Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
283/16.4T9MDL.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: AMEAÇA
ELEMENTOS DO CRIME
INTRODUÇÃO EM LUGAR VEDADO AO PÚBLICO
BEM JURÍDICO PENALMENTE TUTELADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – O crime de ameaça, previsto no art. 153º, nº 1, do C. Penal, que se enquadra tipologicamente no campo tutelar dos direitos de liberdade da pessoa humana – protegendo o bem jurídico liberdade pessoal, liberdade de decisão e de acção –, decompõe-se no anúncio ou promessa de um mal futuro, e não iminente, cuja ocorrência dependa da vontade do agente e o mal ameaçado deve constituir em si mesmo um dos crimes elencados no próprio corpo do artigo («contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor») e não qualquer outro.
II – A ameaça tem de revestir carácter de seriedade, acompanhada da intenção de causar medo ou inquietação no ofendido, no enquadramento da aparência externa de o agente estar resolvido a praticar o facto, e o mal nela contido deve ser adequado a vencer a vontade do ameaçado, segundo um critério objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do homem comum); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevâncias das sub-capacidades do ameaçado).
III – O bem jurídico tutelado pelo crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto no art. 191º do C. Penal, prende-se com a salvaguarda de um conjunto heterogéneo de valores ou interesses, como são a reserva e o segredo pessoais, o segredo comercial ou profissional, ou, até, simplesmente, a propriedade.
IV – A acção típica visada por tal ilícito comporta a entrada sem consentimento ou a permanência após a intimação para se retirar ou depois de esgotado o fundamento de legitimação da permanência e o respectivo objecto tem de consistir num espaço fisicamente delimitado por uma qualquer espécie de barreira física que seja necessário ultrapassar para entrar, mesmo que descontínua, desde que não perca o carácter de uma protecção física.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo comum singular nº 283/16.4T9MDL da Instância Local, Secção de Competência Genérica de Mirandela, da Comarca de Bragança, foi proferida sentença, em 25/01/2017, depositada na mesma data, condenando a arguida R. M., como autora material de um crime de ameaça agravada, p. e p., pelos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) e c), com referência ao art.132º, nº 2, alínea l), de um crime de injúria agravado, p. e p. pelos arts. 181º, nº 1 e 184º, com referência ao art. 132, nº 2, al. l) e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191º, todos do CP, nas penas de, respectivamente, 100, 90 e 30 dias de multa, à taxa diária de € 20, e, em cúmulo jurídico de tais penas, foi a arguida condenada na pena única de 180 dias de multa, à mesma taxa, no montante global de € 3.600 (três mil e seiscentos euros).
Foi ainda a arguida condenada a pagar à demandante cível P. C. o montante de € 4.000 a título de indemnização pelos não patrimoniais advindos da sua conduta, acrescida dos juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data da decisão, a título de reparação dos danos causados.
*
Não se conformando com o decidido, a arguida interpôs recurso, sustentando a sua absolvição pelos crimes de ameaça agravada e de introdução de lugar vedado ao público e subsidiariamente defendeu a excessividade das penas que lhe foram aplicadas, bem como do pedido de indemnização cível em que foi condenada, com a motivação que rematou com as seguintes conclusões:
«A. Não cremos que haja praticado factos consentâneos com o perpetrar de crime de ameaça agravada, porquanto, a expressão proferida não poderia ser interpretada restritivamente como o foi por parte do Tribunal, no sentido que lhe foi dado, de que tal representaria uma ameaça de morte ou que viesse futuramente a atentar gravemente contra a sua integridade física;
B. Mas de forma lata tais expressões poderiam determinar a intenção de socialmente ou pessoalmente a vexar, ou de diminuir a sua consideração social, da sua vida pública, social;
C. Ora, neste sentido cremos, no que ao crime de ameaça diz respeito, que deveria ter sido aplicado o princípio de in dubio pro reo, o qual constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa, tal como resulta do caso em concreto;
D. Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto;
E. Isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos e, em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
F. E essa dúvida teria que ter existido pois é legítima e válida, pois em nenhum momento concretiza a forma de que vai acabar com a vida, se por morte, se por contar um segredo, etc, que indubitavelmente nos manifestasse o intento de tal expressão como sendo dirigida à sua pessoa física ou à sua pessoa social;
G. Pelo que pugnamos, em face o expedido, que seja absolvido a arguida do crime de ameaça, previsto e punido no artigo 153º, nº 1 e correspondentemente do agravamento que resulta dos artigos 155º n.º 1, alíneas a) e c), com referência ao art. 132º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal.
H. No que toca ao crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo art. 191º, do Código Penal não cremos que esteja cumprido o tipo legal de crime;
I. Dos factos dados como provados resulta que a ofendida após lhe ter sido dito pela arguida que com ele pretendia falar ela pediu-lhe apenas para esperar – facto dado como provado nº 7 – pelo que foi, assim, assentida a sua permanência no local, não tendo sido convidada a sair;
J. Pelo que, daqui não resulta a prática do crime do qual vem acusada a arguida e quando muito, em face deste consentimento à permanência, dado como provado, dever-se-ia ter aplicado o princípio do in dubio pro reo;
K. Desta feita, no que ao crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo art. 191º deverá igualmente ser a arguida absolvida do mesmo;
L. Por sua vez e ademais, cremos e à cautela de patrocínio que a medida da pena que foi nos presentes autos aplicada é manifestamente excessiva.
M. É na fixação concreta da medida de uma pena estabelecida no âmbito de uma moldura abstracta que se evidencia a tarefa mais importante do juiz, obedecendo no entanto a um rigoroso cumprimento da Lei, seja das normas estabelecidas no Código Penal (artigos 40º, 70º e 71º) seja dos princípios constitucionais que se evidenciam como orientadores primários da interpretação jurídico-penal.
N. Como se sabe, é na culpa do agente e nas razões preventivas gerais e especiais que se encontram as guias fundamentais para fixar a pena devida em determinado caso, sendo que o Código Penal estabelece um limite inequívoco e inultrapassável onde tem que assentar a medida da pena: a culpa do agente, nomeadamente a sua medida.
O. É este o limite que nenhuma razão de prevenção pode ultrapassar, de acordo com a imposição normativa estabelecida no artigo 40º n.º 2 do Código Penal, não há pena sem culpa nem a pena pode, na sua dimensão concreta, ultrapassar a medida da culpa;
P. É certo que nas finalidades da pena surge, inequivocamente, a necessidade de proteger bens jurídicos como elemento fundamental, o que impõe que na fixação da pena concreta se leve em consideração a dimensão da prevenção, geral e especial, como aliás decorre do artigo 71º n.º 1.
Q. A arguida é pessoa sem antecedentes criminais, que não tem conexão comportamental e sistemática com este tipo de crimes ou com quaisquer outros, familiarmente e socialmente integrada, bem reputada, médica de profissão e que não atuou com intenção de aplicar à ofendida lesão demasiado gravosas;
R. Resulta, para nós, então, que a factualidade que subjaz à aplicação das medidas das penas, que estão concretamente aplicadas, não se mostram adequadas por ultrapassar o necessário para a estrita reintegração das normas afetadas pelo comportamento da arguida e cremos que são ultrapassados não apenas os limites da prevenção, geral e especial, como também o grau de culpa da arguida e da medida da pena, o que nos leva a peticionar a reapreciação das medidas das penas.
S. Por sua vez e no que toca ao quantum indemnizatório que foi à ofendida atribuído na douta sentença, manifestar igualmente a nossa discorrência, pois consideramos o mesmo manifestamente excessivo, já que os factos dados como provados são exíguos e não conseguem justificar o montante de 4000 € que foi arbitrado;
T. Ora, os factos apenas foram presenciados por uma única pessoa, a funcionária do escritório da ofendida L. P., dentro do escritório da ofendida - onde aliás funciona igualmente uma sociedade comercial que se dedica à gestão de condomínios - o que nos demonstra que inexistiu vexame público e, por sua vez, os crimes em causa apenas geraram, como provado, 5 dias de irritabilidade e de noites mal dormidas;
U. E com exceção do marido da ofendida, todos os demais que depuseram - Manuel Monteiro e Hernâni Moutinho - que descreveram o estado de espírito da ofendida nos momentos imediatamente depois e dias depois dos factos, apenas o souberam pois com toda a certeza lhes foi contado pela ofendida, tendo ela apenas e exclusivamente por iniciativa própria rememorado e transmitido a terceiros;
V. E por fim, no que a esta parte diz respeito remetemo-nos para os ensinamentos dos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa nos dizem em acórdão datado de 20/10/2005:
“Só são indemnizáveis os danos que afectam profundamente os valores ou interesses da personalidade jurídica ou moral;
Os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações, cuja gravidade e consequências se desconhecem, não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis”
W. Pelo que nesta matéria deve igualmente naufragar o pedido de indemnização de 4000 € (quatro mil euros) ou pelo menos nesta sua extensão, devendo ser reduzido.
Normas jurídicas violadas:
Foram, pelo menos, violadas as normas, 40º, 70º, 71º, 153º n.º 1 e 155º n.º 1, alíneas a) e c), com referência ao art. 132º, n.º 2, al. l), 191º, todos do Código Penal, 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP e 483º e 496º do Código Civil.
Termina dizendo que o recurso deve ser julgado procedente e, por via disso, ser a arguida:
I - absolvida do crime de ameaça agravada previsto e punido 153º n.º 1 e 155º n.º 1, alíneas a) e c), com referência ao art. 132º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal;
II - absolvida do crime do crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo art. 191º do Código Penal;
III - Reapreciadas as medidas das penas aplicadas à arguida;
IV – Ser reapreciado o montante atribuído a título de indemnização civil pugnando-se pela sua redução.».
A assistente/demandante cível também se insurgiu contra a decisão proferida na parte respeitante ao pedido de indemnização alegando que o mesmo deve ser fixado no montante que peticionou (€ 7500), terminando com as seguintes conclusões:
«1ª Devido à natureza dos danos e às dificuldades da sua concretização em dinheiro, não determinou o Tribunal a justa medida da gravidade desses danos e não fixou de forma equitativa o ressarcimento da lesada recorrente;
2ª Tendo em conta os parâmetros legais e as circunstâncias do caso, entende a recorrente que a indemnização justa e equitativa deverá ser fixada em 7.500,00 euros.
3ª Foram violadas, por errada aplicação, as disposições dos artºs. 496º nºs. 1 e 3, 562º e 566º do Cód. Civil.

Dizendo que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se, em conformidade, a sentença recorrida, por assim ser de inteira Justiça.

O recurso foi regularmente admitido nos termos do despacho proferido a fls. 223.

O Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta aos recursos, concluindo que a sentença proferida mostra-se acertada no elenco factual, na sua fundamentação e na correcta aplicação do direito aos factos. Para tanto, alega, em suma, que o Tribunal valorou correctamente a matéria de facto submetida a julgamento, através de um exame crítico, objectivo e imparcial das provas produzidas e examinadas em audiência, indicadas pela acusação e pela defesa, à luz do princípio da livre apreciação da prova, a dúvida suscitada pela arguida nada tem a ver com o principio in dubio pro reo e que, quanto à aplicação do direito aos factos, a decisão proferida tem total apoio na lei, nada havendo a apontar, devendo manter-se a condenação da arguida por todos os crimes por se encontrarem devidamente preenchidos todos os elementos e subjectivos dos ilícitos.
Defendeu ainda que deverá manter-se a quantia arbitrada em termos de indemnização cível, por ser inteiramente equitativa e justa.

A assistente/demandante cível apresentou contra alegações para reafirmar que a sentença deve ser mantida à excepção da parte respeitante ao pedido de indemnização cível que deve ser alterado nos termos por propugnados.

E, neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado parecer, defendendo o enquadramento jurídico e a medidas das penas aplicadas à arguida pelo tribunal recorrido, convocando, parte da argumentação expendida pelo Ministério Público em 1ª Instância.

Foi cumprido o disposto no nº 2, do art. 417º, do CPP.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
*
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no presente recurso suscitam-se as questões de saber se:
1ª- não se mostram preenchidos os elementos típicos dos aludidos crimes de ameaça agravada e de introdução em lugar vedado ao público, tendo sido violado o princípio in dubio pro reo na interpretação que foi feita de tal preenchimento;
2ª - é excessiva a medida concreta das penas;
3ª - foi equitativamente fixado o montante da indemnização cível.

Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida e a respectiva motivação (transcrição):
«1. A ofendida P. C. é Advogada e tem o seu escritório sito na Rua C…, em Mirandela.
2. No exercício das suas funções de Advogada, mandatada por meio de procuração forense, intentou acção judicial, peticionando créditos salariais, emergentes de um contrato individual de trabalho contra a empresa denominada C. & C., pessoa colectiva, da qual a arguida é sócia gerente.
3. No dia 27.07.2016, entre as 18h00 e as 18h30 a arguida dirigiu-se ao escritório da ofendida P. C., devidamente identificado com a placa de Advogada.
4. Ali chegada, dirigindo-se a L. P., colaboradora da ofendida disse que queria falar com a Advogada P. C..
5. Momentos depois, a ofendida P. C., sem se ter apercebido que a arguida estaria na sala de espera, dirigiu-se à sua colaboradora L. P..
6. A arguida assim que vê a ofendida P. C., dirige-se a esta e profere as seguintes expressões: “quero falar contigo”.
7. A ofendida P. C. pediu à arguida para aguardar um pouco.
8. A arguida não atendeu ao pedido e foi ao encontro da ofendida P. C., que já se encontrava no interior do seu gabinete.
9. A arguida entrou no interior do gabinete, sem o consentimento e autorização da ofendida P. C..
10.Em acto contínuo, a arguida dirige-se à ofendida P. C. e em voz alta e apontando-lhe o dedo indicador em riste encostando o mesmo à face desta, profere as seguintes expressões: “sua puta, sua vaca, meteste-te comigo, meteste a acção, vou acabar com a tua vida, isto é um aviso”.
11. De seguida, a arguida abandonou o local.
12. A arguida agiu com conhecimento de que a ofendida era Advogada e por motivos relacionados com a conduta desta no exercício da sua profissão.
13. A arguida sabia que ao dirigir-lhe as expressões descritas, por causa do exercício da sua profissão, eram adequadas quer:
14. A criar inquietação e receio pela sua vida e integridade física, como efectivamente provocou, temendo que aquela concretizasse as ameaças que lhe foram dirigidas e que a viesse a matar ou a ferir gravemente, bem sabendo que a conduta assumida era idónea a obter tal resultado; e
15. A ofender a honra, consideração e prestígio pessoal e profissional da ofendida, tendo actuado nesse propósito e que por sua vez, a ofendida sentiu-se efectivamente ofendida na sua honra e consideração pessoal e profissional.
16. A arguida ao entrar no interior do gabinete da ofendida P. C., espaço fisicamente limitado, onde a ofendida desenvolve a sua actividade profissional, sendo este um espaço vedado, introduziu-se nesse espaço sem ter sido permitida a entrada, e nele se introduziu arbitrariamente, aí permanecendo sem o consentimento ou autorização do titular do direito protegido, sabendo que era necessária.
17. A arguida, em todas as circunstâncias, actuou sempre de forma voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente puníveis.
18. Devido às condutas da arguida supra referidas, a ofendida sentiu perturbação, angústia, humilhação, vergonha, medo.
19. Teve dificuldades em dormir, pelo menos por 5 dias, apresentando irritabilidade em consequência das noites mal dormidas.
20. A arguida Rosa é médica de profissão.
21. Aufere o valor mensal de cerca de € 2.000,00 como fruto do seu salário como médica.
22. Vive em casa própria.
23. Do CRC da arguida nada consta.
24. A arguida é bem reputada no meio onde está inserida.
Fundamentação da matéria de facto:
«O tribunal fundou a sua convicção no que toca à data, ao local e ao objecto do processo no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com os documentos juntos aos autos, tudo devidamente valorado e conjugado com as regras da experiência comum.
O tribunal baseou-se essencialmente nas declarações da assistente, a Dra. P. C., que relatou os factos tal como descritos nos factos assentes, com toda a isenção e objectividade logrando convencer este tribunal.
As suas declarações foram confirmadas pela testemunha L. P., colaboradora da assistente e que presenciou os factos em questão.
Não restaram dúvidas a este tribunal. Não obstante a testemunha da defesa P. G., ter avançado que ouviu os pais da assistente engendrarem “um plano para tramarem a arguida”.
As testemunhas P. G. e G. P. depuseram sobre a personalidade da arguida.
No que respeita aos danos não patrimoniais que a assistente alega ter sofrido em consequência da conduta da arguida, baseou-se este Tribunal nas declarações da mesma, bem como no depoimento das testemunhas A. L. (marido da assistente), M. M. (médico) e H. M. que conhecem a assistente e que descreveram o seu estado de espírito nos momentos imediatamente depois e dias depois dos factos.
Quanto ao elemento subjectivo do crime em questão, o mesmo retira-se da conjugação dos factos provados com as regras da experiência comum, pois qualquer cidadão, que corresponde ao padrão do homem médio, agindo como agiu a arguida, revela intenção directa de praticar os factos, como efectivamente, o fez.
Em sede de condições de vida, designadamente no que concerne à situação económica, social e familiar da arguida, o Tribunal baseou-se no seu conhecimento funcional, designadamente dos autos n.º 172/11.9TAMDL.
Os antecedentes criminais da arguida resultaram provados com base na análise do respectivo Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
Todos os elementos probatórios constantes dos autos foram analisados de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum, tendo sido todos articulados e concatenados entre si.».
*
1. Os elementos típicos dos crimes
1.1 O crime de ameaça agravada.
A arguida/recorrente sem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustenta que não praticou factos consentâneos com o perpetrar de crime de ameaça agravada, na medida em que, a expressão proferida não representa uma ameaça de morte ou que viesse futuramente a atentar gravemente contra a integridade física da ofendida. Tal expressão, que deve ser processualmente adquirida à luz do princípio in dubio pro reo, apenas poderia representar a intenção de vir a vexar social ou pessoalmente a ofendida, ou a diminuir a sua consideração social, defendendo, por isso, a sua absolvição do crime pelo qual foi condenada.
Vejamos:
O crime de ameaça imputado à arguida vem previsto no art. 153º, nº 1, do C. Penal, que prescreve: «Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias».
Porém, quando os factos previstos naquele preceito forem realizados por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias [art. 155º nº 1, alíneas a) e c), com referência ao art.132º, nº 2, alínea l)].
O bem jurídico protegido pelo crime de ameaça é a liberdade pessoal, a liberdade de decisão e de acção. «A tutela penal da liberdade é, por excelência, uma tutela negativa e pluridimensional: negativa, na medida em que visa impedir as acções de terceiros que afectem a liberdade de decisão e de acção individual; pluridimensional, uma vez que assume as diversas manifestações da liberdade pessoal (liberdades de autodeterminação, de movimento, de acção, sexual) como autónomos objectos de protecção penal» (1).
O mencionado crime de ameaça enquadra-se assim tipologicamente no campo tutelar dos direitos de liberdade da pessoa humana. Como diz Nelson Hungria (2), «os chamados direitos de liberdade constituem uma unidade substancial e não já uma série indefinida de direitos individuais. As diversas liberdades asseguradas ao homem e cidadão não são mais do que faces de um mesmo poliedro: a liberdade individual. A primeira e mais genérica expressão desta é a liberdade pessoal, assim chamada porque diz mais directamente com a afirmação da personalidade humana. Compreende o interesse jurídico do indivíduo à imperturbada formação e actuação da sua vontade, à sua tranquila possibilidade de ir e vir, à livre disposição de si mesmo ou ao seu status libertatis, nos limites traçados pela lei. Trata-se, em suma, do direito à independência de injusto poder estranho sobre a nossa pessoa.».
O crime de ameaça decompõe-se no anúncio ou promessa de um mal futuro e cuja ocorrência dependa da vontade do agente (3). O mal ameaçado tem de constituir em si mesmo um crime, um facto ilícito típico, e, após a revisão do Código Penal de 1995, tem de se tratar de um dos crimes elencados no próprio corpo do artigo e não um qualquer crime. Assim, terá que ser um crime «contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor».
Esse mal deve ser importante, entendendo-se como tal aquele que é, nas circunstâncias do caso concreto, susceptível ou adequado a vencer a vontade do ameaçado. Há, portanto, que relacionar a importância ou a gravidade do mal ameaçado com a exigência típica da adequação (imputação objectiva) deste a constranger o ameaçado. Mal adequado é aquele que, tendo em conta as circunstâncias concretas, é susceptível de coarctar a liberdade de decisão ou de acção do ameaçado (4). Trata-se, assim, de um critério objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do homem comum); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevâncias das sub-capacidades do ameaçado) (5).
Ou, por outras palavras, a ameaça tem de revestir carácter de seriedade acompanhada da intenção de causar medo ou inquietação no ofendido no enquadramento da aparência externa de o agente estar resolvido a praticar o facto. Assim sendo, afigura-se-nos que o critério para medir e averiguar da seriedade da ameaça era exactamente o resultado que eventualmente produziu na pessoa visada. «Não se determinando no caso qualquer sentimento de inquietação ou temor e não ocorrendo receio ou medo, não se verifica que se tivesse atingido a tranquilidade ou liberdade de determinação e o atinente crime de ameaças» (6).
Actualmente, trata-se de um crime de perigo concreto, cuja tipicidade prescinde da produção de um resultado material, bastando-se com a adequação a produzi-lo. Para aferir da aptidão da conduta deve ser utilizado o critério, segundo o qual «(...) a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, (...) independentemente de o [seu] destinatário ficar, ou não, intimidado» (7).
Com efeito não se exige hoje a ocorrência do dano (efectiva perturbação da tranquilidade do ameaçado). Mas também não basta a simples ameaça da prática do crime, exigindo-se ainda, na situação concreta, que a ameaça seja adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da vítima. Trata-se da necessidade de o concreto acto ser genérica e abstractamente idóneo a causar medo ou inquietação.
O tipo de ilícito objectivo exige, que o mal seja futuro, o que significa que o mal não pode ser iminente, caso em que configurará uma eventual tentativa do crime em causa ou, até, a própria concretização sequencial do mal prometido. Escreveu o Prof. Taipa de Carvalho (8): «O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção contra ameaça e violência. Assim por exemplo haverá ameaça quando alguém afirma: “hei-de-te matar”, já se trata de violência, quando alguém afirma “vou-te matar já”».
A propósito do mesmo conceito, afirmou-se, no Ac. da RP de 25.1.2006, que para se ter «por preenchido o tipo objectivo do crime de ameaça, é necessário, desde logo, que o mal ameaçado seja futuro. O mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal.» (9). «[E]sta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex., haverá ameaça, quando alguém afirma “hei-de-te matar”; já se tratará de violência, quando alguém afirma: ”vou-te matar já”. Que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só, como vimos, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa [cf. Art. 22.º-2 c)]» (10). «[S]eja qual for a qualidade do mal ameaçado exigida pelo tipo legal, poder-se-á dizer que, após o processo de desmaterialização do conceito de violência – processo este que conduziu a um alargamento deste conceito – a distinção principal entre o conceito de violência e o conceito de ameaça reside na actualidade ou na futuridade do mal(11) (12).
Subjectivamente, o agente deve actuar da forma descrita, conformando a sua consciência e vontade de que o prenúncio é adequado a provocar medo ou intranquilidade à vítima.
Analisemos, então, a questão colocada em apreciação pela recorrente que é a de saber se os factos apurados permitem subsumir a sua conduta ao crime de ameaça agravada por que foi condenada.
Neste conspecto, convém sublinhar, uma vez mais, que a recorrente não põe em causa a matéria de facto que foi apurada em 1ª Instância e daí que: perante a factualidade assente, delimitadora do conhecimento deste Tribunal, se retira toda a matéria que suporta, suficientemente, o crime de ameaça agravada em que a decisão recorrida assentou.
Importa, desde logo, referir que a recorrente, para sustentar a não verificação dos requisitos do crime, transpõe o seu ponto de vista para o domínio dos factos ou para o juízo que faz sobre a interpretação que deveria ter sido dada à expressão por si proferida e dada como provada. Ora, não podendo confundir-se matéria de facto com matéria de direito, uma vez ultrapassada essa questão com o reconhecimento da sua actuação, a subsunção jurídica é feita mediante a matéria de facto fixada pelo tribunal de 1ª Instância.
Realmente, entre os factos fixados na decisão recorrida, consta expressamente que a arguida, com conhecimento de que a ofendida era advogada e por motivos relacionados com a conduta desta no exercício da sua profissão, dirigiu-se à mesma, em voz alta, e apontando-lhe o dedo indicador em riste encostando o mesmo à face desta, profere as seguintes expressões: “sua puta, sua vaca, meteste-te comigo, meteste a acção, vou acabar com a tua vida, isto é um aviso”. Apurando-se ainda que a arguida ao proferir tais expressões sabia que as mesmas eram adequadas a criar na ofendida inquietação e receio pela sua vida e integridade física, como efectivamente provocou, temendo que aquela concretizasse as ameaças que lhe foram dirigidas e que a viesse a matar ou a ferir gravemente, bem sabendo que a conduta assumida era idónea a obter tal resultado.
Ora, a almejada interpretação que a recorrente pretende que este Tribunal confira à expressão pela mesma proferida não pode ter acolhimento na análise global dos factos, tal como se encontram fixados, sem impugnação pela recorrente. Embora, à luz de critérios de normalidade e atendendo ao concreto contexto do relacionamento que os factos indiciam, a alegada ambiguidade da questionada expressão, em si mesma, pudesse ser reponderada em sede de reapreciação da matéria de facto, caso esta tivesse sido suscitada, a verdade é que o que se provou foi que a recorrente disse à ofendida «vou acabar com a tua vida, isto é um aviso», sabendo que essa expressão era adequada a criar inquietação e receio pela vida e integridade física da segunda, como efectivamente provocou, temendo que aquela concretizasse a ameaça que lhe foi dirigida e que a viesse a matar ou a ferir gravemente, e bem sabendo que a conduta assumida era idónea a obter tal resultado. E ainda vincou tal expressão, associando-a ao gesto de encostar o dedo indicador em riste à face da ofendida.
Assim, o comportamento da recorrente tem de ser enquadrado como o fez o Tribunal recorrido, ou seja, com o significado de ameaça à integridade física e/ou à vida da ofendida, pois o que temos por factualmente assente, por demasiado elucidativo, não comporta o significado que a mesma pretende fazer vingar, nem sequer suscitando quaisquer espécie de dúvidas que justificassem o apelo, feito no recurso, ao princípio in dubio pro reo. A violação deste princípio só se pode verificar quando o juiz condene o arguido, apesar de ter ficado na dúvida sobre factos relevantes ou qualquer circunstância de que a lei faça depender a punibilidade do mesmo.
Assim, sem necessidade de outras considerações, à luz do supra expendido sobre a tipicidade do aludido crime de ameaças, por que a recorrente foi condenada, encontram-se verificados todos os respectivos pressupostos, pelo que o recurso interposto improcede nesta vertente.

1.2. O crime de introdução em lugar vedado ao público.
A recorrente defende a sua absolvição pela prática deste crime porquanto, segundo alega, resulta dos factos dados como provados que a ofendida apenas lhe pediu para esperar, consentindo, assim, pela sua permanência no local, não tendo sido convidada a sair, pelo que, quando muito, em face deste consentimento, dever-se-ia ter aplicado o princípio in dubio pro reo. Dispõe o art. 191º do CP:
«Quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias.»
O bem jurídico tutelado pela incriminação em causa, como expende Costa Andrade (13), «prende-se com a salvaguarda de um conjunto heterogéneo de valores ou interesses. Que vão desde os valores ainda conotados com a reserva e o segredo pessoais, passando pelo segredo comercial e profissional, até aos valores da eficiência económica e burocrático-administrativa. A incriminação pode mesmo resultar em protecção, pura e simples, do direito de propriedade (...) O bem jurídico identificar-se-á, assim, com a posição jurídica reconhecida ao titular, que se analisa no direito de admitir e excluir.».
Assim, o objecto da acção tem de consistir num espaço fisicamente delimitado, por uma barreira que seja necessário ultrapassar para entrar (muro, sebe, rede portão) podendo mesmo tratar-se de uma barreira descontínua, «desde que não perca o carácter de uma protecção física».
A acção típica consiste na entrada ou permanência «arbitrárias», ou seja, a entrada sem consentimento e a permanência após a intimação para se retirar ou «depois de esgotado o fundamento de legitimação ou de não punição da permanência».
Trata-se de doutrina igualmente perfilhada por Paulo Pinto de Albuquerque, que sustenta que «o tipo objectivo consiste na entrada ou permanência em local vedado ao público, sem consentimento ou autorização por quem de direito. Não é sequer necessário que essa permanência tenha lugar depois de advertência para o sujeito sair, revelando-se, pois, a protecção penal mais ampla do que a prevista para a violação do domicílio. Mas é imprescindível que o lugar se encontre fechado, com o acesso fisicamente vedado por uma construção humana (porta, arame, portão ou sebe), não sendo suficiente que ele se encontre reservado ao uso por determinados pessoas».
Relativamente ao tipo subjectivo, o crime apenas é punível a título de dolo.
Analisemos, então, se estão ou não verificados todos os elementos deste ilícito.
Colhe-se da matéria de facto, não impugnada pela recorrente, que a arguida assim que vê a ofendida disse-lhe «quero falar contigo», esta pediu-lhe para aguardar um pouco, mas a arguida não atendeu ao pedido e foi ao encontro da ofendida, que já se encontrava no interior do seu gabinete. A arguida, sem o consentimento e autorização da ofendida, entrou no gabinete desta, ou seja num espaço fisicamente delimitado, onde a mesma desenvolve a sua actividade profissional. Portanto, introduziu-se nesse espaço arbitrariamente, sem ter sido permitida a entrada, aí permanecendo sem o consentimento ou autorização da titular do direito protegido, sabendo que era necessária a sua autorização.
Decorre desta matéria que a arguida, introduzindo-se no espaço onde a ofendida desenvolvia o seu trabalho profissional, sem o respectivo consentimento, empreendeu uma conduta injustificada, sem margem para quaisquer dúvidas. Do conjunto destes factos resulta à saciedade o preenchimento de todos os elementos objectivos e subjectivos do ilícito em questão.
Também improcede a pretensão da recorrente, neste segmento.

2. A medida das penas
Insurge-se a arguida/recorrente quanto à medida concreta das penas que lhe foram impostas dizendo que as mesmas são excessivas ultrapassando os limites da prevenção geral e especial, bem como o grau da sua culpa.
Para o efeito, alega que não tem antecedentes criminais, encontra-se familiar e socialmente integrada é bem reputada no meio em que vive e não actuou com a intenção de causar à ofendida lesão demasiado gravosa.
Vejamos.
O crime de ameaça agravado pelo qual a arguida foi condenada é abstractamente punível com pena de prisão de um mês até dois anos ou com pena de multa de 10 até 240 dias [art. 155º nº 1, alíneas a) e c), com referência ao art.132º, nº 2, alínea l)].
O crime de injúria é abstractamente punível com pena de prisão de 45 até 135 dias ou com pena de multa de 15 a 180 dias [arts.180º, nº1 e 184º, 41º, nº 1 e 47º, nº1 do CP].
E o crime de introdução e lugar vedado ao público é abstractamente punível com pena de prisão de 30 dias até três meses ou com pena de multa de 10 até 60 dias [arts. 191º, 41, nº 1 e 47º, nº 1, do CP].
A Sra. Juíza optou, e bem, pelas penas de multa, por ter entendido que na concreta situação, as exigências de prevenção geral e especial encontravam resposta adequada na aplicação dessas penas, opção que não vem posta em causa no recurso.
Os bens jurídicos que se visam proteger com as incriminações em causa são a liberdade pessoal, a liberdade de decisão e de acção, e a honra e a consideração e a reserva e o segredo pessoais, passando pelo segredo profissional.
Para esse efeito, deverá atender-se ao disposto no artigo 40º do C. Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.
Em consonância com o estipulado no nº 1, do art. 71º, do C. Penal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o art. 40º, nº 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena há, assim, que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, nº 2, do C. Penal).
Dito por outras palavras, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.
Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica» (14). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» (15). «Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» (16).
Em suma, a pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que «não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa» (cfr. art. 40º, nº 2, do C. Penal).
No caso vertente, resulta da matéria de facto, que a arguida no dia 27/07/2016, dirigiu-se ao escritório de advocacia da ofendida e irrompendo ao interior do seu gabinete sem o consentimento e autorização em voz alta e apontando-lhe o dedo indicador em riste encostando o mesmo à face desta, proferiu as expressões: «sua puta, sua vaca, meteste-te comigo, meteste a acção, vou acabar com a tua vida, isto é um aviso», sabendo que ao dirigir-lhe as expressões descritas, por causa do exercício da profissão da ofendida, eram adequadas a criar-lhe inquietação e receio pela sua vida e integridade física, temendo que aquela concretizasse as ameaças que lhe foram dirigidas e que a viesse a matar ou a ferir gravemente, a ofender a honra, consideração e prestígio pessoal e profissional da ofendida, assim procurando limitar a sua liberdade de determinação pessoal, o que também representou e quis não ignorando que esse seu comportamento é proibido e punido por lei.
É, assim, relativamente acentuada a gravidade objectiva da conduta da arguida já que, com a mesma atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade como acima se disse, tendo actuado com dolo directo, uma vez que o único fim da sua actuação, foi limitar a liberdade de determinação pessoal da ofendida e ofendê-la na sua honra e consideração e sabendo ainda que não estava autorizada a entrar no interior do seu gabinete. Entende-se, pois, que tendo os factos ocorridos no interior de um gabinete de uma advogada no exercício das suas funções, o grau de ilicitude é elevado, assim como a intensidade do dolo, a imporem fortes necessidades de prevenção geral. Importa também ter presente que os factos ocorreram numa cidade do interior do país, em que fácil e rapidamente se propagam e tornam conhecidos de todos, o que vem reforçar as exigências de prevenção geral deste tipo de ilícitos.
Por outro lado, no que respeita às necessidades de prevenção especial positiva ou de ressocialização, há que ponderar as circunstâncias de a arguida, não ter antecedentes criminais, se mostrar, regularmente integrada do ponto de vista profissional e social, embora não tivesse comparecido às duas sessões de julgamento (justificando as respectivas ausências).
Ora, sopesando todos os enunciados factos apurados quanto à pessoa da arguida e as considerações expendidas quanto à intensidade das exigências de prevenção geral, atinentes à necessidade da pena, factores, aliás, que foram devidamente ponderados na decisão recorrida, entendemos que as medidas parcelares das penas que lhe foram impostas se mostram perfeitamente ajustadas e adequadas às particularidades do caso.
Neste conspecto, tal factualidade permite concluir que, atenta a natureza dos valores imprescindíveis à vida em comunidade por ela atingidos com a sua actuação e as consequentes exigências de prevenção já salientadas, as sentidas necessidades de prevenção geral, bem como a de procurar que a arguida não volte a delinquir serão satisfeitas com as penas aplicadas.
Contudo, deve anotar-se, que a pena única que foi aplicada à arguida se mostra um pouco exacerbada.
De facto, face ao constante do art. 77º, nº 2 do C.Penal, a moldura penal do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 900 dias de multa e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, pelo que, no caso concreto, a moldura abstracta do concurso tem como limite máximo 220 dias e como limite mínimo 100 dias de multa.
Assim, considerando a totalidade dos factos anteriormente referidos no seu conjunto e a personalidade da arguida, bem como o contexto em que aqueles ocorreram, mas também a circunstância de os factos terem ocorrido nas mesmas circunstâncias de tempo e espaço, afigura-se adequado condenar a mesma na pena única de 140 dias.
No que respeita à taxa diária fixada (€ 20), também se nos afigura ser a mesma desproporcionada (excessiva), atendendo, estritamente, ao que consta dos factos apurados sobre a situação económica da demandada, traduzida no vencimento mensal de € 2.000. Perante, essa factualidade, fixa-se agora a multa à razão diária de € 15.


3. O pedido de indemnização cível.
A demandante cível P. C. pediu a condenação da arguida a pagar-lhe a quantia de € 7.500, acrescidas de juros contados desde a data da prática dos factos até integral pagamento, para reparação dos danos não patrimoniais que alegara ter sofrido como consequência directa e necessária dos factos imputados à demandada.
Na procedência parcial do pedido a demandada foi condenada no pagamento da quantia de € 4000, acrescida de juros de mora a contar da data da decisão.
Nenhuma das partes se conformou com o sentenciado, tendo ambas apresentado recurso, pugnando a demandante para a sua alteração para o montante máximo, enquanto a demandada pretende a sua redução, embora não a tenha quantificado.
O pedido de natureza cível nos autos formulado, fundamentado na pretendida responsabilidade subjectiva da demandada, haverá que ser apreciado à luz do disposto na lei civil (art. 129º do CP).
Dispõe o art. 483º do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação” (nos termos dos arts. 562º e seguintes do mesmo código). A obrigação de indemnizar, nesses termos, pressupõe: o dano, o facto causador do dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, a ilicitude desse facto e o nexo de imputação do facto ao lesante (“dolo ou mera culpa”).
Além disso, incumbe à demandante demonstrar os factos constitutivos do direito que exerce (art. 342. nº 1 do CC), no caso, os apontados pressupostos da obrigação de indemnizar.
Perante o exposto enquadramento da questão, logo se verifica que a demandante logrou provar que, em consequência dos actos pela arguida praticados sentiu perturbação, angústia, humilhação, vergonha e medo. Teve dificuldades em dormir, pelo menos por 5 dias, apresentando irritabilidade em consequência das noites mal dormidas.
Como se sabe na sua essência, a legislação penal vem adoptando relativamente ao conceito de saúde as orientações da Organização Mundial de Saúde que a definem como “um estado de completo bem estar físico, mental e social e não somente a ausência de afecções ou enfermidades”.
Tais danos, como se apurou, resultaram da conduta ilícita e dolosa da arguida que, por isso, nos termos dos arts 483º e ss do CC e 129º do CP, é responsável pela reparação, ou seja, pelo reconstituição da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º do CC).
Como se acentuou na decisão recorrida, tendo presentes os factos dados como provados é manifesto verificarem-se a voluntariedade do facto por parte do agente, as condutas foram indiscutivelmente mais que domináveis, desejadas pela arguida, são ilícitos ficando estabelecida a violação de normas penais e foram violados os direitos de personalidade da ofendida (o art. 70º, nº1 do Código Civil tutela os direitos de personalidade dos indivíduos dispondo que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita … à sua personalidade física ou moral”, e o art. 26º, nº1 da Constituição da República Portuguesa), existe nexo de imputação do facto ao lesante, ou seja a culpa e ficou estabelecido terem sobrevindo danos para a ofendida.
No que respeita aos danos não patrimoniais, em conformidade com o disposto nos arts 496º e 494º do CC, na fixação da sua reparação deve atender-se aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e o respectivo montante será fixado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Dos factos retira-se ser elevado o grau de culpabilidade do lesante no cometimento dos descritos danos e, ainda, que a mesma tem a situação económica advinda do vencimento mensal de € 2000, que aufere como médica.
Ora, mesmo sabendo que estamos diante de danos de difícil compensação subjectiva – nem é disso que se trata – e que a sua reparação, propriamente dita, não é possível, haverá que encontrar uma quantia capaz de conferir alguma “satisfação” à demandante, tendo presentes aqueles factos, permitindo-lhe obter bens materiais ou prazeres que, em medida simbólica, a compensem dos sofrimentos sentidos, ainda que estes tenham sido meramente transitórios e decorrentes de uma mesma acção lesiva, para mais verificada no interior de um gabinete e apenas presenciada por uma funcionária da ofendida. O exposto conduz à necessidade de uma quantia cuja medida justa ou equitativa entendemos corresponder ao montante de € 1.000 (actualizado em relação à presente data).
Nos termos dos arts 804º a 806º do CC, tem a demandante também direito a ver reparados os danos decorrentes da mora, correspondentes aos respectivos juros, contados à taxa legal até efectivo pagamento, desde esta data, a da prolação do presente acórdão – por referência à qual os danos não patrimoniais são valorados –, como foi fixado pelo AUJ do STJ nº 4/02, publicado no DR série I-A de 27/6/2002.

Decisão:
Pelo exposto, julgando-se o recurso parcialmente procedente, decide-se:
a) condenar a arguida R. M., como autora de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 153,º nº 1, 155º, nº 1, al. a) e c), com referência ao art. 132º, nº 2, al. l), de um crime de injúria agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 181º, nº 1, 184º, com referência ao art. 132.º, nº 2, alínea l), e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191º, todos do C. Penal, nas penas parcelares de, respectivamente, 100 (cem), 90 (noventa) e 30 (trinta) dias de multa à taxa diária de (15) quinze euros;
b) em cúmulo jurídico de tais penas, condenar a arguida na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 15 (quinze) euros;
c) condenar a arguida/demandada a pagar à demandante civil P. C. a quantia de € 1.000 (mil euros), acrescida dos juros de mora a contar à taxa legal desde a presente decisão até efectivo pagamento, a título de reparação dos danos não patrimoniais por esta sofridos.

Sem tributação na parte criminal, sendo as custas da parte cível, nesta e na 1ª instância, pela demandante e demandada, na proporção do decaimento ora fixado.
Guimarães, 19/06/2017
Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado
-----------------------------------------------------
Américo Taipa de Carvalho, no “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, p. 341.
2 Citado por Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal anotado, II vol., p. 159.
3 V., neste sentido, Leal-Henriques e Simas Santos, ibidem, e Taipa de Carvalho, ibidem, p. 343.
4 Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 1995, p. 608.
5 Taipa de Carvalho, loc. cit., p. 358.
6 Ac. RE de 4/11/1986 in BMJ 363º-613. V. igualmente o Ac. RP de 20/1/1993 in Proc. nº 9220904.
7 V. Taipa de Carvalho, in Comentário, cit., p. 348.
8 In anotação ao artigo 153º, loc. cit.
9 No mesmo sentido, vide os seguintes arestos, também da RP: Ac. de 27.11.2004, processo n.º 0414654; Ac. de 20.12.2006, processo n.º 0645320; Ac. de 28.11.2007, processo n.º 0712156; Ac. de 28.05.2008, processo n.º 0841544; todos disponíveis em www.dgsi.pt.
10 Taipa de Carvalho, loc. cit., p. 348.
11 O mesmo autor loc. cit., p. 355 – 356.
12 Nesse sentido, também ponderou o Ac. da RP de 17.11.2004: «tal não acontece se a “ameaça” for de um mal a consumar no momento “eu mato-te”, pegando e vibrando no ar o cabo de uma enxada que transportava porque ou a ameaça entra no campo da tentativa do crime integrado pelo mal objecto da ameaça ou, não entrando, logo se esgota na não consumação do mal anunciado, do que resulta não ter ficado o visado condicionado nas sua decisões e movimentos dali por diante».
13 In Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, p. 718.
14 Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s.
15 Ibidem, p. 575.
16 Ibidem, p. 558.