Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
823/12.8TUGMR-D.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DE INCAPACIDADE
PENSÃO PROVISÓRIA
PERICULUM IN MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I- No incidente de revisão da incapacidade (145º CPT) em que a entidade responsável pretende discutir a responsabilidade do agravamento entre as sequelas actuais do sinistrado e a lesão inicial (146º CPT) é processualmente admissível o recurso ao mecanismo cautelar de fixação de pensão provisória (122º CPT). O sinistrado alegou os legais pressupostos relativos à necessidade da pensão (que virtualmente aumentará a pequena pensão já remida com base numa IPP de 1,99%) e à incapacidade grave de que padece (está indiciado 60% de IPP, com IPATH).
II- O incidente de revisão da incapacidade foi requerido há cerca de dois anos. A audiência de julgamento iniciou-se há cerca de um ano e ainda não terminou. Observam-se práticas que atrasam o processado, tais como arguição de nulidades, recurso intercalar e requerimentos de perícias médicas a acrescer às legalmente previstas.
III- A ratio dos procedimentos cautelares é o reconhecimento de que a demora do processo pode acarretar danos sérios e irreparáveis no presumível titular do direito (periculum in mora). No caso, não só não há razão para negar ao sinistrado tutela cautelar, como tal é imposto por princípios constitucionais, de direito internacional e de direito ordinário interno referentes ao acesso ao direito, sem demora indevida e em prazo razoável, mormente através de procedimentos caracterizados pela celeridade e prioridade, com vista a obter uma tutela efectiva e útil (20º/1/4/5, CRP, 6º/1, CEDH e 2º CPC).

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTOR/SINISTRADO: J. B..
RÉS: X-COMPANHIA DE SEGUROS S.A e J. R. LDA.

AUTOS: acção especial emergente de acidente de trabalho/incidente de revisão de pensão.
Iniciada a fase contenciosa através de apresentação de petição inicial, a instância terminou por transação judicialmente homologada em 14/11/2017, por via da qual, entre o mais, se condenou a seguradora no pagamento de pensão, obrigatoriamente remível, referente a um acidente de trabalho ocorrido em 24-01-2012.
O sinistrado recebeu o respetivo capital de remição (€ 3.915,11) em 27/03/2018, calculado com referência à incapacidade permanente de 1,99%, fixada por despacho proferido em 6-09-2016.

INCIDENTE DE REVISÃO DA INCAPACIDADE – 145º e ss CPT:

Em 21/11/2018, o sinistrado requereu incidente de revisão de incapacidade alegando que sofreu agravamento das lesões e que não recebe ajudas técnicas médicas, medicamentosas, nem pensão.
Refere que, não só está incapacitado de desenvolver a sua actividade profissional, como qualquer outra. De acordo com o atestado Multiuso está afectado de incapacidade permanente parcial global de 83%.
Foi realizada perícia médica (relatório de 3-03-2019), que admitiu agravamento das sequelas do acidente (sinistrado trolha, escorreu em escada, com queda de vários metros de altura, traumatismo da cabeça e fractura do punho esquerdo, submetido a várias intervenções cirúrgicas, com fixação inicial de fios metálicos). O perito médico fixou uma IPP de 20%, com IPATH.
A seguradora não se conformou com este resultado e requereu a realização de junta médica, bem como o sinistrado. A seguradora declarou, ainda, pretender discutir a responsabilidade do agravamento da incapacidade, a ser decidida com recurso a outros meios de prova – 145º, 5, 146º, CPT.
Requerida junta médica de neurocirurgia, realizada em 31-05-2019, nela se concluiu por uma IPP de 60%, com IPATH, considerando as actuais sequelas resultantes do acidente, agravadas por um outro acidente que o sinistrado sofreu em 2014.
A seguradora veio arguir nulidades relativamente à junta médica (relacionadas com a falta do seu perito e sua substituição) e requerer a realização de exame pericial. Proferido despacho inferindo a arguição de nulidade, foi interposto recurso por parte da seguradora, admitido na 1ª instância com efeito suspensivo. Subidos os autos ao Tribunal da Relação, o recurso acabou por não ser admitido por a decisão não ser imediatamente recorrível, mas tão somente a final.
O incidente continuou a sua tramitação. O julgamento teve inicio em 23-09-2020 (data em que as partes acordaram na realização de nova junta médica e na suspensão dos autos com vista a eventual acordo, que se gorou e não foi realizada nova junta médica). Posteriormente realizaram-se várias sessões de julgamento, estando agendada nova sessão para 4-11-2021.
Entretanto, o sinistrado, invocando o disposto no art.º 121 do CPT, requereu a fixação de pensão provisória.
Pede que: ” ….tendo em conta o resultado da perícia médica e a insuficiência económica do agregado familiar em que o sinistrado está inserido e os prejuízos inerentes ao risco da demora da presente ação, requer-se a V. Ex.ª que seja fixada uma pensão provisória com base na remuneração já aceite.”
Refere (extractos mais relevantes) que : “decorreram já quase 2 anos desde a realização da junta médica que constatou o estado lastimoso em que o sinistrado se encontra;” que “não recebe salário, apoio ou subsídio de qualquer espécie, com referência ao acidente dos autos”; “Tendo sido obrigado a socorrer-se da Segurança Social onde lhe foi concedida uma prestação social para a inclusão de apenas € 273,39 mensais a que acresce um complemento de € 21,23”; que a esposa desenvolveu grave depressão e não pode desenvolver a sua actividade; que o “respetivo agregado familiar composto pelo sinistrado, esposa e uma filha menor e os seus rendimentos atuais são manifestamente insuficientes para custear as despesas com a habitação, alimentação, luz, água, gás, transporte e tratamentos médicos e medicamentosos de que o sinistrado necessita”, e, finalmente, que está “em absoluta carência económica (estando, absolutamente, incapaz de desenvolver a sua atividade profissional), não auferindo qualquer rendimento capaz de suportar as suas despesas básicas”.

A seguradora opôs-se.

FOI PROFERIDA A SEGUINTE DECISÃO, ORA RECORRIDA, SOBRE O PEDIDO DE FIXAÇÃO DE PENSÃO PROVISÓRIA:

“No âmbito deste incidente de revisão (da incapacidade permanente parcial de 1,99% já fixada ao sinistrado, desde o dia seguinte à data da alta ou cura clínica em 31/5/2013, no âmbito do processo principal emergente de acidente de trabalho, no qual a seguradora se obrigou a pagar e pagou ao sinistrado, o capital de remição da pensão anual vitalícia de € 240,25) não é possível, legalmente, a fixação de pensão provisória – cfr. fls. 195 do apenso A e fls. 559 a 562 do processo principal e o regime contido quer no art. 52º da Lei nº 98/2009, de 4-9 quer nos arts. 121º a 123º do Código de Processo do Trabalho.”

RECURSO INTERPOSTO PELO SINSTRADO.CONCLUSÕES:

1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho, proferido em 16/07/2021, que indeferiu a atribuição de pensão provisória requerida pelo sinistrado.
2. O sinistrado não aceita nem se conforma com tal decisão, por entender que a mesma não faz uma correta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, fazendo, inclusivamente, uma interpretação inconstitucional das disposições conjugadas nos artigos 121º a 123º do Código do Processo de Trabalho e 52º da Lei n.º 98/2009.
3. No âmbito do processo principal o sinistrado recebeu o capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia calculada sobre uma incapacidade de 1,99 % (que correspondeu a € 3.915,11), no entanto as sequelas resultantes do sinistro agravaram-se sobremaneira, e na sequência do incidente de revisão de incapacidade (proposto em 21/11/2018) os senhores peritos constataram o agravamento fulminante das sequelas decorrentes do sinistro, tendo concluído, por unanimidade, que o sinistrado padece atualmente de uma incapacidade permanente de 60 % e ainda que o mesmo se encontra incapacitado para o trabalho "...habitual e qualquer trabalho".
4. Decorreram 2 anos desde a realização da junta médica que constatou o estado lastimoso em que o sinistrado se encontra, não sendo expectável que o desfecho final do processo ocorra com brevidade, atenta a complexidade das questões em causa.
5. O sinistrado, desde a data em que recebeu o capital de remição nos autos principais, não recebe salário, apoio ou subsídio de qualquer espécie, tendo sido obrigado a socorrer-se da Segurança Social onde lhe foi concedida uma prestação social para a inclusão de apenas € 273,39 mensais a que acresce um complemento de € 21,23.
6. A mulher do sinistrado (E. B.) mercê da incapacidade do sinistrado e de tudo quanto tal factualidade envolve, desenvolveu uma grave depressão reativa, com início em Janeiro de 2020, por esgotamento, não podendo desenvolver a sua atividade profissional na confeção onde laborava.
7. Sendo o respetivo agregado familiar composto pelo sinistrado, esposa e uma filha menor, os seus rendimentos atuais são manifestamente insuficientes para custear as despesas com a habitação, alimentação, luz, água, gás, transporte e tratamentos médicos e medicamentosos de que o sinistrado necessita.
8. Estando o sinistrado em absoluta carência económica (estando, absolutamente, incapaz de desenvolver a sua atividade profissional), não auferindo qualquer rendimento capaz de suportar as suas despesas básicas e atendo o resultado da perícia médica (que constatou o agravamento da incapacidade permanente do sinistrado), não existe fundamento para que o Tribunal a quo tivesse indeferido a atribuição de pensão provisória.
9. O incidente de discussão da responsabilidade pelo agravamento das lesões que se encontra pendente (com natureza notoriamente dilatória - pode ser que o sinistrado entretanto faleça e, aí, a seguradora nada lhe tenha a pagar...), em nada interfere com a responsabilidade pelo acidente já, oportunamente, assumida - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2019 no processo n.º 2638/16.5T8BCL.1.G1.
10. Estando assente a existência e a caracterização do acidente como de trabalho e assumida a respetiva responsabilidade pela Seguradora, impunha-se, salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo deferisse a atribuição da pensão provisória requerida pelo sinistrado.
11. A atribuição de pensão provisória, no caso de estar reconhecida a responsabilidade, não estabelece, sequer, para além da apresentação pelo interessado de requerimento nesse sentido, qualquer outra exigência para a atribuição da pensão provisória, nomeadamente a alegação pelo Autor de dificuldades económicas e prejuízos relacionados com o risco de demora da ação - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-06-2008 no processo n.º 0813345.
12. Reportando-se o disposto no art.º 121 do CPT à fixação de pensão provisória na fase contenciosa do processo, salvo o devido respeito por opinião diversa, nada impede que, verificando-se os respetivos pressupostos, a mesma seja fixada, no âmbito do incidente de revisão de incapacidade.
13. Entendimento diverso resultaria na possibilidade séria (e a situação dos autos é um exemplo) de um sinistrado estar sem receber qualquer pensão e auxílio (não obstante estar numa situação de carência) apenas porque as entidades responsáveis recorrem, ainda que de forma infundada e meramente dilatória, ao incidente de discussão sobre a responsabilidade do agravamento.
14. Por outro lado, a falta de previsão expressa da possibilidade da fixação provisória de uma pensão no âmbito do incidente de agravamento da incapacidade do sinistrado, apenas poderá consubstanciar uma lacuna do Código de Processo de Trabalho.
15. Porém, ainda que se tivesse que recorrer ao Código de Processo Civil, nos termos estabelecidos no art.º 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho, provados os pressupostos no art.º 388.º do Código de Processo Civil, com as especificidades deste caso em particular (relação laboral, acidente, etc.), impunha-se que o Tribunal a quo decidisse pela atribuição de pensão provisória ao sinistrado.
16. Sobretudo quando tal pensão provisória é absolutamente essencial para permitir ao sinistrado uma existência, ou o pouco que dela resta, minimamente condigna.
17. Pelo exposto, tendo em conta o resultado da perícia médica e a insuficiência económica do agregado familiar em que o sinistrado está inserido e os prejuízos inerentes ao risco da demora da presente ação, deve ser fixada pensão provisória com base na remuneração já aceite, nos termos requeridos.
18. O douto despacho recorrido viola, além do mais, o disposto nos artigos 121º a 123º do Código do Processo de Trabalho e 52º da Lei n.º 98/2009, razão pela qual deverá ser revogado.
19. A interpretação do Tribunal a quo às disposições conjugadas nos artigos 121º a 123º do Código de Processo do Trabalho e artigo 52º da Lei n.º 98/2009 no sentido de não ser legalmente admissível a fixação de pensão provisória no âmbito de incidente de revisão de incapacidade (cuja perícia médica concluiu pelo agravamento da situação do sinistrado) é inconstitucional por violação do direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, previsto no art.º 59 n.º 1 f) da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa que, desde já, se suscita para os devidos e legais efeitos.

Nestes termos e nos demais de direito, que muidoutamente serão supridos, julgando procedente a presente apelação e revogando o douto despacho recorrido, substituindo-o por decisão que atribua pensão provisória ao sinistrado…”

CONTRA-ALEGAÇÕES DA RÉ/SEGURADORA: defende a manutenção da decisão recorrida.
O Ministério Público emitiu parecer defendendo a manutenção da decisão recorrida
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)): saber se é admissível a formulação de pensão provisória no âmbito do incidente de revisão de incapacidade para o trabalho.

I.I FUNDAMENTAÇÃO

Factos:
Os factos a atender são os elencados no Relatório, mormente a data em que foi apresentado o pedido de revisão de incapacidade, a tramitação e actos realizados, o tempo de demora na resolução do incidente e os fundamentos invocados para o pedido de fixação de pensão provisória.

Direito:
No processo emergente de acidente de trabalho estão previstos mecanismos específicos de fixação de pensão provisória, regulados nos artigos 121º a 125º do CPT.
Pese embora o seu enquadramento jurídico processual não seja consensual, uns qualificando-os como providência cautelar específica, outros negando-lhe o caracter stricto sensu de procedimento cautelar, na parte que ora releva, afigura-se pacífico que tais mecanismos, em substância, detêm natureza cautelar ou semelhante. Cuidando-se de proferir uma decisão de cariz provisório e antecipatório de certos efeitos da decisão que venha a julgar definitivamente a causa, destinada a assegurar a sua eficácia - Paulo Sousa Pinheiro, Curso de Direito Processual do Trabalho, Almedina, 2020, pag. 82 e ss.
São procedimentos que visam obviar a que a demora de um processo prejudique a parte a quem aparentemente assiste razão e em que haja risco de lesão grave e dificilmente reparável, mormente nos casos em que esteja em causa a grave situação económica ou sobrevivência do sinistrado.
Na sua essência obedecem em geral aos requisitos da providência cautelar. Bastam-se com a verificação da aparência do direito (juízo de mera probabilidade sobre o direito invocado quanto aos elementos essenciais do acidente de trabalho) e com a demonstração do perigo da sua insatisfação (o dano e, no caso de desacordo sobre a existência do acidente, em especial a situação de necessidade económica do sinistrado)- Carlos Alegre, Código de Processo de Trabalho, Almedina, 2003, p. 295.
Como todos os procedimentos de natureza cautelar, o que os justifica é o chamado periculum in mora, ou seja, o reconhecimento de que a demora do processo pode acarretar danos sérios e irreparáveis no presumível titular do direito. Efectivamente, de que nada serve o reconhecimento de um direito se já tiverem ocorrido prejuízos que a sentença não possa anular - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, 1980, Vol I, p. 619 e ss. É suposto, por isso, serem mecanismos simples e rápidos, destinados a atalhar a urgência de prevenir danos consideráveis.
Se em qualquer ramo do direito se reconhecem os malefícios da demora de um processo judicial, no domínio laboral estes acentuam-se claramente, em virtude da subordinação jurídica e dependência económica do trabalhador relativamente ao empregador. Mormente nos casos em que aquele fica privado da sua retribuição, a qual, na normalidade das coisas e do cidadão comum, é o único meio de subsistência e de garantia de pagamento de bens essenciais (renda/amortização da casa, despesas de alimentação, saúde, etc).
O acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, sem demora indevida e em prazo razoável, incluindo o acesso a procedimentos caracterizados pela celeridade e prioridade, com vista a obter uma tutela efectiva e útil, tem tutela constitucional no art. 20º, 1, 4 e 5, CRP (20º 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses…. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.)
O mesmo é estabelecido no artigo 6º, 1, da Convenção Europeia dos Direito do Homem (art. 6º direito a um processo equitativo 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial…”)
E também na lei ordinária adjectiva interna no artigo 2º, CPC (1.- A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.2 - A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.)
Numa perspectiva processual, está já de algum modo consolidado o entendimento de que a fixação de pensão provisória com recurso aos mecanismos específicos previstos no processo de acidentes de trabalho (121º e 122º CPT), pressupõe que se tenha transitado para a fase contenciosa e abandonado a fase conciliatória após realização de tentativa de conciliação, diligência onde se define o acordo ou desacordo das partes relativamente aos elementos essenciais do acidente de trabalho.
Assim, caso o processo demore na sua fase conciliatória e haja necessidade de acautelar a subsistência do sinistrado ou familiares, haverá que recorrer ao procedimento cautelar civil de arbitramento de reparação provisória previsto no artigo 388º CPC e ss – Paulo Sousa Pinheiro Curso de Direito Processual do Trabalho, Almedina, 2020, p. 129, Maria Adelaide Domingos, “Procedimentos cautelares Laborais, Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, Vol. V, p. 42-44, na jurisprudência ac. RG de 17-07-2020 e de 7-10-2021.
No caso, o processo “inicial” (fixação pela primeira vez de IPP e atribuição de pensão remida em capital) transitou para a fase contenciosa, não tendo havido acordo sobre a transferência de responsabilidade e aceitação do grau de incapacidade. Os autos terminaram posteriormente por transação judicialmente homologada, em que a seguradora aceitou a sua responsabilidade e o pagamento de pensão.
Donde, é seguro que o processo não se encontrava na fase conciliatória, tendo sido realizada tentativa de conciliação onde as partes tomaram posição. Já na fase contenciosa, em audiência de julgamento, realizou-se nova tentativa de conciliação e as partes chegaram, então, a acordo, devidamente homologado. Portanto, em teoria será admissível o recurso aos mecanismos cautelares especiais previstos no CPT, sem necessidade de deitar mão do procedimento civil de arbitramento de reparação provisória.
No caso, a seguradora pretende discutir a responsabilidade do agravamento da incapacidade, ao abrigo do disposto no artigo 146º CPT, não reconhecendo a causalidade entre as sequelas actuais do sinistrado e a lesão sofrida no acidente.
Ocorre, assim, um paralelismo entre esta situação e a prevista no mecanismo cautelar que permite a fixação de pensão provisória em caso de falta de acordo (122º do CPT) para as situações ditas “normais” em que o processo de acidente de trabalho transita da fase conciliatória para a contenciosa, por estarem controvertidos alguns dos elementos relativos ao reconhecimento do acidente como sendo de trabalho, entre eles podendo figurar a causalidade evento/lesão/sequela.
Reconhece-se a invulgaridade do caso. Da resenha jurisprudencial efectuada não identificamos situações em que se peça uma pensão provisória em incidente de revisão de incapacidade e depois de já ter sido atribuída uma pensão (no caso remida) ao sinistrado. Contudo, no âmbito dos acidentes de trabalho as incapacidades atribuídas e as respectivas pensões não são definitivas, podendo ser alteradas em incidentes de revisão. No caso, aliás foi fixada uma pequena pensão, com base numa IPP reduzida (1,99€).
Ora, terá de ser com referência ao pedido do incidente de revisão e à possibilidade de lhe ser aumentada a pensão, que terá de ser aferida a necessidade de tutela cautelar.
Do ponto de vista da ratio de instituto acima enunciada não há razão para se negar ao sinistrado protecção cautelar. O relatório acima elaborado atesta as vicissitudes dos autos e o seu tempo de demora. O incidente de revisão arrasta-se há cerca de dois anos, sem que tenha sido terminado o julgamento, que se estende pelo período de quase um ano. Constatando-se pelo meio uma série de incidente processuais, arguição de nulidades e recurso que dificultam o seu termo. Trata-se, também, pelo que nos apercebemos de uma questão algo mais complexa (em que aparentemente interfere a ocorrência de outro acidente) que faz aumentar o tempo de resolução definitiva dos autos. Ou seja, também a especificidade do caso impõe uma solução que se lhes adeque e que acautele as necessidades económicas do sinistrado e família.
Por outro lado, teoricamente estão alegados os pressupostos para análise do caso nos termos do artigo 122º CPT: além do desacordo sobre um aspecto do acidente de trabalho (causalidade entre actual sequela e a lesão inicial), o requerente alegou que as prestações eram necessárias a si e ao seu agregado e que do acidente resultou uma incapacidade grave, aliás indiciada no auto de perícia por junta médica que atribuiu ao sinistrado uma IPP de 60%, com IPATH.
Assim, deve ser liminarmente admitido o pedido de pensão provisória ao abrigo do disposto no artigo 122º CPC e os autos devem prosseguir, sendo proferida decisão de mérito a atribuir ou a negar pensão provisória de acordo com os elementos existentes nos autos.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que a primeira instância profira decisão de mérito nos termos acima referidos- 87º, CPT e 663º CPC.
Custas a cargo da recorrida.
Notifique.
4-11-2021

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


1- Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do recorrente, salvo as questões de natureza oficiosa.