Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2240/19.0T8VCT.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE DE FACTOS
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O prazo-regra da propositura da ação de investigação de paternidade é de 10 anos, contado a partir da maioridade ou da emancipação do investigante e os prazos especiais (dies a quo subjetivo) são de 3 anos a partir do momento em que o investigante tenha “conhecimento de (…) factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação” (art. 1817º aplicável às ações de investigação da paternidade “ex vi” do art. 1873º, ambos do Código Civil).
II- O conhecimento superveniente de que cuida a al. c) do n.º 3 do art. 1817º do Código Civil será aquele que se verifique depois de integralmente decorrido o prazo objetivo de dez anos previsto no n.º 1 do mesmo preceito.
III- Constitui pressuposto de aplicação da al. c) do n.º 3 do art. 1817º do Cód. Civil, no caso de inexistência de paternidade determinada, a alegação e prova por parte do autor da ação de investigação da paternidade de que obteve o conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitam ou justificam a investigação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

R. F. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra J. L., pedindo que seja reconhecido e declarado que é filho do Réu, com as legais consequências e que se ordene o correspondente averbamento no respectivo assento de nascimento.
Para tanto alegou, em síntese, que foi registado na CRC de … como filho de M. F., sem que nada ficasse a constar quanto à paternidade.
Em 2018, ficou a saber que a sua mãe e o réu mantiveram relações sexuais de cópula completa e que fruto dessas relações nasceu o autor.
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Citado, o réu apresentou na contestação, na qual pugnou pela procedência das invocadas exceções de caducidade do direito à ação e do abuso de direito, por o autor agir apenas com o intuito de conseguir vantagens patrimoniais (ref.ª 33664438).
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O autor apresentou réplica, pugnando pela improcedência das excepções (ref.ª 34059147).
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Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foram relegadas para final o conhecimento das invocadas excepções; procedeu-se à identificação do objeto do processo, à enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ª 44702098).
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Procedeu-se à realização de audiência de julgamento (ref.ª 45861812).
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Posteriormente, a Mmª. Julgadora “a quo” proferiu sentença, nos termos da qual, julgando procedente a excepção de caducidade da ação, absolveu o réu do pedido (ref.ª 45890608).
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Inconformado com esta sentença, dela recorre o autor (ref.ª 37596946), o qual, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I- A sentença ora em recurso, enferma de erro na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento e prova documental, nomeadamente aos factos dados como Não Provados, no paragrafo 1, 2, 4 e 5 da douta sentença.
II- Com efeito, os meios probatórios constantes do processo e da gravação dos depoimentos das testemunhas, impunham ao julgador decisão diversa da recorrida.
III- O M.mo. Juiz recorrido deu como não provado os factos no paragrafo 1, 2, 4 e 5 da douta sentença, quando na nossa modesta opinião impunha resposta diferente, ou seja, ser considerado como Provado.
IV- A prova testemunhal não permitia, como não permite, que o M. mo. Juiz “a quo” dê como não provados os factos elencados.
V- A testemunha M. R. referiu ter conhecimento dos factos, porque chegou a trabalhar para a mãe do Autor, e a mesma em conversa lhe confidenciou quem era o pai do Autor.
VI- Afirmou ao longo do seu depoimento que a mãe do Autor lhe pediu para não dizer ao Autor quem era seu pai.
VII- Referiu que o Autor obteve esse conhecimento no Natal de 2018 numa zanga com a irmã, a mesma “lhe atirou à cara” quem era seu pai.
VIII- Baseado no depoimento da testemunha M. R. facilmente se constata, que o Autor apenas teve conhecimento dos factos em 2018, numa briga com a irmã e que a própria mãe do Autor sempre pretendeu ocultar a verdade ao Autor.
IX- Baseado, na testemunha M. O., esposa do Réu pode-se constatar que, o Autor era uma pessoa acarinhada pela família do Réu, e até pelo Réu e pela sua esposa
X- Os mesmos se contactavam por telemóvel, para ter notícias da irmã e cunhada.
XI- Assim como podemos também retirar deste depoimento que o Autor nutria um grande carinho por esta família.
XII- O Tribunal “a quo” argumentou a sua decisão com base na testemunha, esposa do Réu M. O., quando a mesma afirmou que o Autor mandava rezar missas intitulando-se como sobrinho.
XIII- Porém, o Tribunal recorrido não levou em conta o depoimento da testemunha A. V. que, afirmou que nunca ouviu o Autor a intitular-se como sobrinho da falecida.
XIV- É de estranhar que uma pessoa que reside no Porto, vá ouvir missas a ..., a 100 quilómetros de distância da sua residência e se apercebe que na freguesia o Autor se intitula como sobrinho da falecida.
XV- Quando na realidade a testemunha A. V., que reside em ..., no seu depoimento afirmou que nunca ouviu o Autor intitular-se como sobrinho da D. OT., cunhada da testemunha e irmã do Réu.
XVI- Não se percebe também como o tribunal “a quo” deu como provado a troca de mensagens entre o Autor e a testemunha, quando nem sequer foi feita qualquer prova, se aquele é ou não o número de telemóvel do Autor, e até sobre a veracidade das mensagens, para além que se pode verificar, que os números que constam nas duas mensagens não é o mesmo.
XVII- É certo que o povo da freguesia falava, mas também é certo pelos depoimentos das testemunhas em sede de audiência e julgamento, que nunca ouve uma certeza, era mais uma especulação do povo.
XVIII- Foi provado que a mãe do Autor, queria manter em segredo para com o Autor, quem era o seu pai,
XIX- O próprio Réu, e conforme o depoimento da sua esposa M. O. “ele nunca pensou quer era pai, não assumia porque não tinha confiança que era pai”.
XX- Posto isto, e salvo melhor opinião, entendemos que o Tribunal recorrido esteve mal ao proceder a exceção da caducidade invocada pelo Réu, uma vez que o Autor apenas teve constatação mais segura quando a sua irmã lhe disse em 2018.
XXI- Assim, os factos que o M.mo. Juiz recorrido deu como não provados nos parágrafos 1, 2, 4 e 5 da sentença deveriam ser dados como provados e em consequência a exceção invocada pelo Réu ser improcedente.
XXII- Foi violado o art.º 1817º n.º 3 alínea c) do Código Civil.
XXIII- Foi feita prova suficiente que, apenas em 2018 é que o Autor obteve factos concretos que justificassem a proposição da ação contra o Réu.
XXIV- E não há dúvidas quanto relatório pericial, onde resulta que a probabilidade do Réu ser pai do Autor é de 99,99992%
Termos em que, a douta decisão recorrida, deve ser revogada, sendo substituída por decisão que reconheça a tempestividade, da presente ação de investigação da paternidade, e reconhecer que o Réu é o pai do Autor, seguindo-se os demais termos legais.
Assim decidindo, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, farão Vossas Excelências a devida
JUSTIÇA!!!».
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Contra-alegou o Réu, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida (ref.ª 37934539).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (ref.ª 46447002).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(a) recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

