Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
600/20.2T8FAF.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
RISCO DO NEGÓCIO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- A remuneração do contrato de mediação imobiliária encontra-se prevista de forma imperativa no nº 1 do artigo 19º do DL 15/2013: constitui-se com a celebração do contrato visado ou, nos casos em que foi expressamente acordado que independentemente da concretização do negócio visado a mesma seria devida pela celebração do contrato promessa, nesse momento.
2- São três os requisitos para que a mediadora possa exigir o pagamento da remuneração, nos termos do nº 2 do artigo 19º do DL 15/2013: 1 -- que o contrato de mediação tenha sido celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; 2 -- que tenha sido acordado o regime de exclusividade; 3—e que a não concretização do negócio visado tenha causa imputável ao cliente.
3- Porque com esta norma não se pretende transferir o risco do negócio de mediação para a contraparte (o cliente da mediadora), mas defender a mesma dos comportamentos desta que violem o contrato celebrado entre ambos, também aqui, para se verificar o dever de remunerar apesar da falta de celebração do contrato definitivo, se exige a culpa da contraparte (o cliente devedor), nos termos gerais previstos no artigo 798º do Código Civil.
4- Quanto aos ónus da prova, há que considerar que quem quiser beneficiar desta norma tem que provar os seus factos constitutivos ou pressupostos, entre os quais aqueles que permitam determinar a quem é imputável a não concretização do negócio.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

Identificação do processo:
--- Autores e Apelados: P. C. e P. S.
--- Ré e Apelante: Era …, Imóvel … – Mediação Imobiliária, Lda
Autos de: apelação (em ação declarativa sob a forma de processo comum)
Petição inicial
O pedido da ação consistiu na condenação da Ré a restituir aos Autores a quantia de € 6.150,00, acrescida dos juros vencidos no valor de € 629,25 e vincendos, à taxa legal de 12%, até efetivo e integral pagamento.
Os Autores, para tanto, invocaram, em síntese, que solicitaram verbalmente à Ré que diligenciasse pela obtenção de comprador para um imóvel de que eram proprietários, o que a mesma fez, tendo sido celebrado um contrato promessa com o potencial comprador. Aquando da celebração de tal contrato promessa foi entregue à Ré a quantia de € 6.150,00, que os Autores julgaram que seria por adiantamento da comissão devida na celebração do contrato prometido. No entanto, tal contrato prometido não se realizou por razões a que alegam ser alheios. Defenderam a aplicação do regime da nulidade do contrato ou do instituto do enriquecimento sem causa.
Contestação

A Ré contestou, afirmando que o contrato foi reduzido a escrito e que o negócio prometido não foi celebrado por causa imputável aos Autores, pedindo a condenação dos mesmos como litigantes de má-fé em multa e indemnização não inferior a 2.000,00 €.
Saneados os autos e realizado julgamento foi proferida sentença que condenou a Ré no pagamento/restituição aos Autores da quantia de € 6.150,00, acrescida de juros civis à taxa legal, desde 9-8-2019, até efetivo e integral pagamento.

É desta decisão que a Recorrente apela, formulando, para tanto, as seguintes
conclusões:
1. O Tribunal a quo julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a restituir aos Autores o valor da remuneração recebida;
2. É desta decisão que se recorre ao abrigo dos artigos 629º, 631º e 644º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, de ora em diante C.P.C.,
3. A Recorrente impugna a decisão de facto e a decisão de Direito.
4. Para a reapreciação da decisão de facto o Recorrente requer a reapreciação da prova gravada.
5. Impugna-se a decisão de facto sobre os pontos f) e h) dos factos não provados.
6. A Recorrente entende que a prova testemunhal e documental impõe que os factos considerados não provados sejam considerados provados, ainda que em termos diferentes dos descritos na decisão negativa.
7. Os factos constantes das alíneas f e h) dos factos não provados deveriam ser considerados provados nos seguintes termos:
“Os Autores, por intermédio de mandatária, comunicaram à colaboradora da Ré que iriam revogar o contrato promessa de compra e venda com o comprador”
E,
Tendo os Autores, por intermédio da mandatária, dito à colaboradora da Ré que já não iriam participar nas reuniões por terem recebido a comissão e nada mais terem a ver com o assunto.
8. Impõe a decisão nos seguintes termos os meios de prova infra identificados:
a) Prova documental:
O documento junto com o requerimento com a ref.ª 36883968 pela Autora que consiste Acordo de Revogação do Contrato Promessa de Compra e Venda”
b) Prova testemunhal:
b.1- Depoimento de parte da Autora:
Transcrição do Processo nº 600/20.2T8FAF
02 de junho de 2021
Depoimento de parte da Autora – P. C.
10:06:59 às 10:49:15, concretamente entre os 00:27:50 e os 00:31:10 minutos.
A Autora reconhece que aceitou revogar o contrato de promessa.
b.2 – Depoimento da testemunha S. M.:
Transcrição do Processo nº 600/20.2T8FAF
02 de junho de 2021
Testemunha arrolada pelos Autores e pela Ré – S. M.
11:10:43 às 11:31:36, concretamente entre 00:05:15 e os 00:06:30 minutos.
A testemunha declarou de forma objectiva que a mandatária dos Autores, aquando da negociação da revogação do contrato promessa, lhes comunicou que eles nada mais teriam a ver com o contrato e que o trabalho deles já se encontrava pago.
9. A decisão de facto a considerar para efeitos de decisão de Direito deve ser a seguinte:

