Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3165/19.4T8VCT.1.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
AUDIÊNCIA PRÉVIA
EXECUÇÃO POR CUSTAS
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O indeferimento liminar não exige, nem pressupõe a audição prévia do autor, exequente ou requerente.
II – No processo executivo sumário o juiz pode, por iniciativa própria, proferir despacho de indeferimento liminar da execução, quer por força do disposto no art.º 551º, n.º 3 do CPC (aplicação subsidiária das normas do processo executivo ordinário), pois, atento o disposto no art.º 734º, quem pode conhecer depois também pode e deve conhecer antes, quer por aplicação subsidiária das normas do processo declarativo comum (art.º 551º n.º 1), considerando a previsão do nº 1 do art.º 590º, que, mesmo nos processos onde não está prevista a existência de despacho liminar, prevê que, por determinação do juiz, lhe seja apresentado para proferir despacho liminar.
III - O Tribunal competente para a execução das custas de parte é o que for competente para a execução de indemnização resultante de sentença condenatória.
IV - Na circunscrição em que não exista juízo de execução, o Juízo Central Cível é competente para executar as suas próprias decisões, desde que o respectivo valor seja superior a € 50.000,00 (competência em razão do valor).
IV - Se o valor for inferior, tal competência defere-se aos juízos locais cíveis e de competência genérica (art.º 130º nº 2 da LOSJ). Contudo, o requerimento executivo deve ser apresentado no Tribunal onde foi proferida a sentença (juízo central cível), competindo a este tribunal dar cumprimento ao disposto no art.º 85.º nº 2 do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
 
Em 28-1-2022, AA instaurou contra V..., Lda., no Juízo Central Cível ..., execução de sentença, nos próprios autos, para pagamento de quantia certa (€1.890,34), correspondente ao valor da nota justificativa das custas de parte, porquanto a executada, notificada para esse efeito, apenas lhe pagara €408.
Juntou, como título executivo, a sentença e a nota justificativa de custas de parte.
Em 31-01-2022, foi aberta conclusão à Mmª Sra. Juiz titular do processo “atento o título executivo e a finalidade do mesmo- cobrança de custas de parte”.
 Na sequência foi proferido despacho de indeferimento liminar, cujo teor é o seguinte:
– «Dos autos resulta que a presente execução assume a natureza de uma execução por custas de parte, a qual tem por base um título executivo complexo que integra não só a sentença condenatória, mas também a nota justificativa (como resulta, nomeadamente, do art.º 25.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Judiciais), não sendo, por isso, aplicáveis as regras da execução de sentença.
Para determinar o regime processual aplicável à execução por custas de parte, importa ter presente que “as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil” (art.º 26.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Judiciais). Ou seja, a execução por custas de parte é uma execução por custas, como resulta do preceito transcrito e também, nomeadamente, do art.º 36.º do Regulamento das Custas Processuais.
Assim, não se está em presença de qualquer dos casos previstos nos artigos 536.º (repartição de custas ocorrendo “circunstâncias supervenientes” que conduzam à impossibilidade ou inutilidade da lide) ou 542.º (condenação por litigância de má-fé) do Código de Processo Civil, mas o pagamento das custas de parte devidas pelos autores (ora executados) ao réu (ora exequente) na sequência da sentença que absolveu este último do pedido.
Ora, nos termos do art.º 131.º da LOSJ, na redacção que era dada pela Lei nº40-A/2016, de 22 de Dezembro, “a execução das decisões relativas a multas, custas e indemnizações previstas na lei processual aplicável compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido”. Sucede, entretanto, que a redacção actual, introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, excluiu expressamente as custas da previsão legal, dispondo agora que “a execução das decisões relativas a multas penais e indemnizações previstas na lei processual aplicável compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido”.
Pelo exposto e nos termos dos art.ºs 65.º, 96.º, 97.º, 99.º, n.º 1, 577.º, al. a) e 734º, n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil, julga-se este Tribunal incompetente em razão da matéria, com o consequente indeferimento liminar do requerimento executivo. Custas pelo Exequente.
Valor: o indicado no requerimento executivo.»
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 Inconformado com o assim decidido, o exequente interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

