G. SGPS), designada nestes autos holding S. SGPS.
4. A holding S., SGPS (hoje G. SGPS) era, pois, a proprietária do Banco X, aqui Banco Réu, pois era a única e exclusiva acionista do X, SGPS.
5. Desde a sua constituição em 1993, que o Banco réu se dedica ao “exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos”, conforme se constata da certidão permanente do registo comercial.
6. Em 11 de Novembro de 2008, foi publicada a Lei n.º 62-A/2008, nos termos da qual, no dia 12 de Novembro, o Estado Português se apropriou de todas as ações representativas do capital social do Banco X, S.A., pessoa coletiva n.º ...3, através de um regime jurídico de apropriação pública por via da nacionalização.
7. O X, pessoa coletiva n.º ...3 mantém a mesma denominação, atividade económica e natureza jurídica, mas, nacionalizado.
8. Até Dezembro de 2012, o Banco Réu, pessoa coletiva n.º ...3, tinha e usava a denominação “X - Banco X, S.A.” e o seu objeto social era a atividade bancária (cfr. certidão permanente do registo comercial).
9. Em Dezembro de 2012, através de uma operação de fusão por incorporação, a pessoa coletiva n.º ...3 (sociedade incorporante), mantendo o objeto social original, incorpora os ativos e passivos do Banco A, pessoa coletiva n.º ...0 (sociedade incorporada) e altera a denominação para “Banco A, S. A.” tendo ocorrido transferência global do património da sociedade incorporada para o Banco Réu, operação essa registada pela Ap. 101/2012/1207 (cfr. certidão permanente do registo comercial).
10. A denominação social do Banco Réu foi alterada para Banco A, S.A., por razões de ordem logística, de marketing e comercial, por ser do interesse das sociedades participantes que, em virtude da referida fusão, o X passasse a adotar a denominação social “Banco A, S. A.”, pelo que, presentemente, a pessoa coletiva ...3 tem e usa a denominação de Banco A, S. A.
11. Por sua vez, a holding S., SGPS, SA, passou a denominar-se G., SGPS.
12. Os autores são clientes do Banco Réu, antes denominado X, S. A., desde 17 de Abril de 2000, data em que procederam à abertura de conta na agência de Viana do Castelo, conta essa titulada por ambos, domiciliada no balcão de Viana do Castelo, destinada a uso pessoal e para depósito de poupanças dos Autores.
13. Depois da abertura da conta, os autores sempre contactaram e foram atendidos pelo funcionário do Banco, Sr. C. C., em quem confiavam plenamente.
14. Por vezes contactaram e foram atendidos por outros funcionários do Banco e pelo próprio gerente, Sr. T., em quem também confiavam, pois consideravam que todos eles, sem exceção, eram competentes e demonstravam conhecimentos técnicos e aptidão para as funções que desempenhavam na atividade bancária.
15. O Autor marido nasceu em 09/07/1944, tem como habilitações a 4.ª classe e sempre exerceu a profissão de madeireiro; a Autora mulher nasceu em 1945 e tem como habilitações a 4.ª classe e sempre foi doméstica.
16. Devido à confiança que faziam naquele funcionário, com quem contactavam sempre que necessário fosse para tratar de qualquer assunto relacionado com o Banco que lhes dissesse respeito, os autores depositaram naquela conta, destinada a uso pessoal e para depósito de poupanças, várias quantias de dinheiro.
17. Relativamente a assuntos bancários, os autores sabiam o que eram depósitos à ordem ou a prazo, sua rentabilidade e nada mais; nada sabiam acerca de aquisição, subscrição, venda e compra de ações ou outros valores mobiliários.
18. Os autores são pessoas cautelosas, prudentes, que vivem do seu trabalho e sempre tiveram em vista fazer poupanças que lhes permitam não só viver o dia a dia com dignidade, mas também garantir o seu próprio futuro e, sempre que possível, ajudar os filhos e netos.
19. Sempre tentaram obter remuneração das suas poupanças mas sem riscos de perder o seu “dinheiro” que conseguiram aforrar graças ao seu esforço e trabalho.
20. O Banco réu e o gerente e todos os funcionários do balcão de Viana do Castelo, principalmente o Sr. C. C., sabiam deste modo de ser e de proceder dos autores.
21. Conheciam da situação financeira, das disponibilidades e poupanças dos Autores desde a altura da abertura das contas de que eram titulares.
22. Sabiam que os Autores tinham mais do que € 150.000,00 em depósitos a prazo.
23. Em 12 de Abril de 2006, a Autora esposa deslocou-se ao Banco réu, então X, em Viana do Castelo, a fim de tratar de assunto relacionado com as contas de depósitos bancários de que eram titulares, que, atento o tempo passado, não sabe ao certo concretamente, podendo ter sido fazer um depósito de dinheiro, ou consulta aos movimentos de conta ou requisitar cheques.
24. Foi atendida pelo funcionário Sr. C. C. que, após tratar do assunto que a levou a deslocar-se ao banco, lhe comunicou que o banco tinha uma aplicação financeira nova, que era um depósito a prazo ou como um depósito a prazo e tão garantido como um depósito a prazo, com uma rentabilidade bastante boa, com uma taxa de juro anual de 4,5%, mais alta do que os outros depósitos a prazo, de capital garantido.
25. Aquele funcionário incentivou a aconselhou a Autora esposa a subscrever aquela aplicação, com capital totalmente garantido, como um depósito a prazo, com uma taxa anual nominal bruta de 4,5% (taxa anual efetiva líquida de 3,632%) nos primeiros 10 semestres e, nos restantes 10 semestres, seria de 1,75%, acrescida da Euribor a 6 meses.
26. Mais informou a Autora esposa que aquela aplicação era por dez anos, mas que podia levantar o dinheiro a partir do 5° ano.
27. Mas que, se necessário fosse, poderia levantar o dinheiro mesmo antes do 5° ano, mas tinha que avisar o Banco com algum tempo de antecedência.
