Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5149/19.3T8GMR-A.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: PROCESSO EXECUTIVO
REMUNERAÇÃO DO AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO ADICIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No tocante ao sistema de remuneração do agente de execução é de concluir que a Portaria nº 282/2013, de 29.8, consagra um sistema misto, constituído por uma remuneração fixa, calculada em função dos atos praticados no processo nos termos da tabela do anexo VII (art. 50º, nº 1), e por uma remuneração variável, calculada nos termos da tabela do anexo VIII, que constitui a remuneração adicional (art. 50º, nº 9).
II - A remuneração adicional, na medida em que acresce à remuneração fixa devida pela atividade do agente de execução no processo e constitui um prémio pela atividade desenvolvida, sendo instituída como incentivo para que o mesmo tenha uma atividade que potencie a eficácia e eficiência da recuperação e garantia do crédito, só é devida desde que tal finalidade seja concretamente alcançada, ou seja, desde que exista um nexo de causalidade entre a concreta atividade desenvolvida e a obtenção, para o processo executivo, de valores recuperados ou garantidos ao exequente.
III - Tal remuneração adicional não é devida de forma automática por os valores serem pagos ou recuperados depois da prática de atos pelo agente de execução, mas sem que entre uns e outros exista qualquer nexo de causalidade, mas tão só uma mera sequência cronológica.
IV – Numa situação em que o pagamento é feito extrajudicialmente, em data posterior à da realização da penhora, é de considerar que não existe nexo de causalidade entre a penhora efetuada pelo AE e o pagamento, mas tão só uma mera sucessão cronológica de atos, se anteriormente à própria instauração da ação executiva a seguradora já tinha dado início aos procedimentos administrativos com vista ao pagamento, designadamente emitindo o recibo de indemnização cuja assinatura e posterior devolução solicitou à exequente como condição para efetuar o pagamento.
V – Por isso, dada a inexistência do necessário nexo de causalidade entre a realização da penhora efetuada pelo AE e o posterior pagamento extrajudicial, não é devida a remuneração adicional.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

No âmbito da execução que A. F. instaurou contra Seguradoras ..., S.A., veio o Sr. agente de execução (doravante AE) apresentar conta corrente discriminada da execução.
*
Notificada da referida conta, veio a executada apresentar reclamação da nota de despesas e honorários apresentada pelo AE, considerando, entre questões, que não é devida ao AE a remuneração adicional de € 9 202,17 constante da rubrica 1.4, uma vez que a penhora efetuada pelo AE em nada contribuiu para a realização do pagamento devido à exequente posto que o auto de penhora foi elaborado em 20.9.2019 e o pagamento foi feito pela executada em 18.9.2019, ou seja, em data anterior, na sequência de um recibo de pagamento de 26.8.2019.
*
A exequente e o AE exerceram o contraditório sobre a reclamação apresentada, pugnando pelo seu indeferimento.
*
Foi proferido despacho que se pronunciou sobre as várias questões suscitadas na reclamação, considerou não ser devida qualquer quantia a título de remuneração adicional por o pagamento extrajudicial ter ocorrido anteriormente à efetivação da penhora e terminou com o seguinte teor decisório:
Por tudo o supra exposto, decide-se julgar procedente a reclamação apresentada e, em consequência determinar que o Sr. SE, em 10 dias, apresente nota rectificada em conformidade com o acima enunciado.
*
O AE não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.º - O Tribunal a quo, por despacho datado de 03/02/2020, com a Referência 167017047, decidiu, para alem do mais, que:
“Ora, como já se referiu, em 18/09/2019, a executada pagou à exequente a quantia de €279,003,87€, (…).
Assim, e não obstante o resultado obtido com a penhora, entendemos que não é devida qualquer quantia a título de remuneração adicional, pois que, em bom rigor, o pagamento extrajudicial ocorreu anteriormente à efetivação da penhora.
A Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, regula, além do mais, os honorários e despesas devidos aos solicitadores de execução.