«I. Destina-se o presente recurso a impugnar a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, que judiciou pela verificação de incompetência absoluta em razão da matéria, e pela consequente rejeição liminar do requerimento executivo.
II. A Apelante está convicta de que Vossas Excelências, subsumindo a factualidade resultante dos autos, em confrontação com o disposto nas normas jurídicas aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão recorrida e de a substituir por uma que judicie pela verificação das nulidades assacadas, pela competência do Tribunal a quo e determine a prossecução dos autos de execução ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, que determine a remessa do processo para o Juízo de Execução competente, ou ainda, caso seja diverso o entendimento, a substitua por uma outra que, caso judicie pela incompetência absoluta do Tribunal a quo, determine a remessa dos autos ao abrigo do disposto no artigo 99.º n.º 2 do CPC para o tribunal que se considere materialmente competente.
III. Na pretérita data de 25-01-2022, o aqui Apelante lançou mão da competente ação executiva tendo por título executivo a nota discriminativa e justificativa de custas de parte remetida no âmbito do processo que sob o n.º 3165/19.... correu os seus termos no Juízo Central Cível ... a quo, e não liquidada pelos ora Apelados, tendo sido a ação executiva proposta no Tribunal que proferiu a decisão, designadamente no Juízo Central Cível ....
IV. Nessa sequência, a Mma. Juiz a quo, por mote próprio, proferiu despacho que judiciou pela incompetência material do Tribunal a quo, judiciando pelo consequente indeferimento liminar do requerimento executivo, porquanto, no entendimento do Tribunal a quo, “Ora, nos termos do art.º 131.º da LOSJ, na redacção que era dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, “a execução das decisões relativas a multas, custas e indemnizações previstas na lei processual aplicável compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido”. Sucede, entretanto, que a redacção actual, introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, excluiu expressamente as custas da previsão legal (…)”.--- Pelo exposto e nos termos dos art.ºs 65.º, 96.º, 97.º, 99.º, n.º 1, 577.º, al. a) e 734º, n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil, julga-se este Tribunal incompetente em razão da matéria, com a consequente rejeição requerimento executivo.”, decisão relativamente à qual não podemos assentir, porquanto não se afigura consentânea ao enquadramento legislativo em vigor.
Das nulidades da decisão- da violação da norma jurídica ínsita no artigo 3.º n.º 3 do CPC e correspondente nulidade:
V. Na pretérita data de 31-01-2022, decidiu a Mma. Juiz a quo judiciar pela incompetência absoluta do Tribunal a quo em razão da matéria, para conhecer da ação executiva em apreço, em sede de despacho liminar, sendo que, em momento algum foi o ali Exequente e aqui Apelante notificado para, querendo, se pronunciar quanto à intenção de proferir decisão a decretar tal incompetência e judiciar pela consequente rejeição do requerimento executivo.
VI. O aqui Apelante não poderia razoavelmente expectar tal decisão, pois que, se por um lado, não se encontrava, tampouco, atendendo à forma sumária do processo aplicável in casu, processualmente prevista a sujeição a despacho liminar, por outro, não se verificava qualquer incompetência absoluta em razão da matéria, independentemente das alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março.
VII. Consagra a norma jurídica ínsita no artigo 3.º n.º 3 do CPC, que o juiz deve fazer cumprir o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir questões de direito sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, estipulando o princípio da proibição de decisões- surpresa e violação do contraditório, que enforma o ordenamento jurídico português.
VIII. In casu, ocorreu a violação de tal princípio, atendendo a que a Mma. Juiz a quo decidiu questão de direito sem possibilitar à ali Exequente a sua pronúncia sobre tal questão, sendo que, a inobservância do contraditório, constitui omissão que influiu diretamente na decisão da causa.
IX. Pelo que, salvo devido respeito por mais douto entendimento, ocorre nulidade processual inquinadora da decisão proferida, nos termos do disposto no artigo 195.º n.º 1 do CPC, atendendo à omissão de ato que a lei prescreve e que influiu diretamente na decisão da causa.
