Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1108/13.8TBCHV-A.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÃO DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
CUIDADOS DE SAÚDE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Não constitui questão de particular importância para a vida do filho a prestação corrente de cuidados de saúde, designadamente consultas médicas, administração de medicamentos, tratamentos dentários, salvo se para ele comportem risco para a sua vida ou integridade física, pelo que a decisão quanto a tais questões cabe apenas ao progenitor residente – art. 1906º, n.ºs 1 e 3 do Cód. Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

H. P., por si e em representação do filho menor M. P., instaurou incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais contra R. P..

Para tanto alegou, em resumo, os seguintes factos:
A requerente e o requerido são pais do menor M. P., nascido em -/04/2006, e que, por decisão proferida em 11/01/2007, no âmbito de divórcio por mútuo consentimento que teve lugar na Conservatória do Registo Civil, o menor ficou confiado à guarda e cuidado da mãe e o progenitor obrigado ao pagamento de uma pensão de alimentos pelo valor de 250,00 € mensais, bem como 50% das despesas extraordinárias com o menor.
Uma vez que, entre 2011 e 2013, o progenitor não procedeu ao pagamento do valor da pensão de alimentos devido, a requerente instaurou incidente de incumprimento das responsabilidades parentais,
Em 17/03/2014, foi obtido um acordo entre os progenitores nos termos do qual o valor da pensão de alimentos pelo período de um ano (ou seja, até março de 2015) foi reduzido para 125 €, e fixado o valor dos alimentos em dívida a vencer-se em 01/01/2015 no montante de 8.000 €.
À data da instauração do incidente, o requerido era devedor da quantia de 12.500,00 € referente a 50 prestações à razão cada uma delas de 250 €.
Acresce que o progenitor não contribuiu para as despesas de educação e saúde do menor, cujos valores ascendem ao total de 3.759,20 €, cabendo ao progenitor suportar metade ou seja, 1.879,60 €.
A progenitora exerce atividade profissional na «Sociedade de Mármores Central …, Lda» auferindo o valor mensal de 872,20 €, suporta 200,00 € de renda de casa e cerca de 150,00 € mensais em água, luz e gás.
O requerente, por sua vez, é socio gerente da sociedade «X & Filhos, Lda» que tem por objeto a confeção de vestuário, sendo ainda titular de um estabelecimento comercial.
Requer que, além de verificado o incumprimento e o requerido condenado no pagamento das quantias em falta, seja o mesmo condenado a pagar uma indemnização ao menor pelo decurso do tempo em que o privou da pensão de alimentos a que tem direito, de modo a dissuadi-lo de voltar a prevaricar.
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Notificado, o progenitor apresentou, nos termos do n.º 3 in fine do art. 41.º do RGPTC, alegações, pugnando pelo indeferimento da pretensão da Requerente (ref.ª 34481905).
Para tanto alegou, em resumo, corresponder à verdade que, devido a efetivas dificuldades económicas, deixou de conseguir efetuar o pagamento da pensão de alimentos acordada a partir de Agosto de 2011 até Março de 2014, no valor global de € 8.000,00, conforme o próprio reconheceu no âmbito do processo de Incumprimento das Responsabilidades Parentais n.º 1108/13.8TBC.
Sucede que, no âmbito do acordo alcançado nesse processo, o requerido ficou convencido que a pensão de alimentos tinha sido alterada para o montante de 125 € a título definito.
Reconhece que, efectivamente, dos 8.000 € que se fixou como sendo o valor em dívida, apenas liquidou 4.000 €.
No tocante à dívida no valor de 1.879,60 €, relativa a despesas de saúde e escolares, a requerente nunca lhe enviou qualquer comprovativo dessas despesas nem em momento algum reclamou o pagamento de qualquer despesa.
No que se refere às despesas médicas, não é responsável pelas mesmas, uma vez que o menor tem ao seu dispor médico de família, não se vislumbrando a necessidade de recurso sistemático a médicos particulares.
O requerido também nunca foi consultado quanto a tal questão, tendo a requerente decidido sozinha o recurso a tais médicos.
As despesas peticionadas a título de atividades extracurriculares – Estudo Acompanhado – não são devidas uma vez que o requerente não foi consultado, não tendo dado qualquer anuência ao mesmo.
A requerente reclama a quantia de 69,96 € referente a uma mochila adquirida no ano de 2019, a qual foi integralmente paga pelo progenitor.
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Designou-se data para a realização de uma conferência entre os progenitores, não tendo sido possível obter qualquer acordo (ref.ª 34575116).
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O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser verificado o incumprimento dos montantes peticionados (ref.ª 34920826).
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª 34932768), nos termos da qual, julgando parcialmente procedente o incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, em relação ao menor M. P., considerou em dívida, por parte do requerido, as seguintes quantias:

A) A título de pensão de alimentos em dívida desde Abril de 2015 a Outubro de 2020, a quantia de 8.750,00 € (oito mil setecentos e cinquenta euros);
B) A título de despesas extraordinárias de educação e saúde do menor, a quantia de 824,20 € (oitocentos e vinte e quatro euros e vinte cêntimos);
C) Absolveu o progenitor do demais peticionado.
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Inconformado, o requerido P. S. interpôs recurso dessa decisão (ref.ª 37679798), e formulou, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1.ª – O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 04/12/2020 com a Ref.ª: 34932768, no segmento decisório que condenou o Apelante no pagamento da quantia de € 824,20, a título de 50% das despesas extraordinárias de educação e saúde efetuadas com o menor M. P..
2.ª- A Apelada peticionou o pagamento da quantia global de € 422,98, correspondente a 50% de despesas efetuadas exclusivamente no sistema privado de saúde, não podendo o Requerido ser responsável pelo pagamento de tais despesas.
3.ª - O menor tem ao seu dispor médico de família e todo um sistema nacional de saúde, não se vislumbrando a necessidade do recurso ao sistema privado, a não ser em casos pontuais e específicos, sendo o recurso sistemático e até exclusivo ao sistema privado é um “luxo” para quem os possa custear, o que não é o caso do Apelante.
4.ª - Nos termos do art. 1906.º n.º 1 do Código Civil, as responsabilidades parentais são exercidas de forma conjunta no que às questões de particular importância se refere, sendo que estas deverão ser entendidas como as questões relacionadas com os direitos fundamentais reconhecidos às crianças, e que são essenciais ao seu desenvolvimento, como é o caso da saúde.
5.ª - Assim, e à semelhança do que sucede com a escolha do sistema de ensino, deverá ser decidido conjuntamente a escolha do sistema de saúde, isto é, os progenitores em conjunto deverão decidir pelo sistema de saúde público, ou pelo sistema de saúde privado.
6.ª - Desde logo, porque tal escolha significa uma opção entre um serviço tendencialmente gratuito e um serviço passível de acarretar o pagamento de quantias avultadas e sendo as despesas de saúde da responsabilidade de ambos os progenitores, Apelante e Apelada, em igual proporção, uma tal decisão terá que ser tomada por ambos sob pena do Apelante ser colocado numa situação em que não tem meios para custear tais despesas.
7.ª - Não tendo, comprovadamente, o Apelante, condições económicas que lhe permitam assumir um tal custo, não tendo sido previamente consultado relativamente a tal questão, e não sendo posto em causa o superior interesse da criança com recurso ao sistema de saúde público, não pode nem deve o Recorrente ser obrigado a aceitar e suportar os custos de uma tal decisão tomada unilateralmente pela Apelada.
8.ª - Se é verdade que sobre cada progenitor impende o dever e a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o necessário ao sustento dos filhos, não é menos verdade que tal princípio constitucional de igualdade de deveres se concretiza através da chamada proporção da contribuição, ou seja, cada um dos progenitores deverá contribuir na medida das suas capacidades económicas.
9.ª - A própria sentença recorrida reconhece, ainda que de forma indireta, que a Apelada deveria ter optado pelo sistema público de saúde, só recorrendo ao sistema privado em situações específicas e esporádicas, ou (conclusão nossa) caso tivesse anuência do aqui Apelante, mas, ainda assim, condena o Apelante nos exatos termos peticionados relativamente a esta questão.
10.ª – Não pode o Apelante se conformar com a fundamentação do Tribunal a quo e consequente decisão, pois que não está em causa se as despesas são ou não excessivas, mas se são ou não exigíveis ao progenitor que não foi tido em consideração na tomada dessa decisão.
11.ª - Ora, a determinação de se uma despesa é excessiva ou não, dependerá, inevitavelmente, das capacidades económicas de cada um, sendo que as despesas peticionadas pela Apelada são para o Apelante manifestamente excessivas, tanto mais, que, atendendo à idade do menor, este está isento do pagamento de taxas no serviço nacional de saúde, tornando ainda mais excessiva e desnecessária uma tal despesa.
12.ª - Não constituindo a prossecução do interesse superior da criança, a opção pelo sistema privado de saúde em detrimento do sistema público de saúde, a não ser em situações pontuais e de manifesta urgência, e não tendo o ora Apelante dado consentimento ao recurso exclusivo ao referido sistema de saúde, não poderá tal encargo ser transferido para o mesmo, devendo a Apelada, que de forma unilateral assim decidiu, assumir integralmente tal custo.
13.ª - Sem prescindir, e por mera cautela, caso se considere que sobre o Apelante impende a obrigação de pagamento de 50% das despesas referidas no artigo n.º 4 deste articulado, o que não se espera e apenas se concebe como mera hipótese académica, sempre teriam que ser subtraídas as despesas contidas nos documentos 56 e 71, no valor respetivamente de € 19,00 e 304,70 a primeira por corresponder a uma duplicação das despesas dos documentos 55 e 57 e a segunda por não resultar de tal documento tratar-se de uma despesa com um tratamento médico, ou se o mesmo era necessário e primordial para o menor.
14.ª - Ao decidir nos moldes em que decidiu, e relativamente a este segmento decisório, a sentença recorrida violou o disposto no art. 1906.º n.º 1 do C.C., violando igualmente o estabelecido no art. 36.º da CRP.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida na parte relativa às despesas de saúde, ordenando-se que a mesma seja substituída por outra que absolva o Apelante dos valores peticionados a título de despesas de saúde a que se referem os documentos aludidos no antecedente artigo 4 deste articulado, com exclusão da despesa incorporada no documento n.º 52, sendo pois, apenas condenado a este título no pagamento do montante de € 20,60.
Caso assim se não entenda, o que não se espera e apenas se concebe como mero raciocínio hipotético, deverá tal quantia ser reduzida ao montante de € 261,13, excluindo-se as verbas constantes dos documentos 56 (€ 19,00) e 71 (€ 304,70).
Com o que se fará
A mais inteira e sã JUSTIÇA».
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A requerente e o Ministério Público apresentaram contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso e confirmação da decisão recorrida (ref.ªs 37841690 e 2520301).
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O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo, a subir imediatamente e nos próprios autos (ref.ª 35265579).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se existe fundamento para a revogação do segmento decisório que condenou o apelante no pagamento da quantia de € 824,20, a título de 50% das despesas extraordinárias de educação e saúde efetuadas com o filho menor.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

1. Por acordo de divórcio outorgado no âmbito de processo de divórcio por mútuo consentimento em - de Janeiro de 2007, o menor M. P. ficou confiado à guarda e cuidados da mãe e o progenitor obrigado ao pagamento de uma pensão de alimentos no montante de 250 € mensais.
2. No âmbito de incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais em 17/03/2014 foi obtido um acordo nos termos do qual, durante um ano o pai procederia ao pagamento da pensão de alimentos pelo montante de 125 €, fixando o valor em divida até esse momento em 8.000 €.
Nos termos do disposto nos arts. 607º, n.º 3 “ex vi” do 663º, n.º 2, ambos do CPC, têm-se ainda por relevantes os seguintes factos provados (com base na prova documental junta aos autos com o requerimento do incidente de incumprimento):
3. No acordo referido em 1 mais ficou acordado que o progenitor suportará, também, cinquenta por cento das despesas extraordinárias tidas com o menor, desde que as mesmas estejam devidamente comprovadas por documento idóneo.
4. A requerente suportou as seguintes despesas com a educação e saúde do menor, designadamente (1):
- factura n.º 1095 de 03/12/2015 (estudo acompanhado) pelo valor de 60 €;
- factura n.º 33 de 07/01/2016 (estudo acompanhado) pelo valor de 60€;
- factura 147 de 01/02/2016 (estudo acompanhado) pelo valor de 60 €;
- factura 006/3975 de 03/02/2016 (despesa de farmácia) pelo valor de 10,74 €;
- factura 006/5730 de 17/02/2016 (despesa de farmácia) pelo valor de 13,40 €;
- factura 296 de 01/03/2016 (estudo acompanhado) pelo valor de 60 €;
- factura 443 de 01/04/2016 (estudo acompanhado) pelo valor de 60 €;
- factura 2016/0000044147 (HP.. - consulta de psiquiatria e de psicologia) de 29/03/2016 pelo valor de 70 €;
- factura 595 de 04/05/2016 (estudo acompanhado) pelo valor de 60 €;
- factura 006/37313 de 18/11/2016 (despesa de farmácia) pelo valor de 3,38 €;
- factura 006/10895 de 30/03/2016 (despesa de farmácia) pelo valor de 0,66 €;
- factura 2016/00000 de 12/04/2016 (HP.. - consulta de pediatria) pelo valor de 40 €;
- factura 009/6780 de 03/05/206 (despesa de farmácia) pelo valor de 4,82 €;
- factura 006/13750 de 09/05/2016 (despesa de farmácia) pelo valor de 18,27 €;
- factura 2843 de 24/11/2016 (clinica de medicina dentária) pelo valor de 30 €;
- factura 2355 de 14/03/2016 (clinica de medicina dentária) pelo valor de 28,00 €;
- factura 12420/2016 de 14/09/2016 (material escolar) pelo valor de 153,75 €;
- factura 036/391907 de 25/09/2016 (material escolar) pelo valor de 13,30 €;
- factura 1141 datada de 15/09/2016 (estudo acompanhado) pelo valor de 37,50 €;
- factura 1200 de 30/09/2016 (estudo acompanhado) pelo valor de 65,00 €;
- factura 037/094598 de 15/09/2016 (material escolar) pelo valor de 28,83 €;
- factura 14475/2016 de 11/10/2016 (material escolar) pelo valor de 8,11 €;
- factura 1504 de 5/12/2016 (estudo acompanhado) pelo valor de 65 €;
- factura 6 de 10/01/2017 (estudo acompanhado) pelo valor de 65 €;
- factura 1551 datada de 16/01/2017 (consulta de podologia) pelo valor de 35 €;
- factura 1559 datada de 23/01/2017 (consulta de podologia) pelo valor de 20 €;
- factura 1567 datada de 27/01/2017 (consulta de podologia) pelo valor de 20 €;
- factura 1577 datada de 02/02/2017 (consulta de podologia) pelo valor de 20 €;
- factura 202 datada de 05/02/2017 (estudo acompanhado) pelo valor de 65 €;
- factura 266 datada de 01/03/2017 (estudo acompanhado) pelo valor de 65 €;
- factura 4149 datada de 25/03/2017 (Casa da Saúde) pelo valor de 10 €;
- factura 458 datada de 06/04/2017 (estudo acompanhado) pelo valor de 65 €;
- factura 565 datada de 04/05/2017 (estudo acompanhado) pelo valor de 65 €;
- factura 965 datada de 14/07/2017 (estudo acompanhado) pelo valor de 102,50 €;
- factura 2017/00000102233 de 19/07/2017 (HP.. - consulta de pediatria) pelo valor de 40 €;
- factura 1239 datada de 13/09/2017 (estudo acompanhado) pelo valor de 37,50 €;
- factura 13429/2017 datada de 15/09/2017 (material escolar) pelo valor de 29,17 €;
- factura 12811/2017 datada de 15/09/2017 (material escolar) pelo valor de 113,99 €;
- factura 1371 datada de 04/10/2017 (estudo acompanhado) pelo valor de 65 €;
- factura 2017/378 de 10/10/2017 (exame médico desportivo) pelo valor de 10 €;
- factura 1499 de 02/11/2017 (estudo acompanhado) pelo valor de 65 €;
- factura 1671 de 05/12/2017 (estudo acompanhado) pelo valor de 65 €;
- factura 109 de 07/02/2018 (estudo acompanhado) pelo valor de 75 €;
- factura 199 datada de 07/03/2018 (estudo acompanhado) pelo valor de 75,83 €;
- factura 72458 de 23/04/2018 (análises clínicas) pelo valor de 16,56 €;
- factura 2018/00000595351 de 16/04/2018 (HP.. - consulta de pediatria/neonatologia) pelo valor de 15 €;
- factura 008/12037 de 17/04/2018 (despesa de farmácia) pelo valor de 19,25 €;
- factura 318 de 04/05/2018 (estudo acompanhado) pelo valor de 65 €;
- factura 2554 de 26/06/2018 (consulta de podologia) no valor de 25 €;
- factura 11187/2018 de 28/08/2018 (material escolar) no valor de 203,37 €;
- factura 13135/2018 de 19/09/2018 (material escolar) no valor de 31,44 €;
- factura 715 datada de 04/10/2018 (estudo acompanhado) no valor de 75 €;
- factura 813 de 12/11/2018 (estudo acompanhado) no valor de 75 €;
- factura 827 de 30/11/2018 (estudo acompanhado) no valor de 75 €;
- factura 50 de 10/01/2019 (estudo acompanhado) no valor de 87,50 €;
- factura 19/0000011016 de 31/03/2019 (episódio de urgência do H.Privado …) no valor de 41,20 €;
- factura 202 de 12/03/2019 (estudo acompanhado) no valor de 87,12 €;
- factura 282 de 09/04/2019 (estudo acompanhado) no valor de 87,88 €;
- recibo VR2019/672 de 24/04/2019 (HP..) no valor de 19,00 € (2);
- factura 345 de 08/05/2019 (estudo acompanhado) no valor de 75 €;
- factura VR2019/0000015079 de 04/05/2019 (HP..) no valor de 2,50 €;
- factura VR2019/0000017478 de 22/05/2019 (HP../Pediatria) no valor de 15,00 €;
- factura 1/1768 de 26/09/2019 (exame médico desportivo) no valor de 10 €;
- factura 2019/0000116519 de 11/07/2019 (HP../Pediatria/neonatologia) no valor de 15 €;
- factura 2019/0000034621 de 23/09/2019 (serviço médico) no valor de 15 €;
- factura 009/30479 de 24/09/2019 (despesa de farmácia) no valor 42,16 €;
- factura 009/14323 de 03/05/2019 (despesa de farmácia) no valor de 19,25 €;
- factura 11612/2019 de 14/09/2019 (despesa de farmácia) no valor de 93,62 €;
- factura 1/1768 de 26/09/2019 (exame médico desportivo) no valor de 10 €;
- factura n.º 851 de 30/09/2019 (terapia específica) no valor de 304,70 €.
5. O requerido não custeou tais despesas.
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V. Fundamentação de direito.

1. Da revogação do segmento decisório que condenou o apelante no pagamento da quantia de € 824,20, a título de 50% das despesas extraordinárias de educação e saúde efetuadas com o filho menor.
O recorrente insurge-se contra a decisão recorrida na parte em que o condenou a pagar a quantia correspondente a 50% de despesas efetuadas exclusivamente no sistema privado de saúde, posto que tratando-se de uma questão de particular importância a escolha do sistema de saúde (público/privado) deverá ser decidida conjuntamente por ambos os progenitores, até pelas repercussões económicas que daí poderão advir, podendo o apelante ser colocado numa situação em que não tem meios para custear tais despesas
Acrescenta que, não constituindo a prossecução do interesse superior da criança, a opção pelo sistema privado de saúde em detrimento do sistema público de saúde, a não ser em situações pontuais e de manifesta urgência, e não tendo o apelante dado consentimento ao recurso exclusivo ao referido sistema de saúde, não poderá tal encargo ser transferido para o mesmo, devendo a apelada, que de forma unilateral assim decidiu, assumir integralmente tal custo.

Vejamos como decidir.
Estipulando especificamente acerca do conteúdo das responsabilidades parentais, prescreve o art. 1877º do Código Civil (CC) que “os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação”, competindo aos pais, “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” – cf. o n.º 1 do art. 1878º do CC –, bem como, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos (cfr. art. 1885º do CC)..

E, no que respeita aos deveres dos pais e filhos por efeitos da filiação, aduz o art. 1874º do Cód. Civil que:
1. Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.
2. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”.

Prevendo acerca do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, estatui o art. 1906º do CC que:

1 – As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 – Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 – O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
(…)
6 – Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
7 – O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.

A obrigação ou dever de alimentos estabelecido a favor dos filhos menores assume contornos particulares face à natureza dos direitos envolvidos, que encontram suporte no art. 36º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), no qual se dispõe que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”.
Trata-se de um dever fundamental, constitucionalmente autonomizado, que tem por beneficiários imediatos os filhos, vinculando o progenitor que não tem a guarda do filho ao dever de lhe prestar alimentos (3).
Segundo o disposto no n.º 1 do art. 2003.º do CC (“noção”) «por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário», compreendendo também o que é necessário à “instrução e educação do alimentado, no caso de este ser menor” – n.º 2 do mesmo artigo.

Quanto à medida dos alimentos rege o art. 2004.º do CC nos termos seguintes:
«1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência».

Revestindo natureza assistencial ou alimentar, a obrigação legal alimentícia visa proporcionar ao alimentando a possibilidade de viver com autonomia e dignidade (4).
Os alimentos decorrentes do exercício das responsabilidades parentais têm um conteúdo particular, destinando-se a suprir as carências do alimentando, compreendendo tudo o que é indispensável ao seu sustento, vestuário, habitação, segurança e saúde [conteúdo genérico da obrigação alimentar], e bem assim como à instrução e educação do alimentando menor [conteúdo específico da obrigação alimentar], face ao preceituado pelos arts. 2003°, n.°s 1 e 2, 1878º, 1879° e 1880°, do CC (5).
O objeto da prestação alimentar no caso de o credor ser ainda menor é mais amplo do que a que resulta do n.º 1 do art. 2003º do CC, em geral, para as prestações de alimentos, pois abrange também as despesas respeitantes à instrução e educação (art. 1885º), assim como as que decorrem do cumprimento dos deveres integrados nas responsabilidades parentais (art. 1878º) (6).

Na previsão do regime adjectivo do presente processo tutelar cível, o n.º 1 do art. 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08/09, dispõe:
Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respectivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos”.
O incidente em apreço caracteriza-se por ser composto por uma vertente declarativa, em que se aprecia e decide se houve um incumprimento relevante e se pode condenar o incumpridor no pagamento de uma multa e/ou em indemnização, e uma vertente executiva, em que podem ser impostos determinados expedientes legais por forma a garantir o cumprimento coercivo do que tenha sido incumprido (7).
O processo de incumprimento do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação de uma situação (ou várias) de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental (provisório ou definitivo) estabelecido (8).
Como vimos, do quadro legal supra enunciado decorre que, nos diversos casos de rutura da relação entre os progenitores, a lei estabelece o regime regra do exercício conjunto por ambos os progenitores das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida dos filhos (art. 1906º, n.º 1 do CC) (9).

A doutrina (10) e a jurisprudência têm elencado entre as situações concretas que podem enquadrar-se dentro do conceito geral sobre situações de particular importância para a vida do filho – traduzido em atos com uma certa gravidade e que se praticam raramente –, a que se referem os arts. 1901º, n.º 2, e o 1906º, n.º 2, ambos do CC, as seguintes:

- decisões sobre intervenções cirúrgicas do filho (inclusive as estéticas) que não sejam absolutamente necessárias;
- saída do filho para o estrangeiro, não em turismo, mas em mudança de residência;
- obtenção de licença para a condução de ciclomotores;
- escolha de ensino particular ou ensino público para a escolaridade do filho;
. mudança de escola;
- atos de administração dos bens do filho que envolvam oneração;
- educação religiosa do filho até aos dezasseis anos;
- prática de atividades desportivas que representem um risco para a saúde ou integridade física do filho;
- autorização parental para o filho contrair casamento;
- orientação profissional do filho;
- uso de contraceção ou interrupção de uma gravidez;
- participação em casting para cinema ou telenovela:
- participação da criança em anúncios com divulgação de imagens;
- divulgação de fotografia da criança em redes socais;
- exercício de uma atividade profissional pela criança
- mudança de residência da criança para local distante da residência atual;
- requisição de passaporte.
- a inclusão dos apelidos paternos no nome da criança.

O conceito de “questão de particular importância” deve, pois, reservar-se para um número reduzido de situações, a interpretar casuisticamente. Esta aplicação apenas a casos existenciais restritos e graves justifica-se precisamente por razões de segurança jurídica, de estabilidade na vivência dos menores e para reduzir os conflitos parentais judicializados (11).
Apenas nos casos excecionais, e mediante decisão fundamentada, poderá aquela regra ser afastada pelo tribunal, face à conclusão, não meramente de que a mesma não é adequada, mas que se revela contrária aos interesses do menor (n.º 2 do art. 1906º do CC).
Já o exercício das responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente – reportada a “todas as decisões mais ou menos banais que se tomam quotidianamente” (12) – caberá ao progenitor com quem a criança reside habitualmente ou com quem ela se encontra ocasionalmente (no momento em que a decisão deva ser tomada) - n.º 3 do art. 1906º do CC.
No caso, ao acordarem quanto à regulação do, então, exercício do poder paternal ficou estabelecido que o menor ficava confiado à guarda e cuidados da mãe e o progenitor entregaria à progenitora, a título de pensão de alimentos, a prestação mensal de 250,00 € mensais.
Mais acordaram que o progenitor suportaria, também, 50% das despesas extraordinárias tidas com o menor, desde que as mesmas estivessem devidamente comprovadas por documento idóneo.
Ressalve-se antes de mais não estar em discussão na apelação se as despesas reclamadas (de saúde, médicas e medicamentosas e de educação) integram, ou não, o conceito de despesas extraordinárias.
O mesmo é dizer que não está em causa a interpretação da referida cláusula “negocial” referente às despesas extraordinárias com a criança, pelo que não será necessário recorrer aos critérios interpretativos da declaração negocial previstos nos arts. 236º a 239º do CC.
Ora, tendo presente as enunciadas premissas, a nosso ver, as consultas e o atos médicos ou clínicos que motivaram as despesas médicas retratadas nas faturas apresentadas (consultas de pediatria, neonatologia, psiquiatria, psicologia, podologia, medicina dentária, exames médicos desportivos), temporalmente intercaladas, não podem, nem devem, ser qualificadas como questões de particular importância, a demandarem o exercício em conjunto por ambos os progenitores. Estando em causa a prestação corrente de cuidados de saúde, designadamente consultas médicas, exames, administração de medicamentos, tratamentos dentários, e não se evidenciando que os mesmos comportem risco para a vida ou integridade física da criança, é de concluir que tais atos não integram o conceito legal de questão de particular importância para a sua vivência (13), não fazendo parte do núcleo das responsabilidades parentais a exercer, em conjunto, por ambos os progenitores.
Com efeito, a sua natureza de rotina ou reiteração, fazendo parte do crescimento da criança, retiram-lhe aquela concepção de questão nuclear, dotada de uma relevância acrescida ou decisiva para a vida do filho, de raridade ou gravidade, justificativa daquele enquadramento.
Daí que se considere deverem antes ser entendidas como questões correntes da vida do filho, ou seja, actos da sua vida quotidiana, o que permitirá uma maior agilização na sua concretização e efectivação, a qual poderia ser colocada em causa caso se exigisse aquele exercício conjunto, salvaguardadas as situações de urgência manifesta (14) – cf., o n.º 1, do art. 1906º do CC.
Donde se conclui que a decisão quanto a elas cabe apenas ao progenitor residente, sem necessidade de procurar o consentimento do outro.
Mas será que ainda assim se imporá onerar o progenitor não residente com o pagamento da sua parte nas referidas despesas quando estas foram efetuadas por decisão unilateral do progenitor residente, e sem que aquele para elas tivesse sido ouvido?
Responder-se-á dando nota que, no acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, os progenitores não fizeram qualquer referência à necessidade de prévio consentimento por parte do progenitor não residente no tocante à realização destas despesas, o que significa que ambos confiaram no prudente arbítrio da progenitora residente, também ela interessada uma vez que terá de arcar com o pagamento da sua parte em tais despesas.
Deste modo, é de concluir que as despesas que a requerente reclama não impunham prévio consentimento do requerido.
Não desconhecemos a problemática no tocante a saber se a opção entre os serviços públicos de saúde e um médico ou clínica privados são atos da vida corrente, havendo quem considere que a escolha entre uma clínica privada ou um hospital público pode integrar a zona cinzenta do conceito indeterminado de “questões de particular importância” (15).
É de admitir que, nos casos em que a escolha entre o serviço público e privado de saúde significa a opção entre um serviço tendencialmente gratuito e o pagamento de quantias avultadas, sendo as despesas da responsabilidade de ambos os progenitores, em igual proporção, nessas situações, a opção deve ser decidida por ambos. De outro modo, se o progenitor residente optar por uma clínica privada, sem o consentimento do outro progenitor, pode desencadear-se a situação deste não ter meios para custear tais despesas (16).
Sem embargo duma ressalva que adiante explicitaremos, julgamos serem irrelevantes as objeções levantadas pelo recorrente quanto ao facto de a recorrida ter recorrido a entidades hospitalares/médicas privadas, ao invés de hospitais públicos, para a prestação de tais cuidados de saúde.
Em primeiro lugar, porque não se mostra comprovada qualquer situação abusiva por parte da progenitora, sendo certo que a mesma terá também de custear o pagamento de metade de tais despesas.
Em segundo lugar, porque nalguns casos o recurso ao serviço público revelar-se-ia ineficiente (como é, por exemplo, o caso de consultas na especialidade de medicina dentária, praticamente inexistente) e noutros casos o sector público não consegue dar resposta em tempo útil às solicitações dos beneficiários do SNS, com a inerente entrada em lista de espera e a dilação entre a marcação de consultas, o que pode não se compadecer com a necessidade da prestação corrente de cuidados de saúde a uma criança, de modo a salvaguardar o seu adequado crescimento e desenvolvimento físico.
A única despesa que nos suscita reservas é a que se mostra titulada no documento n.º 71, descrita como “Terapia Específica Lais Gra 60 CPR”, correspondente ao montante de € 304,70.
Neste ponto, afigura-se-nos assistir razão ao apelante, posto não resultar do referido documento se se trata de um tratamento médico e se o mesmo era, ou não, necessário.
A estas fundadas reservas acresce o seu elevado valor, pelo que relativamente a essa despesa julgamos que se justificaria que a progenitora residente desse prévio conhecimento ao outro progenitor da necessidade da realização de tal despesa ou, sendo inviável dada a sua manifesta urgência, pelo menos subsequentemente à sua verificação (art. 1906º, n.º 6 do CC), sob pena deste não ser responsável pelo seu pagamento.
Deve por isso tal verba ter-se como excluída do cômputo de despesas extraordinárias a cargo de ambos os progenitores.
Assiste igualmente razão ao apelante quando refere que as despesas peticionadas e incorporadas no documento/recibo n.º 56 são exatamente as mesmas despesas que constam dos documentos n.ºs 55 e 57, correspondendo a uma duplicação do valor de € 19,00.
Importa, por isso, excluir essas despesas em duplicado.
Quanto ao mais, prevendo-se no acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais que metade das despesas extraordinárias sejam pagas pelo pai (progenitor não residente), deverá este suportar tais despesas nessa proporção, independentemente do seu prévio consentimento relativamente à sua realização.

Refazendo o cálculo de tais despesas extraordinárias, apuram-se os seguintes valores:
- € 553,13 a título de educação (17);
- € 761,94 a título de saúde.
Logo, a dívida do apelante, a título de 50% das despesas extraordinárias de educação e saúde com o menor, cifra-se em 657,54 € [= 1.315,07 : 2].
Termos em que procede parcialmente a apelação.
*
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como a apelação foi julgada parcialmente procedente, mercê do princípio da causalidade, as custas serão da responsabilidade de ambos os progenitores, na proporção do respetivo decaimento, correspondente a 4/5 a cargo do recorrente/requerido e 1/5 da recorrida (art. 527º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o requerido.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7, do CPC):

I - Não constitui questão de particular importância para a vida do filho a prestação corrente de cuidados de saúde, designadamente consultas médicas, administração de medicamentos, tratamentos dentários, salvo se para ele comportem risco para a sua vida ou integridade física, pelo que a decisão quanto a tais questões cabe apenas ao progenitor residente – art. 1906º, n.ºs 1 e 3 do Cód. Civil.
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VI. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, e, em consequência, revogando parcialmente a decisão recorrida, decidem julgar parcialmente procedente o incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais considerando em dívida, por parte do requerido, a quantia de 657,54 € (seiscentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de despesas extraordinárias de educação e saúde do menor.
Quanto ao mais, confirmam a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo de ambos os progenitores, na proporção do respetivo decaimento, correspondente a 4/5 a cargo do recorrente e 1/5 da recorrida (art. 527º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o recorrente/requerido.
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Guimarães, 25 de março de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1. Não se atendeu às faturas 2019/4684, de 09/09/2019 (doc. 64) e 2019/88, de 14/09/2019 (doc. 65), ambas no valor de 69,96 €, uma vez que, como se refere na decisão recorrida, ambas as partes reconheceram que foi o progenitor quem a suportou na totalidade.
2. As faturas VR2019/000005204 (doc. 55) e VR2019/0000005202 (doc. 57), de 24/04/2019, respetivamente no valor de 4,00 € e 15,00 €, estão incluídas no recibo VR2019/672 (doc. 57), de 24/04/2019, no valor de 19,00 €, pelo que apenas se atendeu a este último.
3. Cfr. Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2015 do Supremo Tribunal de Justiça de 19/03/2015, publicado no Diário da República n.º 85/2015, Série I de 2015-05-04.
4. Cfr. Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume II, 2017, Almedina, p. 903 e Maria João Vaz Tomé, obra citada, p. 1057.
5. Cfr. Ac. do STJ de 12/07/2011 (relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt.
6. Cfr. Rute Teixeira Pedro, obra citada, p. 903 e Maria João Vaz Tomé, Código Civil Anotado, Livro IV - Direito da Família (Coord. Clara Sottomayor), Almedina, p. 1057.
7. Cfr. Ac. da RL de 22/10/2020 (relator Adeodato Brotas), in www.dgsi.pt.
8. Cfr., Ac. da RL de 22/02/2018 (relatora Cristina Neves); em sentido similar, o Ac. da RE de 05/12/2019 (relator Tomé de Carvalho) e o Ac. da RL de 8/10/2020 (relator Carlos Castelo Branco), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
9. Como se aduz na Exposição de motivos do Projecto de Lei n.º 509/X, que deu origem à Lei n.º 61/2008, de 31/10, a “imposição do exercício conjunto das responsabilidades parentais para as decisões de grande relevância da vida dos filhos decorre ainda do respeito pelo princípio do interesse da criança. Também aqui se acompanha a experiência da jurisprudência e a legislação vigente em países que, por se terem há mais tempo confrontado com o aumento do divórcio, mudaram o regime de exercício das responsabilidades parentais da guarda única para a guarda conjunta. Isso aconteceu por terem sido verificados os efeitos perversos da guarda única, nomeadamente pela tendência de maior afastamento dos pais homens do exercício das suas responsabilidades parentais e correlativa fragilização do relacionamento afectivo com os seus filhos (…). Impõem-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais, salvo quando o tribunal entender que este regime é contrário aos interesses do filho. O exercício conjunto, porém, refere-se apenas aos “actos de particular importância”; a responsabilidade pelos “actos da vida quotidiana” cabe exclusivamente ao progenitor com quem o filho se encontra. Dá-se por assente que o exercício conjunto das responsabilidades parentais mantém os dois progenitores comprometidos com o crescimento do filho; afirma-se que está em causa um interesse público que cabe ao Estado promover, em vez de o deixar ao livre acordo dos pais; reduz-se o âmbito do exercício conjunto ao mínimo – aos assuntos de “particular importância”. Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito; espera-se que, ao menos no princípio da aplicação do regime, os assuntos relevantes se resumam a questões existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças. Pretende-se que o regime seja praticável – como é em vários países europeus – e para que isso aconteça pode ser vantajoso não forçar contactos frequentes entre os progenitores. Assim se poderá superar o argumento tradicional de que os pais divorciados não conseguem exercer em conjunto as responsabilidades parentais”.
10. Cfr. Helena Bolieiro/Paulo Guerra, A Criança e a Família - Uma Questão de Direitos, Visão Prática dos Principais Institutos do Direito e da Família e das Criança e Jovens, 2ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 196/197, nota 24, José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, Responsabilidades Parentais e Alimentos, De acordo com as Leis n.ºs 48/2018 e 49/2018, de 14 de agosto, Quid Juris, 2018, pp. 124 e 125, Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6ª ed. Almedina, 2014, pp. 310/325 e Rita Lobo Xavier, in Recentes alterações ao regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais (Lei n.º 6//2008. de 3/ de Outubro), Almedina, 2009, p. 67.
11. Cfr. Ac. da RP de 25/09/2018 (relatora Lina Baptista), in www.dgsi.pt.; Maria Clara Sottomayor, obra citada, p. 312 e Estrela Chaby, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume II, 2017, Almedina, p. 810.
12. Cfr. Guilherme de Oliveira, Manual de Direito da Família, 2020, Almedina, p. 306.
13. Cfr., em sentido similar, Ac. RP de 14/11/2017 (relator Rodrigues Pires), in www.dgsi.pt.
14. Cfr., neste sentido, Ac. da RL de 4/06/2020 (relator Arlindo Crua), in www.dgsi.pt, cuja fundamentação, nesta parte, vimos seguindo de perto com a introdução das necessárias adaptações. Como se decidiu no Ac. da RP de 25/09/2018 (relatora Lina Baptista), in www.dgsi.pt, a submissão de um menor a consultas de psicologia clínica, nos dias de hoje, não deve considerar-se ato de particular importância, por se ter tornado num expediente corrente a que os pais recorrem crescentemente em casos de suspeitas de inadaptação social ou emocional. Deverá, portanto, considerar-se um mero ato da vida corrente, confiando-se no poder de decisão da progenitora com quem a criança reside, que, por cuidar dela diariamente, presumivelmente conhecerá melhor as suas necessidades.
15. Cfr. Hugo Leite Rodrigues, Questões de Particular Importância no Exercício das Responsabilidades Parentais, Coimbra Editora, pp. 180/182.
16. Cfr. Clara Emanuel Coelho Silva Fernandes, O Exercício das Responsabilidades Parentais Quanto às Questões de Particular Importância, dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 55, https://eg.uc.pt/bitstream/10316/86415/1/O%20exerc%C3%ADcio%20das%20Responsabilidades%20Parentais%20quanto%20%C3%A0s%20Quest%C3%B5es%20de%20Particular%20Import%C3%A2ncia.pdf,
17. Deverá ter-se presente estar excluída a questão atinente às despesas reclamadas com o “estudo acompanhado” visto estar já definitivamente decidido (sem que tenha sido objeto de recurso – art. 635º, n.º 5 do CPC) que estas mensalidades não se integram no conceito de despesas extraordinárias de educação, dado que, pela sua natureza, não se apresentam como imprevisíveis e variáveis, sendo antes previsíveis e regulares.