28. Mais informou que os juros se venceriam de seis em seis meses e seriam creditados pelo Banco Réu na respetiva conta à ordem de que os Autores eram titulares.
29. O funcionário do Banco Réu sabia que os Autores apenas pretendiam aplicações de depósito a prazo, com capital e juros garantidos, sem qualquer risco e que pudessem ser levantadas a qualquer momento.
30. Tanto o gerente como os funcionários do Banco sabiam que os Autores sabiam o que era depósitos à ordem ou a prazo mas não tinham conhecimentos relativamente a outras aplicações financeiras, mercados financeiros ou de capitais.
31. Assim como sabiam que nunca fariam aplicações que comportassem riscos ou que tanto o valor como o rendimento não estivessem totalmente seguros.
32. O funcionário acima referido, conhecedor de tudo isto, informou e incentivou a Autora esposa nos termos acima indicados.
33. Assim, o funcionário do Banco, por ordens e instruções dos seus superiores, assegurou à Autora esposa que aquela aplicação era idêntica a um depósito a prazo, de capital garantido, sem qualquer risco, remunerado e que tanto o capital como os juros estavam totalmente assegurados pelo Banco Réu.
34. Mais foi dito pelo funcionário que o facto de o valor da aplicação estar depositado em depósito a prazo, que se vencia em 17 de Abril de 2006, não era problema pois tudo era feito de forma que não houvesse penalização ou perda de rendimento de juros para os autores, o que, de facto, veio a acontecer.
35. A Autora esposa perguntou por várias vezes se aquela aplicação era segura e não comportava qualquer risco e referiu várias vezes que apenas aplicaria o seu dinheiro em depósitos a prazo que fossem garantidos, sem risco de perder o dinheiro.
36. O funcionário reafirmou, por várias vezes, que o capital era garantido, não havia qualquer risco de o perder, que não havia dúvidas e que podia confiar naquela aplicação.
37. Os Autores tinham depositado no Banco Réu a quantia de € 150.000,00, em conta de depósito a prazo, que se ia vencer em 17 de Abril de 2006.
38. A Autora esposa concordou com a aplicação nos termos sugeridos e nas condições e garantias que lhe foram indicadas.
39. Para fazer a aplicação, logo naquele momento o referido funcionário do Réu preencheu um documento, que solicitou à Autora esposa que o assinasse, o que fez, sem lhe ter sido lido, sem lhe ter sido explicado o seu conteúdo e sem o ler.
40. O referido funcionário e o gerente do Banco trataram de todas as formalidades necessárias ao levantamento dos € 150.000,00 dos depósitos a prazo que os autores tinham e sua transferência para a conta à ordem e canalizaram todo esse dinheiro para a aplicação financeira sugerida.
41. Aquele valor foi debitado na conta à ordem dos Autores em 08/05/2006 sob a denominação Compra PTS.RMAIS2E.
42. Aquele capital correspondia à maior parte do dinheiro que tinham amealhado ao longo da vida e pretendiam com ele garantir o seu futuro para quando se reformassem ou para ajudar os filhos, caso precisassem.
43. Assim, a Autora esposa estava convencida que se tratava de uma aplicação como se fosse depósito a prazo, de acordo com as informações que lhe haviam sido prestadas.
44. Não lhe foi dito nem explicado que se tratava de obrigações subordinadas, nem o significado, nem o risco de tais obrigações; nem lhe deram qualquer documento dessa operação financeira.
45. Os Autores foram recebendo os juros daquela aplicação, semestralmente, como havia sido informado à Autora esposa, o que ainda mais lhes transmitiu segurança relativamente àquela aplicação.
46. Para os Autores aqueles € 150.000,00 constituíam um depósito no Banco Réu, que este teria de lhes restituir logo que tal lhe fosse solicitado ou no final do prazo de 10 anos se dele não tivessem necessidade.
47. Sendo certo que tal quantia até aparecia nos extratos que os Autores foram recebendo do Banco.
48. Os juros devidos pela aplicação (para os Autores depósito a prazo), foram sendo pagos até 08/05/2015.
49. Porém, o Banco não pagou aos Autores os juros daquele depósito a prazo que se venceram em 08/11/2015, facto que levou a Autora esposa a deslocar-se à agência do Banco em Viana do Castelo, logo que constatou aquela falta, o que aconteceu durante o mês de Novembro de 2015, a fim de saber quais as razões dessa falta de pagamento.
50. Nessa altura foi-lhe explicado pelo funcionário que a atendeu que aquele dinheiro tinha sido aplicado em 3 obrigações, de € 50.000,00 cada, denominadas S. Rendimento Mais 2 - S. 2006, com todas as consequências que daí advêm para os respetivos titulares e que os Autores só podiam receber aquele dinheiro se alguém comprasse as obrigações, pois o Banco não iria proceder ao pagamento.
51. Tais obrigações foram subscritas pela Autora esposa em 12 de Abril de 2006 e encontram-se depositadas no Banco Réu, em nome do Autor S. F..
52. Mais informaram que o Banco Réu se recusava expressamente a restituir aos titulares deste produto o capital na data acordada para o resgate, o que ocorreu em de 9 de Maio de 2016.
53. Para os Autores o capital de € 150.000,00 estava disponível à primeira solicitação da sua parte, o que nunca sucedeu por nunca terem dele necessitado.
54. Os Autores estavam convencidos que à data do vencimento da aplicação (09/05/2016), o valor que aplicaram àquela taxa de juro lhes seria entregue na totalidade.
55. O Réu, nas pessoas dos seus funcionários, nunca explicou e omitiu aos Autores que, caso a entidade detentora das obrigações viesse a ter problemas económicos ou financeiros, poderia haver a possibilidade, ainda que pouco provável, de não receberem o capital investido.