Dispõe o art.º 50º da mesma, a propósito dos honorários, que: (…)
A norma que está em crise para o deslinde da situação sub iudice é a que se encontra contida no n.º 10 do art.º 50.º e que, julgamos, faz depender o pagamento adicional do contributo da penhora (isto é, da atividade do SE) para o sucesso da execução, o que, no caso, não sucedeu.”
2.º - Ora, o Agente de Execução recorrente não se conforma com o teor do suprarreferido despacho.
3.º - Com efeito, a efetivação da penhora nos presentes autos ocorreu no dia 11 de setembro de 2019, data em que o AE comunicou por via eletrónica às instituições de crédito a penhora dos montantes dos saldos existentes necessários à satisfação da quantia exequenda, e solicitou o desbloqueio dos montantes não penhorados, conforme consta do documento anexo a sua Resposta à Reclamação, com a referência ……, de 30/10/2019 (Juiz/Resposta a pedido de relatório/estado).
4.º - A penhora de saldos bancários foi concretizada nos termos do art.º 780.º do CPC, que estabelece que:
“1 - A penhora que incida sobre depósito existente em instituição legalmente autorizada a recebê-la é feita por comunicação eletrónica realizada pelo agente de execução às instituições legalmente autorizadas a receber depósitos nas quais o executado disponha de conta aberta, com expressa menção do processo, aplicando-se o disposto nos números seguintes e no n.º 1 do artigo 417.º.
2 - O agente de execução comunica, por via eletrónica, às instituições de crédito referidas no número anterior, que o saldo existente, ou a quota-parte do executado nesse saldo fica bloqueado desde a data do envio da comunicação, até ao limite estabelecido no n.º 3 do art.º 735.º, salvaguardado o disposto nos n.ºs 4 e 5 do art.º 738.º.
8 – Após a comunicação referida no n.º 2, as instituições de crédito, no prazo de dois dias úteis, comunicam, por via eletrónica, ao agente e execução: a) o montante bloqueado;(…).
9 – Recebida a comunicação referida no número anterior, o agente de execução, no prazo de cinco dias, respeitados os limites previstos nos n.ºs 4 e 5 do art.º 738.º, comunica por via eletrónica às instituições de crédito a penhora dos montantes dos saldos existentes que se mostrem necessários para satisfação da quantia exequenda e o desbloqueio dos montantes não penhorados, sendo a penhora efetuada comunicada de imediato ao executado pela instituição de crédito.”
5.º - A penhora efetuada pelo AE recorrente, no dia 11 de setembro, foi comunicada de imediato pelas instituições de crédito à executada, que logo tomou conhecimento da mesma, nos termos do supra citado art.º 780.º, n.º9.
6.º - Ora, tendo a penhora sido efetivada no dia 11 de setembro de 2019 e tendo o pagamento voluntário sido realizado no dia 18 de setembro de 2019, verifica-se que o pagamento voluntário foi realizado em data posterior à efetivação da penhora.
7.º - Pelo que, mal andou o Tribunal “a quo” quando decidiu que o pagamento extrajudicial, que ocorreu em 18 de setembro de 2019, ocorreu anteriormente à efetivação da penhora.
8.º - Assim, uma vez que o pagamento voluntário da quantia dívida foi realizado após a concretização da penhora pelo AE recorrente e após o conhecimento da penhora por parte da executada, sempre terá o AE signatário direito à remuneração adicional prevista no art.º 50.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, que regula a remuneração do Agente de Execução.
9.º - Nos termos do n.º 1, do artigo 50.º do referido diploma, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da Portaria;
10.º - E o n.º 5 dessa norma estabelece que nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a) do valor recuperado ou garantido; b) do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c) da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
11.º - O n.º 6 estabelece, por sua vez, que para este efeito se entende por “valor recuperado” o valor do dinheiro restituído ou entregue, do produto da venda, da adjudicação ou dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente, e por “valor garantido” o valor dos bens penhorados ou da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
12.º - O n.º 9 determina que o cálculo da remuneração adicional se efetua nos termos previstos na tabela do anexo VIII da Portaria.
13.º - No caso em apreço, a questão que se coloca nos autos consiste em saber se esta remuneração adicional é devida porque a recuperação da quantia teve lugar posteriormente às diligências de penhora promovidas pelo agente de execução, ou se não é devida porque a dívida foi satisfeita de modo voluntário, pela executada, antes da concretização da penhora.