II – Fundamentação de facto

A – Factos provados
Com relevo para a decisão a proferir, resultaram demonstrados os seguintes factos:
1) Em 2017, em mês não concretamente determinado, mas anterior a maio de 2017, a Autora solicitou verbalmente à Ré que angariasse comprador para venda dum seu imóvel.
2) Na sequência de tal contato verbal e explicações quanto ao seu teor, Autores e Ré celebraram o contrato escrito que denominaram de “contrato de mediação imobiliária”, junto como doc. 2 à contestação, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Tendo a Ré iniciado diligências para encontrar tal comprador.
4) Nos termos do contrato referido em 2) a Ré obrigou-se, em regime de exclusividade descrito na cláusula 4ª, a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do prédio urbano composto por uma casa, composta de Rés do Chão e primeiro andar, destinada a habitação, sita na Rua ..., em Fafe, a confrontar do Norte com Estrada, do Sul com A. C., Nascente com R. G. e Poente com M. P. e outra, inscrito na matriz sob o Artigo ...º. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o número .../19870123.
5) Como contrapartida, os Autores obrigavam-se a pagar à Ré, a título de remuneração, a quantia correspondente a 5% calculado sobre o preço pelo qual o negócio fosse concluído, acrescido de I.V.A. à taxa legal de 23%, não sendo essa quantia nunca inferior a € 5.000,00 (Cinco mil euros), acrescido também de I.V.A. à taxa legal em vigor.
6) Constando do referido contrato, na cláusula 5ª, n.º 1 que “a remuneração será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art. 19º da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro” e o n.º 3 de tal cláusula que “o pagamento da remuneração será efetuado aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda”.
7) A Ré apresentou aos Autores um comprador para o dito imóvel, pelo preço de € 92.500,00 (Noventa e dois mil e quinhentos euros).
8) Em 04 de Julho de 2017, os Autores celebraram com esse comprador um ContratoPromessa de Compra e Venda, junto como doc. 1 à petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 9) Aquando da celebração de tal contrato a Autora mulher entregou à Ré a quantia de € 5.000,00 (Cinco mil euros), acrescida de I.V.A. à taxa legal de 23%, o que perfez o montante total de € 6.150,00 (Seis mil, cento e cinquenta euros).
10) Os Autores celebraram com o promitente comprador angariado pela Ré o acordo de revogação junto com o requerimento de 22-10-2020, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
11) Por força de tal acordo o contrato prometido objeto do contrato promessa referido em 6) não veio a concretizar-se.
12) Tendo os Autores arranjado outro comprador, sem qualquer intervenção da Ré.
13) O que conseguiram em 6 de junho de 2019, com a celebração de contrato de compra e venda, pelo preço de € 100.000,00, nos termos descritos no doc. 3 junto à petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
14) Após falta de resposta da Ré quanto ao pedido de devolução da quantia mencionada em 9), a Autora remeteu-lhe a missiva junto como doc. 4 à petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e que foi recebida a 9-8-2019, insistindo pela devolução do montante entregue.
15) O que não foi realizado pela Ré.
16) Os Autores, por intermédio de mandatária, comunicaram à colaboradora da Ré que iriam revogar o contrato promessa de compra e venda com o comprador;
17) Os Autores, por intermédio da mandatária, disseram à colaboradora da Ré que já não iriam participar mais nas reuniões por terem recebido a comissão e nada mais terem a ver com o assunto.

B – Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa daqueles que foram alegados pelas partes, designadamente que:
a) O referido em 1) tenha ocorrido em junho de 2017.
b) Autores e Ré nunca reduziram a escrito e assinaram o acordo verbal mencionado em 1).
c) A quantia referida em 9) tenha sido paga na sequência de pedido da Ré, invocando razões operacionais internas.
d) Acreditando a Autora em tal momento que procedia apenas ao adiantamento do preço a pagar após a conclusão do negócio de venda do seu imóvel, e que tal montante seria devolvido se o negócio prometido não fosse realizado.
e) O promitente comprador do contrato mencionado em 8) desistiu do negócio prometido, por razões de estratégia negocial.
f) Justificando tal interesse na existência de uma proposta de compra por valor superior.
g) O que foi aceite pelos Autores.
j) Tendo a missiva referida em 14) sido enviada após tal aceitação.
k) Os Autores tenham omitido nos presentes autos, propositadamente, a causa da não celebração do contrato prometido.
10. Alterada a decisão de facto nos termos pugnados farão v. ex.ª Justiça.
11. A decisão de Direito também deve ser revogada e alterada, independentemente da decisão à impugnação da decisão de facto.
12. A remuneração da Ré, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, é devida.
13. O Tribunal a quo interpretou de forma errada a norma do n.º 2 do Art.º 19 da Lei 15/2013, porquanto interpretou no sentido de que se exige uma causa imputável ao promitente comprador que seja exclusiva e dolosa.
14. Ora, a letra e o espírito da lei não têm essa exigência.
15. O normativo institui que a remuneração será devida, ainda que não seja celebrado o contrato visado, desde que o contrato de mediação seja celebrado em regime de exclusividade, o cliente seja o promitente vendedor e o contrato prometido não seja celebrado por causa imputável ao cliente.
16. No presente caso os três requisitos estão verificados.
17. A revogação de qualquer vínculo contratual é imputável aos sujeitos do acordo, ou seja, a revogação do contrato promessa e a subsequente não celebração do contrato prometido é imputável aos sujeitos que celebraram o acordo de revogação, nomeadamente aos Autores.
18. O contrato visado com a mediação apenas não foi celebrado com os interessados angariados pela Ré por vontade dos Autores.
19. Pelo que a remuneração é devida nos termos do n.º 2 do art.º 19º do referido diploma.
20. Acresce, ainda que assim se não entendesse, que a cláusula 5.ª, n.º 3 do contrato de mediação, instituiu contratualmente uma condição modal de constituição e vencimento da obrigação de remuneração, ou seja, com a celebração do contrato de promessa de compra e venda.
21. O Tribunal a quo não aderiu a nenhuma das interpretações defendidas, violando, assim, o disposto no n.º 2 do art.º 19 da Lei 15/2013 e o disposto no art.º 405 e 406º do Código Civil.

Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida e julgada a ação declarativa comum improcedente, por não provada.”

Os autores responderam, apresentando as seguintes
conclusões:
Não houve, da parte do Meritíssimo Juiz a quo qualquer violação de normas jurídicas, limitando-se a aplicar douta, criteriosa e adequadamente o Direito aos factos concretos.

Senão, vejamos:
A - Quanto à matéria de facto:
1. Não existe Erro na Apreciação da Prova ou Erro de Julgamento;
2. Não devem ser feitas quaisquer correções à matéria de facto doutamente fixada e deve ser feito qualquer aditamento à mesma.
3. Os factos dados como provados e não provados na Douta Sentença decorrem dos depoimentos ouvidos em sede de Audiência de Julgamento.
4. Assim o presente recurso deve improceder, na questão de facto, devendo o Tribunal da Relação confirmar a Sentença recorrida.
B - Quanto à matéria de direito:
4- Não existe errada interpretação das normas citadas nas doutas alegações da Recorrente uma vez que o Tribunal a quo cumpriu com o dever de fundamentação que sobre ele impendia, baseando a sua convicção sempre na livre apreciação da prova e nas regras de experiência comum.
5-Assim, não assiste razão aos Recorrentes, nem de facto nem de direito.
6- A prova produzida em Audiência de Julgamento foi correctamente apreendida pelo Tribunal a quo, que teve um contacto directo com a produção da prova e teve, por isso, a possibilidade de a apreciar de uma forma imediata, concluindo que a prova produzida foi de molde a considerar tais factos como provados, não levando em conta os depoimentos que não demonstraram qualquer credibilidade.
7- Conforme consta da Motivação, a convicção do Tribunal a quo “… assentou no conjunto da prova produzida nos autos, considerando a posição assumida pelas partes, o teor dos documentos juntos ao processo e as declarações de parte prestadas.”
8- Todas as questões de direito suscitadas na presente acção foram julgadas e foram-no bem.
9- In casu, impõe-se a Devolução da Remuneração por falta da concretização do negócio visado.
10- A remuneração fica na dependência da celebração do contrato visado, correndo o Mediador o risco específico de não ser remunerado, não sendo cumprido escrupulosamente a sua prestação.
11- A remuneração da Mediadora só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da Mediação.
12- Resulta dos autos que foi o Promitente Comprador quem perdeu o interesse na concretização do contrato definitivo e não os AA., conforme consta do Introito do Acordo de Revogação junto aos mesmos.
13- Nos termos do n.º1 do Art. 19º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro, a remuneração pela actividade de Mediação Imobiliária é apenas devida com a conclusão e perfeição do negócio visado (o que no caso sub judice significa que apenas com a celebração do Contrato de Compra e Venda do imóvel objeto do Contrato de Mediação, com comprador angariado pela Ré), o que não sucedeu.
14- O Contrato de Mediação apresentado pela Ré, na sua Clausula 5º, n.º 1 e 3 está previsto apenas uma única remuneração que seria apenas devida no caso de celebração do contrato visado.
15- Nos presente autos, o contrato visado é apenas um: o Contrato de Compra e Venda do imóvel com o comprador angariado pela Ré, que não se realizou.
16- A previsão no dito Contrato de Mediação Imobiliária apresentado pela Ré, de que o pagamento da remuneração deverá ser efectuado aquando da celebração do Contrato de Promessa, é apenas uma antecipação do pagamento que é apenas devido, definitivamente, com a concretização do fim visado pelo Contrato de Mediação Imobiliária: o Contrato de Compra e Venda do imóvel.
17- O pagamento da remuneração aquando a celebração do Contrato Promessa, perante a impossibilidade da celebração do contrato visado na mediação (Contrato de Compra e Venda), que aconteceu pois que o imóvel foi posteriormente vendido a terceiro, sem intervenção da Ré, tem de ser considerado como indevido, impondo-se a restituição do montante pago antecipadamente, nos termos dos Arts. 406º e 440º C.C.
18- O Contrato de Mediação Imobiliária apresentado pela Ré contém Cláusulas Nulas, nomeadamente o n.º 3 da Cláusula 5, bem como nos termos e para os efeitos da Portaria nº. 228/2018, de 13 de Agosto.
19- A quantia entregue à Ré não pode ser por esta retida com base no Art. 19º n.º 2 da Lei 15/2013, de 08 de Fevereiro pois não se provou que o contrato visado (Compra e Venda) não se tinha celebrado por causa imputável aos AA.
20- Resulta, isso sim, que foi por perda do interesse do Promitente Comprador, conforme resulta do acordo de revogação junto aos autos, como supra se referiu.
21- Não ficou provado qualquer juízo de censura relativo aos A.A. pela não concretização do negócio visado.
22- Ou seja, não se comprovou que a falta de celebração contrato prometido (Compra e Venda) partiu da iniciativa dos A.A. ou que os mesmos tinham perdido o interesse na concretização daquele.
23- Assim, na falta de prova de tais factos não se pode aplicar o n.º 2 do Art. 19º da Lei 15/2013, de 08 de Fevereiro, não justificado este normativo legal a retenção da quantia peticionada pelos A.A. por parte da Ré.
24- Pelo que a Sentença recorrida deve ser mantida e o recurso interposto deve ser julgado não procedente.”

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
.1- se se deve alterar a matéria de facto na sequência da impugnação efetuada, por ter ocorrido deficiente valoração dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal;
.2- se ocorreu deficiente aplicação do direito, por o pagamento ser devido, quer por ter sido acordado que se realizaria com a celebração do contrato promessa, quer porque o contrato definitivo não se realizou por causa imputável aos autores.

III. Fundamentação de Facto

Na sentença constam os seguintes

A- Factos provados:
1) Em 2017, em mês não concretamente determinado, mas anterior a maio de 2017, a Autora solicitou verbalmente à Ré que angariasse comprador para venda dum seu imóvel.
2) Na sequência de tal contato verbal e explicações quanto ao seu teor, Autores e Ré celebraram o contrato escrito que denominaram de “contrato de mediação imobiliária”, junto como doc. 2 à contestação, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Tendo a Ré iniciado diligências para encontrar tal comprador.
4) Nos termos do contrato referido em 2) a Ré obrigou-se, em regime de exclusividade descrito na cláusula 4ª, a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do prédio urbano composto por uma casa, composta de Rés do Chão e primeiro andar, destinada a habitação, sita na Rua ..., em Fafe, a confrontar do Norte com Estrada, do Sul com A. C., Nascente com R. G. e Poente com M. P. e outra, inscrito na matriz sob o Artigo ...º. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o número .../19870123.
5) Como contrapartida, os Autores obrigavam-se a pagar à Ré, a título de remuneração, a quantia correspondente a 5% calculado sobre o preço pelo qual o negócio fosse concluído, acrescido de I.V.A. à taxa legal de 23%, não sendo essa quantia nunca inferior a € 5.000,00 (Cinco mil euros), acrescido também de I.V.A. à taxa legal em vigor.
6) Constando do referido contrato, na cláusula 5ª, n.º 1 que “a remuneração será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art. 19º da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro” e o n.º 3 de tal cláusula que “o pagamento da remuneração será efetuado aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda”.
7) A Ré apresentou aos Autores um comprador para o dito imóvel, pelo preço de € 92.500,00 (Noventa e dois mil e quinhentos euros).
8) Em 04 de Julho de 2017, os Autores celebraram com esse comprador um Contrato-Promessa de Compra e Venda, junto como doc. 1 à petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
8.A – aditado infra) O mesmo continha, além do mais, as seguintes cláusulas:
“1ª -- No âmbito do Proc. Nº. 1901/12.9TBFAF, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Fafe, na Conferência de Interessados, aos primeiros outorgantes foi, em 28-03-2017, por licitação, adjudicado o seguinte prédio:…
4ª O pagamento do preço será efetuado do seguinte modo:
a) € 15.000,00 (Quinze mil euros), como sinal e princípio de pagamento, na data da assinatura do presente contrato, através dos cheques n's …….84 e …….85 do Banco …, 8.A., pelo que após boa cobrança será dada a respetiva quitação.
b) € 41.000,00 (Quarenta e um mil euros), no prazo de 8 (oito) dias após a notificação judicial dos Promitentes Vendedores para pagarem as tornas aos demais Interessados, no âmbito do supra referido processo judicial.
c) € 36.500,00 (Trinta e seis mil e quinhentos euros), no dia da outorga da escritura de compra e venda.

A escritura de compra e venda será no prazo de 30 (Trinta) dias após a data do trânsito em julgado do supra referido processo judicial, feita em nome da PROMITENTE COMPRADORA ou de quem esta designar.”
9) Aquando da celebração de tal contrato a Autora mulher entregou à Ré a quantia de € 5.000,00 (Cinco mil euros), acrescida de I.V.A. à taxa legal de 23%, o que perfez o montante total de € 6.150,00 (Seis mil, cento e cinquenta euros).
10) Os Autores celebraram com o promitente comprador angariado pela Ré o acordo de revogação junto com o requerimento de 22-10-2020, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
10.A- (aditado infra) No mesmo , além do mais, lê-se: “…considerando ainda o tempo decorrido desde a celebração do dito Contrato= Promessa de Compra e Venda até à presente data, a Segunda Outorgante perdeu o interesse na celebração do contrato definitivo, pelo que as Partes decidiram promover a sua revogação, deixando claro que nenhuma delas fica devedora à outra de quaisquer montantes, seja de que natureza for…”
11) Por força de tal acordo o contrato prometido objeto do contrato promessa referido em 6) não veio a concretizar-se.
12) Tendo os Autores arranjado outro comprador, sem qualquer intervenção da Ré.
13) O que conseguiram em 6 de junho de 2019, com a celebração de contrato de compra e venda, pelo preço de € 100.000,00, nos termos descritos no doc. 3 junto à petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
14). Após falta de resposta da Ré quanto ao pedido de devolução da quantia mencionada em 9), a Autora remeteu-lhe a missiva junto como doc. 4 à petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e que foi recebida a 9-8-2019, insistindo pela devolução do montante entregue.
15) O que não foi realizado pela Ré.
16 (aditado infra)- No título de compra e venda lavrado na Conservatória do Registo Predial de …, por “oficial público”, em 6/6/2019, fez-se constar, quanto ao prédio referido em 4 a seguinte “situação registral” “registo da aquisição a favor da parte vendedora pela ap 3104 de 2018/03/20”.

B – Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa daqueles que foram alegados pelas partes, designadamente que:

a) O referido em 1) tenha ocorrido em junho de 2017.
b) Autores e Ré nunca reduziram a escrito e assinaram o acordo verbal mencionado em 1).
c) A quantia referida em 9) tenha sido paga na sequência de pedido da Ré, invocando razões operacionais internas.
d) Acreditando a Autora em tal momento que procedia apenas ao adiantamento do preço a pagar após a conclusão do negócio de venda do seu imóvel, e que tal montante seria devolvido se o negócio prometido não fosse realizado.
e) O promitente comprador do contrato mencionado em 8) desistiu do negócio prometido, por razões de estratégia negocial.
f) Os Autores transmitiram à Ré que iriam tomar a iniciativa de revogar o contrato promessa celebrado junto do promitente comprador angariado.
g). Justificando tal interesse na existência de uma proposta de compra por valor superior.
h) Tendo a Ré esclarecido que independentemente do acordo que os Autores realizassem com os promitentes compradores a remuneração pela mediação não era restituída por ser por facto imputável aos Autores que o contrato prometido não seria celebrado.
i) O que foi aceite pelos Autores.
j) Tendo a missiva referida em 14) sido enviada após tal aceitação.
k) Os Autores tenham omitido nos presentes autos, propositadamente, a causa da não celebração do contrato prometido

IV. Fundamentação de Facto e de Direito

1-Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A Ré impugna a decisão de facto proferida sobre os factos constantes das alíneas f), e h) dos factos não provados, pretendendo que sejam considerados provados, com os seguintes dizeres: “Os Autores, por intermédio de mandatária, comunicaram à colaboradora da Ré que iriam revogar o contrato promessa de compra e venda com o comprador.”; “Tendo os Autores, por intermédio da mandatária, dito à colaboradora da Ré que já não iriam participar nas reuniões por terem recebido a comissão e nada mais terem a ver com o assunto”.
Funda-se, em primeiro lugar, no próprio acordo de “Acordo de Revogação de Contrato Promessa de Compra e Venda”, mas lido o mesmo nada inculca no sentido por esta defendido.
Sendo certo que nesse acordo se escreveu que “Os Contraentes obrigam-se a não transmitir nem revelar o teor e conteúdo, no todo ou em parte, do presente Acordo, bem como as negociações passadas ou futuras, com ele relacionadas, incluindo os atos necessários ou preparatórios à sua celebração e ainda quaisquer informações escritas ou verbais, de que tenham ou venham a ter conhecimento, exceto: a) Na estrita medida do necessário ao cumprimento de obrigações legais e regulamentares; b) Na estrita medida do necessário à defesa dos seus interesses, em caso de litígio; c) No que respeita a informações que os Contraentes concordem em revelar a terceiros, nos precisos termos de Acordo para esse efeito estabelecido”, não pode daqui entender-se que foi dado a conhecer à Ré o acordo de resolução do contrato promessa de compra e venda antes deste ter tido lugar ou que foram os Autores que tiveram qualquer iniciativa no mesmo.
O contrário resulta do próprio acordo: a razão nele apresentada funda-se no interesse dos promitentes compradores, que não estavam dispostos a aguardar mais tempo pela celebração do contrato. (Com efeito, aquando da celebração do contrato promessa a Autora não teria ainda o imóvel registado em seu nome, como decorre da sua data, 4-7-2017 e a descrição da “situação registral” constante da escritura pública de compra e venda “registo da aquisição a favor da parte vendedora pela ap 3104 de 2018/03/20”, sendo certo que no contrato promessa é dado conta desse facto, com a referência à adjudicação do imóvel em conferência de interessados em processo judicial pendente.
A Recorrente invoca ainda a favor da sua posição o depoimento de parte da Autora, mas tal também não corresponde ao que esta declarou, sendo que o seu depoimento tem que ser interpretado de forma global, não retirando do contexto meras expressões. A Autora, aliás, apresentou-se algo distanciada dos factos, por estar a viver na Suíça, pouco conseguindo concretizar sobre o desenrolar do contrato.
Por fim, a Recorrente escuda-se no depoimento da testemunha S. M., afirmando que a mesma afirmou os factos que pretende que se considerem provados.
Esta testemunha indiciou que o comprador já apresentava sinais de cansaço por ter de esperar pela resolução dos problemas que estavam a impedir a celebração da compra e venda (definitiva), mas não afirmou que lhe foi dado conhecimento prévio da vontade de dar sem efeito o contrato promessa, antes pelo contrário, afirmou que se afastou do processo, embora soubesse que “havia algo a tratar”, depois de lhe ter sido dito que já “estavam pagos”.
Não se retira de forma alguma do seu depoimento que: “Os Autores, por intermédio de mandatária, comunicaram à colaboradora da Ré que iriam revogar o contrato promessa de compra e venda com o comprador. Tendo os Autores, por intermédio da mandatária, dito à colaboradora da Ré que já não iriam participar nas reuniões por terem recebido a comissão e nada mais terem a ver com o assunto”.
Assim, analisada toda a prova produzida, com especial incidência nos elementos probatórios em que se centrou a Recorrente, nada se encontrou que pudesse, com um mínimo de correspondência, sustentar a sua posição relativamente aos pontos de facto impugnados, e desta forma, por maioria de razão, nenhum erro de apreciação da prova se encontrou.
Improcede a impugnação da matéria de facto.
No entanto, tendo em conta que para a aplicação do Direito importa ainda acrescentar factos provados por documentos aceites pelas partes, nos termos do artigo 607º nº 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 663º nº 2 do Código de Processo Civil, importa aditar supra os dizeres de três documentos, nos pontos 8.A, 10.A e 15 (importantes para verificar se se preencheu a norma cuja interpretação aqui se discute: o artigo 19º nº 2 alínea a) da Lei 15/2013).

2- Da aplicação do Direito aos factos apurados
A Recorrente também põe em causa a aplicação do Direito aos factos apurados.
Afirma, em síntese, que a “causa imputável” constante do n.º 2 do art.º 19º da Lei 15/2013 abrange um acordo de revogação, por ser um ato voluntário, livre e autonomamente atribuível aos Autores, porquanto se estes mantivessem o contrato promessa em vigor e pugnassem pelo cumprimento, o contrato visado seria realizado. Defendem que a interpretação oposta esvazia o efeito útil e de proteção dos mediadores, prosseguido pela norma: os mediadores nunca estariam protegidos perante uma revogação por mútuo acordo do contrato promessa, que poderia muito bem ser simulada entre os contratantes para afastar a obrigação de pagamento da comissão, atirando a celebração da escritura para momento posterior à vigência do contrato de mediação. A Recorrente aflora ainda que a simples concretização do contrato promessa seria suficiente para a exigibilidade da remuneração.
Para verificar das razões defendidas pelos Recorrentes, há que descer á análise do tipo contratual em causa e do contrato celebrado entre as partes e as suas circunstâncias.

A- Dos aspetos do regime do contrato de mediação imobiliária relevantes para a apreciação deste caso
O contrato de mediação imobiliária pode ser definido como “aquele pelo qual uma empresa de mediação imobiliária procura, para os seus clientes, destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta ou o arrendamento dos mesmos, ou o trespasse ou a cessão de posição em contratos que tenham por objeto bens imóveis, mediante remuneração”. cf. Higina Orvalho Castelo, Contrato de mediação imobiliária, VERBO jurídico, p.2.
Discute-se se o mediador está adstrito a uma obrigação de meios ou de resultado e mesmo, nos casos em que não é acordada uma cláusula de exclusividade (pela qual o comitente ou solicitante – cliente na terminologia legal - se obriga a não procurar outros mediadores e a não promover o negócio visado por si próprio) se há uma efetiva obrigação de procura de interessados.

Mas é claro, face ao artigo 17º da Lei n.º 15/2013, que, além do mais, “A empresa de mediação é obrigada a:
a) Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover;
b) Certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes”.

Por outro lado, as condições de remuneração têm de constar obrigatoriamente do contrato sob pena de nulidade (o artigo 16º desta Lei que, no nº 2 alínea c), estipula que o contrato, que tem obrigatoriamente que ser reduzido a escrito, tem que especificar as condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável).
O artigo 19, n.º 1, deste diploma, versa sobre a remuneração da empresa.
E afirma, no nº 1, que esta é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (ou com a celebração do contrato promessa, se assim tiver sido estipulado no contrato de mediação imobiliária).
O nascimento do direito à remuneração carece, para além da conclusão e perfeição do contrato visado, da verificação de um nexo entre a atividade da mediadora e o contrato a final celebrado ou, quando é acordada uma outra, independente da conclusão e perfeição do negócio, “devida aquando da celebração do contrato promessa, que considera o estado de evolução do negócio mediado e que é estipulada e fixada pelas partes em função dele”, como referem os acórdãos infra citados.
A não ser que tenha sido acordado uma remuneração para a celebração do contrato promessa, independentemente do resultado da angariação, a remuneração do mediador depende do resultado final da sua prestação, correndo por sua conta o risco de não lograr angariar um interessado que celebre o negócio e de não se concretizar o contrato visado (cf neste sentido acórdão proferido pelo , de , no processo , disponível em www.dgsi.pt, proferido em 02/20/2020, no processo 6917/18.9 T8LSB.L1-6 (Tribunal da Relação de Lisboa, sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano).
Tem sido entendido que o artigo 19º deste diploma definiu “uma moldura legal de carácter injuntivo (impassível de derrogação por vontade das partes, ex vi artigo 280º do CC e, por oposição, artigo 405º do mesmo diploma) que introduz maior temperamento e equilíbrio à relação de mediação, isto face ao regime pregresso, que revogou, constante do Decreto-Lei nº 211/2004 de 20.08. Assim, nos termos do artigo 19º/1 da Lei nº 15/2013 de 08.02, continua a constituir princípio base central que a remuneração acertada pela mediação apenas é devida com a concretização e perfeição do negócio mediado e continua a admitir-se a possibilidade de a mediadora vir a ser remunerada aquando da celebração de contrato promessa referente a esse mesmo negócio, mas introduz-se uma importante especialidade, moderadora do regime anterior: a remuneração devida com a celebração da promessa tem de ter sido especificamente acordada e, para além disso, deve ter sido prevista especificamente para essa situação, não se identificando com a remuneração devida pela concretização do negócio ou com o efeito de antecipação do pagamento antes admitido.”, como se escreveu no Acórdão de 07-02-2017, no processo 2287/16.8YIPRT.L1-7 (Tribunal da Relação de Lisboa).
Discute-se ainda o âmbito do “espaço de liberdade para estipular conteúdos contratuais”, nomeadamente se ainda é possível convencionar que a remuneração pela concretização do negócio será devida logo na outorga da promessa (como sucedia no domínio do Decreto-Lei nº 211/2004 de 20.08) ou se só pode ser estabelecida uma remuneração específica para quando exista sucesso na obtenção de uma promessa de compra e venda vinculativa respeitante ao negócio mediado.
Embora o legislador não tenha sido claro nessa matéria, devendo conhecer a prática do mercado e que as limitações à autonomia privada devam ser claras e expressas, a norma em questão é perentória a fixar o momento em que se torna devida a remuneração da mediadora. Assim, segue-se o entendimento, assumido nos acórdãos desta Relação e do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos, respetivamente, nos processos nº 404/18.2T8AVV.G1, de 9 de julho de 2020, 980/18.0T8PTL.G1 de 4 de fevereiro de 2021 e 2287/16.8YIPRT.L1-7 de 07-02-2017, que hoje em dia é de afastar a possibilidade de fixar contratualmente uma “antecipação do seu pagamento”, porque tal mais não seria que fixar momento diferente para o seu vencimento, anterior à conclusão do negócio visado, estipulada num contrato com cláusulas contratuais gerais. (Veja-se que o nº 3 deste artigo 19º, que versa sobre os adiantamentos apenas se aplica “Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário“).
Não se admite (como antes se admitia) que pura e simplesmente se estabeleça uma antecipação de pagamento da prestação devida pela concretização do negócio que não atenda ao carácter prematuro do momento da celebração da promessa, na lógica da mediação imobiliária.” E logo “tal estipulação se tem por nula, ex vi art. 280.º do CC, vício de apreciação oficiosa de que aqui se toma conhecimento e que a destitui integralmente de produção de efeitos (cfr. arts. 286.º e 289.º/1, ambos do CC).”
No regime geral, sem qualquer cláusula de exclusividade, o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar e por isso não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração.
Esta regra, que exige o resultado para a constituição da obrigação de pagamento, tem exceções, como a que resulta do n.º 2 do artigo 19º deste diploma, o qual, apesar de lapsos na redação, determina que “no contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel ou com o arrendatário trespassante, se o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, esta tem direito à remuneração.” Higina Orvalho Castelo, Obra cit, pag 12.

Esta norma, para operar, sendo o pagamento exigível mesmo que se não concretize o contrato visado, apresenta os seguintes pressupostos, como decorre da sua letra:

1 -- que o contrato de mediação tenha sido celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel;
2 -- que tenha sido acordado o regime de exclusividade;
3—e que a não concretização do negócio visado tenha causa imputável ao cliente (e logo, pelo menos, que mediadora tenha angariado interessado resoluto na celebração do negócio em condições de o concluir).

Com esta norma não se pretende transferir o risco do negócio de mediação para o comitente ou solicitante (o cliente da mediadora), mas defender a mesma dos comportamentos deste que violem o contrato celebrado entre ambos, mantendo a obrigação de pagamento da remuneração nos casos em que podia e devia ter celebrado o contrato definitivo e o não fez.
Assim, entendemos que também aqui se exige a culpa do comitente devedor, nos termos gerais previstos no artigo 798º do Código Civil, para se verificar o dever de remunerar apesar da falta de celebração do contrato definitivo. (neste sentido, com ampla análise jurisprudencial, cf acórdão proferido no processo 65022/19.2YIPRT.G1, de 01/14/2021)
Quanto aos ónus da prova, há que considerar que quem quiser beneficiar desta norma tem que provar os seus factos constitutivos ou pressupostos, a saber, a celebração de um contrato de mediação pela forma devida, que o cliente era o proprietário ou arrendatário trespassante do imóvel, que foi acordado o regime de exclusividade e que a não concretização do negócio foi imputável ao cliente, por força do artigo 342º do Código Civil; visto que foi assim que a norma foi desenhada. (A regra geral sobre a distribuição do ónus da prova encontra-se prevista no artigo 342º do Código Civil, seguindo-se a denominada doutrina da construção da proposição jurídica ou teoria das normas, entendendo-se que a repartição desse ónus decorre das relações das normas entre si. Em latos termos, entende-se que cada parte está onerada com a prova dos factos subsumíveis à regra jurídica que lhe atribuiu um efeito favorável. “Tudo assenta, pelo menos na formulação mais originária, na distinção entre normas de base e contra-normas as quais funcionam, respetivamente como regra e exceção, pelo que a aplicação da teoria e consequente distribuição do ónus probatório nela baseada implica identificar, em cada caso concreto, a que tipo de norma pertence o facto em prova. Para Leo Rosenberg, não há nem pode haver outra solução do problema do ónus da prova que o princípio por ele defendido, segundo o qual, “cada parte suporta o ónus do preceito jurídico cujo efeito faz valer no processo”, sendo que “somente mediante a interpretação do direito material é possível acertar o alcance dos factos que devem ser provados” cf Elizabeth Fernandes, A prova difícil ou impossível” (A Tutela Judicial Efetiva no dilema entre a previsibilidade e a proporcionalidade), in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra editora, pág. 824-825, apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo 208/16.7T8GRD.C1.S1, consultado in dgsi.pt).

Isto posto, entremos no caso concreto.

Resulta da matéria de facto provada a celebração de um contrato de mediação entre a Recorrente e a Recorrida, que esta foi contratada para prestar os seus serviços em regime de exclusividade, mas que a remuneração só seria devida se “a mediadora conseguir interessado que concretize a compra e venda visada no contrato, nos termos e com as exceções previstas no art. 19º da Lei 15/2013 de 8 de fevereiro”, adiantando-se, no entanto, o pagamento da remuneração, para ser será efetuado aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda” (ponto 6 da matéria de facto provada).
Decorre claro do teor do contrato, ao afirmar que “a remuneração será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato” e sendo o mesmo a venda do imóvel, que o pagamento que se estipulou ser efetuado com o contrato promessa era uma mera antecipação do que viria a ser devido com a concretização do negócio definitivo.
Já salientamos que este adiantamento da remuneração não é admissível no atual regime, pelo que, nesta parte, a cláusula se deve considerar nula.
Assim, quer por essa razão, quer porque o contrato definitivo não veio, a final, a ter lugar com o proponente encontrado, o montante pago deveria ser restituído, por força do enriquecimento sem causa.
Para manter o direito à remuneração, afastada a ideia que foi acordado que haveria um pagamento autónomo, independente do contrato definitivo, com a mera celebração do contrato promessa, a Recorrente pretendeu fundar –se no disposto no nº 2 do artigo 19º da Lei 15/2013. Teria, pois, que provar todos os elementos que integram tal causa de pedir, supra analisados.
No entanto, da factualidade assente não resulta que a Recorrida, à data, era a proprietária do imóvel (nem arrendatária trespassante), antes pelo contrário: no contrato promessa celebrado como resultado deste contrato é claro que a Recorrida ainda não era a sua proprietária, mas apenas o havia licitado, sem que se pudesse ainda ter o imóvel por adquirido, acordando-se a data acordada para a escritura da compra e venda para os 30 dias subsequentes à decisão de adjudicação do imóvel que viesse a ser proferida. Tal é confirmado pela data da inscrição do seu direito no registo, como decorre do ponto 15 da matéria de facto provada, supra aditado.
Não logrou, pois, a Recorrente demonstrar um dos pressupostos da norma de que se pretende fazer valer: ter o contrato de mediação com exclusividade sido celebrado com o proprietário ou arrendatário trespassante, pelo que não é possível, com base nesta norma, ter o direito à remuneração.
Prejudicada ficaria, à partida, a verificação do terceiro pressuposto, mas o mesmo está, neste caso intimamente com o segundo: demonstrou-se que o contrato promessa foi revogado por mútuo acordo por ambas as partes. Assim, dado o seu acordo há que imputar o ato à livre vontade de ambos os contratantes. Desta forma, nada mais houvesse, podia dar-se razão à Recorrente, neste campo, quando afirma que a norma em causa não exige que a imputação da não celebração do contrato seja exclusiva do cliente e que, em princípio, um acordo de revogação do contrato seria de imputar (também) à Ré.
No entanto, se do acordo ou das circunstâncias que o rodearam resultar que a sua causa não é imputável ao comitente cliente, que é por motivo alheio à sua livre vontade e esfera de ação que o contrato não poderá ter lugar, não lhe sendo possível ou exigível celebrar o contrato definitivo, acabando a resolução do contrato promessa por ser a solução menos onerosa para resolução do problema resultante da impossibilidade de celebração do contrato, há que afastar, também por via mediata, a responsabilidade do cliente nesses casos, pela não celebração desse contrato definitivo.
Em conclusão: o ónus da prova de que a não realização do contrato angariado pelo mediador é imputável ao cliente incide sobre o mediador; só analisando as concretas circunstâncias do caso se poderá alcançar quais as causas da não celebração do contrato e, ocorrendo um conjunto delas, se o comportamento do cliente pode ser considerado relevante o suficiente ou violador dos deveres contratuais que assumiu de forma a imputar-lhe o incumprimento que justifica o pagamento exigido.
Da matéria de facto provada resulta que não é imputável à Recorrida a não realização do contrato angariado perante a mediadora: a cliente não era a proprietária do imóvel e não tinha ainda poderes de disposição para tanto, o que a Recorrente devia saber, dado que a mesma tinha a obrigação de averiguar esse facto aquando da celebração do contrato, como vimos, e o contrato promessa foi elaborado nesse pressuposto, de não ser ainda proprietária.
Ora, no próprio contrato de resolução, supra reproduzido, verificou-se que os promitentes compradores em virtude da espera perderam o interesse no contrato definitivo. A lei não admite nos casos em que o comitente não é proprietário do bem que pretende vender, que lhe seja exigível a remuneração acordada para o caso de não ser realizado o contrato definitivo, porque, como é bom de ver, as possibilidades deste não ter lugar são exponenciais, não se podendo acreditar que a empresa de mediação possa seriamente não contar com elas, cabendo ainda dentro dos riscos do contrato que celebrou com o não proprietário.
Com efeito, logo aquando da celebração do contrato de mediação é de esperar que por motivo imputável ao comitente (não proprietário) se não possa vir a celebrar o contrato definitivo, pelo que não tem aí a empresa de mediação uma expetativa séria de não ver gorado o reembolso da sua prestação de serviços. Nestes casos não se justifica a proteção excecional que é dada ao mediador no âmbito de um contrato em que foi acordado regime de exclusividade.
Assim, embora com fundamentação algo diferente, improcede a apelação.

V. “Decisão

Por todo o exposto, julga-se a presente apelação improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante (artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Guimarães,

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves