Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2/18.0GBVLN.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
TESTE DE PESQUISA DE ÁLCOOL
NÃO EXALAÇÃO VOLUNTÁRIA DE AR
RECUSA
ARTº 4º DA LEI Nº 18/2007
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Tendo o tribunal formado uma convicção segura no sentido de que o arguido se quis intencionalmente furtar à realização do teste quantitativo, não expelindo deliberadamente a quantidade de ar suficiente para que o alcoolímetro lograsse efetuar a leitura do teor de álcool, é de todo despicienda qualquer preocupação, de índole meramente abstrata e conjetural, em relação às condições de operacionalidade do alcoolímetro, concretamente se o mesmo havia ou não sido submetido a fiscalização periódica.

II) O art. 4º da Lei n.º 18/2007, sob a epígrafe “Impossibilidade de realização do teste no ar expirado” prevê, no seu n.º 1, que quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização daquele teste (como sucede, por exemplo, se ficar gravemente ferido num acidente de viação), é realizada análise de sangue.

III) Porém, a impossibilidade física de o examinando conseguir expelir ar suficiente nada tem a ver com a situação em que o mesmo, deliberadamente, não expele ar suficiente,

IV) A não exalação voluntária de ar suficiente para a verificação da presença, ou não, de álcool no sangue não pode deixar de ser equiparada a “recusa” para efeitos de preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal do crime de desobediência, na medida em que quer a impossibilidade de realização do teste de pesquisa de álcool resulte da recusa pura em simples do examinando, quer se deva à não expiração, deliberada, de ar suficiente para a realização do exame, são idênticos o desvalor da ação e o resultado conseguido (a impossibilidade de realização do teste).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo especial, sob a forma sumária, com o NUIPC 2/18.0GBVLN, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, no Juízo de Competência Genérica de Valença – J1, foi o arguido, M. S., condenado, por sentença proferida e depositada a 09-02-2018, pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348º, n.º 1, al. a), do Código Penal, por referência ao art. 152º, n.º 3, do Código da Estrada, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 10,00 € (dez euros), o que perfaz o montante global de 900,00 € (novecentos euros), bem como ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses, ao abrigo do disposto no art. 69º, n.º 1, al. c), do Código Penal.
2. Não se conformando com essa decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição [1]):

«1ª) Não consta dos autos – nem sequer da acusação - qualquer identificação relativamente ao aparelho quantitativo de deteção de álcool no sangue por ar expirado.
Não sabem estes autos se o alcoolímetro utilizado nas provas de deteção de álcool no sangue (art. 152 e 153 do CE) foi sujeito à verificação anual imposta por lei, pelo que não poderá merecer qualquer fiabilidade e por isso não pode servir como meio probatório incriminatório. A sua fiabilidade encontra-se necessariamente afetada.
Não sabemos, pois se a alegada falta de resultado do aparelho se deveu ao alegado sopro insuficiente do arguido ou a deficiências do próprio aparelho.

2ª) Ora, como vem sendo reafirmado sistematicamente pela jurisprudência, no que respeita ao disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo penal, a fundamentação das sentenças penais e principalmente das sentenças condenatórias, deverá possibilitar averiguar e discernir com clareza os motivos que conduziram efetivamente a que fossem considerados provados os factos em causa.

3ª) Com efeito, a fundamentação da decisão do tribunal, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório.

4ª) Ora, isso não sucede efetivamente no caso dos autos, porquanto a sentença recorrida, em parte alguma explica, conjugados os depoimentos das testemunhas com os documentos juntos aos autos como chegou o julgador à conclusão de que a falta do resultado na máquina do teste quantitativo se deveu exclusivamente ao arguido, já que nada sabe sobre o aparelho quantitativo nem sobre as suas condições de funcionalidade.

5ª) O que, por outro lado, vem a significar que o Mmº. Juiz não considerou a fiabilidade, ou falta dela, do aparelho utilizado para o teste quantitativo, proferindo a condenação do arguido sem apreciar a falta de prova relativa ao aparelho quantitativo, logo sem fundamentação consistente, o que de forma alguma é ou pode ser consentido em processo penal.

6ª) Não se poderá alegar falta de fundamentação, nem nulidade adveniente ou irregularidade daquela prova, mas sim da total ausência de prova relativamente às condições de funcionamento do alcoolímetro utilizado; nesta parte falta, pois, inevitavelmente, à sentença dos autos uma efetiva fundamentação, nos termos acima expostos - artigo 379º, nº 1, al. a) – que remete para o artigo 389-A, do Código de Processo Penal.

7ª) Para além disto, no entender do recorrente, impõe-se a final a absolvição do arguido visto que: este cumpriu as três tentativas de sopro, muito embora o alcoolímetro utilizado não tenha revelado qualquer resultado, tendo nas três tentativas emitido um único talão – talão 1906 – com indicação de “sopro insuficiente”; e nunca obstaculizou a obtenção de qualquer resultado de álcool no sangue, prontificando-se e requerendo, várias vezes, colheita sanguínea para obtenção de resultado quantitativo.

8ª) Os Srs. Agentes da GNR não deram cumprimento ao artigo 4º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do álcool ou de substância psicotrópicas, aprovado pela Lei 18/2007 de 17 de Maio, que, na falta de resultado nas três tentativas sucessivas por ar expirado impõe a análise ao sangue do examinando.

9ª) Resumindo: temos na terminologia legal dois momentos distintos de análise sanguínea:

1ª – após três tentativas de teste por ar expirado sem resultado – fase imperativa de análise sanguínea – visa a obtenção de um resultado.
2ª – após obtenção de resultado em teste por ar expirado – fase facultativa, em pedido de contraprova- visa contrariar o resultado já obtido.
10ª) Para além disto, no entender do recorrente, impõe-se ainda a análise e impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, em consonância com o previsto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal. Daí que o recorrente impugna:

a) os factos considerados provados nos pontos

5) quando refere “aparelho analisador quantitativo de deteção de álcool no sangue por ar expirado” dado se desconhece nos autos se tal aparelho estava ou não em condições de ser considerado analisador quantitativo de deteção de álcool no sangue pelo ar expirado; na verdade nada sabem os autos quanto a tal aparelho: nem marca, nem modelo, nem nº de série, nem data da última inspeção /vistoria. Não sabem os autos se a designação é correta, pelo que tal facto vai impugnado não devendo integrar os factos provados.
7) quando refere: “um sopro muito curto, quase inexistente” - este sopro foi suficiente para gerar um talão – 1906, com resultado sopro insuficiente”, pelo que foi suficiente para ativar o aparelho em questão (sem prescindir da alegação da falta de prova das suas condições de funcionalidade);
9) quando refere: “de forma propositadamente incorreta” pois o arguido procedeu aos sopros dentro das suas possibilidades; nunca quis obstaculizar a obtenção de resultado à taxa de álcool no sangue, disponibilizando-se sucessivamente para colheita e análise sanguínea.
10) quando refere: “mas o arguido apenas encostou os lábios à boquilha do aparelho e limitou-se a expelir um sopro ínfimo, impossibilitando assim a quantificação da taxa de álcool no sangue – ora como se disse não sabem os autos se a responsabilidade pela não quantificação da taxa de álcool no sangue pertence ao arguido, já que o aparelho quantificador não foi identificado nos autos nem foi feita prova da sua funcionalidade;
12) pelos mesmo exatos motivos considerados na impugnação do ponto 10);
14) O arguido não se recusou a efetuar o teste de pesquisa de álcool pelo método de ar expirado, cumpriu, dentro das suas possibilidades as três tentativas ordenadas pelos agentes. Não foi obtido resultado, e por conseguinte deveria ter sido sujeito a análise sanguínea, por imperativo legal. Mas a tal não foi dado cumprimento por parte dos srs. Agentes.

Os factos ora impugnados devem ser considerados Não PROVADOS, pelos motivos expostos.

b) os factos considerados não provados, vertidos no parágrafo:

1) – dado que quer os agentes que testemunharam, únicas testemunhas deste facto, quer o auto da GNR ao qual aderiu o MP, inequivocamente referem a emissão do talão, o qual é inclusive identificado no auto/acusação, como talão 1906.

o qual deve ser considerado PROVADO.

11ª) Verificando-se, por consequência, que no presente caso, o arguido não se opôs à obtenção do resultado da taxa de álcool no sangue. Muito pelo contrário, dispôs-se a que o resultado fosse obtido por colheita sanguínea, colheita esta a que estaria obrigado (por imposição legal) ao abrigo do citado artigo 4º/1 do regulamento anexo à Lei 18/2017 de 17 de Maio.
12ª) Em suma, no caso dos autos, em face da prova produzida em audiência de julgamento, e da falta de prova quanto ao “aparelho quantitativo”, não se afigura correto que a decisão a proferir seja de condenação, ao invés de absolutória, por resultar manifesta a violação da norma do artigo 4º/1 do regulamento anexo à Lei 18/2007 de 17 de Maio, a qual foi, para efeitos de integração do tipo criminal de desobediência, aplicada pela metade. Resulta também que a decisão recorrida, também não considerou, os artigos 152 e 153 do Código da Estrada e que se apresentam como importantes na apreciação das fases legalmente prevista para o exame por análise sanguínea.
13ª) Estes normativos do direito estradal têm, na ótica do arguido/recorrente de ser apreciados, dado que o crime por que vem acusado e condenado, presume uma taxa de álcool – sem que a mesma tenha sido provada – com aplicação de sanção acessória de inibição de condução de veículos a motor tal como se tivesse acusado uma taxa criminal de álcool no sangue.
14ª) Daí que temos aqui que ponderar: se o arguido tivesse acusado um resultado criminalmente positivo, e dos autos nada constasse quanto ao alcoolímetro (nos mesmos moldes destes autos) o arguido seria condenado? Ou o aparelho não mereceria qualquer fiabilidade e não poderia servir como meio incriminatório?
15ª) Entende o arguido/recorrente que a falta de fiabilidade do alcoolímetro, nestes autos, também não deva servir como meio probatório incriminatório, pois não é líquido que a falta do resultado da máquina, se deva ao arguido e não ao mesmo aparelho, devendo reverter a favor do arguido o princípio “in dubio pro reo”.
16ª) Consequentemente, deverá revogar-se a Sentença recorrida e, de acordo com o supra mencionado, proferir-se decisão que absolva o arguido pelo crime por que vem acusado.
17ª) Com a sentença recorrida, salvo melhor opinião, terão sido violadas, por incorreta interpretação e aplicação, as seguintes normas
Código Penal – artigo 348/1al. a) e artigo 69/1, al. c)
Regulamento de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, aprovado pela lei 18/2007, de 17 de Maio – artigo 4º/1;
Portaria 1556/2007 de 10 de Dezembro – artigo 7º/2
Código da Estrada – artigos 152 e 153
tudo isso resultando no vício previsto no artigo 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal.

TERMOS EM QUE,

deverá revogar-se a Sentença recorrida e, de acordo com o supra alegado, proferir-se decisão criminal absolutória do arguido, com as legais consequências com o que se fará JUSTIÇA.»

3. A Exma. Procuradora-Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

«1.ª O que o arguido faz, ao impugnar a matéria de facto, é discordar da credibilidade que o tribunal atribuiu aos militares da GNR em detrimento das declarações do arguido, esquecendo que a prova é apreciada segundo a livre convicção do julgador.
2.ª Não ocorre o vício do erro notório na apreciação da prova.
3.ª Não se verifica o apontado erro de julgamento, porquanto, atenta a prova produzida em sede de julgamento, não se vê que o tribunal tenha decidido contra ela, ou seja, que tenha acolhido uma versão que esta não comporta ou que tenha violado qualquer regra da experiência comum ao valorar os depoimentos nos termos em que o fez.
4.ª Por outro lado, não se verifica uma violação do princípio in dubio pro reo, porquanto do texto da douta sentença resulta claramente que o Tribunal a quo logrou alcançar de forma objetiva, um grau de certeza que lhe permitiu dar como provado que o arguido efetuou deliberadamente três sopros quase inexistentes, recusando-se, desse modo, a efetuar o teste de pesquisa de álcool no sangue pelo método do ar expirado, bem sabendo que estava a desobedecer a uma ordem legítima e legal, emanada da autoridade competente, que lhe foi regularmente comunicada e cominada.
5.ª Atendendo a que o arguido foi condenado por um crime de desobediência e não por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a falta de referência ao aparelho alcoolímetro é manifestamente irrelevante.
6.ª Não ocorre nulidade da sentença por falta de fundamentação, sendo que a matéria de facto provada e não provada é suficiente para a decisão condenatória, contendo todos os factos para uma decisão justa.
7.ª Resulta, claramente, quer das normas do Código da Estrada, quer das normas do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, que a regra é que a deteção de álcool no sangue seja efetuada através de teste ao ar expirado, efetuado com os alcoolímetros.
8.ª Excecionalmente, a fiscalização da condução sob influência do álcool faz-se através de análise de sangue, o que acontecerá nas duas seguintes situações: no caso de impossibilidade de efetuar o teste em analisador quantitativo; e no caso de contraprova, quando o examinando a requeira e opte pelo método da análise de sangue.
9.ª A lei prevê detalhadamente o modo como pode fazer-se a demonstração da alcoolemia e do seu grau, no âmbito do direito estradal. O modus de obtenção da taxa de alcoolemia para o processo traduz-se, pois, numa atividade vinculada e subtraída ao critério livre da autoridade policial ou judiciária.
10.ª O arguido praticou o crime de desobediência pois inviabilizou a realização do teste quantitativo para deteção de álcool no sangue ao ter efetuado, deliberadamente, três sopros quase inexistentes que não permitiram a quantificação da taxa de alcoolemia, apesar de ter sido, várias vezes, advertido de que incorreria num crime de desobediência se não efetuasse o teste quantitativo corretamente.
11.ª Os militares da GNR deram, dessa forma, estrito cumprimento ao estabelecido no Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.
12.ª Face ao exposto, a douta sentença recorrida não violou qualquer preceito legal devendo, consequentemente, a mesma ser mantida na sua íntegra.»

4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente, por perfilhar integralmente a posição defendida pela Exma. Magistrada do Ministério Público na instância recorrida, que, de forma clara e cabal, analisou detalhadamente e com muito acerto todas as questões levantadas, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção integral da decisão recorrida.
5. No âmbito do disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta a esse parecer.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do mesmo código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente (cf. art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal), não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso [2].

No presente recurso, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

a) – A nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação (conclusões 1ª a 6ª).
b) – A impugnação da matéria de facto por erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo (conclusões 10ª a 15ª).
c) – A não verificação do elemento típico do crime de desobediência traduzido na recusa do arguido a submeter-se à prova de deteção de álcool no sangue através do teste ao ar expirado (conclusões 7ª a 9ª).

2. DA SENTENÇA RECORRIDA

É do seguinte teor a fundamentação de facto da sentença recorrida (transcrição):

«A) Factos provados:

1. No dia 1 de Janeiro de 2018, pelas 6h20m, na Estrada Nacional 13, ao Km 103, na freguesia e concelho de Vila Nova de Cerveira, no sentido norte/sul, o arguido seguia ao volante do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …-LG-… sendo que por diversas vezes invadiu a via da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário sem que se verificasse qualquer condicionalismo de trânsito que o justificasse.
2. Perante tal comportamento, a patrulha da GNR constituída pelos Guardas C. J. e V. R., que circulava na dita Estrada Nacional no sentido sul/norte, inverteu a marcha e foi no encalço do veículo conduzido pelo arguido, que acabou por o imobilizar após indicação para o efeito dada por aqueles militares.
3. De seguida o arguido foi submetido ao teste qualitativo de pesquisa de álcool através do ar expirado tendo acusado uma TAS positiva, após o que foi informado que, perante tal resultado, teria obrigatoriamente de realizar o teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue por ar expirado.
4. Perante a comunicação de tal resultado o arguido desde logo manifestou junto dos militares da GNR que pretendia que lhe fosse efetuada uma análise ao sangue no Hospital.
5. De seguida, o arguido foi transportado pela patrulha da GNR para a Avenida Miguel Dantas, em Valença, onde se encontrava o aparelho analisador quantitativo de deteção de álcool no sangue pelo ar expirado.
6. Já nesse local, o arguido foi informado dos procedimentos para realização do referido teste, nomeadamente a necessidade de inspirar fundo e efetuar um sopro contínuo até à efetivação do teste.
7. De seguida, o arguido colocou a boquilha do aparelho analisador quantitativo na boca e efetuou um sopro muito curto, quase inexistente.
8. Questionado se padecia de alguma doença que o impossibilitasse de efetuar o teste quantitativo, o arguido respondeu negativamente.
9. Na sequência do resultado referido em 7, o arguido foi informado que a realização do teste em causa de forma propositadamente incorreta, designadamente expelindo ar em quantidade suficiente para a realização do mesmo, o poderia fazer incorrer na prática de um crime de desobediência.
10. De seguida, foi efetuada uma segunda tentativa de realização do teste em apreço mas o arguido apenas encostou os lábios à boquilha do aparelho e limitou-se a expelir um sopro ínfimo, impossibilitando assim a quantificação da taxa de álcool no sangue.
11. Na sequência de tal comportamento o arguido voltou a ser advertido de que incorreria na prática de um crime de desobediência caso não efetuasse o teste quantitativo corretamente, ou seja, caso não expelisse ar em quantidade suficiente para a realização do mesmo.
12. De seguida, foi efetuada uma terceira tentativa de realização do teste em apreço mas o arguido voltou a apenas encostar os lábios à boquilha do aparelho e limitou-se a expelir um sopro ínfimo, impossibilitando assim a quantificação da taxa de álcool no sangue.
13. Perante tal comportamento o arguido foi detido pela prática de um crime de desobediência.
14. O arguido, ao recusar-se a efetuar o teste de pesquisa de álcool pelo método do ar expirado, sabia que estava a desobedecer uma ordem legítima e legal, emanada da autoridade competente, que lhe foi regularmente comunicada e cominada.
15. O arguido sabia que a sua conduta é proibida e penalmente punível.
16. O arguido, em Valença, durante as tentativas de realização do teste quantitativo, solicitou várias vezes que o levassem ao Hospital para colheita de análise sanguínea.
17. Não constam condenações averbadas no registo criminal do arguido.
18. O arguido é estagiário no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em Lisboa e aufere o vencimento mensal de 970,00 €.
19. A esposa é enfermeira no Hospital de S. João no Porto e aufere o vencimento mensal de 1.200,00 €.
20. Têm dois filhos gémeos em comum com sete anos de idade que frequentam a escola pública.
21. Vivem em casa própria que adquiriram com recurso ao crédito bancário e que amortizam em prestações mensais de 550,00 €.
*
B) Factos não provados.