56. O Banco Réu, através do funcionário que convenceu a Autora esposa a efetuar aquela aplicação, como o gerente, sabia que os Autores jamais aceitariam efetuar qualquer aplicação caso fossem previamente informados de que poderia haver a possibilidade de não receberem o capital na data do respetivo vencimento.
57. O funcionário do Réu, por instruções superiores da sua administração, apresentou à Autora este produto como sendo um depósito a prazo ou equivalente, totalmente garantido pelo Réu.
58. Os funcionários do Réu diziam aos clientes que se tratava de um investimento seguro.
59. O Autor marido não assinou nem preencheu qualquer documento relativo à subscrição daquele produto.
60. Os Autores não receberam na data acordada para o resgate (09/05/2016), os € 150.000,00 que entregaram em 8 de Maio de 2006.
61. A restituição daquela quantia a qualquer momento era essencial para os Autores e os funcionários do Réu, nomeadamente o Sr. C. C., estavam disso cientes.
62. Para os Autores aquele montante de € 150.000,00 esteve sempre num depósito bancário ou como tal, nas suas contas bancárias no Banco Réu X, hoje Banco A, S.A., não estava sujeito a qualquer risco de perda, era remunerado a uma taxa de juro anual não inferior a 4,5% e teria liquidez imediata.
63. Porém, o produto “S. Rendimento Mais 2 - S. 2006” é um produto financeiro complexo, cuja rentabilidade depende, em parte e a partir do 5º ano, da variação do valor do indexante, a Euribor a 6 meses, com risco de perda total ou parcial do capital investido, com elevado risco de conflito de interesses, por ligações de domínio entre o emitente e o colocador e sem qualquer possibilidade de acompanhamento de rating da emitente durante 10 anos.
64. Aos Autores não foi transmitido nenhum destes riscos nem lhes foi fornecida qualquer ficha informativa do produto, prospeto ou informações deste empréstimo obrigacionista subordinado, nem dos riscos gerais de subscrição de instrumentos financeiros, nem as informações respeitantes à atividade de intermediação financeira exercida pelo Réu.
65. Aquelas obrigações conferem aos Autores um direito de crédito sobre uma sociedade anónima, não cotada em bolsa ou qualquer outra entidade, a holding S., SGPS (hoje G. SGPS), que não conheciam e acerca da qual nunca lhes foi dada qualquer informação pelo Banco Réu.
66. Durante os anos de 2005 a 2012, o Réu concedeu ao produto cotação de 100%.
67. O Réu sabia que aquele produto não se adequava ao perfil de investidor dos autores, que nunca admitiriam qualquer tipo de risco na aplicação.
68. Só em Novembro de 2015 é que tiveram conhecimento da natureza e características do produto “S. Rendimento Mais 2 - S. 2006”, de acordo com as suas capacidades, produto que eles ainda não sabem bem o que é mas sabem (agora) ser de risco elevado.
69. Nunca o Banco Réu ou os seus funcionários se identificaram perante os Autores como intermediários financeiros, através do registo coletivo ou individual junto da entidade competente ou de qualquer outra forma.
70. Nunca o Banco Réu ou os seus funcionários prestaram aos Autores informações acerca dos riscos de investimento em valores mobiliários ou instrumentos financeiros, nem prestaram informação completa, específica, séria e verdadeira sobre o risco que aquela subscrição S. Rendimento Mais 2 - S. 2006 envolvia.
71. O Diretor da Zona Centro do Banco Réu, Dr. J. P., difundiu pela rede comercial do Banco a mensagem eletrónica constante de fls. 30 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, dirigida aos gestores da zona centro e que foi difundida pela rede de balcões.
72. Nunca o Banco Réu entregou os Autores qualquer informação ou advertência que indicasse a operação em causa.
73. Caso o Banco Réu tivesse informado os Autores que aquele produto tinha aquelas características, nunca teriam aplicado ou depositado no Banco o seu dinheiro, pois nunca quiseram correr riscos.
74. Os Autores nunca receberam comunicações da sociedade holding S., SGPS, agora G. SGPS, S A. e nunca tiveram qualquer contacto direto ou indireto com a mesma.
75. O Banco Réu vendeu aqueles produtos, com a sua marca, como sendo depósitos a prazo seus ou equivalente, com a menção e referência de capital e juros garantidos, assumindo perante os clientes, os Autores, a devolução das quantias entregues e o pagamento de juros, criando nos mesmos a convicção de que devolveria o valor, com garantia do banco, logo que lhe fosse solicitado.
76. E, só por isso, a Autora esposa concordou em entregar e entregou ao Banco Réu, nas condições que se descreveram, a quantia de € 150.000,00.
77. Sempre foi dito à Autora esposa que era depósito a prazo ou seguro como um depósito a prazo e garantido pelo Banco Réu.
78. A G., SGPS, SA (antes S.) não tem condições financeiras para pagar aos Autores e foi declarada insolvente por sentença proferida em 29/06/2016, no processo n.º 23449/15.0T8LSB, Comarca de Lisboa, Inst. Central, 1ª Secção Comércio - J4 (cfr. doc. n.º 2, fls. 31 e verso).
79. Nesse processo de insolvência foram reclamados créditos no valor de € 1.735.169.273,67.
80. Toda a situação descrita causou aos Autores instabilidade emocional: viveram e vivem em constante preocupação, angústia e ansiedade, pois têm receio de não mais receber aqueles € 150.000,00, poupanças de uma vida, que tinham gerido a contar com aquele montante no seu património.
81. Pensam nisso constantemente, o que lhes provocou e provoca tristeza, ansiedade, exasperação e noites mal dormidas e depressão. (1)
*
FACTOS NÃO PROVADOS

2. Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a boa decisão da causa, designadamente que:

2.1 O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.
2.2 Os Autores sempre foram pessoas informadas, meticulosas e ciosas do seu investimento e património.
2.3 Em Maio de 2004, os Autores foram informados de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu - a S., SGPS, S.A. -, e que o reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa do X - Banco X, S.A. a partir do 10° ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
2.4 Foram ainda informados que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso, o que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade.
2.5 O Banco Réu atuou de acordo com o que os Autores de facto quiseram e lhe expressaram, ou seja subscrever aqueles € 150.000,00 em obrigações subordinadas S. 2006.
2.6 Até porque os AA pretendiam rentabilizar o seu investimento nesta modalidade, devido às taxas que o mesmo proporcionava.

Mais se consignou que: “O Tribunal não se pronuncia sobre os restantes factos alegados de cariz conclusivo, juízos e de mera impugnação aos considerados provados.”
*

IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso apresentadas pelo Banco recorrente, refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida.

Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.

Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação. (2)

Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que “ Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “(…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso).

Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto.

Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida).

Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Assim, como salienta Abrantes Geraldes (3), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”. (4)

Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior.

Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos. (5)

Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir.

No caso em apreço, o recorrente cumprindo, no essencial, os apontados requisitos formais, pretende a alteração da decisão que incidiu sobre a factualidade dada como provada e não, de modo que a factualidade contida nos nºs 24, 25, 27, 33, 34, 39, 43, 46, 56, 57, 62, 65, 68, 73, 75, 76 e 77 dos factos provados deverá ser dada como não provada.

Para o efeito, o recorrente invoca que se deverá dar especial relevo ao depoimento da testemunha C. C., bem como na documentação junta com a contestação.

Entende igualmente que deverá ser dado como não provada a factualidade inserta sob os nºs 26, 29 e 74 dos factos provados, na medida em que nenhuma prova foi produzida relativamente a tal factualidade.

Por sua vez, deverá ser eliminado o facto provado n.º 67, pois que se trata de uma mera conclusão.

Por último, com base nos mesmos elementos de prova, deverá ainda considerar-se como provada a seguinte factualidade:

i) Foi transmitido à Autora que o produto em questão se tratavam de obrigações emitidas pela S., empresa que detinha o Banco, facto que transmitia ao produto em causa uma segurança adicional, sendo transmitido que quem garantia o capital era o grupo S..

Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pelo recorrente, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.

Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (6), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.

Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente.

Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada.

Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (7), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil. (8)

De facto, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil).

Como refere Miguel Teixeira de Sousa (9), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.”

Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz de 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha.

Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.

Deste modo, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (10)

Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. (11)

Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pelo recorrente.

O tribunal a quo considerou como provado a apontada factualidade ora impugnada, salientando para, o efeito, designadamente o seguinte:

Quanto aos factos provados desde logo na prova documental junta aos autos pelas partes, em especial o teor da comunicação electrónica de fls. 30 e vº; anúncio da insolvência da "G., SGPS, SA" de fls. 31; na ficha de assinaturas dos AA no Banco R. de fls. 48 e vº; no boletim de subscrição do produto financeiro em causa de fls. 49 e 50; extracto da conta bancária dos AA de fls. 125 a 129 vº.

Quanto à prova testemunhal foi essencial a 1ª parte do depoimento da testemunha C. C., funcionário do Banco R. desde 1999 e gestor dos clientes AA e que, de forma espontânea, directa e sincera, esclareceu e elucidou que a A. esposa como cliente do Banco pediu sempre rentabilidade para as suas poupanças "mas com segurança"; descrevendo que na altura a maior parte das subscrições era de capital garantido ("em todos os produtos tivemos indicações superiores de que o capital estava seguro e era garantido"; "o que era transmitido ao cliente é que, apesar da aplicação, tinha sempre o dinheiro disponível", tendo contactado a A. esposa para lhe dar a conhecer e propor o produto financeiro em causa, tendo esclarecido que "a O. Maria sempre acreditou naquilo que lhe dissemos", tendo subscrito o produto por indicação e confiança no depoente, e tendo sido feito o pagamento dos juros até Maio de 2015, em Novembro desse ano os juros não foram pagos por parte da S., "tendo sido nesta data e por força dessa falta de pagamento que ela se apercebeu que algo não estava bem". Mais à frente no seu depoimento declarou de forma relevante que: "se ela (Autora) soubesse que havia um mínimo de risco não tinha subscrito o produto". Quando, em Novembro de 2015, tomou a A. conhecimento esclarecido da natureza e características verdadeiras do produto confirmou esta testemunha que viu a A. aflita e angustiada para saber como havia de contar ao marido toda a situação, designadamente que o dinheiro aforrado não se encontrava numa conta de depósito a prazo.