X. Veja-se, a este propósito, em similitude de circunstâncias com a situação sub judice, mormente a violação do princípio do contraditório em virtude da decisão de rejeição de requerimento executivo sem prévia audição da Exequente, o entendimento propalado pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 28-01-2021, pela relatora Margarida Almeida Fernandes, segundo o qual “II- Ocorre violação do contraditório quando é proferida decisão de rejeição do requerimento executivo nos termos do art. 734º nº 1 do C.P.C. sem prévia audição da exequente.”.
XI. Veja-se ainda, a sapiência propalada pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 19-04-2018, pela relatora Eugénia Cunha, nos termos do qual “(…)5- A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico.”, bem como o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão de 05-12-2017, pelo relator Arlindo Oliveira, nos termos do qual “Viola o princípio do contraditório a decisão sobre a competência, em razão da matéria, proferida no despacho liminar sem que à exequente tenha sido dada a oportunidade de sobre ela se pronunciar, constituindo uma “decisão-surpresa”.
XII. Outrossim, ocorreu violação/inobservância do princípio do contraditório, que conduziu à prolação de decisão-surpresa, consistindo em omissão de ato que a lei prescreve e que influiu na decisão da causa, correspondendo a nulidade processual nos termos do artigo 195.º n.º 1 do CPC, que, se tornou evidenciada em despacho/sentença, tornando nulos os atos subsequentes, designadamente o próprio despacho/decisão a quo, nulidade que desde já se argui para os devidos efeitos legais, - sobre esta mesma questão já se pronunciou o douto Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 24-09-2021, no processo n.º 759/19.1T8PTL.G1, que determinou que “(…) Isto é, estando em causa uma nulidade processual e não uma nulidade do despacho ou sentença (artºs. 615º,nº1 al.d) aplicável aos despachos ex vi nº3 do art. 613º do C.P.C.), ocorrida antes de ter sido proferido o despacho (ou sentença), mas que só com a prolação desta é que aquela se evidenciou, o que torna tempestiva a sua arguição em sede de recurso (cfr. artº. 199º, nº.1, do C.P.C.). Anselmo de Castro (“Direito Processual Civil Declaratório”, III Vol., 1982, pag. 134) afirma que “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o juiz) e passará a ser o recurso da decisão.”
XIII. Por outro lado, afigura-se-nos ainda a existência de verdadeira nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 d) do CPC, a qual deverá ser declarada, porquanto conheceu a Mma. Juiz a quo de questões que não lhe cumpria conhecer, em virtude da inobservância daquele princípio do contraditório, - salientamos, a este propósito, a sapiência propalada pelo Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de 10-12-2019, pelo relator Vieira e Cunha, nos termos do qual “I– O não cumprimento ao disposto no artº 3º nº3 CPCiv, isto é, o dever de proporcionar às partes a ocasião de se pronunciarem sobre matéria de conhecimento oficioso, caso não tivessem tido, até ao momento da decisão, oportunidade de se pronunciarem, dará origem a uma nulidade da sentença, do artº 615º nº1 al.d) CPCiv, mas apenas quando a matéria tenha sido invocada como tal, designadamente por via de recurso.”.
Da violação do disposto nas normas jurídicas constantes dos artigos 723.º n.º 1 a) e d), 726.º, 550.º e 855.º n.º 2 b) do CPC:
XIV. Atendendo a que a execução sub judice, tal como apregoado no douto despacho recorrido, corresponde a uma execução por custas, o título executivo trata-se de um título compósito, constituído pela sentença condenatória e pela nota discriminativa e justificativa de custas de parte remetida e não reclamada, pelo que, aplica-se a forma sumária, conforme comanda o disposto nos artigos 550.º n.º 3 a contrario e 626.º n.º 2 do CPC, sendo que a condução e tramitação do processo executivo incumbirá, prima facie, à Ex.ª Sr.ª Agente de Execução designada, nos termos do artigo 855.º do CPC.
XV. De acordo com o aludido normativo, a Ex.ª Sr.ª Agente de Execução poderá suscitar a intervenção do Juiz nas hipóteses contempladas no artigo 855.º n.º 2 b) do CPC, designadamente em circunstâncias de exceções dilatórias como sucede in casu.
XVI. A Ex.ª Sr.ª Agente de Execução designada não suscitou a intervenção da Mma. Juiz a quo, tendo a mesma, por iniciativa própria, optado por proferir despacho liminar, sem mais, conhecendo da exceção dilatória, quando não haveria lugar naquela fase processual, a tal despacho.
XVII. Outrossim, salvo devido respeito que é muito, por mais douto entendimento, ao decidir como decidiu, a Mma. Juiz a quo violou flagrantemente o disposto nas normas jurídicas ínsitas nos artigos 550.º n.º 3 a contrario, 626.º n.º 2, 855.º n.º 2 b), 723.º n.º 1 a) e d) e 726.º do CPC, devendo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido da sua não ingerência no processo executivo, mediante a ausência de qualquer requerimento nesse sentido por parte da Agente de Execução.
XVIII. Tal violação traduziu-se, ainda, numa tramitação anómala, passível de nulidade porquanto foi praticado um ato que a lei não permite e que influiu na decisão da causa, o que inquina de nulidade a sentença proferida, nos termos do artigo 195.º n.º 1 do CPC.- veja-se a este propósito o entendimento preconizado pelo Tribunal da Relação do Porto de 08-05-2006, pela relator Fonseca Ramos, nos termos do qual “I- Em processo executivo em que não há despacho liminar, nem citação prévia do executado, não pode o juiz conhecer oficiosamente da incompetência territorial do tribunal da execução, já que o processo se inicia com a penhora a requerimento do agente da execução.(…)”, bem como o entendimento plasmado pelo Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão de 11-05-2004, pelo relator Jaime Ferreira, nos termos do qual “(…). II – Resulta dos artºs 809º e 812º-A, do CPC que ao juiz de execução cabe exercer o poder geral de controlo do processo executivo e de outras intervenções especificamente estabelecidas, e apenas lhe cabe proferir despacho liminar quando a lei a tanto obrigue, pelo que só nestes casos poderá ter lugar o indeferimento liminar do requerimento executivo.”.
XIX. Para além disso, e mais uma vez nos socorrendo do regime das nulidades, encontra-se preenchida a fattispecie do artigo 615.º n.º 1 d) do CPC porquanto, tal como sobredito, conheceu a Mma. Juiz a quo de questões que não deveria, naquela fase processual, ter conhecido, pelo que a decisão a quo padece de nulidade.
Da Violação das normas jurídicas ínsitas nos artigos 35.º n.º 5 do RCP, e 626.º n.º 1 e n.º 2 e 85.º n.º 1 e n.º 2 do CPC, 129.º n.º 3 da LOSJ e da errada interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 131.º da LOSJ, 65.º, 96.º, 97.º, 99.º n.º 1, 577.º a) e 734.º n.º 1 do CPC:
XX. Debruçando-nos sobre a lacónica argumentação expendida na decisão recorrida, assalta à saciedade que a Mma. Juiz a quo considerou, em virtude da alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, ser o Tribunal a quo materialmente incompetente para a tramitação da ação executiva em crise.
XXI. Sucede que, salvo devido respeito, não lhe assiste qualquer razão, pois que, devidamente compulsadas as normas jurídicas constantes dos artigos 35.º n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais, 626.º n.º 1 e n.º 2 e 85.º n.º 1 e n.º 2 do CPC, assalta à conspeção que o Regulamento das Custas Processuais remete, no âmbito da tramitação executiva relativa a custas, para a aplicação do regime ínsito no artigo 626.º do CPC, que consagra o regime aplicável à execução de decisões judiciais condenatórias.
XXII. Pelo que, atenta a remissão operada pelo sobredito artigo 35.º n.º 5 do RCP relativa à execução por custas de parte, para o regime ínsito no artigo 626.º do CPC, atendendo à natureza compósita do próprio título, aplicar-se-ão as disposições relativas à execução de decisão judicial condenatória, mormente as concernentes à competência plasmadas no artigo 85.º n.º 1 e n.º 2 do CPC, que estipula que o requerimento executivo é apresentado nos próprios autos e, portanto, a competência fixar-se-á no Tribunal que proferiu a decisão, podendo, quando muito, ser posteriormente remetido para o Juízo de Execução, caso o mesmo exista e se afigure competente.
XXIII. Pelo que, carece de absoluto fundamento jurídico a alegação expendida pela Mma. Juiz a quo, tendo violado flagrantemente as normas jurídicas constantes dos artigos 35.º n.º 5 do RCP, e 626.º n.º 1 e n.º 2 e 85.º n.º 1 e n.º 2 do CPC, devendo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido da inexistência de incompetência material em virtude da remissão para a aplicação do regime relativo à execução de decisão judicial condenatória no âmbito da execução por custas de parte.

Para além disso,
XXIV. Consagra o disposto no artigo 129.º n.º 3 da LOSJ que “3- Para a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor.”.
XXV. Devidamente compulsada tal norma, afigura-se-nos notório que em termos de competência, funcionam as mesmas normas que se aplicam às decisões proferidas por Juízos Locais Cíveis.
XXVI. Inexiste qualquer incompetência material, atendendo a que o Juízo Central Cível será o competente para a execução das decisões aí proferidas, ou, pelo menos, será o Juízo no qual deverá ser apresentado o requerimento executivo sem prejuízo de posterior remessa, pelo que violou a Mma. Juiz a quo a norma jurídica constante do artigo 129.º n.º 3 da LOSJ.
XXVII. Com a douta decisão proferida, interpretou e aplicou erroneamente a Mma. Juiz a quo o disposto nos artigos 131.º da LOSJ, 65.º, 96.º, 97.º, 99.º n.º 1, 577.º a) e 734.º n.º 1 do CPC, e, bem assim, as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019, devendo ter interpretado e aplicado tais normas no sentido da inexistência de qualquer incompetência absoluta em razão da matéria, atendendo a que o espírito do legislador subjacente àquelas alterações legislativas contendeu essencialmente com a execução por custas por parte da Administração Tributária.
XXVIII. Veja-se, a este propósito, o entendimento preconizado no Texto Informativo- Lei n.º 27/2019, de 28 de março2, nos termos do qual, em sede de anotação ao artigo 35.º n.º 5 do RCP, referem que “O n.º 5, refere-se a todas as outras execuções por custas de parte, que se processam nos termos das disposições previstas no art.º 626.º do Código de Processo Civil (Execução da decisão judicial condenatória) – nos próprios autos.”, sendo que, no próprio preâmbulo do diploma pode ler-se que o mesmo visou a “Aplicação do processo de execução fiscal à cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.”,
XXIX. pelo que, salvo devido respeito por mais douto entendimento, interpretou e aplicou erradamente a Mma. Juiz a quo as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019 ao artigo 131.º da LOSJ e ao artigo 87.º do CPC, devendo ter interpretado e aplicado tais alterações no sentido da competência material do tribunal que proferiu a decisão para a tramitação da correspondente execução das custas de parte.
XXX. atendendo à explanação supra, revogando a douta decisão recorrida porquanto padece de graves vícios e viola o enquadramento jurídico em vigor, e substituindo-a por uma outra que judicie pela competência do Tribunal a quo e determine a prossecução dos autos de execução ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, que determine a remessa do processo para o Juízo de Execução competente, ou ainda, caso seja diverso o entendimento, a substitua por uma outra que, caso judicie pela incompetência absoluta do Tribunal a quo, determine a remessa dos autos ao abrigo do disposto no artigo 99.º n.º 2 do CPC para o tribunal que se considere materialmente competente, farão V.ª Ex.ª inteira e sã justiça.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente cuidarão de suprir, deve a presente Apelação ser julgada totalmente procedente e, consequentemente:
– Ser revogada in totum a decisão a quo, por padecer de invalidade e violar o enquadramento legal em vigor, e substituída por uma outra que determine a competência material do Tribunal a quo e o consequente prosseguimento dos autos de execução;
Ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe,
– Ser revogada in totum a decisão a quo, por padecer de invalidade e violar o enquadramento legal em vigor, e substituída por uma outra que determine a remessa do processo para o Juízo de Execução competente, nos termos do artigo 85.º n.º 2 do CPC;
Ou ainda, caso divirja o douto entendimento,
– Caso se perscrute pela incompetência absoluta em razão da matéria, se admita o presente pedido de remessa dos autos ao abrigo do disposto no artigo 99.º n.º 2 do CPC, para o tribunal que se considere materialmente competente.»
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Dos autos não constam contra-alegações.
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O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Foi ordenada a citação da executada, nos termos e para os fins previstos no art.º 641.º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil
O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, foi-nos distribuído e por nós admitido o recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC). 

As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que se resumem a apreciar:

– Nulidade processual (se ocorreu violação do princípio do contraditório.)
– Nulidade do despacho, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, d) e 613º, n.º 3 do CPC (se no processo executivo sumário o juiz está impedido de, oficiosamente, indeferir liminarmente a execução).
– Se, em consequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, o Tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria para a execução por custas de parte.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos com interesse para a apreciação do mérito do presente recurso são os que constam do relatório supra.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

Alega a apelante que foi violado o disposto no art.º 3º nº 3 do CPC, pois não lhe foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre “a intenção de proferir decisão a decretar tal incompetência e judiciar pela consequente rejeição do requerimento executivo” e que “não poderia razoavelmente expectar tal decisão”.
Estabelece o art.º 3º, nº 3, do CPC, que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Tem-se entendido que o disposto nesse artigo não abrange o indeferimento liminar, pois, por um lado, o demandado ainda não é parte na acção (a instância relativamente a ele só se inicia ou produz efeitos com a citação – art.º 259º, nº 2 do CPC) e, por outro lado, a própria natureza do indeferimento liminar é incompatível com tal audição prévia, até porque não se trata de uma decisão surpresa, pois todo o autor, exequente ou requerente, tem presente que a petição, ou qualquer requerimento, é susceptível de ser liminarmente indeferida. Questão diversa é se existia ou não fundamento para tal indeferimento liminar, a qual se prende com a decisão per se e não com a falta de audição do requerente (acto prévio).
Por isso mesmo, o despacho de indeferimento liminar admite sempre recurso, independentemente do valor da causa e do fundamento desse indeferimento (cfr. al. c) do nº 3 do art.º 629º do CPC e, especificamente, no que concerne ao processo executivo, o n.º 3 do art.º 853º do mesmo diploma: “Cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo[[1]]. Assim se cumprindo o contraditório, já com o demandado citado para os termos da execução ou da acção.
Citando o acórdão do TRC de 10-5-2018 (16173/17.0T8LSB.L1-6), “este ponto de vista foi perfilhado em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/02/2018 (processo n.º 5500/17.0T8CBR.C1 publicado, à semelhança dos subsequentemente citados, em www.dgsi.pt): “No caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (despacho preliminar), além do mais porque a lei prevê o contraditório diferido, dada ampla admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor e da sucumbência, e em situação de igualdade das partes (…).A decisão-surpresa (art.3 nº 3 CPC) pressupõe que a parte não possa perspectivar como sendo possível, ou seja, quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse prognosticado no processo”.
Também no acórdão TRL, de 24-09-2019 (processo 8333/16.8T8ALM.L1.L1-7), publicado em dgsi.pt, se escreve, no respectivo sumário, que, “verificando-se os pressupostos previstos no art. 726.º n.º 2 do CPC para ser proferido despacho de indeferimento liminar, não há que dar cumprimento prévio ao contraditório relativamente ao exequente para decidir da verificação da excepção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria”.
No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 24-02-2015 (processo n.º 116/14.6YLSB), sustentando-se: “…não é admissível um despacho liminar prévio a um despacho liminar, seria uma decisão em si contraditória, porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faria qualquer sentido a parte ser ouvida preliminarmente sobre a aludida eventualidade de vir a ser produzida uma decisão de não admissão de recurso… A decisão surpresa, como os vocábulos indicam, faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão, que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido configurada por aquela”.
Pelo exposto, entendemos, que, no caso de indeferimento liminar da execução, não se impõe a audição prévia da exequente, inexistindo assim violação do princípio do contraditório.
*
A segunda questão que se coloca e de certa forma se conexiona com a anterior, no sentido da imprevisibilidade da decisão proferida, prende-se com o facto de no processo executivo sumário não existir, como regra, despacho liminar, prevendo-se apenas a sua possibilidade quando a intervenção do juiz seja suscitada pelo agente de execução.

Efectivamente o art.º 855.º do CPC estabelece:

1 - O requerimento executivo e os documentos que o acompanhem são imediatamente enviados por via eletrónica, sem precedência de despacho judicial, ao agente de execução designado, com indicação do número único do processo.
2 - Cabe ao agente de execução:
a) Recusar o requerimento, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o preceituado no artigo 725.º;
b) Suscitar a intervenção do juiz, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 723.º, quando se lhe afigure provável a ocorrência de alguma das situações previstas nos n.ºs 2 e 4 do artigo 726.º, ou quando duvide da verificação dos pressupostos de aplicação da forma sumária.

Por seu turno o art.º 723º do CPC, que define a competência do juiz no âmbito do processo executivo ordinário, prevê, entre outros actos:

Competência do juiz
1 - Sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz:
a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;
(…)
d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.

Segundo a exequente, se bem interpretamos o teor das suas alegações, não havendo lugar a despacho liminar nesta forma de processo e não tendo sido suscitada a sua intervenção, o Mmº Sr. Juiz “a quo” carecia de competência para proferir o despacho em crise (excesso de pronúncia) – Art.º 615º nº 1, al. d).
Sucede que, nos termos do art.º 551º do CPC, são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva (n.º 1), bem como, que à execução sumária se aplicam subsidiariamente as disposições do processo ordinário (nº 3).
 Ora, por um lado, o processo executivo ordinário prevê, no art.º 734º do CPC, a possibilidade de, mesmo posteriormente ao despacho liminar e até ao 1º acto de transmissão dos bens, o juiz poder conhecer oficiosamente, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
Se pode conhecer depois, ao abrigo desta disposição aplicável também ao processo sumário, não faria sentido que o não pudesse fazer antes.
Por outro lado, as normas do processo declarativo comum também se aplicam, nos termos supra definidos, ao processo executivo.
Ora, embora a regra no processo declarativo comum seja a inexistência de despacho liminar do juiz, o art.º 590º do CPC, que rege sobre a gestão inicial do processo, prevê expressamente a possibilidade de existir despacho liminar por determinação do juiz (1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º). (Sublinhado e realce nossos).
Assim, no processo declarativo comum, é admissível, ao abrigo dos poderes de gestão processual, que o juiz determine, casuisticamente ou em casos pré-determinados, que o processo lhe seja concluso para proferir despacho liminar, e, por força do disposto no citado 551º nº 1 do CPC, por se mostrar absolutamente compatível com a natureza da ação executiva (que no processo ordinário até prevê sempre a existência de despacho liminar), também no processo de executivo sumário.
Pelo exposto, entendemos que também não se verifica a nulidade assacada pelo recorrente ao despacho recorrido, porquanto o juiz conheceu de questão que lhe era lícito conhecer.
*
Resta-nos agora apreciar o mérito do despacho em si, ou seja, se ocorre “error iuris” ao decidir-se pela incompetência absoluta do Tribunal e consequente indeferimento liminar do requerimento executivo.
A decisão recorrida funda-se na alteração da redacção do art.º 131.º da LOSJ, introduzida pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, que excluiu expressamente as custas da previsão legal, dispondo agora que “a execução das decisões relativas a multas penais e indemnizações previstas na lei processual aplicável compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido”.
Apreciando.
Nos termos do art.º 529º nº 4 do CPC as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais. As custas de parte são suportadas pela parte vencida, consoante o respectivo decaímento (art.º 533º nº 1 do CPC).
O art.º 26º n.º 1 do RCP dispõe que as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas.
O credor de custas de parte, que não sejam voluntariamente pagas, pode intentar acção executiva para pagamento das mesmas, servindo de título a sentença condenatória do devedor nas custas e a nota discriminativa e justificativa, apresentada os termos dos art.ºs 533º n.º 3 do CPC, e art.º 25º n.º 1 do RCP (caso tenha sido objecto de reclamação, acompanhada  da decisão que julgar a reclamação).
A Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, veio introduzir um conjunto de alterações no CPC, na LOSJ e no RCP.
Anteriormente o art.º 87º do CPC, em conjugação com o disposto no então art.º 131º da LOSJ, dispunha que a execução das decisões relativas a …, custas … previstas na lei processual aplicável, compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido.
Este art.º 87 do CPC foi alterado referida Lei n.º 27/2019, tendo sido eliminada a referência a decisões relativas a custas, referindo-se agora apenas à competência para a execução de indemnizações previstas no art.º 542º (por litigância de má fé).

Actualmente o art.º 35º do RCP estabelece:

1 - Compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.
2 - Cabe à secretaria do tribunal promover a entrega à administração tributária da certidão de liquidação, por via eletrónica, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas.
3 - Compete ao Ministério Público promover a execução por custas face a devedores sediados no estrangeiro, nos termos das disposições de direito europeu aplicáveis, mediante a obtenção de título executivo europeu.
4 - A execução por custas de parte processa-se nos termos previstos nos números anteriores quando a parte vencedora seja a Administração Pública, ou quando lhe tiver sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a execução por custas de parte rege-se pelas disposições previstas no artigo 626.º do Código de Processo Civil.

Deste normativo resulta a competência da administração tributária no que tange à cobrança de custas (incluindo custas de parte de que a administração pública seja credora) pelo Estado nos processos judiciais.
Relativamente às custas de parte de que a administração pública não seja credora, concretamente, que caibam aos particulares litigantes, como no presente caso, a execução rege-se pelo disposto no art.º 626º do CPC, ou seja, segue a tramitação da execução de decisão judicial condenatória, iniciando-se mediante requerimento, ao qual se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 724.º e seguintes (processo executivo ordinário), mas seguindo a tramitação da forma sumária (sem prejuízo do disposto no nº 3 do art.º 550º do CPC, que aqui não tem aplicação).
Assim sendo temos de concluir que o Tribunal competente para a execução das custas de parte é o que for para a indemnização resultante de sentença condenatória.

Neste conspecto rege o disposto no art.º 85.º do CPC, o qual dispõe:

Competência para a execução fundada em sentença

1 - Na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado.
2 - Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.

(…)
O Tribunal onde foi proferida a sentença condenatória (a condenação em custas integra o dispositivo da sentença) é o Juízo Central Cível .... Era aí que o requerimento executivo tinha de ser apresentado, no processo onde foi proferida a sentença condenatória, tal como foi.
Não há assim fundamento para o indeferimento liminar da execução uma vez que o exequente seguiu a norma de tramitação da execução prevista na Lei.
Mas, como se refere no acórdão desta Relação de 4-3-2022[[2]], “uma realidade é a competência em razão da matéria e do valor; outra realidade é a tramitação ou o processamento da execução”.

Relativamente à competência material em razão da especialização dos Tribunais judiciais tal como definida nas leis de organização judiciária (art.ºs 65º e 66º do CPC) e no que tange às execuções a LOSJ estabelece:

Artigo 117.º
Competência
1 - Compete aos juízos centrais cíveis:
(…)
b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;
(…)
artigo 129.º
Competência
1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
(…)
3 - Para a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor.
Artigo 130.º
Competência
(…)
2 - Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem ainda competência para:
(…);
c) Exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, onde não houver juízo de execução ou outro juízo ou tribunal de competência especializada competente;

Da conjugação destes artigos resulta, que, na circunscrição em que não exista juízo de execução, o Juízo Central Cível é competente para executar as suas próprias decisões, desde que de valor seja superior a € 50.000,00 (competência em razão do valor).
Se o valor for inferior, tal competência defere-se aos juízos locais cíveis e de competência genérica (art.º 130º nº 2 da LOSJ).
Assim, a não existir juízos de execução na comarca ..., deve o Tribunal recorrido remeter o processo para o juízo local cível ou de competência genérica competente.
Mas, como vimos, não se verificam os pressupostos do indeferimento liminar da execução, porquanto o exequente instaurou a execução no Tribunal onde o art.º 85º do CPC determina que deve ser instaurada (no que proferiu a sentença), competindo a esse Tribunal, nos termos do mesmo normativo, remeter ao Tribunal competente, “com carácter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham”[[3]].
Pelo exposto impõe-se revogar o despacho recorrido, acolhendo-se a pretensão da apelante.

V - DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam o despacho recorrido, determinando se dê cumprimento ao estabelecido no art.º 85º n.º 2 do CPC, tendo em atenção as supracitadas normas da LOSJ.
Sem custas.
Guimarães, 9-03-2023

Eva Almeida
Ana Cristina Duarte                                     
Alexandra Rolim Mendes


[1] Como salienta o acórdão do TRL 10-05-2018 (Nuno Sampaio), processo 16173/17.0T8LSB.L1, a Lei processual salvaguarda em todos os casos a possibilidade de o exequente se pronunciar sobre a matéria da excepção dilatória de conhecimento oficioso que motivou o indeferimento liminar do requerimento executivo, ao consagrar a admissibilidade de recurso independentemente do valor da causa – art. 853º, nº 3 do CPC.
[2] http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/08b5db6eb21b5d048025880e00358905?OpenDocument
[3] Neste sentido, entre outros, ver os acórdãos desta Relação de Guimarães de  24-11-2022 (processo 471/16.3T8VCT.3.G1) relatado por Maria dos Anjos Nogueira e de 3-3-2022 (processo 42/10.8TBMNC-D.G1), relatado por José Carlos Duarte, ambos publicados em www.dgsi.pt