Com relevância para a boa decisão da causa não se provou que:

- O sopro descrito no ponto 7 dos factos provados gerou um talão com o resultado “sopro insuficiente”;
- Quando os militares da GNR solicitaram ao arguido que o acompanhasse a Valença, este pensou que fosse para efetuar a colheita de sangue;
- Já em Valença, os militares da GNR deixaram o arguido sozinho dentro do carro mais de uma hora sem qualquer explicação do que iriam fazer;
- O arguido sofre de síndroma de ansiedade desde criança, para a qual teve de fazer tratamento médico, o que pode explicar a não obtenção de resultado no teste quantitativo;
- Na noite do dia 1 de Janeiro de 2018, entre as 2h00m e as 4h00m, o arguido apenas bebeu uma “vodka limão”.
*
C) Motivação de facto.

A convicção do Tribunal quanto à factualidade provada assentou na análise crítica da prova, apreciada à luz das regras de experiência comum.

Vejamos.

O arguido negou que se tenha recusado a efetuar o teste quantitativo para apuramento da taxa de álcool no sangue explicando que na altura ficou muito nervoso e que não sabe por que motivo não conseguiu expelir a quantidade de ar necessária para que o teste fosse bem-sucedido (tendo por isso solicitado aquando da primeira tentativa frustrada que fosse realizada uma análise ao sangue), referindo porém que padece de um transtorno de ansiedade e que começou a hiperventilar.

Ora, a versão dos factos relatada pelo arguido foi infirmada de forma cabal pelas testemunhas C. J. (Guarda da GNR a prestar serviço no Posto de Vila Nova de Cerveira), D. O. (Tenente da GNR a prestar serviço no Posto de Valença) e V. R. (Guarda da GNR a prestar serviço no Posto de Vila Nova de Cerveira), que depuseram de forma credível – à data dos factos não conheciam o arguido e estavam no exercício dos seus deveres funcionais –, como passaremos a explicar.

A testemunha C. J. disse ter fiscalizado o arguido em Vila Nova de Cerveira já que, estando em patrulha com o Guarda V. R., se apercebeu da condução errática do arguido uma vez que transpôs a metade da via por onde circulava para a metade contrária da mesma. Referiu que o teste qualitativo efetuado deu resultado positivo para a presença de álcool no sangue e que, por esse motivo, comunicou ao arguido que os teria de acompanhar a Valença onde se encontrava o aparelho analisador quantitativo. A testemunha esclareceu ainda que logo nesse momento o arguido demonstrou vontade de efetuar uma análise ao sangue mas que não apresentou nenhum motivo válido para o efeito, tendo-lhe sido explicados os procedimentos legais que na situação concreta tinham de ser adotados, tendo-se mostrado colaborante.

O depoente V. R. confirmou, no essencial, o depoimento prestado pela testemunha C. J., aduzindo que o arguido transpôs a linha contínua da via pelo menos duas vezes e que foi por esse motivo que decidiram proceder à sua fiscalização, para o que se viram obrigados a efetuar uma manobra de inversão de marcha já que um e outros seguiam em sentidos de trânsito distintos (o arguido no sentido norte/sul, e a patrulha no sentido sul/norte).

No que tange com os factos ocorridos em Valença, na Avenida Miguel Dantas – onde decorria a operação de Ano Novo e onde se encontrava o aparelho analisador quantitativo –, todas as testemunhas supra identificadas foram unânimes no sentido de que o arguido inicialmente se recusou a efetuar o teste quantitativo mas que, após algumas boas palavras dos presentes, lá acedeu a realizá-lo. O depoente D. O. referiu que no decurso do procedimento o arguido referiu mais do que uma vez que queria que lhe fosse efetuada análise ao sangue – as restantes testemunhas também o mencionaram – e que lhe foi explicado mais do que uma vez que, em termos procedimentais/legais, tal análise só poderia ser efetuada a título de contraprova ou se, por algum outro motivo, o arguido não conseguisse efetuar o teste quantitativo.

Ora, as testemunhas explicaram que o arguido foi perguntado se padecia de algum problema de saúde que impossibilitasse a realização do teste – o Guarda V. R. referiu que na sequência do primeiro sopro insuficiente questionou o arguido a tal propósito – e que o mesmo em momento algum afirmou ter alguma doença que o privasse de efetuar o sopro necessário para obter um teste conclusivo. Mais, as testemunhas aduziram ainda que durante o período de tempo em que estiveram com o arguido este não exibiu quaisquer sinais físicos de hiperventilação, tanto mais que conseguia manter um discurso fluente e articulado. A depoente C. J. disse mesmo que a perceção que teve durante todo o tempo em que esteve com o arguido, quer em Vila Nova de Cerveira quer em Valença, é de que este estava calmo e não evidenciou qualquer sinal físico que pudesse ser associado a um episódio de hiperventilação. E o depoente referiu que o arguido “bufava” e de seguida falava normalmente com os militares da GNR presentes.

No que respeita aos procedimentos tendentes à realização do teste quantitativo, as testemunhas supra identificadas esclareceram que foram efetuadas três tentativas para o efeito. A primeira, como já acima foi referido, deu como resultado “sopro insuficiente”. Quanto às seguintes, a depoente C. J. explicou que o arguido se limitou a pôr a boca na boquilha e a fazer um sopro mínimo, de seguida afirmando “que não era assim que se fazia”, “que queria ir ao sangue”, perguntando aos presentes “vocês têm a certeza do que estão a fazer”. O relato da testemunha V. R. é ainda mais impressivo no que tange com a postura adotada pelo arguido: fazia um sopro curtíssimo e de seguida sorria para o depoente, dizendo-lhe “já está”. Para percebermos o esforço que o arguido efetuou para realizar o teste valemo-nos dos esclarecimentos do referido V. R. no sentido de que o analisador quantitativo tem dez ou doze asteriscos cujo número aumenta à medida que o sopro vai sendo efetuado e nem um deles foi exibido pelo aparelho.

O Tenente D. O. confirmou os dois depoimentos supra escalpelizados nos seguintes termos: o arguido dava um pequeno sopro no analisador e de imediato dizia que “queria tirar sangue”, “não é este o procedimento”, “vocês sabem o que estão a fazer?”. Acrescentou ainda o depoente que o arguido nunca disse que não conseguia efetuar o sopro necessário para a conclusão do teste, circunstância que, no contexto supra analisado, o levou a considerar – e aos restantes militares da GNR – que aquele estava a frustrar a realização do teste quantitativo de forma deliberada.

É essa também a convicção que o Tribunal formou. De feito, o arguido não logrou fazer prova de que padece de qualquer condição clínica que o impeça de realizar exames como aquele que está em apreço. Não juntou qualquer documento médico nesse sentido nem a prova testemunhal produzida a tal propósito permitiu alcançar uma conclusão desse jaez.

E. C., apesar de ser amigo do arguido há mais de 20 anos, apenas recordou um episódio que presenciou quando tinha 18 anos após uma prova de regata em que participou com o arguido e em que este, no fim da mesma, ficou muito ofegante e nervoso, evidenciando dificuldades em respirar, admitindo que tal incidente se tenha devido ao esforço empreendido na execução da prova em causa.

O pai do arguido, J. S., limitou-se a referir que o filho, quando era pequeno, ficava ofegante quando se enervava, mas não esclareceu se lhe foi ou não diagnosticada algum problema de saúde que tivesse relação com a situação descrita.

Por sua vez, a esposa do arguido, M. J. C, apenas referiu que quando o marido fica muito nervoso a sua respiração altera-se, ficando rápida e pouco profunda, chegando a fazer apneias de sono. Explicou que, apesar disso, tal situação não se encontra medicamente diagnosticada e que a mesma não é incapacitante – note-se que a testemunha é enfermeira de profissão.

Em síntese, o relato das testemunhas antes identificadas coincide não com uma condição específica, excecional, excêntrica ou anormal do arguido quando sujeito a alguma situação de maior stresse emocional, mas com uma reação que é natural para qualquer pessoa perante situações do mesmo género e que obviamente as não impede de realizar testes como aquele que foi pedido ao arguido que realizasse. Note-se que os depoentes C. J. e V. R. esclareceram que o arguido não teve dificuldade alguma em efetuar o teste qualitativo em Vila Nova de Cerveira, sendo do conhecimento comum que tal teste, apesar de não ser tão exigente como o quantitativo, não deixa de reclamar do fiscalizado um certo esforço para efetuar um sopro que permita ao aparelho emitir um resultado negativo ou positivo.

Apesar de tudo – relembre-se –, há que sublinhar que os militares da GNR referiram que o arguido não evidenciou durante o período de tempo em que tentaram efetuar o teste quantitativo qualquer indício de nervosismo excessivo que pudesse impedir a realização do mesmo. Na verdade, o que resultou dos depoimentos em questão é que o arguido até ia “conversando” com os militares da GNR à medida que as tentativas de realização do teste se iam sucedendo, e teve ensejo até de os ameaçar quando foi detido dizendo-lhes “quando vos apanhar até vão voar!”, como a depoente C. J..

Em suma, no contexto assinalado o Tribunal formou convicção segura no sentido de que o arguido se quis furtar intencional e deliberadamente à realização do teste quantitativo que se impunha uma vez que o analisador qualitativo tinha acusado positivo para a presença de álcool no sangue (cfr. artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob o Efeito do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio). Pelos motivos expostos, os factos relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.