Quanto à "2ª parte", perante questões suscitadas pela defesa "refinou" o seu depoimento da forma pretendida pelo Réu, mas que não logrou convencer o Tribunal sobre a ocorrência efectiva no caso em apreço dos factos que "refinou", designadamente quando referiu que informou a A. que lhe estava a vender obrigações da S., que era um produto da casa mãe do X, muito embora admitindo ter-lhe também dito que "o risco da subscrição era igual ao de um depósito a prazo; que era um produto a 10 anos, mas que a qualquer altura podia levantar o dinheiro, desde que avisasse com antecedência". Não foi credível ou convincente na parte que referiu que disse à A. que a faculdade de ter o dinheiro investido a qualquer altura ocorria "desde que fosse transmitido a outro cliente". Admitindo contudo que quando a A. soube da nacionalização do X tentou levantar o dinheiro (finais de 2008, princípio de 2009), e não tendo o depoente conseguido comprador descansou-a dizendo-lhe que "iria correr bem" "que tinha de aguardar pela evolução da S.".

Relativamente às restantes testemunhas inquiridas, indicadas pelos AA, embora familiares próximos dos mesmos, de forma objectiva, conhecimento directo e isento referiram que a A. esposa apercebeu-se que "tinha sido enganada" quando em Novembro de 2015 atentou que não lhe tinham sido pagos os juros, tendo sabido então que o investimento que havia feito não se tratava de um depósito a prazo; descreveram a A. como sendo uma pessoa doméstica, de parcos conhecimentos, com a 4a classe, e o A. marido tendo a profissão de madeireiro, esgotando o seu tempo no trabalho, "no monte", sendo a A. mulher quem tratava dos assuntos dos bancos; que os AA não têm qualquer perfil de investidores de risco de montantes elevados, "eles só aplicariam o dinheiro se soubessem que não estavam em risco", nem sequer sabem o que são acções ou obrigações, apenas sabendo o que são depósitos a prazo; que a A. esposa apenas assim procedeu no investimento em causa porque tinha plena confiança nos funcionários do Banco. Referiram que toda esta situação perturbou bastante os AA, que andam angustiados e preocupados, devido à possibilidade de perderem as poupanças de uma vida de trabalho ou a incerteza de serem restituídos dessas poupanças, e especialmente a A. esposa quando soube finalmente as características do investimento em finais de 2015, tendo andado amargurada, perturbada e angustiada sem saber como contar ao marido a "gestão" que havia feito das poupanças.

Quanto aos factos não provados, considerou o Tribunal não ter sido feita prova suficiente sobre os mesmos.

Como é fácil de ver, a exposição dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir pela verificação da factualidade incluída nos factos provados é, no seu essencial, lógica e completa, seguindo sempre um raciocínio consistente.

Segundo aqueles princípios de imediação, oralidade e livre apreciação da prova, o tribunal a quo analisou a fase inicial ou a 1ª parte do depoimento da testemunha C. C., retirando a convicção de que o mesmo depoimento se revelou, nesse segmento, espontâneo, direto e esclarecedor, descrevendo ainda algumas passagens desse mesmo depoimento.

Já no que se refere à 2ª parte do mesmo depoimento, extraído em sede de questões suscitadas pela defesa, considera que a testemunha “refinou” o seu depoimento da forma pretendida (sugerida) pelo Banco réu, não logrando, porém, convencer o tribunal sobre a ocorrência efetiva dos factos que “refinou”, designadamente quando referiu que informou a autora que estava a vender obrigações da S., que era um produto da casa mãe do X.

Ouvidos os depoimentos gravados, desde já se salienta que o tribunal a quo não incorreu em nenhuma infidelidade em relação aos depoimentos prestados pelas testemunhas que identificou na motivação sobre a decisão da matéria de facto, em especial do depoimento da referida testemunha C. C..

De facto, o depoimento desta testemunha revelou-se mais consentâneo com as regras de experiência comum e verosimilhança dos factos, na fase inicial do mesmo, designadamente a questões suscitadas pelo advogado dos autores, sendo certo igualmente que, do conjunto do depoimento prestado por esta mesma testemunha, em conjugação com os documentos juntos com a contestação, não vislumbramos em que medida é que o Banco réu fundamenta a sua pretensão em ver dado como não provada a factualidade incluída sob os nºs 24, 25, 27, 33, 34, 39, 43, 46, 56, 57, 62, 65, 68, 73, 75, 76 e 77.

Realce-se, neste circunspecto, que o Banco réu sequer cuidou de fazer uma análise crítica e cuidada da prova produzida, limitando-se a descrever algumas passagens do depoimento da testemunha C. C., para daí retirar a simples conclusão de que toda a impugnada matéria factual deveria ter sido dada como não provada (cfr. 1º parágrafo de fls. 165 verso).

Ademais, é patente do depoimento da indicada testemunha que a mesma limita-se a responder afirmativamente (“Sim, era obrigações da S.”; “Exatamente”), a perguntas claramente sugestivas colocadas pelo mesmo causídico, entrando ainda em algumas incongruências em relação ao tipo de explicações que deu à autora, aquando a comercialização do produto financeiro em causa (“Esse tipo de explicação não …”) (cfr. 19.20 a 20.55 m do seu depoimento gravado).
Entende igualmente o recorrente que deverá ser dado como não provada a factualidade inserta sob os nºs 26, 29 e 74 dos factos provados, na medida em que nenhuma prova foi produzida relativamente a tal factualidade.

Não partilhamos igualmente desta posição assumida pelo recorrente, tanto mais que a factualidade em causa resulta abundantemente do depoimento da indicada testemunha C. C., tal como aliás emerge da fundamentação do tribunal a quo sobre a decisão da matéria de facto no que se refere à mesma testemunha, na parte em que o seu depoimento se revelou credível, em conjugação com as declarações de parte prestadas pela autora.

Por último, cumpre igualmente rejeitar a pretensão reclamada pelo apelante no que se refere à exclusão da factualidade incluída no n.º 67 dos factos provados, tanto mais que a mesma, contrariamente ao defendido pelo apelante, não se mostra conclusiva; antes se refere ao perfil de investidores dos autores, abundantemente confirmado pelo depoimento da testemunha C. C., e com particular relevo para a decisão da causa.

Analisámos, pois, toda a prova produzida e gravada, em especial o depoimento da apontada testemunha C. C., assim como toda a prova documental junta, e da mesma não foi possível, de facto, concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente aos pontos de facto impugnados.

Na sequência, porque claramente contraditória com a matéria de facto provada e por não haver sido feita prova, suficientemente cabal e credível, nesse sentido, não há lugar ao aditamento nos factos provados do aludido ponto i), conforme o pretendido pelo apelante.
Daqui resulta, em suma, que este tribunal ad quem não possui qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, que se mostra assim inalterável face à prova produzida.

Soçobra, assim, integralmente a pretensão recursiva de alteração da decisão sobre a matéria de facto apresentada pelo recorrente.
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B) Da nova fundamentação de direito

Não obstante as considerações jurídicas trazidas aos autos pelo Banco recorrente nas suas alegações de recurso, afigura-se-nos evidente que a preconizada alteração do decidido na sentença recorrida, no que concerne à interpretação e aplicação do Direito, em especial para a total improcedência da ação, pressupunha necessariamente o prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apresentada pelo recorrente, sendo sintomático disso mesmo o elevado número de pontos de facto provados, cuja alteração/transferência para a matéria de facto não provada é reclamada pelo recorrente.

De todo o modo, consideramos que a sentença recorrida cuidou de efetuar, no seu essencial, uma correta subsunção jurídica à factualidade dada como assente.

António Meneses Cordeiro (12) afirma que: “um dos deveres por que se concretiza o instituto dito culpa in contrahendo é o de informar. Trata-se mesmo de um dever envolvente: a própria deslealdade analisa-se, afinal, numa falta de informação. O dever de informar in contrahendo assume as mais diversas configurações: tudo depende do contrato em jogo.
(…) À partida, o dever de informação tenderá a abranger tudo quanto, pela natureza da situação considerada, não seja conhecido pela contraparte. Assim ele será tanto mais intenso quanto maior for a complexidade do contrato e da realidade, por ele envolvida.
Em termos descritivos, o dever de informar poderá recair: sobre o objeto do contrato (…); sobre aspetos materiais conexos com esse objeto (….); sobre a problemática jurídica envolvida (…); sobre perspetivas contratuais ou sobre condutas relevantes de terceiros (…); sobre a conduta do próprio obrigado (…).
O dever de informar não é, apenas, conformado pelos elementos objetivos acima enunciados.
(…) A doutrina e a jurisprudência têm vindo a focar o relevo da pessoa da contraparte nessa conformação. Ou seja: o dever de informar é tanto mais intenso e extenso quanto mais inexperiente ou ignorante for a contraparte.

Sendo assim, atuando no campo do direito privado, as instituições bancárias sujeitam-se, em princípio, ao dispositivo dos arts. 227º, n.º 1 e 762º, n.º 2, do C. Civil: devem nas fases pré-contratuais e no cumprimento dos contratos atuar de boa-fé.
Para além deste dever geral de boa-fé existem normas específicas dirigidas à atividade bancária.

O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante designado RGICSF) aprovado pelo D.L. n.º 289/92, de 31.12, contém um título (Título VI) dedicado às regras de conduta das instituições de crédito.

Assim, decorre do disposto no art. 73º do RGICSF (13) que: “As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.

O art. 74º do RGICSF estabelece que: “Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

E o art. 76º do mesmo diploma legal, estabelece que “os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que neles exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores”.

No âmbito da legislação da defesa do consumidor Lei n. 24/96, de 31.07 (14) (doravante designada por LDC) – consagra, mormente, nos seus artigos 3.º e 9.º a defesa dos interesses económicos dos consumidores.

Na verdade pelo art. 3º da LDC é visível todo um conjunto de direitos do consumidor, entre os quais se destacam a informação para o consumo e a proteção dos interesses económicos – cfr. als. d) e e).

Por sua vez, o art. 8º da LDC define sob o n.º 1 que: “O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente sobre as características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico”.

O n.º 4 do art. 8º da LDC estipula que: “Quando se verifique falta de informação, informação insuficiente, ilegível ou ambígua que comprometa a utilização adequada do bem ou do serviço, o consumidor goza do direito de retractação do contrato relativo à sua aquisição ou prestação, no prazo de sete dias úteis a contar da data de recepção do bem ou da data de celebração do contrato de prestação de serviços”.

O n.º 1 do art. 9º da mesma LDC define que: “O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos”.

No que se refere aos valores mobiliários, como princípio geral, estabelece o art. 312º do Código dos Valores Mobiliários (aprovado pelo D.L. 486/99, de 13.11) (15) que:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral”. (sublinhámos)

Especificamente sobre o “dever de informar”, dispõe o art. 7º do CVM que:

1- Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
2- O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco. (…).

De acordo com o disposto no art. 304º, do mesmo Código, estipula-se que:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.(…) ”

Esta norma (art. 304º, do CVM) consagra um padrão de culpa que transcende o critério fixado no n.º 2 do art. 487º do C. Civil, que tem como referência uma pessoa média, mas consiste antes no sujeito diligentissimus, em virtude de serem exigíveis a estas instituições os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam. (16)

Por último, estipula o disposto no art. 314º do citado CVM que:

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”. (sublinhámos).

Face à factualidade dada como assente, poderemos afirmar, desde logo, que entre os autores e o Banco réu existia uma relação contratual já devidamente consolidada, demonstrado como ficou que os autores são clientes do Banco réu, desde Abril de 2000, data em que aqueles procederam à abertura de conta na agência de Viana do Castelo, daquele Banco.

Podemos assim, salientar que os autores, ao abrirem a mencionada conta bancária junto do Banco réu, celebraram com o mesmo um contrato de “depósito bancário”, o qual se entende, dominantemente, como sendo um depósito irregular (cfr. art. 1205º, do C. Civil e art. 407º, do C. Comercial), aplicando-se-lhe, na medida do possível, as normas relativas ao mútuo, conforme decorre do disposto no art. 1206º, do C. Civil, nomeadamente a norma prevista no art. 1144º, do C. Civil, de acordo com a qual a coisa mutuada (mais propriamente depositada) se integra desde logo na propriedade do mutuário, o que importa para o depositário a obrigação de restituir “outro tanto do mesmo género e qualidade” (art. 1142º do C. Civil), ou seja, in casu, restituir numerário em quantitativo igual ao depositado. (17)

Face a esta transferência de domínio do dinheiro depositado para o depositário, o risco pelo destino da coisa depositada, passa a recair sobre o Banco depositário, nos termos do disposto nos arts. 1144º e 796º, n.º 1, do C. Civil, salvo se for devido a causa imputável ao depositante. (18)

Daqui resulta que o risco que recai sobre o Banco depositário na integridade do depósito só não subsistirá quando houver culpa relevante do depositante que se sobreponha ou anule a responsabilidade do Banco. Tendo havido incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, ao Banco incumbe provar que agiu sem culpa e que o mesmo se deveu a causa imputável ao depositante.

Por outro lado, seguindo de perto a opinião de Calvão da Silva (19), no âmbito do “depósito bancário”, estabelece-se uma relação obrigacional complexa e duradoura, assente na estreita confiança pessoal entre as partes (uberrima fides), que pode originar, mesmo no silêncio do contrato, a responsabilidade contratual da instituição financeira imprudente ou não diligente, se não cumprir, entre outros, em consonância com os ditames da boa fé (art. 762º, n.º 2, do C. Civil), os deveres de informação ou de proteção dos legítimos interesses do cliente.

Na concordância com tal posição doutrinária, vem igualmente sendo defendido pela jurisprudência do STJ que esta especial relação obrigacional complexa, de confiança mútua dominada pelo intuitus personae, impõe à instituição financeira padrões profissionais e éticos elevados, traduzidos em deveres de proteção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa fé (cfr. arts. 227º, n.º 1 e 762º, n.º 2, do C. Civil; e arts. 73º e segs. do D.L. n.º 292/98, de 31.12, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – RGICSF), mormente, deveres de diligência e cuidado, deveres de alerta, aviso, advertência e prevenção para certos riscos e sua repartição, deveres de informação, deveres de descrição, sigilo ou segredo profissional, cuja inobservância ou violação poderá pôr em causa a uberrima fides do cliente e o intuitus personae da relação e originar a responsabilidade da instituição financeira imprudente ou não diligente. (20)

Particularizando a responsabilidade do “intermediário financeiro” veio igualmente a jurisprudência maioritária do STJ caraterizá-la como contratual; salientando-se, de entre outros, o Ac. STJ de 06.02.2014 (21), onde se defende que “a responsabilidade do intermediário financeiro, in casu um Banco, a que alude o artigo 314º do CVM é uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do C.C; sendo certo que constitui “fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os Bancos”.

Também, no Ac. STJ de 17.03.2016 (22) defende-se que: “Tendo o Banco réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação, torna-se responsável pelos prejuízos causados ao autor, nos termos do art. 314.º n.º 1 do Código de Valores Mobiliários, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o n.º 2 do citado art. 314.º e que impende sobre o Banco Réu.

É fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os Bancos, definido no artigo 75º, n.º 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12 (artigo 77º, n.º 1 e 5, em face das redações introduzidas pelos DL n.º 1/2008 e 211-A/2008).

Trata-se de uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, e que aqui qualificamos como responsabilidade contratual, aplicando-se em consequência o regime do art. 799.º do CC.” (23)

Nos termos do disposto no art. 799º, n.º 1, do C. Civil, cabe assim ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.

Neste particular, Menezes Cordeiro (24) refere que estamos perante uma dupla presunção de ilicitude e culpa: “Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa.”
Precisando o mesmo Autor, que, “na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente ou, de modo mais lato, na de vínculos obrigacionais específicos, a simples falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade”.

Assim, “numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado: joga, contra ele, a presunção de “culpa” – portanto de” faute” ou de culpa/ilicitude – prevista no artigo 799.º/1 do Código Civil. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de excusa.”

Justificando a estrutura obrigacional do dever de informar, afirma que, “numa situação que relacione particularmente duas pessoas – culpa in contrahendo ou execução contratual, por exemplo – as partes são levadas a confiar uma na outra. Quando o façam elas baixam as suas defesas naturais, tornando-se mutuamente vulneráveis. Gera-se uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. (…)
Por isso se gera uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância.

Aqui chegados cumpre dizer, que, em face da factualidade dada como assente, o Banco réu não cuidou de cumprir com os apontados deveres a que estava obrigado para com os autores, mormente com o apontado “dever de informação”.
Antes assegurou, através do seu funcionário C. C., que estávamos perante um produto de “capital e juros totalmente garantidos e sem qualquer risco” (cfr. designadamente nºs 24, 25, 33, 36, 57, 58, 75 e 77, dos factos provados), o que bem sabia não corresponder à verdade.

Por outro lado, conhecia bem o Banco réu que aquele produto não se adequava ao perfil de investidor (não qualificado ou não profissional) dos autores, que nunca admitiriam qualquer tipo de risco na aplicação financeira em causa e que só a aceitaram efetuar convencidos que estavam, de acordo com a informação que lhe fora transmitida por aquele funcionário, que estávamos perante uma aplicação financeira com capital garantido e sem qualquer tipo de risco (cfr. designadamente nºs 18, 19, 20, 29, 30, 31, 32, 35, 43, 46, 54, 56, 67 e 76, dos factos provados).

Outrossim, o Banco réu ocultou informação importante aos autores no que se refere às caraterísticas da aplicação financeira em causa, designadamente que estávamos perante uma aplicação em “obrigações subordinadas”, incluindo os riscos de mercado e de capital inerentes à mesma operação (cfr. designadamente nºs 44, 55, 64, 70 e 72, da factualidade dada como assente).
Deste modo, o Banco réu desconsiderou por completo o perfil de cliente dos autores, que conhecia há vários anos, agindo, pois, com culpa grave. (25)
Não fora aquela informação deficiente e incompleta prestada pelo Banco réu, os autores não teriam aceitado proceder à aplicação financeira em causa, sendo, pois, a conduta do Banco réu causadora dos danos em causa (art. 563º, do C. Civil).

Incorreu pois o Banco réu em responsabilidade pré-contratual ou contratual, com o consequente dever de indemnizar pelos danos causados (cfr. arts. 227º, n.º 1, 798º, 799º e 800º, n.º 1, do C. Civil), já que, ilicitamente, não cuidou de cumprir a sua obrigação contratual, designadamente violando deveres de diligência, de informação e de cuidado pelos interesses que lhe foram confiados e a que estava contratual e legalmente obrigado (cfr. os já citados arts. 73º, 74º e 76º do RGICSF; 8º e 9º, n.º 1, da LDC; e 7º, n.º 1, 304º, 310º, n.º 1, 312º e 314º do CVM).

Na sequência, incumbirá ao Banco réu a obrigação de indemnizar os autores pelos danos sofridos, correspondendo esta, em termos patrimoniais, pelo menos, ao valor integral do capital investido (art. 564º, n.º 1, do C. Civil).

Termos em que deverão improceder todas as alegações de recurso do Banco réu, mantendo-se a decisão recorrida.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a apelação apresentada pelo Banco réu, confirmando-se, pois, a sentença recorrida.

Custas pelo apelante (art. 527º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil).
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Guimarães, 30.05.2018

António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Alves Flores


1. Os seis últimos parágrafos (nºs 76 a 81) constavam do n.º 75, mas foram devidamente numerados, conforme as alegações de recurso do Banco réu e para melhor descrição dos factos provados.
2. Por todos, neste sentido, vide Ac. STJ de 01.10.2015, proc. n.º 6626/09.0TVLSB.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt.
3. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, pág. 164.
4. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165.
5. Abrantes Geraldes, ob. citada, pág. 166.
6. Ob. citada, págs. 274 e 277.
7. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 569, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.”
8. O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil.
9. Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
10. Vide, neste sentido, por todos, Acs. do STJ de 03.11.2009, proc. n.º 3931/03.2TVPRT.S1, relator Moreira Alves; e Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. n.º 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
11. Cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609.
12. In Manual de Direito Bancário, Almedina, 3ª edição, págs. 358-359.
13. Sempre na redação aplicável à data dos factos.
14. Também na versão aplicável à data dos factos.
15. Igualmente na versão aplicável à data dos factos.
16. Neste sentido, cfr. Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro, Almedina, 2008, pág. 210.
17. Por todos, vide Ac. do STJ de 09.02.1995, CJ STJ, Ano III, 1995, Tomo I, págs. 75 e segs.
18. Neste sentido, vide, por todos, Antunes Varela, Depósito Bancário, in Revista da Banca, n.º 21, pág. 47; e Acs. do STJ de 21.05.1996, CJ STJ, Ano IV, 1996, Tomo II, págs. 82 e segs, e Ac. do STJ de 02.03.1999, proc. n.º 99A016, relator Ferreira Ramos, acessível em www.dgsi.pt.
19. In Direito Bancário, Almedina, 2001, págs. 334 a 336.
20. Neste sentido, cfr. por todos, Ac. STJ de 18.12.2008, proc. n.º 08B2688, relator Santos Bernardino; e Ac. STJ de 16.09.2014, proc. n.º 333/09.0TVLSB.L2.S1, relator Paulo Sá, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
21. Proc. n.º 1970/09.9TVPRT.P1.S1, relator Granja da Fonseca, acessível em www.dgsi.pt.
22. Proc. n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, disponível em www.dgsi.pt.
23. No mesmo sentido, cfr. por todos, Ac. STJ de 10.01.2013, proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1, relator Tavares de Paiva, disponível em www.dgsi.pt.
24. Ob. cit., págs. 313-315.
25. No mesmo sentido, cfr. Ac. RG de 11.01.2018, proc. n.º 401/16.2T8BGC.G1, relator João Diogo Rodrigues; e Ac. RC de 23.01.2018, proc. n.º 4327/16.1T8VIS, C1, relator Fernando Monteiro, acessíveis em www.dgsi.pt.