i) - da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
ii) - da caducidade do direito de propor a ação de investigação da paternidade;
iii) - em caso negativo, se procede a excepção de abuso de direito.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. O autor nasceu em - de Setembro de 1959, na freguesia de ..., concelho de Caminha – certidão de nascimento junta com a p.i..
2. O autor foi registado como filho de M. F. e sem qualquer registo de paternidade.
3. A mãe do autor, M. F. faleceu em - de Junho de 1999 – certidão de nascimento junta com a p.i..
4. A mãe do autor manteve com o réu relações sexuais de cópula completa.
5. Foi na sequência dessas relações que a mãe do autor engravidou, gravidez essa de que veio a nascer o autor.
6. O réu é uma pessoa respeitada na freguesia de … que pela sua perseverança e trabalho adquiriu património imobiliário na freguesia de …, concelho de Caminha.
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Factos não provados:

- A mãe do autor foi empregada doméstica do réu, no final da década dos anos 50 e início da década dos anos 60.
- Em 2018, numa discussão com o seu irmão, o autor descobriu que a sua mãe e o réu mantiveram relações sexuais de cópula completa durante o tempo em que ela trabalhava como doméstica para o réu.
- Nesse período, a mãe do autor não mantinha relações sexuais com mais ninguém.
- O autor sempre nutriu um grande carinho pelo réu, do qual era retribuído, mas nunca desconfiou, dos verdeiros motivos.
- O autor tentou junto do réu descobrir a verdade, mas o mesmo recusa-se a falar sobre o assunto.
- O autor age nesta acção com o intuito de extorquir vantagens patrimoniais do réu.
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IV. Fundamentação de direito

1. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
1.1. Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que o recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo inclusivamente à respectiva transcrição de excertos dos depoimentos testemunhais que considera relevantes para o efeito, pelo que podemos concluir que - contrariamente ao propugnado pelo recorrido (1) - cumpriu suficientemente os ónus de impugnação estabelecidos no citado art. 640º.
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1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (2):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
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1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que o Autor/recorrente pretende a alteração da resposta negativa para positiva dos parágrafos 1, 2, 4 e 5 da matéria de facto não provada (conclusões I e III).

Os referidos pontos fácticos objeto de impugnação têm o seguinte teor:
«- A mãe do autor foi empregada doméstica do réu, no final da década dos anos 50 e início da década dos anos 60;
- Em 2018, numa discussão com o seu irmão, o autor descobriu que a sua mãe e o réu mantiveram relações sexuais de cópula completa durante o tempo em que ela trabalhava como doméstica para o réu;
(…)
- o autor sempre nutriu um grande carinho pelo réu, do qual era retribuído, mas nunca desconfiou, dos verdeiros motivos;
- o autor tentou junto do réu descobrir a verdade, mas o mesmo recusa-se a falar sobre o assunto».
Com vista a suportar a sua pretensão impugnatória sobre a decisão da matéria de facto aduz o recorrente que os meios probatórios constantes do processo, designadamente o teor dos depoimentos das testemunhas, impunham ao julgador decisão diversa da recorrida.
Cumpre, pois, analisar das razões de discordância invocadas pela apelante e se as mesmas se apresentam de molde a alterar a facticidade impugnada (julgada como não provada), nos termos por si invocados.
Antes, porém, de iniciarmos essa análise importa deixar assinalado que, com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação dos depoimentos testemunhais invocados na apelação como justificadores da impugnação da matéria de facto, bem como os que foram aduzidos na motivação da sentença recorrida, não nos tendo restringido aos trechos parcelares e/ou truncados (de tais depoimentos) assinalados pelo apelante.
Para além disso, foram analisados todos os documentos produzidos nos autos.

E, no caso vertente, após a audição integral de tais depoimentos prestados e análise de toda a prova documental produzida, desde já podemos adiantar ser de sufragar, na sua essencialidade, a valoração/apreciação explicitada pelo Tribunal recorrido, o qual – contrariamente ao propugnado pelo recorrente –, em obediência ao estatuído no art. 607º, n.º 4 do CPC, fez uma análise crítica objetiva, articulada e racional da globalidade da prova produzida, que se mostra condizente com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, logrando alcançar nos termos do n.º 5 do citado normativo uma convicção quanto aos factos em discussão que se nos afigura adequada, lógica e plausível, em termos que (como melhor explicitaremos) nos merece adesão praticamente total.

Vejamos.
i) - A testemunha M. R., amiga do autor pelo menos desde os 15/16 anos de idade, declarou que há muitos anos atrás – antes ainda da testemunha ter estado emigrada na Suíça durante 17 anos –, altura em que trabalhava, à jorna, para a mãe do autor - a qual tinha muita lavoura/vacas -, esta referiu-lhe, numa conversa quando andavam a cortar erva numa leira, que o autor era “direitinho o pai”, que era um dos do G. P. (nome por que é conhecida a família), o A. (que estava no Porto).
- No Natal de 2018, quando a testemunha veio a Portugal o autor confrontou-a com o facto de ela não lhe ter dito nada a esse respeito, tendo-lhe ela respondido que a mãe lhe tinha pedido para não lhe dizer nada uma vez que “com o génio que (ele) tem, vai ter lá ao pai e vão discutir”.
- O Autor referiu-lhe ter tido conhecimento desse facto (de o seu pai ser o réu) através duma irmã que está em Espanha (que apelidou de “linguaruda”), que “outro dia tirou-me à cara que, o meu pai que é, aquele ali, do G. P., e que tu sabias disso, desse segredo”.
- Não apresentou qualquer explicação para a irmã do autor ter conhecimento da referida conversa havida consigo e com a mãe do autor.
- Aquele facto (ser o A. filho do réu) era do conhecimento geral na freguesia (“há muita gente que sabe disso”), pelo que não considerou que o mesmo constituísse segredo, julgando que o autor também tinha conhecimento desse facto.
- O Autor sempre viveu na freguesia.
- Foi perentória ao dizer não saber se a mãe do autor (M. F.) alguma vez trabalhou para o J. L..
ii) - A testemunha M. O., com 82 anos, mulher do réu há 57 anos, declarou ter cortado relações com o autor em 2014, porque ele começou a querer mandar nas coisas dela;
- Referiu que o autor era amigo e visita assídua das suas (três) cunhadas (irmãs do réu), entretanto falecidas (a 1ª faleceu em 91 e a última faleceu em dezembro de 2014), que viviam perto da sua casa em ... (residiam na mesma freguesia);
- Aquando do falecimento da última cunhada, em dezembro de 2014, o autor assumiu-se como familiar, intitulando-se como sobrinho e tomou “atitudes de posse” da sepultura da cunhada; mandou rezar missas em nome da cunhada, como sobrinho da mesma e fez luto;
- Nessa altura, o autor desentendeu-se com a testemunha por causa do modo com a testemunha enfeitava a campa da cunhada e aquele disse-lhe que “ia desenterrar o velho”, aludindo ao seu marido (réu);
- Posteriormente, o autor enviou-lhe várias mensagens por telefone, uma delas em Outubro de 2015, em que dizia que tinha “lá (na campa) o meu bucado” (leia-se bocado), sendo que, no entendimento da testemunha, ele achava-se herdeiro do réu (enquanto filho) porque o povo dizia que ele era filho do réu, seu marido, e sobrinho das cunhadas (o único herdeiro destas era o réu) e, portanto, mandava rezar as missas como sobrinho R. F. e andava a enfeitar a campa como filho do Réu e herdeiro (o que vem desde 2014, com a morte da última cunhada).
- Confrontada com o documento junto com o requerimento ref.ª 2898720, de 6/10/2020, esclareceu que se referia a essa mesma mensagem e que o autor é identificado no seu telemóvel como R. E. por residir na ….
- Na freguesia do A. falava-se de ele ser filho do R., mas o seu marido nunca assumiu esse facto.
- Só passou a ter conhecimento desses factos a partir da década de 90, com a primeira morte das cunhadas.
- Nega que alguma vez o A. tenha ido falar com o R. dizendo que era filho dele.
- A partir de 90, o A. passou a visitar mais a casa das cunhadas, sendo uma visita assídua
- Passou a ter o contato do telemóvel do autor quando a cunhada começou a ficar só e dado o autor ser visita assídua da casa das cunhadas e de estas não terem telefone, pelo que era uma forma de as contactar.
iii) - A testemunha A. V., com 84 anos, foi vizinho do autor e é amigo do réu há longa data; o R. entretanto saiu da freguesia e foi trabalhar para o Porto.
- Referiu que o réu é pessoa respeitada na freguesia de ... e que lá se constava (era “voz popular”, “voz pública”), “há dezenas de anos”, que o J. P. tinha feito um filho à M. F. (mão do autor).
- Nunca falou sobre esse assunto com o réu.
- O A. ia lá a casa das irmãs do Réu fazer diversos trabalhos.
- Depois do falecimento da última irmã do Réu (OT.) o A. arranjou a campa e foi aí que começou o conflito.
- Nunca ouviu na freguesia que o A. se intitulava sobrinho da OT.
Releva ainda o teor do documento junto com o requerimento ref.ª 2898720, de 6/10/2020, referente a uma mensagem por telemóvel remetida pelo autor à testemunha M. O., mulher do réu, em 23/10/2015, na qual refere “É fãbor pôr a jarra na campa se não pohotê a guàrda à porta akilo não é só teu têho lá o meu bucado com essa não esperabas tu não bae pôr a ki abias era de ter begoha na carã”.
Tal como concluiu a testemunha M. O., depreende-se da referida mensagem que o autor se arrogava herdeiro do réu (enquanto filho), ao referir que tinha “lá (na campa) o meu bucado”, posto que o único titular daquela campa era o réu, por a ter adquirido por sucessão aberta por óbito das sua irmã, sendo certo que não consta que as irmãs do réu tenham deixado testamento a favor do autor (nem este se arroga herdeiro testamentário).
À objeção (do recorrente) segundo a qual “não se percebe como o tribunal “a quo” deu como provado a troca de mensagens entre o Autor e a testemunha, quando nem sequer foi feita qualquer prova se aquele é ou não, o número de telemóvel do Autor, e até sobre a veracidade das mensagens, para além que se pode verificar, que os números que constam nas duas mensagens não é o mesmo”, importará ter presente que o aludido meio de prova foi junto aos autos através de requerimento no qual se referia: «O documento é uma mensagem enviada do telemóvel do Autor em 23.10.2015 à mulher do Réu Ex.ma Sra. M. O., na qual o Autor alude à campa da família do aqui Réu alegando que também “tem lá o seu bocado.”».
Tal documento e o seu teor não foi válida e atempadamente impugnado pelo autor, tendo a respetiva mandatária dito “nada ter a opor à junção aos documentos apresentados pelo réu”.
Nesta conformidade, improcedem as objeções só agora levantadas quanto ao teor do referido documento, sendo extemporânea a impugnação que quanto ao mesmo pretende fazer.
É, por isso, de secundar a leitura e valorização feita pelo Tribunal recorrido quanto ao teor do referido documento.
Delineados e explicitados os meios de prova produzidos importará dizer que, diversamente do propugnado pelo recorrente, da prova produzida, designadamente do depoimento da testemunha M. R. não se evidencia que o Autor apenas teve conhecimento dos factos em 2018, numa briga com a irmã.
Acresce que a própria mãe do Autor não guardava segredo do facto de o autor ser filho do réu; tanto assim é que o relatou à indicada testemunha, a qual considerava esse facto como público.
Do depoimento da testemunha M. O., mulher do réu, resulta que o autor tinha uma relação de proximidade e de amizade com as irmãs do réu, mas não decorre que essa relação fosse extensível ao réu ou à testemunha.
O facto de, desde final de 2014, o autor tratar da campa, ao contrário do por este propugnado, traduz precisamente uma situação de “posse da campa”, arrogando-se inclusivamente titular de um bocado seu, por se julgar herdeiro do réu, facto este que contraria a versão alegada nos autos de apenas em 2018 ter tido conhecimento de o réu ser seu pai.
Assim, este Coletivo revê-se e subscreve a convicção formada na motivação da sentença recorrida, nos termos da qual o «autor, pelo menos em 2014, se arrogava como filho do réu, pois à data do falecimento da última irmã viva deste (dezembro de 2014) intitulou-se como sobrinho desta, mandou rezar missas pela sua morte e, mais tarde», em outubro de 2015, «trocou mensagens com a mulher do réu referi[n]do que tinha “um bocado” na campa que fazia parte da herança da falecida. Por outro lado, ao contrário da tese defendida pelo autor, era voz corrente na freguesia que o autor era filho do réu, não se fazia segredo desse facto; a isso se referiram as testemunhas M. R. e A. V..
Por isso que não resultou provado que o autor apenas em 2018 descobriu que o réu era seu pai».
Nesta conformidade, por referência à prova produzida nos autos, não se evidenciam razões concretas e circunstanciadas capazes de infirmar a apreciação crítica feita pelo tribunal recorrido sobre os pontos fácticos impugnados.
É, por isso, de concluir não ser viável a este Tribunal superior extrair uma qualquer conclusão que infirme ou divirja da convicção daquele tribunal quanto àqueles concretos pontos de facto.
De facto, a fundamentação que serviu de base a essas conclusões dadas pela 1.ª instância – que subscrevemos, nos termos explicitados –, baseando-se na livre convicção e sendo uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, revela-se convincente e sustentada à luz da prova auditada e não se mostra fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, não se impondo decisão sobre os referidos pontos da matéria de facto diversa da recorrida (art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC).
Nesta conformidade, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto aos factos impugnados com a convicção formada pela Mmª Juíza “a quo”, impõe-se-nos confirmar na íntegra a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
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3. Reapreciação da decisão de mérito.

3.1. Da (inverificação da) exceção de caducidade do direito de propor a ação de investigação da paternidade.

Defende o recorrente que a sentença recorrida violou o disposto no art. 1817º, n.º 3, al. c) do Código Civil, porquanto foi feita prova suficiente que, apenas em 2018, é que o Autor obteve factos concretos que justificassem a proposição da ação contra o Réu.
A paternidade, nos casos de filiação fora do casamento, estabelece-se pelo reconhecimento (art. 1796º, n.º 2 do Código Civil - CC).
O reconhecimento do filho nascido ou concebido fora do matrimónio efetua-se por perfilhação ou decisão judicial em ação autónoma de investigação (art. 1847º do CC).

O art. 1869.º do CC, sob a epígrafe “Investigação da paternidade”, dispõe:

«A paternidade pode ser reconhecida em acção especialmente intentada pelo filho se a maternidade já se achar estabelecida ou for pedido conjuntamente o reconhecimento de uma e outra» (3).
Por via da ação de investigação da paternidade, que tem por causa de pedir o facto biológico da procriação do filho pelo réu, o investigante fica a saber se a pessoa a quem atribui a sua paternidade é, efetivamente, seu pai biológico. A constituição do vínculo jurídico da filiação depende da demonstração em juízo desse facto (constitutivo) essencial – se provado, a ação procede; se não, a ação naufraga (4).
Através destas ações judiciais, exerce-se um verdadeiro direito fundamental – o direito ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade biológica –, que se pode extrair «seja do direito à integridade pessoal, e em particular à integridade ‘moral’ (artigo 25.º, n.º 1) [da CRP], seja do direito à ‘identidade pessoal’» (5) (art. 26.º, n.º 1 da CRP).

A propósito da ação de investigação da maternidade, e sob a epígrafe “prazo para a proposição da acção”, o art. 1817.º do CC estabelece:

«1 - A ação de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
2 - Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a ação pode ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.
3 - A ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:
a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante;
b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe;
c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
4 - No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da ação.»

Os prazos consagrados neste normativo aplicam-se igualmente às ações de investigação de paternidade, por força da remissão constante do art. 1873º do CC.
Por lhe ser aplicável o disposto no art. 1817º, o direito a instaurar a ação de investigação de paternidade não é, por natureza, imprescritível (6).
O prazo-regra é de 10 anos, contado a partir da maioridade ou da emancipação do investigante e os prazos especiais são de 3 anos a partir do momento em que o investigante tenha conhecimento dos factos que justificam a investigação.
Como resulta do advérbio “ainda” introduzido no corpo do n.º 3 do art. 1817.º do CC, é manifesto que os prazos de três anos referidos nos n.ºs 2 e 3 se contam para além do prazo fixado no n.º 1, do art. 1817.º, não caducando o direito de proposição da acção antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a acção é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3; inversamente, a ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da acção, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação (7).
Alargando os casos de admissibilidade de propositura muito para além do prazo regra constante do n.º 1, no n.º 3 do art. 1817º do CC estabeleceu-se um regime de prazos de dies a quo subjetivo, a contar da data em que se verifique “o conhecimento de…factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação” (8).
O acolhimento de genéricos prazos de caducidade subjectivos salvaguarda, sem lacunas, a efectiva possibilidade de o interessado recorrer a juízo para ver reconhecido o vínculo de filiação com o seu progenitor. E em face do teor das alíneas b) e c), do n.º 3, mesmo quando o investigante dispõe de elementos probatórios que lhe permitem sustentar, com viabilidade de sucesso, dentro do prazo fixado no n.º 1, a sua pretensão de reconhecimento como filho de determinada pessoa, relevam os factos ou circunstâncias que possam justificar que, só após o termo final de tal prazo, ele tome essa iniciativa (9).
Isto significa que o prazo de dez anos após a maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do art. 1817.º do CC não funciona como um prazo cego, cujo decurso determine inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o qual não opera qualquer prazo de caducidade (10).
O citado regime legal alia a previsão do prazo previsto no n.º 1 – um prazo geral de 10 anos, contado a partir de facto objectivo, como seja a maioridade do investigante –, com prazos especiais de três anos, contados a partir de factos subjetivos previstos nas várias alíneas do n.º 3 do art. 1817º, dependentes do conhecimento dos factos motivadores da propositura de uma ação de investigação, nos termos (11).
O conhecimento superveniente de que cuida este normativo será aquele que se verifique depois de integralmente decorrido o prazo objetivo de dez anos previstos no n.º 1 do mesmo preceito. Contudo, a mencionada previsão normativa não se basta com todo e qualquer facto ou circunstância, antes se exigindo, para que a mesma se tenha por preenchida, que o dito conhecimento superveniente se reporte a factos ou circunstâncias que justifiquem que apenas nesse momento (e não antes, isto é, dentro do prazo geral de dez anos após a maioridade ou emancipação) o investigante tenha lançado mão da ação com vista a exercer o seu direito de ver estabelecido o vínculo da filiação (12).
Como o Acórdão n.º 401/2011 sublinhou, os n.ºs 2 e 3 do artigo 1817.º do CC previnem a hipótese de não estarem reunidas as condições de facto e de direito necessárias ao exercício do direito de ação dentro do prazo (objetivo) de dez anos previsto no n.º 1 do mesmo preceito legal, aditando a este prazo mais três anos, que apenas começará a correr quando essas mesmas condições estiverem efetivamente verificadas. A extinção do direito ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico só operará depois de esgotados todos os prazos de caducidade previstos no artigo 1817.º do CC – o que constitui uma importante válvula de segurança do sistema.
Desse modo, garante-se ao titular do direito fundamental virtualmente afetado pelo prazo de caducidade a possibilidade de instaurar a ação quando, uma vez decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do CC, surjam factos ou circunstâncias que tornem razoável o exercício tardio do direito de acção (13).
Como tem sido entendido, é sobre o investigante que recai o ónus de alegar os factos positivos que, uma vez demonstrados, permitam aferir se foram esses mesmos factos, tardiamente conhecidos, que possibilitaram e justificaram que a investigação apenas fosse levada a cabo nesse momento e não antes.
No fundo, será tal alegação e prova que colocará o investigante a coberto da previsão legal de que se pretende prevalecer com vista a exercer o seu direito para além do prazo geral de que disporia para esse efeito.
Contudo, segundo o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 17/09/2020 (relator Bernardo Domingos), in www.dgsi.pt., «[n]as acções de investigação de paternidade, intentadas nos termos da al. b) do nº 3 do art.º 1817º, ex vi do art.º 1873º do CC, compete ao Réu/investigado, o ónus de provar que o prazo de três anos referido no aludido normativo, já se mostrava expirado à data em que o investigante intentou a acção».
Constitui pressuposto de aplicação da al. c) do n.º 3 do art. 1817º do CC, no caso de inexistência de paternidade determinada, a alegação e prova por parte do autor da acção de investigação da paternidade de que obteve o conhecimento superveniente (isto é, depois de transcorrido aquela prazo geral de 10 anos) de factos ou circunstâncias que possibilitam ou justificam a investigação (14).

No caso ficou provado, no que ora releva, que:

- O autor nasceu em - de setembro de 1959, na freguesia de ..., concelho de Caminha.
- O autor foi registado como filho de M. F. e sem qualquer registo de paternidade.
- A mãe do autor, M. F. faleceu em - de Junho de 1999.
- A mãe do autor manteve com o réu relações sexuais de cópula completa.
- Foi na sequência dessas relações que a mãe do autor engravidou, gravidez essa de que veio a nascer o autor.
- A presente acção deu entrada em juízo em 24-06-2019.

Contudo, não ficou provado que:
- A mãe do autor foi empregada doméstica do réu, no final da década dos anos 50 e início da década dos anos 60.
- O autor sempre nutriu um grande carinho pelo réu, do qual era retribuído, mas nunca desconfiou, dos verdeiros motivos.
- O autor tentou junto do réu descobrir a verdade, mas o mesmo recusa-se a falar sobre o assunto.
- Em 2018, numa discussão com o seu irmão, o autor descobriu que a sua mãe e o réu mantiveram relações sexuais de cópula completa durante o tempo em que ela trabalhava como doméstica para o réu.
A demonstração deste último facto era imprescindível à sustentação da pretensão do autor.
Quer isto dizer que o autor não fez a prova de qualquer facto superveniente que justificasse a extensão do período temporal para a propositura da ação.
Assim, apesar de o autor, aqui recorrente, ter alegado factos que justificariam a propositura tardia da acção, a verdade é que não os logrou demonstrar, pelo que, não podendo o mesmo beneficiar do prazo subjectivo, mais alargado, que vem previsto na al. c) do n.º 3 do art. 1817.º do CC, é de aplicar ao caso o n.º 1 do mesmo normativo, nos termos do qual essas ações só podem ser propostas durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação
Considerando, pois, que o A. nasceu a - de setembro de 1959 e atingiu a maioridade a 17 de setembro de 1977, por referência ao fundamento no n.º 1 do art.º 1817º do CC o direito do A. investigar a sua paternidade está extinto, por caducidade, desde 17 de setembro de 1987.
Assim, tendo a ação sido instaurada apenas em 24-06-2019, procede a deduzida exceção perentória da caducidade do direito ao visado reconhecimento judicial da paternidade do A., com a inerente improcedência do pedido por si formulado (cfr. art. 576.º, n.ºs 1 e 3 do CPC), sendo, pois, de manter a sentença recorrida.
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3.2. Dada a confirmação da verificação da exceção de caducidade do direito de propor a ação de investigação da paternidade, fica prejudicada a apreciação da questão atinente à exceção de abuso de direito por parte do autor/recorrente.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - O prazo-regra da propositura da ação de investigação de paternidade é de 10 anos, contado a partir da maioridade ou da emancipação do investigante e os prazos especiais (dies a quo subjetivo) são de 3 anos a partir do momento em que o investigante tenha “conhecimento de (…) factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação” (art. 1817º aplicável às ações de investigação da paternidade “ex vi” do art. 1873º, ambos do Código Civil).
II - O conhecimento superveniente de que cuida a al. c) do n.º 3 do art. 1817º do Código Civil será aquele que se verifique depois de integralmente decorrido o prazo objetivo de dez anos previsto no n.º 1 do mesmo preceito.
III - Constitui pressuposto de aplicação da al. c) do n.º 3 do art. 1817º do Cód. Civil, no caso de inexistência de paternidade determinada, a alegação e prova por parte do autor da ação de investigação da paternidade de que obteve o conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitam ou justificam a investigação.
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V. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que o mesmo goza.
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Guimarães, 15 de abril de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Diversamente do sustentado pela recorrido, neste domínio é de seguir a orientação predominante no Supremo Tribunal de Justiça nos termos da qual as conclusões do recurso não têm de reproduzir todos os elementos do corpo das alegações; mais concretamente, a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar, formalmente, das conclusões recursórias, bastando incluí-las no corpo alegatório, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e certeza, com os concretos pontos de facto impugnados - cfr., neste sentido, Acs do STJ de 31/05/2016 (relator Garcia Calejo), de 28/04/16 (relator Abrantes Geraldes), de 21/04/2016 (relatora Ana Luísa Geraldes), de 18/02/2016 (relator António Leones Dantas), de 1/10/2015 (relatora Ana Luísa Geraldes), de 9/07/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 19/02/2015 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), todos consultáveis in www.dgsi.pt.; em idêntico sentido, na doutrina, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 771.
2. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
3. Acão especialmente intentada pelo filho não quer dizer ação submetida a forma de processo especial, mas apenas que a ação visa prioritariamente o reconhecimento da paternidade (cfr. F. Brandão Ferreira Pinto, Filiação Natural, Almedina, p. 303/304 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, p. 294). Por não lhe corresponder qualquer processo especial, a ação de investigação da maternidade segue a forma de processo comum de declaração (arts. 546º e 548º do CPC).
4. Cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2017 (relator João Pedro Caupers), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
5. Cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/1988 (relator Cardoso da Costa), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
6. Cfr. Ac. do STJ de 08/11/2016 (relator Fernandes do Vale), in www.dgsi.pt.
7. Cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 22/09/11 (relator Cura Mariano), disponível em www.tribunalconstitucional.pt. e acórdãos do STJ de 02.02.2017 (relator António Piçarra) e de 04.05.2017 (relator Tavares de Paiva), acessíveis em www.dgsi.pt.
8. O TEDH, no Acórdão de 3/10/2017, Silva e Mondim Correia v. Portugal, considerou que o sistema português de prazos de caducidade, por integrar prazos dies a quo subjectivos, não tinha natureza absoluta, pelo que não violava o art. 8º da CEDH.
9. Cfr., Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 22/09/11 (relator Cura Mariano) e n.º 247/2012, de 22/05 (relator Carlos Pamplona de Oliveira), disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
10. Cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 22/09/11 (relator Cura Mariano), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
11. Cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 247/2012, de 22/05 (relator Carlos Pamplona de Oliveira), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
12. Cfr., Acórdãos do STJ de 02.02.2017 (relator António Piçarra) e de 04.05.2017 (relator Tavares de Paiva), acessíveis em www.dgsi.pt.
13. Cfr., Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2017 (relator João Pedro Caupers), disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
14. Cfr. Acórdão do STJ de 28-05-2015 (relator Abrantes Geraldes), disponível em www.dgsi.pt.