Posto isto, em tese, a circunstância de o arguido ter ou não ingerido bebidas alcoólicas na noite em questão não assume foros de relevância atendendo à natureza do crime por que aquele vem acusado. Não obstante, sempre se dirá que a defesa do arguido não fez prova de que o mesmo apenas bebeu uma “vodka limão” durante um determinado período de tempo. De feito, a testemunha E. C. esclareceu que esteve com o arguido com um grupo de amigos na noite de passagem de ano entre as 1h30m e as 4h15m, 4h30m, e que durante esse período de tempo apenas viu o arguido a ingerir aquela bebida alcoólica numa altura em que estiveram juntos. Mas não pôde naturalmente garantir que o arguido não tenha ingerido outras bebidas alcoólicas durante aquele lapso temporal já que o local onde se encontrava – o Castelo de Vila Nova de Cerveira – estava apinhado de gente a festejar a efeméride e é um espaço grande, não sendo verosímil que um e outro tenham estado permanentemente na presença um do outro ao longo de cerca de três horas (aliás, o depoente acabou por confirmar que assim não aconteceu já que, de forma espontânea, referiu que o arguido apenas bebeu uma “vodka limão” “que eu visse”.

Do depoimento em questão importa registar que a testemunha e o arguido se ausentaram do Castelo de Cerveira pelas 4h15m e as 4h30m. Ora, o arguido foi fiscalizado pelos Guardas C. J. e V. R. pelas 6h20m da madrugada, pelo que existe um período de tempo de aproximadamente duas horas em que não é possível saber por onde o arguido andou (este último referiu que quando foi abordado pelos militares da GNR seriam 5h30m e que se dirigia para casa dos seus pais para dormir e confirmou que saiu do Castelo de Cerveira pelas 4h30m), ou seja, o mesmo é dizer que, mesmo admitindo que apenas bebeu uma “vodka limão” entre as 1h30m e as 4h30m, sobram duas horas em que pode ter estado noutro local a ingerir bebidas alcoólicas.

Como já dissemos, a questão não assume relevância de maior se considerarmos o tipo de ilícito criminal cuja prática vem imputada ao arguido. Mas tal circunstância pode permitir pelo menos entrever, à luz da lógica e das regras da experiência comum, os motivos que presidiram à postura que o arguido decidiu adotar quando, em Valença, não fez qualquer esforço sério no sentido de realizar o teste quantitativo que estava legalmente obrigado adstrito a efetuar.

Por fim, os militares da GNR supra identificados foram assertivos no sentido de que advertiram o arguido várias vezes de que incorreria na prática de um crime de desobediência caso persistisse na conduta supra escalpelizada, cominação de que aquele ficou ciente.

No mais o Tribunal relevou o teor do CRC junto a fls. 25 sendo que, no que tange com a situação laboral, familiar e económico-financeira do arguido o Tribunal relevou as declarações prestadas pelo próprio uma vez que, tendo sido prestadas logo no início da audiência de discussão e julgamento, se afiguram espontâneas e credíveis.
Os antecedentes criminais do arguido resultam do teor do CRC junto aos autos a fls. 96 a 100.

Os factos relevantes da contestação que se deram como não provados – para além do que já dissemos – resultaram da ausência de prova sobre os mesmos. A alegação de que o arguido, já em Valença, ficou no interior dum veículo da GNR mais de uma hora (factualidade que apenas pode interessar no que colide com os procedimentos legais respeitantes à realização do teste quantitativo) é facilmente rebatível se tivermos em conta que foi fiscalizado em Vila Nova de Cerveira às 6h20m e que foi detido pelas 7h25m (cfr. auto de notícia – fls. 3 e 5 –, cujo teor não foi contrariado pela prova produzida em audiência de discussão e julgamento). Ora, se tivermos em conta que o trajeto entre Vila Nova de Cerveira e Valença, àquela hora da noite – ou seja, com pouco tráfego automóvel – se fará em cerca de 15 minutos, e se somarmos o tempo que o arguido esteve na presença dos militares da GNR em vista da realização do teste quantitativo, logo se percebe que tal alegação não pode corresponder à verdade, como aliás os depoentes daquela força de segurança atestaram.

Por fim, deu-se como não provado que a primeira tentativa de realização do teste quantitativo por banda do arguido deu origem a um talão com o resultado de “sopro insuficiente” dado que neste conspecto os depoimentos prestados pelas testemunhas D. O. e V. R. não foram coincidentes. O primeiro referiu que num dos “sopros” – em qual deles não soube esclarecer – foi emitido aquele talão enquanto o segundo afirmou que só à terceira tentativa é que tal documento foi emitido.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1 – Da nulidade da sentença por falta de fundamentação

O recorrente dedica as seis primeiras conclusões a sustentar que a sentença recorrida padece de falta de fundamentação, o que a torna nula nos termos das disposições conjugadas dos arts. 379º, n.º 1, al. a), e 389º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem menção de origem.

Alega, para tanto, que o julgador em parte alguma da sentença explica como chegou à conclusão de que a falta de obtenção de resultado no aparelho quantitativo de deteção de álcool no sangue por ar expirado se deveu exclusivamente ao arguido, já que nada se sabe sobre as condições de funcionalidade de tal aparelho e se foi sujeito ou não à verificação anual imposta por lei, uma vez que o mesmo nem sequer está identificado nos autos, desconhecendo-se, pois, se a falta de resultado se deveu ao alegado sopro insuficiente do arguido ou a deficiência do próprio alcoolímetro, não tendo, assim, a sua fiabilidade, ou falta dela, sido considerada pelo Mmº. Juiz.
Porém, esta linha de argumentação traduz-se num exercício que não tem em conta a dimensão e os fins da fundamentação da sentença de que tratam os invocados preceitos.

Senão vejamos:

3.1.1 – De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 205º da Constituição, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Concretizando essa estatuição, o Código de Processo Penal, no n.º 5 do art. 97º, impõe que os atos decisórios dos juízes sejam sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

Especificamente quanto à sentença proferida em processo sumário, como é o caso dos autos, necessariamente mais sucinta do que em processo comum, o art. 389º-A, n.º 1, estabelece os respetivos requisitos, dispondo, nomeadamente e no que agora releva, que a mesma contém: "a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas; b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão; (…)".

O referido exame crítico «consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (…). O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte» [3].

Para além de indicar os meios de prova utilizados, torna-se necessário explicitar o processo de formação da convicção do tribunal, a partir desses meios de prova, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção se formasse em determinado sentido. Só assim será possível comprovar se foi seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova ou se esta se fundou num subjetivismo incomunicável que abre as portas ao arbítrio.

Mais concretamente, através do exame crítico das provas, o julgador enuncia as razões de ciência dos vários meios de prova, explicita a razão da opção por uma e não por outra das versões em confronto e indica os motivos da credibilidade que atribuiu a depoimentos, a documentos e a exames.

Por sua vez, o art. 379º, n.º 1, ao estabelecer a consequência da inobservância dos requisitos previstos na lei para a sentença, dispõe na sua al. a), que, em relação à sentença proferida em processo sumário, é a mesma nula se não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas als. a) a d) do n.º 1 do art. 389º-A, acrescentando o seu n.º 2 que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso.

A propósito da exigência de fundamentação em análise, a doutrina vem entendendo que só a sua falta absoluta é que conduz à nulidade da decisão. A fundamentação insuficiente, deficiente ou não convincente não constitui nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso [4].

Também a jurisprudência se orienta no mesmo sentido, defendendo que só a falta absoluta de fundamentação, «por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira» determina a nulidade do despacho/sentença. A «insuficiência ou a mediocridade da motivação [que] é espécie diferente [da falta absoluta de motivação] afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade» [5].

3.1.2 - No caso vertente, da exemplar motivação da decisão de facto elaborada pelo Mm.º Juiz, atrás transcrita, resulta clara a explicitação do processo de formação da sua convicção quanto ao facto, dado como provado, de o arguido se ter recusado a efetuar o teste de pesquisa de álcool no sangue pelo método do ar expirado.

Sustenta o recorrente que desconhecendo-se os elementos de identificação do aparelho utilizado nas três tentativas efetuadas e, consequentemente, se o mesmo foi submetido à verificação periódica imposta por lei e, por isso, se estava em boas condições de operacionalidade, não é possível apurar se a falta de resultado se deveu, efetivamente, a sopro insuficiente, como concluiu o Mmº. Juiz, ou se a eventuais deficiências do alcoolímetro, alegando que tal possibilidade não foi ponderada pelo julgador.
Porém, nem tinha de o ser, atenta a convicção formada sobre a insuficiência do sopro do arguido, em face da globalidade da prova produzida.

Com efeito, na motivação da decisão de facto da sentença recorrida, o Mmº. Juiz, em termos perfeitamente clarividentes e exaustivos, que só podem pecar por excesso de zelo e de rigor, atenta a simplicidade dos factos e a natureza do processo, expôs os motivos pelos quais se convenceu, sem margem para a mínima dúvida, da intencionalidade do arguido em obstar a que fosse submetido ao analisador quantitativo de álcool no sangue por teste ao ar expirado.

Tal convicção assentou, essencialmente, no seguinte:

Em primeiro lugar, a versão apresentada pelo arguido em audiência, ao negar que se tenha recusado a efetuar o teste quantitativo para apuramento da taxa de álcool no sangue, alegando que na altura dos factos ficou muito nervoso e que começou a hiperventilar, padecendo de um transtorno de ansiedade, o que o poderá ter impedido de expelir a quantidade de ar necessária para que o teste fosse bem-sucedido, foi infirmada de forma cabal pelos três militares da GNR inquiridos como testemunhas, que depuseram e forma credível, ao referirem unanimemente que, logo no início, o arguido se recusou a efetuar o teste quantitativo e que apenas acedeu em fazê-lo após algumas boas palavras. Acresce que, tendo ele referido mais do que uma vez, no decurso do procedimento, que antes queria que lhe fosse efetuada análise ao sangue, e tendo-lhe sido explicado, nessa sequência, que a mesma só poderia ser feita a título de contraprova ou se, por algum motivo, não conseguisse fazer o teste quantitativo, foi-lhe perguntado se padecia de algum problema de saúde que impossibilitasse a realização deste teste, não tendo o mesmo, em momento algum, afirmado ter alguma doença que o privasse de efetuar o sopro necessário para obter um teste conclusivo. Mais aduziram as referidas testemunhas que durante o período de tempo em que estiveram com o arguido, este não exibiu quaisquer sinais físicos de hiperventilação, tanto mais que conseguia manter um discurso fluente e articulado, designadamente falando normalmente com os militares da GNR logo a seguir a soprar no aparelho.

Acresce que não foi junto aos autos qualquer documento comprovativo de o arguido padecer de uma condição clínica que o impeça de realizar exames como o ora em apreço, e que os depoimentos das testemunhas por ele arroladas também não permitem concluir nesse sentido. Com efeito, uma delas, apesar de ser amigo do arguido há mais de vinte anos, apenas recorda um episódio que presenciou quando tinha 18 anos, após uma regata em que participaram e em que ele, no fim da mesma, ficou muito ofegante e nervoso, evidenciando dificuldades em respirar, admitindo a testemunha, como aliás é natural, que tal incidente se tenha devido ao esforço empreendido na execução da prova. Por seu turno, o pai do arguido limitou-se a referir que este, quando era pequeno, ficava ofegante quando se enervava, sem esclarecer se lhe foi diagnosticado algum problema de saúde relacionado com isso. Por fim, a mulher do arguido, por sinal enfermeira de profissão, apenas referiu que quando este fica muito nervoso, a sua respiração altera-se, passando a rápida e pouco profunda, chegando a fazer apneias de sono, sem que, todavia, tal situação se encontre medicamente diagnosticada, acrescentando que não é incapacitante.

Em segundo lugar, os militares da GNR explicitaram que o arguido se limitava a pôr a boca na boquilha do aparelho e a fazer um sopro mínimo e curtíssimo, sorrindo de seguida e dizendo-lhes "já está", para além de nunca ter evidenciado qualquer indício de nervosismo excessivo que pudesse impedir a realização do teste, tendo mesmo chegado a ameaçá-los, dizendo-lhes "quando vos apanhar até vão voar".

Para melhor demonstrar que o arguido quis frustrar a realização do teste quantitativo de forma deliberada, o Mmº. Juiz recorreu à evidência, referida por um dos militares, de o aparelho não ter chegado a exibir sequer um dos dez ou doze asteriscos que possui e cujo número aumenta à medida que o sopro vai sendo efetuado.

Assim, para além da enumeração especificada dos factos provados e dos factos não provados, a sentença recorrida contém a indicação das provas, por declarações, que serviram para fundar a convicção do tribunal e ainda a explicação da relevância probatória atribuída às mesmas e das razões da sua credibilização, permitindo, sem qualquer dificuldade, a total e efetiva compreensão do raciocínio lógico que conduziu à decisão de facto, mostrando-se, portanto, feita a análise crítica das provas fundamentadoras da convicção do tribunal.

A referida fundamentação do segmento factual em apreço, para além de conter a enunciação dos vários meios de prova e da sua razão de ciência, permite também compreender perfeitamente por que razão a convicção decisória do tribunal se formou em determinado sentido, pelo que não padece de qualquer deficiência, muito menos de omissão.

Tendo o Mmº. Juiz a quo formado uma convicção segura no sentido de que o arguido se quis intencionalmente furtar à realização do teste quantitativo, não expelindo deliberadamente a quantidade de ar suficiente para que o alcoolímetro lograsse efetuar a leitura do teor de álcool, era de todo despicienda qualquer preocupação, aliás de índole meramente abstrata e conjetural, em relação às condições de operacionalidade do alcoolímetro, concretamente se o mesmo havia ou não sido submetido a fiscalização periódica.

Pode-se discordar, como faz o recorrente, da valoração feita pelo tribunal relativamente aos meios de prova produzidos sobre a factualidade em apreço. Mas esta divergência de perspetivas não significa, de modo algum, a verificação da nulidade da sentença por falta ou até deficiente fundamentação, prendendo-se antes com a impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos termos do art. 412º, n.ºs 3 e 4, da qual o recorrente também lançou mão.

Em suma, a sentença recorrida cumpre as exigências do art. 389º, n.º 1, não enfermando da nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º, improcedendo, pois, este segmento do recurso.

3.2 - Da impugnação da matéria de facto por erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo

Em sede de recurso sobre a matéria de facto, o recorrente entende que Mm.º Juiz a quo não apreciou corretamente a prova produzida em audiência, impondo-se, em face da reanálise da mesma, uma decisão diversa quanto a determinados segmentos dos pontos 5º, 7º, 9º, 10º, 12º e 14º da matéria de facto provada, que deverão ser dados como não provados, e ainda quanto ao facto vertido no 1º item da matéria não provada, que deverá ser considerado como provado.

3.2.1 - Nos termos do art. 428º, os tribunais da relação conhecem não só de direito mas também de facto, assim se concretizando a garantia do duplo grau de jurisdição nesta matéria, sendo que uma das vertentes aqui admitida é a da impugnação ampla, visando o chamado erro de julgamento.
Este erro resulta da forma como foi valorada a prova produzida, ocorrendo quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.

Nesta forma de impugnação ampla, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com os vícios previstos no art. 410º, n.º 2), alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431º, al. b).

Todavia, conforme jurisprudência constante [6], esse recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição das gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.

Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, importa ter presente que entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, nos termos do qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente
.
Tal não significa que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Concedendo esse princípio uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, o julgador deverá ser capaz de o fundamentar de modo lógico e racional.

A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária dos meios de prova, impondo-lhe a lei que extraia deles um convencimento lógico e motivado, avaliando-os com sentido de responsabilidade e bom senso.

Mais se exige que o julgador indique os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos pelos quais relevaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito. Não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.

Se a decisão factual da primeira instância se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível, optando por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção, obtida com os benefícios da imediação e da oralidade, apenas deverá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização, pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.

Na realidade, ao tribunal de recurso cabe analisar o processo de formação da convicção do julgador do tribunal a quo, verificando se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, não bastando, para uma eventual alteração, uma diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova produzida.

Por isso, a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzem a ela, já não o devendo ser quando, perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente. Ou seja, o tribunal da relação só pode e deve determinar uma modificação da matéria de facto quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão [7].

No entanto, como é salientado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2010 [8], «(…) o regime do recurso em matéria de facto, se não exige do tribunal de recurso uma avaliação global, impõe-lhe, todavia, como se referiu, que confronte o juízo sobre os factos do tribunal recorrido com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifica nas conclusões da motivação.
A decisão do recurso sobre a matéria de facto exige que aprecie se, no caso concreto, a matéria de facto, rectius, os pontos questionadas da matéria de facto, tem efetivo suporte, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados na decisão recorrida e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem «decisão diversa». (…)

Mas a convicção autónoma sobre o sentido da decisão em matéria de facto relativamente aos pontos questionados só poderá resultar da ponderação, em concreto, das provas identificadas pelo recorrente que o tribunal de recurso deve analisar em juízo e ponderação autónomos; as razões da convicção têm de ser as razões da convicção do próprio tribunal formadas perante os elementos de prova que ponderou nos limites do recurso, e não a assunção ou a recuperação genéricas da convicção ou dos termos da convicção do tribunal recorrido. (…)

Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto tem como pressuposto que o princípio da livre apreciação da prova (e a livre convicção, no sentido materialmente adequado do conceito) não esteja deferido, ou seja passível de aplicação, apenas ao tribunal de 1ª instância, mas também à instância de recurso no limite dos poderes de cognição definidos pela delimitação do recorrente.
A livre convicção do tribunal de recurso substitui-se, nos limites da cognição, à convicção do tribunal recorrido, aceitando-a na identidade de apreciação, ou sobrepondo-lhe, se for o caso, a sua própria convicção
Em suma, o tribunal de recurso deve verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova nela indicados e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Daí a exigência feita nas als. a), b) e c) do n.º 3 do art. 412º, no sentido de o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto ter de especificar, respetivamente, os concretos pontos da mesma que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sendo caso disso, as que devem ser renovadas.

3.2.2 – No caso em apreço, como factos individualizados que, em seu entender, foram erroneamente julgados, o recorrente indica, nas respetivas conclusões, em primeiro lugar, os seguintes pontos da matéria de facto não provada, nos segmentos que se sublinham:

«5. De seguida, o arguido foi transportado pela patrulha da GNR para a Avenida Miguel Dantas, em Valença, onde se encontrava o aparelho analisador quantitativo de deteção de álcool no sangue pelo ar expirado.
(…)
7. De seguida, o arguido colocou a boquilha do aparelho analisador quantitativo na boca e efetuou um sopro muito curto, quase inexistente.
(…)
9. Na sequência do resultado referido em 7, o arguido foi informado que a realização do teste em causa de forma propositadamente incorreta, designadamente expelindo ar em quantidade suficiente para a realização do mesmo, o poderia fazer incorrer na prática de um crime de desobediência.
10. De seguida, foi efetuada uma segunda tentativa de realização do teste em apreço mas o arguido apenas encostou os lábios à boquilha do aparelho e limitou-se a expelir um sopro ínfimo, impossibilitando assim a quantificação da taxa de álcool no sangue.
(…)
12. De seguida, foi efetuada uma terceira tentativa de realização do teste em apreço mas o arguido voltou a apenas encostar os lábios à boquilha do aparelho e limitou-se a expelir um sopro ínfimo, impossibilitando assim a quantificação da taxa de álcool no sangue.
(…)
14. O arguido, ao recusar-se a efetuar o teste de pesquisa de álcool pelo método do ar expirado, sabia que estava a desobedecer uma ordem legítima e legal, emanada da autoridade competente, que lhe foi regularmente comunicada e cominada.»

Em segundo lugar, indica o recorrente, como também tendo sido erradamente julgado, o 1º ponto de facto dado como não provado, ou seja que:

«- O sopro descrito no ponto 7 dos factos provados gerou um talão com o resultado “sopro insuficiente”;»
Para cumprir o ónus de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o recorrente terá de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.
Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou sustenta o facto dado por não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.

De acordo com o n.º 4 do art. 412º, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em ata, nos termos do n.º 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, cabendo ao tribunal da relação proceder à audição e visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (art. 412º, n.º 6).
No caso em apreço, as conclusões extraídas pelo recorrente são omissas quanto à especificação dos concretos meios de prova que, no seu entender, impõem uma decisão diferente da que foi proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto impugnada e, consequentemente, quanto à localização das passagens da gravação em que se encontram registados os depoimentos e as declarações em que estriba o invocado erro de julgamento.

Não obstante o art. 417º, n.º 3, permitir o convite ao aperfeiçoamento da respetiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do art. 412º, entendemos que, se analisada a peça do recurso, constatarmos que a indicação das especificações legais, embora não constando das conclusões, consta do corpo da motivação de forma suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não se deverá ser demasiado formalista ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente e por recurso ao texto das motivações, as mencionadas indicações.

É o que sucede no caso vertente, em que o recorrente, no corpo da motivação, indica determinados excertos das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas (militares da GNR) C. J., D. O. e V. R. que, em seu entender, impõem uma decisão diversa da recorrida quanto à matéria de facto impugnada, por referência aos minutos e segundos das passagens da gravação em que se encontram registados, procedendo inclusivamente à sua transcrição.
Acresce que, em relação a esta última especificação, ainda por uma outra razão não se justificaria proceder ao referido convite, tanto mais que o seu não acatamento não conduziria à rejeição do recurso na parte relativa à questão da impugnação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 417º, n.º 3.

Isto porque, como o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando [9], ainda que no âmbito do processo civil, mas que é transponível para o processo penal [10], relativamente aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário, este tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo tribunal da relação aos meios de prova gravados relevantes, atualmente consubstanciado na exigência de indicação concreta das passagens da gravação dos meios de prova oralmente produzidos e em que se funda a impugnação (art. 412º, n.º 4, in fine). Este ónus de indicação concreta das passagens relevantes das declarações e dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, mostrando-se satisfeito quando não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja baseado para demonstrar o invocado erro de julgamento.
Por conseguinte, mostra-se cabalmente cumprido o ónus de especificação previsto nas als. a) e b) do n.º 3 e no n.º 4 do art. 412º.

3.2.3 – Entremos, pois, na apreciação da impugnação da matéria de facto.

Quanto ao segmento do ponto 5º dos factos provados, é manifesta a falta de razão do recorrente, não se compreendendo sequer a impugnação por si deduzida, porquanto o que aí é dado como provado é que no local para onde o arguido foi transportado pela patrulha da GNR (Avenida Miguel Dantas, em Valença), a fim de ser submetido à pesquisa quantitativa de álcool no sangue, se encontrava o aparelho analisador quantitativo de deteção de álcool no sangue por ar expirado.

Ora, na economia da sua argumentação, o recorrente não põe sequer em causa este facto, isto é, que nesse local se encontrasse tal aparelho, até porque reconhece que efetuou nele três tentativas de sopro. O que questiona é se o mesmo estaria ou não em condições de ser considerado “analisador quantitativo de deteção de álcool no sangue”, por se desconhecerem nos autos os seus elementos de identificação (marca, modelo, n.º de série e data da última inspeção/vistoria). Ou seja, o que o recorrente impugna são as condições de operacionalidade e a fidelidade do resultado acusado por tal alcoolímetro, factos que não constam daquele ponto 5º.

Em relação ao segmento do ponto 7º dos factos provados por si impugnado – ter efetuado, na primeira tentativa, “um sopro muito curto, quase inexistente” - sustenta o recorrente que tal sopro foi suficiente para gerar um talão – 1906, com resultado de sopro insuficiente, pelo que foi suficiente para ativar o aparelho.
Também aqui não lhe assiste razão, por ser evidente que a emissão de um talão com a menção de “sopro insuficiente” terá sido precisamente consequência das características do sopro dadas como provadas no ponto 7º.
De todo o modo, sempre se dirá que tal facto tem pleno sustentáculo nos depoimentos testemunhais dos referidos militares da GNR, ao descreverem a forma como o arguido expirava ar para o alcoolímetro, conforme se constata da respetiva audição e o Mm.º Juiz dá conta na motivação da decisão de facto.

Igualmente evidente é a ausência de fundamento da impugnação relativa ao segmento do ponto 9º, porquanto o facto contra o qual o recorrente se insurge é ter realizado a primeira tentativa do teste de pesquisa quantitativa de álcool no ar expirado “de forma propositadamente incorreta”. Ora, o que aí foi dado como provado é que «na sequência do resultado referido em 7, o arguido foi informado que a realização do teste em causa de forma propositadamente incorreta, designadamente expelindo ar em quantidade suficiente para a realização do mesmo, o poderia fazer incorrer na prática de um crime de desobediência», e não que o arguido tenha, efetivamente, realizado o teste de forma propositadamente incorreta.

Relativamente aos segmentos dos pontos 10º e 12º impugnados pelo recorrente, este discorda que o tribunal a quo tenha dado como provado que, nas segunda e terceira tentativas de realização do teste em apreço, “o arguido apenas encostou os lábios à boquilha do aparelho e limitou-se a expelir um sopro ínfimo, impossibilitando assim a quantificação da taxa de álcool no sangue”, alegando, para tanto, que se desconhece se essa não quantificação é ou não da responsabilidade do arguido, já que o aparelho quantificador não se encontra identificado nos autos nem foi, assim, feita prova da sua funcionalidade.

Porém, da audição dos depoimentos testemunhais prestados pelos três militares da GNR resulta inequívoco que o arguido agiu da forma dada como provada nesses pontos, tendo, nomeadamente, explicitado que o mesmo se limitava a pôr a boca na boquilha e a fazer um sopro mínimo e curtíssimo, sorrindo de seguida e dizendo-lhes "já está".

Para além de não haver a mínima razão para pôr em causa a credibilidade destes depoimentos, desde logo pela forma isenta e imparcial como foram prestados, sendo que as testemunhas nem sequer conheciam o arguido, o certo é que não foi produzida qualquer outra prova suscetível de infirmar tais declarações.

Daí que, como já tivemos oportunidade de salientar aquando da apreciação da questão da nulidade da sentença por falta de fundamentação (ponto 3.1), para onde remetemos, perante a convicção segura de que o arguido teve a intenção de se furtar à realização do teste quantitativo, não expelindo deliberadamente a quantidade de ar suficiente para que o alcoolímetro lograsse efetuar a leitura do teor de álcool, apresenta-se como descabida a argumentação relativa ao desconhecimento das condições de bom funcionamento desse aparelho.

O recorrente também discorda da decisão sobre a matéria de facto na parte em que, no ponto 14º, foi dado como provado que “o arguido se recusou a efetuar o teste de pesquisa de álcool pelo método do ar expirado”, uma vez que cumpriu, dentro das suas possibilidades, as três tentativas ordenadas pelos agentes de autoridade, apenas não tendo sido obtido resultado.

Para além de, em rigor, não estarmos perante um facto, mas sim de uma conclusão extraível dos comportamentos do arguido dados como provados nos pontos anteriores, o certo é que, após a audição dos depoimentos das três testemunhas militares da GNR a que procedemos, é inteiramente de acolher a convicção formada pelo Mm.º Juiz, exemplarmente explicitada na motivação da decisão de facto, no sentido de que o arguido, ao não expelir deliberadamente a quantidade de ar suficiente para que o alcoolímetro efetuasse a leitura do teor de álcool, se quis intencionalmente furtar à realização do teste quantitativo, o que, pelas razões adiante desenvolvidas (no ponto 3.3), é suscetível de enquadrar o conceito de recusa de submissão à prova para deteção do estado de influenciado pelo álcool.