14. º - As normas em crise para o deslinde da presente questão são as normas contidas nos n.ºs 5 e 6 da referida Portaria.
15. º - Resulta da redação do artigo 50.º, n.º s 5 e 6 da Portaria que, desde que haja produto recuperado ou garantido, a remuneração adicional é sempre devida.
16.º - No caso em apreço, só após tomar conhecimento da penhora realizada nos presentes autos é que a executada procedeu ao pagamento voluntário da quantia exequenda à exequente, não existindo qualquer acordo prévio à propositura da execução ou à realização da penhora, para pagamento da quantia em dívida pela executada à exequente.
17.º - Ora, resulta da redação do artigo 50.º da Portaria que, desde que haja produto recuperado ou garantido, a remuneração adicional é sempre devida ao Agente de Execução, exceto numa situação, a de nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado este efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução (n.º 12), caso em que a intervenção do agente de execução foi apenas para realizar a citação, pelo que se pode entender que a intervenção do agente que é própria da execução coerciva ainda não se iniciou.
18.º - O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que ocorre sempre que na sequência dessas diligências, realizadas pelo agente de execução, se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, o que se verificou no caso concreto, com a penhora de depósitos bancários.
19.º - A remuneração adicional foi excluída pelo legislador apenas nos casos em que a citação antecede a realização as penhoras e o executado efetua o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução.
20.º - Em todas as demais situações em que haja valor recuperado ou garantido, a remuneração adicional é devida, ainda que a extinção da execução decorra de ato individual do devedor (pagamento voluntário), como se verifica no caso em apreço.
21.º - Nessa medida, entendemos que tendo a executada procedido ao pagamento voluntário da quantia exequenda diretamente à exequente após a concretização (e conhecimento) da penhora, exatamente porque também nessa situação se verificam os requisitos de que depende o direito à remuneração adicional (alcance da finalidade do processo executivo e existência de valor garantido), o agente de execução recorrente pode reclamar uma remuneração adicional.
22.º - Não subsistirem dúvidas que, por via da instauração desta execução e das penhoras de depósitos bancários nela realizada, a Exequente obteve a recuperação integral do seu crédito sobre a Executada.
23.º - Assim sendo, como efetivamente é, então a remuneração adicional devida ao Agente de Execução deve ser feita sobre o valor da quantia exequenda.
24.º - Acresce que, ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo” a norma contida no n.º 10 do artº 50.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, não tem qualquer aplicação ao caso em apreço.
25.º - Estabelece esta norma que “Nos casos em que, na sequência da diligência de penhora de bens móveis do executado seguida da sua citação seja recuperada ou garantida a totalidade dos créditos em dívida, o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional mínima de 1 UC, quando o valor da remuneração adicional apurada nos termos previstos na tabela do anexo VIII seja inferior a esse montante.”.
26.º - Esta norma não tem qualquer aplicabilidade no caso em apreço, porquanto a mesma só é de aplicar quando a remuneração adicional apurada seja inferior a 1 UC, ou seja, seja inferior a 102€, caso em que o AE tem sempre direito a receber o mínimo de 102€.
27.º - Ao não decidir deste modo, a decisão recorrida violou, não os aplicando, os artigos 780.º, n.ºs 1, 2, 8 e 9 do Código de Processo Civil; 50.ºn.º 1, 5, 6 e 9 da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto.
28.º - A Meritíssima Juiz a quo fez errada interpretação e aplicação da lei, sendo o douto despacho recorrido passível de censura, o que conduz, sem prejuízo de melhor opinião, à procedência do presente recurso e à revogação do despacho recorrido, devendo ser proferida decisão que reconheça o direito do Agente de Execução recorrente à remuneração adicional sobre o valor da quantia exequenda, no valor de 9.202, 27€, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.”

Termina, pedindo que a decisão recorrida seja substituída por outra que “reconheça o direito do Agente de Execução recorrente à remuneração adicional sobre o valor da quantia exequenda, nos termos do art.º 50.º, n.ºs 5 e 6 da Portaria282/2013, de 29 de Agosto, no valor de 9.202, 27€, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.”
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente em separado, com efeito devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a questão relevante a decidir consiste em saber se é devida ao AE a remuneração adicional de € 9 202,17 constante da rubrica 1.4 da conta corrente discriminada da execução.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Para além dos factos descritos no relatório, há a considerar assentes os seguintes factos, os quais resultam dos elementos constantes destes autos e da execução:

1. Em 29.8.2019, A. F. instaurou ação executiva contra Seguradoras ..., S.A. com vista a obter o pagamento da quantia global de € 275 427,59.
2. O AE, em 9.9.2019, efetuou pedido de bloqueio para penhora eletrónica de saldos bancários a diversas entidades bancárias.
3. Em 10.9.2019, na sequência desse pedido de bloqueio, várias instituições bancárias responderam informando que tinham sido bloqueados depósitos bancários, designadamente o Banco … (Banco …) e a Caixa …(Caixa …).
4. Em 11.9.2019, o AE solicitou ao Banco … e à Caixa … a penhora das quantias bloqueadas nessas instituições, nos valores de € 271 561,20 e € 24 689,39, respetivamente, e solicitou às demais instituições bancárias que levantassem os bloqueios que tinham efetuado.
5. Em 20.9.2019, o AE elaborou o auto de penhora dos saldos bancários e notificou a executada.
6. Em 23.9.2019, o mandatário da exequente remeteu aos autos o requerimento ref. 33468396, no qual informou que “a Executada, após a penhora de saldos bancários, procedeu à entrega voluntária da quantia de € 279 003,87 (...) diretamente à exequente”, pelo que requereu o prosseguimento da execução para pagamento do remanescente.
7. Em 26.8.2019, a executada emitiu o recibo de indemnização nº 5913221814, no valor de € 279 003,87, nele constando que para receber a indemnização, o documento devidamente legalizado e com cópia do documento de identificação e comprovativo da titularidade do IBAN deve ser devolvido, sendo posteriormente o pagamento efetuado por transferência bancária.
8. O referido recibo de indemnização encontra-se assinado pela exequente com data de 13.9.2019.
9. O pagamento da quantia de € 279 003,87 foi efetuado pela executada no dia 18.9.2019 mediante transferência bancária.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Cumpre apreciar e decidir.

Como referido, a questão a decidir no presente recurso consiste em saber se é devida ao AE a remuneração adicional.

O art. 50º, da Portaria 282/2013, de 29 de agosto, regula a fixação dos honorários do agente de execução.
Assim, do seu nº 1, consta o princípio geral sobre esta matéria, aí se referindo que “o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos.”
Para além deste direito geral de remuneração, prevê-se ainda o direito a uma remuneração adicional, dispondo o art. 50º, na parte que para a questão releva, o seguinte:
“5 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a) Do valor recuperado ou garantido;
b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
6 - Para os efeitos do presente artigo, entende-se por:
a) «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente;
b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
9 - O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

Portanto, no tocante ao sistema de remuneração do agente de execução, é de concluir que a lei consagra um sistema misto, constituído por uma remuneração fixa, calculada em função dos atos praticados no processo nos termos da tabela do anexo VII (art. 50º, nº 1), e por uma remuneração variável, calculada nos termos da tabela do anexo VIII que constitui a remuneração adicional (art. 50º, nº 9).
Segundo o anexo VIII da Portaria “o valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar” (sublinhado nosso).
De acordo com o preâmbulo da referida Portaria “procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução. Este regime visa, em última linha, tornar mais simples e mais célere a fiscalização da atividade dos agentes de execução, no que respeita a esta matéria em particular, e promover uma mais rápida ação em caso de atuações desconformes” (sublinhados nossos).

No âmbito deste regime legal, a jurisprudência tem-se dividido no que respeita aos requisitos necessários para que seja devida a remuneração adicional, como nos é dado conta no Acórdão da Relação de Lisboa, de 26.9.2019, Relator Arlindo Crua (in www.dgsi.pt) onde se citam diversos arestos que apreciaram esta matéria, com resumo dos argumentos utilizados em abono de cada uma das duas correntes jurisprudenciais que se formaram sobre a questão.
Assim, e como se refere no acórdão citado, uma corrente jurisprudencial considera que “não é necessária a existência de um nexo causal entre a actividade do agente de execução e a forma de extinção da execução para se reconhecer o direito à remuneração adicional variável”, ao passo que outra corrente entende que “para que seja exigível o pagamento da remuneração adicional ao agente de execução, é mister a verificação de um nexo causal entre a sua actividade e a obtenção, para o processo executivo, de valores recuperados ou garantidos ao exequente”.

Consideramos ser de sufragar a segunda posição que exige a verificação de um nexo causal entre a atividade do agente de execução e a recuperação de valores como condição para ser devida a remuneração adicional.
Parece-nos ser esta a conclusão a extrair da interpretação do art. 50º, tendo em consideração o sistema misto de remuneração do agente de execução, o referido no preâmbulo da Portaria 282/20913 e o consignado no seu Anexo VIII, sendo certo que, de acordo com o disposto no art. 9º do CC, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, devendo, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Com efeito, e como resulta da própria designação, a remuneração adicional constitui um acréscimo à remuneração normal a que o agente de execução tem direito pela atividade que exerce no processo. Essa remuneração adicional, de acordo com o anexo VIII da Portaria, destina-se a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução e, de acordo com o preâmbulo da mesma, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas. Inversamente, prevê-se a dispens dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução.
Portanto, é de concluir que a remuneração adicional, na medida em que acresce à remuneração fixa devida pela atividade do agente de execução no processo e constitui um prémio pela atividade desenvolvida, sendo instituída como incentivo para que o mesmo tenha uma atividade que potencie a eficácia e eficiência da recuperação e garantia do crédito, só é devida desde que tal finalidade seja concretamente alcançada, ou seja, desde que exista um nexo de causalidade entre a concreta atividade desenvolvida e a obtenção, para o processo executivo, de valores recuperados ou garantidos ao exequente. Dito de outro modo, a remuneração adicional não é devida de forma automática por os valores serem pagos ou recuperados depois da prática de atos pelo agente de execução, mas sem que entre uns e outros exista qualquer nexo de causalidade, mas tão só uma mera sequência cronológica.
Daí que, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 26.9.2019, já citado e cujo entendimento sufragamos, “para existir lugar à remuneração adicional, deve o valor recuperado ou garantido no processo executivo derivar da actividade ou das diligências promovidas pelo agente de execução.
Donde, seria logicamente um desvirtuar das finalidades ínsitas a tal acréscimo de remuneração, reconhecer a sua existência e exigibilidade quando o resultado obtido não emerge ou decorre daquela actividade ou diligências, por às mesmas ser alheio, por as mesmas terem-se desenvolvido independentemente da sua vontade ou contributo, por não ter tido qualquer intervenção ou participação naquela recuperação ou garantia do crédito.
Deste modo, constitui-se o direito a tal acréscimo remuneratório quando, existindo, por um lado, sucesso nas diligências executivas (...) este decorra ou provenha em consequência, decorrência ou como fruto da actividade ou diligências realizadas pelo agente de execução. (...)
Ademais, não se olvide, nos termos já expostos, que a remuneração do agente de execução deve ser proporcional e adequada, eivada de um juízo de razoabilidade e de adequação à sua actividade concretamente desenvolvida, empenho revelado, diligência evidenciada e real contributo para o resultado obtido no respectivo processo executivo.
Em abono da tese que considera necessário o nexo de causalidade como requisito para a atribuição da remuneração adicional, chama-se ainda à colação o facto de, nos termos do art. 50º, nº 12, não haver lugar ao pagamento de tal remuneração nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia quando o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução. Nestas circunstâncias o agente de execução apenas intervém para a realização da respetiva citação e, por isso, o cumprimento voluntário ocorre sem a sua intermediação, motivo pelo qual a lei estabelece expressamente a exclusão do pagamento de remuneração adicional.

Aqui chegados, e volvendo ao caso concreto, importa aferir se entre a concreta atividade desenvolvida no processo pelo AE e o pagamento extrajudicial da quantia exequenda existe, ou não, o necessário nexo de causalidade, aferido nos moldes que atrás se expuseram e que é condição necessária para a atribuição da remuneração adicional.
Não há dúvida que o pagamento extrajudicial foi efetuado depois de realizadas as penhoras. Com efeito, as penhoras foram efetuadas em 11.9.2020 e o pagamento da quantia de € 279 003,87 foi efetuado por transferência bancária em 18.9.2019, sendo posterior àquelas.
Tendo as penhoras sido concretizadas em 11.9.2019, é de presumir que as instituições bancárias comunicaram de imediato à executada a sua realização, em conformidade com a imposição decorrente do art. 780º, nº 9º, parte final, do CPC.
E assim a executada terá tido conhecimento das penhoras realizadas antes de efetuado o pagamento extrajudicial da quantia de € 279 003,87. Perante tal, numa primeira análise, seria de presumir que o pagamento só ocorreu devido à realização das penhoras.
Porém, não obstante esta sucessão cronológica de acontecimentos, entendemos que, no caso em concreto, não se pode concluir, nem sequer de forma presumida, que o pagamento decorreu da circunstância de terem sido efetuadas as penhoras pelo AE.
Há que ter em conta que antes de ter sido instaurado o processo executivo e, portanto, antes de terem sido feitas quaisquer diligências para penhora, a executada já tinha emitido o recibo de indemnização nº 5913221814, precisamente no valor de € 279 003,87, emissão essa que ocorreu em 26.8.2019. Portanto, nessa data, e antes sequer de o processo executivo ser instaurado, já a executada tinha iniciado os procedimentos administrativos com vista ao pagamento pois, como é do conhecimento comum, em regra, as seguradoras remetem ao credor um recibo de indemnização, cuja prévia assinatura exigem como condição para efetuarem o pagamento do valor de que são devedoras.
O recibo veio a ser assinado em 13.9.2019 e o pagamento efetuado em 18.9.2019.
Portanto, não se pode concluir que exista um nexo de causalidade entre as penhoras efetuadas em 11.9.2019 e o pagamento realizado em 18.9.2019, apesar de este ser posterior àquelas, apenas existindo uma sucessão cronológica de atos.
Ora, a remuneração adicional só é devida se se puder concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida, no caso as penhoras, e o valor recuperado, no caso o pagamento. Não estando demonstrada a existência de tal nexo de causalidade, mas tão só uma sucessão temporal, é de concluir que não é devida qualquer remuneração adicional ao AE.
Por conseguinte, o recurso improcede, sendo de manter a decisão recorrida na parte impugnada, embora com diversa fundamentação.
*
Uma vez que o recurso foi julgado improcedente, o recorrente terá de suportar as custas respetivas, nos termos do art. 527º, nº 1 e 2 do CPC.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, considerando não ser devida ao recorrente a remuneração adicional de € 9 202,17 constante da rubrica 1.4 da conta corrente discriminada da execução, mantendo a decisão recorrida na parte impugnada, embora com diversa fundamentação.
Custas da apelação pelo recorrente.
Notifique.
*
Guimarães, 24 de setembro de 2020

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Jorge Santos