A este propósito invoca ainda o recorrente que não sendo líquido que a falta de resultado se deva a si e não ao próprio aparelho, tal dúvida deverá reverter a seu favor, de acordo com o princípio in dubio pro reo.

É sabido que no processo penal não tem aplicação o ónus da prova formal, segundo o qual cada uma das partes terá de produzir as provas necessárias a sustentar os factos que alega, porquanto, vigorando o princípio da investigação, recai sobre o juiz o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento.

Em consequência, se uma vez produzida toda a prova, persistir uma dúvida razoável sobre determinados factos no espírito do julgador, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a favor do arguido. Sendo o direito penal um direito de culpa, a qual representa um limite intransponível para a decisão, “os princípios da presunção de inocência e de in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta, como suporte axiológico-normativo da pena” [11].

A doutrina tem acolhido e densificado o critério prático de origem anglo-saxónica, decorrente do princípio constitucionalmente consagrado da presunção de inocência e com base no qual o convencimento do tribunal quanto à verdade dos factos se há de situar “para além de toda a dúvida razoável” [12].

Embora se reconheça a dificuldade, senão impossibilidade, na definição dos parâmetros objetivos em que deve assentar este standard probatório, entende-se que a “dúvida razoável poderá consistir na dúvida que seja “compreensível para uma pessoa racional e sensata”, e não “absurda” nem apenas meramente “concebível” ou “conjetural”.

Assim, não é toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio, mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada. A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio [13].

Em suma, a dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Terá de ser uma dúvida séria, positiva, racional e que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a íntima convicção do tribunal, que seja argumentada e coerente.

Daí que não baste dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou que derivem da sua interpretação da factualidade revelada nos autos, da mesma forma que também não será suficiente a circunstância de terem sido apresentadas em audiência versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes.

Conforme ensina Figueiredo Dias [14], “relativamente ao facto sujeito a julgamento, o princípio [in dubio pro reo] aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude, de exclusão da culpa e de exclusão da pena bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas «modificativas» ou simplesmente «gerais». Em todos estes casos a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido”.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, será dado como não provado se lhe for desfavorável, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa.

Assim, o convencimento pelo tribunal de que determinados factos estão provados só se poderá alcançar quando a ponderação conjunta dos elementos probatórios disponíveis permitirem excluir qualquer outra explicação lógica e plausível, ou seja, quando os elementos de prova não permitirem uma construção alternativa assente em raciocínios razoáveis.

Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção, será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação, não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com génese em material probatório, é suficiente para, numa perspetiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral, mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.

Em suma, o princípio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
No âmbito dos seus poderes de cognição sobre a matéria de facto, compete ao tribunal da relação sindicar a concreta utilização do princípio in dubio pro reo por parte da primeira instância.

Com efeito, a violação desse princípio pode resultar da análise do texto da própria decisão recorrida e do processo decisório nela evidenciado, ocorrendo quando se concluir que o tribunal ficou em dúvida quanto a elementos que permitem estabelecer o grau de culpabilidade do arguido e, nesse estado de dúvida, decidiu contra ele.

Para além dessa situação, de verificação pouco frequente, a imputação da violação do princípio in dubio pro reo torna necessário demonstrar a existência de erro na apreciação dos meios probatórios produzidos, através do reexame dos mesmos, com vista a evidenciar que, em face da carência ou insuficiência da prova, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida quanto a factos relevantes para a responsabilidade criminal do arguido.

No caso dos autos, como transparece da motivação da decisão de facto, o tribunal a quo considerou provado o facto em apreço para além de qualquer dúvida razoável sobre ele, ou seja, sem ter dúvidas em fixar a sua ocorrência tal como se encontra descrito, não decorrendo da sentença a existência ou confronto do julgador com qualquer dúvida insanável, motivo pelo qual não houve que a valorar a favor do arguido, tendo-se, pois, baseado num juízo de certeza e não dubitativo.

O recorrente apela ao princípio in dubio pro reo com fundamento em se desconhecer se a falta de resultado do alcoolímetro nas três tentativas de o submeter ao teste de pesquisa quantitativa de álcool no ar expirado lhe é imputável a ele ou ao próprio aparelho, uma vez que se desconhece se este estava em corretas condições de funcionamento.

Porém, como vimos e claramente dá conta a motivação da decisão de facto, é de concluir que o arguido teve a intenção de se subtrair à realização de tal teste, não expelindo deliberadamente a quantidade de ar necessária para que o aparelho procedesse à leitura do teor de álcool, inexistindo, pois, razões que devessem ter levado o tribunal a quo a ficar com qualquer réstia de dúvida sobre esse facto.
O derradeiro dissídio do recorrente quanto à decisão sobre a matéria de facto prende-se com a decisão de o tribunal a quo dar como não provado que «o sopro descrito no ponto 7 dos factos provados gerou um talão com o resultado “sopro insuficiente», alegando que quer os militares da GNR, únicas testemunhas que presenciaram tal facto, quer o auto de notícia, que substituiu a acusação, referem a emissão de um talão, inclusivamente identificado no referido auto com o n.º 1906.

Porém, como o Mm.º Juiz teve o cuidado de explicitar na motivação da decisão de facto, foi dado como não provado que a primeira tentativa de realização do teste quantitativo deu origem a um talão com o resultado de “sopro insuficiente”, porquanto, neste conspecto, os depoimentos prestados pelas testemunhas D. O. e V. R. não foram coincidentes, referido a primeira que num dos “sopros” – sem saber esclarecer em qual – foi emitido aquele talão, enquanto a segunda afirmou que só à terceira tentativa é que tal documento foi emitido. E procedendo à audição do registo magnetofónico desses depoimentos, constata-se que, efetivamente, as testemunhas depuseram em conformidade com o que foi percecionado pelo julgador.
Ora, reportando-se o ponto 7 dos factos provados à primeira tentativa, nenhuma censura merece a decisão relativa ao ponto dos factos não provados impugnado pelo recorrente.

Em conclusão, não encontramos razões para divergir da apreciação da prova feita pela primeira instância, que pôde ainda contar com os indiscutíveis benefícios derivados da imediação, termos em que o recorrente, com a sua argumentação e com os elementos de prova por especificados, não logrou demonstrar a imposição de uma decisão diversa da recorrida quanto aos factos impugnados, nos termos exigidos pela al. b) do n.º 3 do art. 412º, pelo que é de manter integralmente a factualidade dada como provada e como não provada.

Assim, improcede a questão da impugnação da matéria de facto com base em erro de julgamento.

Refira-se que apesar de o recorrente, no términus das conclusões, depois de indicar as disposições legais violadas, referir que “tudo isso resultando no vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal”, o certo é que em parte alguma das conclusões, nem da motivação, invoca a existência de um qualquer erro notório na apreciação na prova, nos termos em que tal vício deve ser entendido, ou seja, enquanto equívoco resultante de factos do conhecimento geral ou do funcionamento das leis da lógica, da física e da mecânica, que se evidencie aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que se traduza em ter-se dado como provado algo que não se provou ou que não pode ter acontecido.

3.3 – Da não verificação do elemento típico do crime de desobediência traduzido na recusa do arguido a submeter-se à prova de deteção de álcool no sangue através do teste ao ar expirado

Pugna, por fim, o recorrente pela sua absolvição do crime de desobediência pelo qual vem condenado, na medida em que cumpriu as três tentativas de sopro, muito embora o alcoolímetro utilizado não tenha revelado qualquer resultado, pelo que nunca obstaculizou à realização do teste de pesquisa de álcool no ar expirado, sendo que os militares da GNR é que não deram cumprimento ao disposto no art. 4º, n.º 1, da Lei n.º 18/2007, de 17 de maio (Regulamento de fiscalização da condução sob o efeito do álcool) que, na falta de resultado nas três tentativas sucessivas desse teste, impõe a análise ao sangue do examinando, o que sempre se dispôs a fazer.

Assim, o recorrente sustenta não estarem preenchidos os elementos objetivos do tipo legal de crime de desobediência, uma vez que, em sua opinião, acatou a ordem dos agentes de autoridade, já que, por três vezes, realizou o teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado e que, perante a não obtenção de qualquer resultado, deveria ter sido efetuada análise ao sangue, como determinam os arts. 152º e 153º do Código da Estrada.

Vejamos se lhe assiste razão:

3.3.1 - De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 348º do Código Penal, é punido pelo crime de desobediência quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, se uma disposição legal cominar, no caso, a punição por desobediência simples ou, na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação, prevendo o n.º 2 uma punição agravada para os casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.

Ora, o n.º 3 do art. 152º do Código da Estrada prevê a punição por crime de desobediência para o caso de recusa dos condutores a submeterem-se às provas estabelecidas para deteção do estado de influenciado pelo álcool, submissão essa a que estão obrigados por força do n.º 1, al. a), do mesmo preceito.

Constituem, assim, elementos do tipo objetivo do crime de desobediência: a) - A falta de obediência do agente a uma ordem ou mandado; b) - A legalidade formal e substancial dessa ordem ou mandado; c) - A competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão; d) – E a regularidade da sua transmissão ao destinatário.
Quanto ao elemento subjetivo, exige-se o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades, traduzido no conhecimento e vontade de não cumprir a ordem ou mandado.

3.3.2 - No caso vertente mostra-se preenchida a totalidade desses elementos típicos, na medida em que o arguido não cumpriu uma ordem legítima (formal e substancialmente), emanada de autoridade competente para a sua emissão, que lhe foi regularmente transmitida e que ele não quis cumprir.

Com efeito, da factualidade definitivamente dada como provada emerge que ao arguido foi dada uma ordem, traduzida na imposição de se submeter ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado através de aparelho aprovado para o efeito, com vista a detetar a presença de álcool no sangue, ordem essa legítima, pois que havia sido intercetado a conduzir um veículo automóvel na via pública, emitida por autoridade competente, ou seja, militares da GNR no exercício das suas funções, e regularmente comunicada ao arguido, o qual foi inclusivamente advertido de que a não realização do teste corretamente, isto é expelindo a quantidade de ar suficiente para o efeito, o faria incorrer no crime de desobediência.

Aquilo que o recorrente questiona é que a sua conduta tenha consubstanciado uma recusa de submissão à prova estabelecida para a deteção do estado de influenciado pelo álcool, nos termos e para os efeitos previstos no citado art. 152º, n.º 3, do Código da Estrada, uma vez que efetuou três tentativas sucessivas de sopro no aparelho, não tendo este revelado qualquer resultado, pelo que os militares da GNR deveriam tê-lo conduzido a um estabelecimento oficial de saúde, a fim de aí lhe ser feita uma análise sanguínea.

Tal alegação não tem, porém, em devida conta os procedimentos legalmente estabelecidos para a realização do teste de pesquisa de álcool no ar expirado, destinado à averiguação do grau de alcoolemia de que sejam portadores os condutores de veículos ou outros intervenientes na circulação rodoviária, para efeito de apuramento de responsabilidade criminal ou contraordenacional.

De acordo com o estatuído no art. 1º, n.º 1, da referida Lei n.º 18/2007, primeiramente é efetuado um teste qualitativo no ar expirado, destinado a despistar a presença de álcool no sangue do examinando, sem qualquer finalidade de medir a respetiva taxa, embora a possa acusar.
Sendo o resultado positivo, segue-se a realização de um teste quantitativo ou análise de sangue quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo, com a finalidade de quantificar a efetiva taxa de álcool no sangue (n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo e n.º 1 do art. 2º da citada Lei).

Por seu turno, dispõe o art. 153º, n.ºs 1, 2, al. c), 3, als. a) e b), e 8, do Código da Estrada que o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, sendo que, em caso de resultado positivo, a contraprova que venha a ser requerida pelo examinando deve ser realizada, de acordo com a vontade do mesmo, por novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado, ou por análise de sangue, a qual também será utilizada quando a efetivação do exame ao ar expirado não se mostre possível.

O art. 4º da referida Lei n.º 18/2007, sob a epígrafe “Impossibilidade de realização do teste no ar expirado” prevê, no seu n.º 1, que quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização daquele teste (como sucede, por exemplo, se ficar gravemente ferido num acidente de viação), é realizada análise de sangue.

Porém, contrariamente ao que sustenta o recorrente, a impossibilidade física de o examinando conseguir expelir ar suficiente nada tem a ver com a situação em que o mesmo, deliberadamente, não expele ar suficiente, como sucedeu no caso vertente.
Efetivamente, o que resulta da matéria de facto provada não é qualquer impossibilidade física do arguido, mas sim que este, nas três tentativas que efetuou, não quis, propositadamente, expirar ar suficiente para a realização do teste, impossibilitando, assim, a quantificação da taxa de álcool que apresentava (cf. pontos 7º, 10º, 12º, e 14º dessa factualidade).
Ora, a não exalação voluntária de ar suficiente para a verificação da presença, ou não, de álcool no sangue não pode deixar de ser equiparada a “recusa” para efeitos de preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal do crime de desobediência, na medida em que quer a impossibilidade de realização do teste de pesquisa de álcool resulte da recusa pura em simples do examinando, quer se deva à não expiração, deliberada, de ar suficiente para a realização do exame, são idênticos o desvalor da ação e o resultado conseguido (a impossibilidade de realização do teste).

Como, a este respeito, foi decidido no acórdão da Relação do Porto de 20-01-2010 [15], «Verifica-se a recusa à efetivação do teste de deteção de álcool sempre que o agente assume comportamentos de onde em termos lógicos e em termos de homem médio se poderá extrair que o mesmo está a boicotar o teste quantitativo».

No acórdão da Relação de Évora de 25-05-2004 [16], citado naquele outro aresto, considerou-se também que «Quando o arguido, ao submeter-se ao exame de pesquisa de álcool em analisador quantitativo, faz de propósito para boicotar esse exame, soprando fraco ou de forma deficiente, consuma a prática do crime de desobediência p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, com referência ao art.º 158.º, n.º 3, do Código da Estrada [atual art. 152º, n.º 3], não havendo nestes casos lugar ao procedimento da análise de sangue para deteção do estado de influenciado pelo álcool a que se referem os art.º 159.º, n.º 7, do Código da Estrada [atual art. 153º, n.º 8], e 4.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 2/94, de 30-10 [atual art. 4º, n.º 1, da Lei nº 18/2007]. O art.º 159.º, n.º 7, do Código da Estrada, destina-se a prever as situações em que não é possível a realização da pesquisa no ar expirado. Ora, em casos como o acima referido, o exame era possível; o arguido é que não o quis fazer. Por seu lado, o art.º 4.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 2/94, ao referir-se aos casos em que, após três tentativas sucessivas, o examinando demonstre não expelir ar em quantidade suficiente, deve ser entendido no sentido de o examinando demonstrar que não consegue expelir ar em quantidade suficiente. Ora, em casos como o acima referido, o arguido conseguir consegue, ele é que não quer».

Por conseguinte, contrariamente ao defendido no presente recurso, tendo-se o arguido recusado a efetuar o teste de quantificação da taxa de álcool no sangue através de teste no ar expirado sem estar impedido de o fazer, dado que nada se provou nesse sentido, designadamente qualquer problema de saúde, não havia qualquer fundamento para o sujeitar a análise sanguínea.

Com efeito, este outro procedimento de realização do exame para deteção do estado de influenciado pelo álcool é reservado para as situações de incapacidade física na realização do teste através do ar expirado, as quais se podem apurar, nos termos legalmente previstos, de duas formas: quando após três tentativas consecutivas de expelição de ar não se conseguir obter um resultado válido ou quando as condições físicas do agente não lhe permitem a realização do dito teste.

Não estando verificada qualquer dessas duas situações, pressuposto necessário para a realização da análise ao sangue, é juridicamente irrelevante a pretensão do arguido em ser submetido a esse método de exame, pelo que não estavam os militares da GNR obrigados a assim proceder.

Como vimos, não integra a referida impossibilidade a conduta do arguido que, voluntariamente, não exala um sopro suficiente para permitir a leitura do resultado pelo aparelho, como sucedeu no caso vertente.

Pelo exposto, mesmo sem ter havido uma recusa formal do arguido em realizar o teste de pesquisa de álcool no ar expirado através do analisador quantitativo, conclui-se estarem preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo legal do crime de desobediência pelo qual foi condenado na primeira instância, não se mostrando violados os preceitos legais invocados no recurso [17].

Improcede, pois, a questão em análise.


III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, M. S., confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a 5 (cinco) unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
*
(Elaborado pelo relator e revisto por todos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
Guimarães, 10 de julho de 2018

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)

[1] - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a ortografia e a formatação utilizadas, que são da responsabilidade do relator.
[2] - Como resulta do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série-A, de 28-12-1995.
[3] - Cf. o acórdão do STJ de 25-01-2006 (processo n.º 05P3460), disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] - Vd. Alberto do Reis, Código de Processo Civil, anotado, vol. 5, pág. 140; Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III (1972), pág. 246; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, pág. 669 e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 221.
[5] - Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 26-03-2014 (processo n.º 15/10.0JAGRD.E2.S1), disponível em http://www.dgsi.pt., e de 30-04- 2014, (processo n.º 330.08.3PATNV.C2.S1), disponível na Coletânea de Jurisprudência online, com a referência 8895/2014.
[6] - Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 (processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (processo n.º 07P21) e de 23-05-2007 (processo n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (processo n.º 110407), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[7] - Cf. os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1) e de 25-03-2010 (processo n.º 427/08.OTBSTB.E1.S1), ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[8] - Proferido no processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[9] - Cf., nomeadamente, o acórdão de 29-10-2015 (processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1), disponível em http://www.dgsi.pt.
[10] - Conforme, aliás, já foi entendido no acórdão desta Relação de 11-07-2017 (processo n.º 376/11.4TACHV.G2), disponível em http://www.dgsi.pt.
[11] - Vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 519.
[12] - Vd. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1981, Coimbra Editora, págs. 204-205, e Michele Taruffo, Conocimiento cientifico y estándares de prueba judicial, Boletín Mexicano de Derecho Comparado, ISSN-e 0041-8633, Nº. 114, 2005, págs. 1285-1312.
[13] - Cf. o acórdão do STJ de 04-11-1998, in BMJ n.º 481, pág. 265.
[14] - In Direito Processual Penal, I, pág. 215.
[15] - Proferido no processo n.º 158/09.3GFPRT.P1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[16] - Proferido no processo n.º 2706/03-1, sumariado em http://www.dgsi.pt.
[17] - Cf. ainda, no mesmo sentido, os acórdãos do TRP de 03-06-2016 (processo n.º 838/15.4PFPRT.P1) e do TRE de 18-11-2014 (processo n.º 105/14.0GFSTB.E1), ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt.