Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
369/17.8GBPVL.G2
Relator: PAULO SERAFIM
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO ASSISTENTE
VALORAÇÃO
COMPARTICIPAÇÃO DE ARGUIDOS
OMISSÃO DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - O art. 129º do CPP impõe, para a eficácia deste meio de prova, a necessidade de uma confirmação do depoimento indireto, com a consequente audição da pessoa a quem se ouviu dizer (salvo as situações excecionais acauteladas na parte final do nº1). Subjacente a este normativo legal vislumbra-se a ideia legislativa de encontrar um ponto de equilíbrio entre o princípio da descoberta da verdade material e outros princípios processuais penais como o da imediação e da contraditoriedade na produção da prova.
II – Não é abrangido pelo específico e excecional campo de aplicação da norma do art. 129º do CPP o caso de depoimento indireto de um assistente sobre o que ouviu dizer a outra pessoa, o qual não pode, em circunstância alguma, valer como meio de prova.
III - No depoimento indireto, o que está em causa não é o que a testemunha (depoente) percecionou por si, diretamente, mas antes o que lhe foi transmitido por quem (outra testemunha) percecionou os factos que constituem objeto do processo.
IV – No caso sub judice, o que o tribunal recorrido valorou foi o facto de cada um dos assistentes ter “reconhecido”, através das fotos que constavam dos respetivos perfis de facebook, os dois arguidos como tendo sido quem os agrediu, naquilo que é de considerar uma perceção direta de cada um deles; outrossim, valorou a identificação que os assistentes fizeram dos arguidos em audiência de julgamento, como autores das ajuizadas agressões. Relativamente ao indivíduo que acedeu aos preditos perfis de facebook e os disponibilizou aos assistentes, por via de uma testemunha, e, bem assim, à testemunha (que depôs), nada os assistentes “ouviram dizer”, muito menos que eles tivessem visto os arguidos a agredi-los, identificando-os como autores dos factos objeto de discussão nos autos. Em conformidade, não foi valorado pelo Tribunal a quo depoimento indireto, de ouvir dizer.
V É exigível que o arguido, lendo a decisão condenatória, possa saber, univocamente, qual foi para o julgador a sua forma de comparticipação nos factos perpetrados que justificaram a sua condenação, o que in casu não sucede. Tanto mais que, no caso vertente, a qualificativa vertida na al. h), do nº2, do art. 132º do Código Penal, ex vi do art. 145º, nº2 do mesmo diploma legal, na parte em que prevê a prática do facto “juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas” exige para o seu preenchimento uma atuação em coautoria, a qual não é, em momento algum, expressamente afirmada na decisão recorrida [embora se pudesse eventualmente extrair da factualidade provada].
VI - Verifica-se a arguida nulidade do acórdão recorrido por omissão de fundamentação atinente à forma de comparticipação de cada um dos arguidos nos factos ajuizados dados como provados, sendo certo que tal invalidade apresenta-se como indubitável ao nível da motivação de direito [e consequente dispositivo], urgindo que seja suprida pelo Tribunal que proferiu a decisão em causa – cf. art. 379º, nº1, al. a), do CPP, com referência ao art. 374º, nº2, do mesmo Código.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

No âmbito do Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 369/17.8GBPVL, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz 4, por acórdão proferido e depositado no dia 11.03.2020 (fls. 711 a 736 - referência 167651041; e fls. 739 - referência 167651092, respetivamente), foi decidido:
“Pelo exposto, os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo julgam provados os factos constantes na decisão de pronúncia e, em consequência, decidem:

Quanto à instância criminal:

A) Condenar o arguido L. F. pela prática, em 19 de Agosto de 2017, contra o ofendido L. M., de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132.º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão.
B) Condenar o arguido L. F. pela prática, em 19 de Agosto de 2017, contra o ofendido H. J., de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132.º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
C) Condenar o arguido L. F. pela prática, em 19 de Agosto de 2017, contra o ofendido E. C., de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132.º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão.
D) Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, condenar o arguido L. F. na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
E) Suspender, pelo período de 2 (dois) anos 8 (oito) meses, a execução da pena de prisão aplicada nos termos da alínea que antecede, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 5, 51.º, 53.º e 54.º, todos do Código Penal, e artigo 494.º do Código de Processo Penal, subordinada ao cumprimento pelo arguido das seguintes condições cumulativas:
1. – cumprimento de um regime de prova assente num plano de reinserção social (que deve conter os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as atividades que este deve desenvolver, com eventual frequência de ação de formação de prevenção de violência, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social) a elaborar pela DGRSP e a ser homologado pelo Tribunal (com especial incidência para a consciencialização dos deveres do arguido perante a lei, e seja motivador do arguido a manter-se afastado da prática do mesmo tipo de crime ou de outros), executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pelos serviços de reinserção social; e
2. – proceder ao pagamento, até final do primeiro ano da suspensão, da quantia de 700 € (setecentos euros) à Associação de Paralisia Cerebral ... (Rua N. …, NIB: .................., Telef.: ....... / ......., Fax: .......; E-mail: geral@....pt), comprovando nos autos esse pagamento naquele período; e
3. – proceder ao pagamento, até final do segundo ano da suspensão, da quantia de 700 € (setecentos euros) à Sociedade Protetora dos Animais ... (Rua … União das freguesias de …; Telem. .........; geral....@gmail.com), comprovando nos autos esse pagamento naquele período.
F) Condenar o arguido J. T. pela prática, em 19 de Agosto de 2017, contra o ofendido L. M., de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132.º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão.
G) Condenar o arguido J. T. pela prática, em 19 de Agosto de 2017, contra o ofendido H. J., de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132.º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão.
H) Condenar o arguido J. T. pela prática, em 19 de Agosto de 2017, contra o ofendido E. C., de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132.º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão.
I) Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, condenar o arguido J. T. na pena única de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão.
J) Suspender, pelo período de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses, a execução da pena de prisão aplicada nos termos da alínea que antecede, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 5, 51.º, 53.º e 54.º, todos do Código Penal, e artigo 494.º do Código de Processo Penal, subordinada ao cumprimento pelo arguido das seguintes condições cumulativas:
1. – cumprimento de um regime de prova assente num plano de reinserção social (que deve conter os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as atividades que este deve desenvolver, com eventual frequência de ação de formação de prevenção de violência, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social) a elaborar pela DGRSP e a ser homologado pelo Tribunal (com especial incidência para a consciencialização dos deveres do arguido perante a lei, e seja motivador do arguido a manter-se afastado da prática do mesmo tipo de crime ou de outros), executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pelos serviços de reinserção social; e
2. – proceder ao pagamento, até final do primeiro ano da suspensão, da quantia de 700 € (setecentos euros) à Associação de Paralisia Cerebral ... (Rua …, NIB: .................., Telef.: ....... / ......., Fax: .......; E-mail: geral@....pt), comprovando nos autos esse pagamento naquele período; e
3. – proceder ao pagamento, até final do segundo ano da suspensão, da quantia de 700 € (setecentos euros) à Sociedade Protetora dos Animais ... (Rua …. União das freguesias de …; Telem. .........; geral....@gmail.com), comprovando nos autos esse pagamento naquele período.
K) Condenar cada arguido no pagamento das custas do processo criminal, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (quatro unidades de conta) a pagar por cada um dos arguidos, nos termos do artigo 374.º, n.º 4 do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo.
L) Declarar cessada, após trânsito, qualquer medida de coação imposta aos arguidos, à exceção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena (artigo 214.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal).

Quanto à instância cível conexa:

A) Relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante “Hospital ... – ..., Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A.” contra o demandado L. F.:
B)
1. - Julgar procedente o pedido e, em consequência, condenar o demandado no pagamento da quantia de 112,07 € (cento e doze euros e sete cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais;
2. - Não condenar o demandado no pagamento das custas desse pedido de indemnização civil, pois o seu valor é inferior a 20 UCs – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal e artigo 4.º, n.º 1, al. n), do Regulamento das Custas Processuais.
C) Relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante L. M. contra os demandados L. F. e J. T.:
1. – Julgar parcialmente procedente o pedido e, em consequência, condenar os demandados no pagamento da quantia total de 2.000 € (dois mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida do pagamento de juros de mora, à taxa legal (ou seja, à taxa anual de 4 %, vide artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 08/04) calculados a partir da data do acórdão e até integral pagamento, nos termos do acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido na Revista Ampliada n.º 1508/01 (publicado no Diário da República, I Série-A, de 27/06/2002, págs. 5057 a 5070).
2. - Condenar demandante e demandados no pagamento das custas desse pedido de indemnização civil de acordo com o respetivo decaimento, pois o seu valor é superior a 20 UCs – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal e artigo 4.º, n.º 1, al. n), a contrario, do Regulamento das Custas Processuais.
D) Relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante H. J. contra os demandados L. F. e J. T.:
1. - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais e, em consequência, condenar os demandados no pagamento da quantia total de 4.000 € (quatro mil euros), acrescida do pagamento de juros de mora, à taxa legal (ou seja, à taxa anual de 4 %, vide artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 08/04) calculados a partir da data do acórdão e até integral pagamento, nos termos do citado acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, do Supremo Tribunal de Justiça.
2. - Julgar procedente o pedido de indemnização por danos patrimoniais e, em consequência, condenar os demandados no pagamento da quantia de 300 € (trezentos euros), acrescida do pagamento de juros de mora, à taxa legal (ou seja, à taxa anual de 4 %, vide artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 08/04), calculados a partir da data em que foram notificados (ou seja, da data da interpelação ao devedor) para contestar o pedido de indemnização civil e até integral pagamento (cfr. artigos 805.º e 806.º do Código Civil).
3. - Absolver os demandados do demais peticionado.
4. - Condenar demandante e demandados no pagamento das custas desse pedido de indemnização civil de acordo com o respetivo decaimento, pois o seu valor é superior a 20 UCs – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal e artigo 4.º, n.º 1, al. n), a contrario, do Regulamento das Custas Processuais.
E) Relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante E. C. contra os demandados L. F. e J. T.:
1. - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais e, em consequência, condenar os demandados no pagamento da quantia total de 3.000 € (três mil euros), acrescida do pagamento de juros de mora, à taxa legal (ou seja, à taxa anual de 4 %, vide artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 08/04) calculados a partir da data do acórdão e até integral pagamento, nos termos do citado acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, do Supremo Tribunal de Justiça.
2. - absolver os demandados do demais peticionado.
3. - Condenar demandante e demandados no pagamento das custas desse pedido de indemnização civil de acordo com o respetivo decaimento, pois o seu valor é superior a 20 UCs – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal e artigo 4.º, n.º 1, al. n), a contrario, do Regulamento das Custas Processuais.
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Notifique e deposite (artigo 372.º, n.º 5 do Código de Processo Penal).
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Após trânsito em julgado deste acórdão:

a) remeta os competentes boletins à Direção de Serviços de Identificação Criminal - vide artigo 6.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio;
b) solicite à DGRSP a elaboração de plano de reinserção social no prazo de 20 (vinte) dias, ouvido o respetivo condenado, com o âmbito supra referido, para tal remetendo cópia do acórdão e demais pertinentes elementos constantes no processo (artigos 53.º e 54.º do Código Penal e artigo 494.º do Código de Processo Penal);
c) após junção pela DGRSP do peticionado relatório, com cópia do mesmo, dê conhecimento ao Ministério Público e ao respetivo arguido para, querendo, sobre o mesmo se pronunciar, no prazo de 5 (cinco) dias, sendo certo que ao silêncio se dará o valor de aceitação – cfr. artigo 54.º, n.º 2 do Código Penal;
d) a DGRSP deverá acompanhar e fiscalizar o cumprimento pelos arguidos condenados das condições supra fixadas, podendo fazer várias inspeções surpresa (caso julgue necessário) para controlo presencial, informando o Tribunal acerca dessas inspeções (caso ocorram) e de eventuais vicissitudes que eventualmente aconteçam no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão em que os arguidos foram condenados – cfr. artigos 51.º, n.º 4, 52.º, n.º 4 e 53.º, n.º 2, todos do Código Penal.”

▪ Inconformado com a decisão condenatória, dela veio o arguido L. F. interpor recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 753 a 822):

“I. Tem legitimidade para apresentação de recurso o Arguido que viu ser proferida decisão condenatória que o condena pela prática de 3 (três) crimes de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, n.º 1, 145º,n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal, na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, nos termos do artigo 77º , n.º 1, 2 e 3 do Código Penal, suspensa na sua execução e subordinada ao cumprimento de condições cumulativas, ao abrigo do disposto nos artigos 50º,n.º 1 e 5, 51º, 53º e 54º todos do Código Penal e artigo 494º do Código Processo Penal.
II. Ao ser condenado em pedido de indemnização civil tem, também, legitimidade para apresentação de recurso o Arguido que se vê condenado na liquidação de uma indemnização aos Assistentes, existindo, nesta ótica, alçada e sucumbência para tal.
III. A decisão condenatória proferida contende com os princípios estruturais do direito substantivo e adjetivo penal português.
IV. É inconstitucional o acórdão proferido pelo Tribunal a quo que se concretiza numa ponderação vaga, subjectiva e imprecisa, no que à imputabilidade dos factos respeita Arguido Recorrente.
V. Ao ser ignorado e violado o princípio da presunção de inocência, sendo o Arguido considerado culpado ab initio desvirtua-se, completamente, o teor do texto constitucional.
VI. Ao ignorar-se os ditames e princípios basilares quanto à prova, existe uma violação da interpretação do direito.
VII. Ao não ser considerado o elemento subjetivo do crime, nem respeitado os mínimos dos princípios e requisitos da identificação do Arguido, não pode ser assumida uma autoria imediata.
VIII. O acórdão proferido pela Primeira Instância que condene o Arguido sem qualquer juízo de ponderação e prognose acerca de qual a autoria que se lhe aplica, padece de invalidades e nulidades.
IX. As declarações dos Assistentes e da testemunha E. P. não podem ser suficientes para o tribunal condenar o Recorrente pela prática de algum crime de ofensa à integridade física qualificada.
X. As declarações prestadas pelo Arguido em sede de audiência de discussão e julgamento deviam ter sido valoradas e não descredibilizadas sem qualquer fundamentação.
XI. O Tribunal não pode justificar a sua decisão com base na atitude física e no tom de voz do Arguido, pelo que estes juízos de prognose são reprováveis, sendo que, o que escreveu, é contrário ao que se passou, aliás, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.
XII. Ao existir dúvida fundada deve prevalecer o p. in dubio pro reo.
XIII. A resolução criminógena a que o Recorrente foi condenado, inexistindo fixação do objecto, não existindo actos de execução, leva a que a decisão proferida devesse ser de absolvição.
XIV. O acórdão proferido viola o p. da culpa e viola, em concreto, o artigo 32.º da CRP, sendo por isso ferido de inconstitucionalidade.
XV. O Tribunal a quo valorou meios de prova que nos termos do artigo 129º, nº 1 do Código de Processo Penal não podiam ser valorados, o que consiste numa violação de proibição de prova que deve seguir o mesmo regime de outros meios de prova proibidos (cfr. artigos 125º e 126º, nº 1 do mesmo diploma legal).
XVI. Ao aceitar a identificação dos Arguidos baseada na lógica do “ouvi dizer”, numa fotografia do Facebook que foi enviada por uma pessoa que não foi ouvida perante o Tribunal e nem assistiu às agressões, esta prova deveria ser considerada nula.
XVII. O depoimento de uma testemunha que indica que um terceiro terá identificado o Arguido pelo Facebook “L. F.” carateriza-se como sendo depoimento indireto.
XVIII. Só seria válida uma identificação nesses moldes se, esse terceiro, fosse ouvido perante o Tribunal e demonstrasse qual o perfil que encontrou, dado que é um sem número de buscas de perfis de redes sociais designados por L. F..
XIX. Ao omitir a existência de prova nula que valorou, o acórdão proferido fica inquinado por nulidade.
XX. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem produzindo jurisprudência no sentido de que a valoração de depoimentos indirectos como único meio de prova para alcançar a condenação viola o disposto no artigo 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na dimensão em que exige que o processo seja equitativo e 6º, nº 3, alínea d), que exige que o arguido possa interrogar as testemunhas de acusação, o que no seu entender só se alcançará com o interrogatório da testemunha de que se ouviu dizer.
XXI. A fundamentação do acórdão encontra-se viciada pelo uso de prova nula, tal vício estende-se a toda a decisão por aplicação do disposto no artigo 122º, nº 1 do Código de Processo Penal e nos termos do nº 2 do mesmo artigo, implica que deva ser proferida nova decisão expurgada da consideração como meios de prova da parte indireta dos referidos depoimentos.
XXII. É nulo o acórdão que não fundamente o teor da condenação e que não examine criticamente a prova.
XXIII. Os acórdãos têm que ver respeitado um dever de fundamentação nos termos do artigo 379.º n.º1 alínea a), 374.º n.º2 e 122.º, ambos do CPP, sob pena de nulidade.
XXIV. Ao não fundamentar a decisão, por se basear o Tribunal na convicção formada apenas nas declarações dos Assistentes e da Testemunha E. P., deverá ser julgado nulo porque tal não pode ser suficiente a uma condenação.
XXV. O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo é, não mais, do que um espelhar da vontade íntima do julgador e não da que resulta da ponderação da prova existente e efetiva no processo.
XXVI. O Acórdão proferido é nulo.
XXVII. Existindo nulidade das decisões condenatórias, e no caso em apreço, deverá ser ordenada a repetição do acórdão nos termos do artigo 122.º do CPP, sem prejuízo de outros efeitos da declaração da nulidade que se entendam convenientes.
XXVIII. A identificação do Arguido, conforme consta nestes autos padece de fundamentação, além de que, a prova da autoria do mesmo na prática de qualquer ilícito é inexistente nos presentes autos.
XXIX. O Tribunal a quo, em momento algum, fundamentou o acórdão condenatório no que a este especial facto diz respeito, violando, assim, o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa.
XXX. Os meios de prova que sustentaram a decisão condenatória proferida pelo Tribunal a quo são totalmente insuficientes para a cabal identificação do aqui Arguido e, consequentemente, prova de qualquer autoria (ou coautoria) da prática dos crimes em causa.
XXXI. A prova do Facebook, por depoimento indirecto, não produzida em julgamento, é nula.
XXXII. Ao não conhecer da nulidade, o Tribunal a quo omitiu a pronúncia num dos elementos mais estruturantes de qualquer decisão: a prova.
XXXIII. A decisão proferida pelo Tribunal a quo é nula nos termos dos artigos 374.º do Código de Processo Penal porquanto nem sequer fala do elemento subjetivo do crime e não especifica se o Arguido é, e qual a fundamentação, condenado em autoria, co-autoria, cumplicidade ou o que for.
XXXIV. Quando se verifica erro notório na apreciação da prova, por contradição insanável, impõem-se uma repetição do julgamento.
XXXV. Não se encontra nos autos qualquer prática de ofensa à integridade física qualificada, sendo que, aliás, no libelo de factos existem uma série de contradições insanáveis e insuficiência de prova.
XXXVI. No que respeita ao facto dado como provado com o n.º 1.2, atendendo à prova produzida, não se concretiza que os dados relativos à identificação da viatura “escura” e à identificação dos agressores, nem o n.º de indivíduos presentes na contenda, impossibilitando que este facto seja dado como provado, dada as puras evidências, devendo constar no libelo probatório como não provado.
XXXVII. O facto n.º 1.3 pretende referir que a contenda se iniciou devido a conflitos entre adeptos de diferentes cores clubísticas, vindo-se a provar que nenhum dos Arguidos fazem parte de nenhuma claque, uma contradição com a apresentação da queixa, o que gera estranheza na fidedignidade de como a identificação dos Arguidos foi efetuada, não existindo prova para ser dado como provado.
XXXVIII. Analisando a prova, o facto n.º 1.4 foi incorretamente valorado, tendo em conta que a identificação dos Arguidos foi realizada por depoimento indirecto, inquinando todas as diligências futuras, retirando-lhe autonomia probatória.
XXXIX. O reconhecimento foi feito através da rede social Facebook, por interveniente que não consta no processo, o que determina a nulidade desse meio de prova e inquina a demais provas produzidas, devendo este facto ser dado como não provado.
XL. O facto n.º 1.6 deverá ser dado como não provado, porque nenhum dos Assistentes L. M. e H. J., nem tão pouco, qualquer outra testemunha, conseguiu confirmar quem arremessou a pedra.
XLI. O Assistente E. C. veio confirmar, na 3ª e última audiência de discussão e julgamento, após ter sido alterada a ordem de produção de prova e ouvidos todos os intervenientes processuais, que tinha sido o aqui Recorrente a arremessar a pedra, o que não pode ser valorado, tendo em conta que esta versão dos factos apenas surge por conhecimento privilegiado dos outros testemunhos, existindo prova viciada, impossibilitando que este facto seja dado como provado, dada as puras evidências, devendo constar no libelo probatório como não provado.
XLII. Quanto ao facto n.º 1.7, foi incorretamente valorado, tendo em conta que a identificação dos Arguidos foi realizada por depoimento indirecto, inquinando todas as diligências futuras, retirando-lhe autonomia probatória, já que sem o reconhecimento presencial, não passaria de mero indício.
XLIII. Analisada a produção de prova, e tendo em conta todos os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, o facto n.º 1.8, não pode ser valorado, tendo em conta que a identificação do aqui Recorrente foi realizada por depoimento indirecto, tendo sido alvo de uma reprovável e incorreta identificação e reconhecimento.
XLIV. Em face do exposto deverá ser dado como não provado que “o arguido L. F. voltou a arremessar uma pedra ao Assistente H. J., que lhe acertou na cabeça, tudo enquanto se encontrava já inconsciente no chão.”
XLV. O facto n.º 1.12 não pode ser dado como provado tendo em conta que a identificação do Arguido foi realizada por depoimento indirecto, tornando toda a prova nula.
XLVI. Observados todos os depoimentos, não podem ser dados como provados os factos n.º 1.14, o facto n.º 1.15 e o facto n.º 1.16 por terem sido incorrectamente valorados, já que o reconhecimento dos Arguidos foi efetuado com base em fotografias da rede social Facebook, sem qualquer suporte probatório, sem junção dessas mesmas fotografias, o que lhe retira qualquer autonomia probatória, inquinando todas as diligências e depoimentos futuros.
XLVII. Com todo o devido respeito, o facto n.º 1.17 pretende incutir que os aqui Arguidos iniciaram a contenda por motivos clubísticos e por fazerem parte da claque “X”, vindo-se a provar que nenhum destes fazem parte de qualquer estrutura de apoio clubístico, invalidando a tese do Tribunal a quo, que reitera que a contenda se iniciou por estes motivos.
XLVIII. O Recorrente não é afeto a nenhuma claque, nem simpatizante de nenhum clube de futebol, nem tal foi dado como provado, como aliás soçobra das declarações do julgador prestadas em leitura do acórdão.
XLIX. Com todo o devido respeito este facto n.º 1.18 deveria ser dado como não provado, isto porque nenhuma das testemunhas, presentes nesta altura, viu este facto. Para além disso, o facto de o Assistente E. C. ter vindo, na última sessão de julgamento, pormenorizar todos os factos e ocorrências das agressões, não pode ser tomado em consideração, pelo conhecimento que este tinha das declarações que já tinham sido prestadas anteriormente por todos os intervenientes processuais.
L. No mesmo sentido, o facto n.º 1.19 não pode ser valorado, tendo em conta que não ficou provada a superioridade numérica dos Arguidos perante os Assistentes, até porque estão a ser julgados apenas 2 (dois) e os Assistentes eram 3 (três), um deles, exercendo a profissão de militar da GNR, treinado e preparado para qualquer reação e autodefesa.
LI. Com o devido respeito, o facto n.º 1.20 e 1.21 não podem ser valorados, tendo em conta que a identificação dos Arguidos foi realizada por depoimento indirecto, inquinando todas as diligências futuras, retirando-lhe autonomia probatória, devendo ser dados como não provados.
LII. O facto n.º 1.22, mais uma vez, atribuí as responsabilidades do arremesso da pedra ao aqui Recorrente, encontrando-se incorretamente valorado, não existindo prova que sustente a identificação e autoria das agressões ao Recorrente. O Assistente E. C., estando numa posição favorável, foi o último a depor, tentou alterar a prova produzida e a verdade dos factos, ou por outras palavras, tentou “tapar o sol com a peneira”, não podendo este facto ser dado como provado.
LIII. Deixemos aqui a nota que apesar do Assistente L. ser militar da GNR de profissão, a questão que é objeto de discussão jurídico-criminal surge de uma questão da vida pessoal, e não da sua vida profissional, ocorrido num momento de puro lazer, pelo que o ponto de facto n.º 1.25 deve ser dado como não provado, nem tão pouco valorado.
LIV. Com todo o devido respeito, o facto n.º 1.27 não pode ser dado como provado, reproduzindo-se todo o exposto, em nenhum momento, ficava provado que o Assistente L. pensou que o Assistente H. J. estaria morto, não se vislumbrando qualquer sentimento de impotência, nem desespero, até porque foi este Assistente que se dirigiu, em primeira instância, aos Agressores, pelo que o facto deve ser dado como não provado.
LV. O ponto de facto n.º 1.31 tem o mesmo conteúdo e alcance que o ponto de facto n.º 1.27, pelo que as razões aduzidas pela sua não valoração e, consequente, não provação, são exatamente as mesmas.
LVI. No que respeita ao facto n.º 1.32, o facto n. 1.33 e o facto n. 1.34, o Assistente L. M., na semana seguinte, já se encontrava a laborar no destacamento territorial de Albufeira, tal como referiu no seu depoimento, não se vislumbrando qualquer alteração no seu comportamento ou hábitos diários, até porque a contenda ocorreu na Póvoa do Lanhoso e a probabilidade de encontrar alguns dos agressores era diminuta, pelo que deverão ser dados como não provados.
LVII. No mesmo sentido, o facto n.º 1.35 não pode ser valorado, até porque foi o Assistente L. que, em primeira instância, se dirigiu aos Agressores, não se vislumbrando qualquer sentimento de impotência e desespero, até porque dada sua atividade profissional, este Assistente está treinado e preparado para qualquer reação e autodefesa.
LVIII. De ressalvar que o facto n.º 1.37 é uma repetição na íntegra do ponto de facto n.º 1.6, pelo que as razões aduzidas são exatamente as mesmas, reproduzidas na íntegra: “porque nenhum dos Assistentes L. M. e H. J., nem tão pouco, qualquer outra testemunha, conseguiu confirmar quem arremessou a pedra. O Assistente E. C. veio confirmar, na 3ª e última audiência de discussão e julgamento, após ter sido alterada a ordem de produção de prova e ouvidos todos os intervenientes processuais, que tinha sido o aqui Recorrente a arremessar a pedra, o que não pode ser valorado, tendo em conta que esta versão dos factos apenas surge por conhecimento privilegiado dos outros testemunhos, existindo prova viciada, impossibilitando que este facto seja dado como provado, dada as puras evidências”, devendo constar no libelo probatório como não provado.
LIX. O ponto de facto n.º 1.38 é uma repetição na íntegra do ponto de facto n.º 1.7, pelo que as razões aduzidas são exactamente as mesmas, reproduzidas na íntegra: “foi incorretamente valorado, tendo em conta que a identificação dos Arguidos foi realizada por depoimento indirecto, inquinando todas as diligências futuras, retirando-lhe autonomia probatória, já que sem o reconhecimento presencial, não passaria de mero indício”, devendo ser dado como não provado.
LX. O ponto de facto n.º 1.39 é uma repetição na íntegra do ponto de facto n.º 1.8, pelo que as razões aduzidas são exatamente as mesmas, reproduzidas na íntegra:
“Analisada a produção de prova, e tendo em conta todos os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, não pode ser valorado, tendo em conta que a identificação do aqui Recorrente foi realizada por depoimento indirecto, tendo sido alvo de uma reprovável e incorreta identificação e reconhecimento. Em face do exposto deverá ser dado como não provado que “o arguido L. F. voltou a arremessar uma pedra ao Assistente H. J., que lhe acertou na cabeça, tudo enquanto se encontrava já inconsciente no chão”, devendo ser dado como não provado.
LXI. Por último, no que respeita à matéria de facto, os pontos de facto n.º 1.43, 1.45 e 1.46, não existe meios probatórios que comprovem que o Assistente H. J. tinha um vínculo laboral com o gabinete de contabilidade dos pais, que auferia alguma remuneração desse trabalho e que já teria férias programadas, pois não foi junta nenhuma prova documental aos autos que corroborassem estes factos, pelo que deverão ser dados como não provados.
LXII. Com todo o devido respeito, uma condenação em autoria imediata de três crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artigos 143.º n.º 1, 145.º n.º 1 alínea a) e n.º2 e 132.º n.º2 alíneas e) e h) do C.P. não poderia estar mais desfasada da contextualização fáctica do aqui Recorrente.
LXIII. O Tribunal a quo, salvo devido respeito, não preencheu devidamente os elementos objetivo e subjetivo do tipo legal de crime em apreço.
LXIV. Ora, desde logo, quanto à alínea h) do artigo 132º do Código Penal nunca tal poderia ser aplicado, porquanto os Arguidos aqui nos autos serão, eventualmente, dois.
LXV. A dita agravação pelo artigo 132.º n.º 2 e alínea e) não poderia ser verificada porque o dito motivo “torpe”, na ótica do julgador, seria a alegada pertença dos Arguidos a uma claque da X, o que não é dado como provado e não pode justificar, sem mais, uma qualificação desta natureza.
LXVI. Mal andou o Tribunal a quo a interpretar os artigos 143.º n.º 1, 145.º n.º1 alínea a) e n.º2 e 132.º n.º 2 alíneas e) e h) do C.P., devendo o Arguido ser absolvido nos termos legais.
Caso assim não se entenda, e sem prescindir, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, com todo o devido respeito,
LXVII. Jamais o Arguido Recorrente poderá ser condenado por três crimes. Conforme se dispõe, claramente, no n.º 2 do artigo 30.º do C.P. o que está em causa é sempre a proteção do mesmo bem jurídico, executada por forma alegadamente e essencialmente homogénea, pelo que, de facto, o crime a existir, foi só um.
LXVIII. Portanto, a provada factualidade não permite estabelecer que houve três resoluções criminosas.
LXIX. Nessa medida, sempre deverá o Arguido Recorrente ser absolvido de pelo menos dois crimes dos que vem a ser condenado, porquanto a aplicação legal é a do artigo 30.º do C.P., tendo o Tribunal a quo realizado uma indevida interpretação do direito.
LXX. No caso de o entendimento ser de que, ainda assim, o que jamais se concebe, existirá prova do preenchimento do tipo subjetivo e objetivo da ofensa à integridade física simples, o Recorrente, a ser condenado, deverá ser, somente, por este tipo de crime p. no artigo 143.º n.º 1 do C.P., com uma pena sempre suspensa na sua execução.
LXXI. Não existe prova suficiente para condenar o Arguido devendo, de facto, ter-se aplicado, à luz do entendimento sufragado, já, jurisprudencialmente e mesmo pelo Supremo Tribunal de Justiça, o in dubio pro reo, corolário da presunção de inocência, p. no artigo 13.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
LXXII. No mesmo sentido, não existe qualquer preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Desde logo, inexistindo crime, não há facto ilícito.
LXXIII. O Pedido de Indemnização Cível deverá ser sempre improcedente porque de nada vale alegar, sem prova. Caso assim não se entenda, e sem prescindir, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, com todo o devido respeito,
LXXIV. O Pedido de Indemnização Cível arbitrado é exagerado e reputa-se desproporcional, revelando-se excessivo o montante fixado pelo Tribunal a quo, pelo que, a ser arbitrada qualquer indemnização, deverá a mesma ser fixado em montante bem inferior.
LXXV. Na verdade, o montante peticionado é manifestamente exagerado, especialmente se tivermos em conta que não se provou que as agressões físicas fossem frequentes ou recentes, para além de a situação pessoal e económica do Recorrente não ser particularmente favorável, devendo ser sempre reduzido.
LXXVI. Face ao exposto, não pode aceitar-se o quantum indemnizatório porque se afigura manifestamente injusto e desajustado às possibilidades económicas do recorrente, conforme foi dado como provado no douto Acórdão.
LXXVII. Com o Acórdão proferido violaram-se as seguintes normas jurídicas 483.º do Código Civil, 13.º, 29.º, 32.º da Constituição da República Portuguesa, 40.º, 42.º, 50.º, 52.º, 73.º, 71.º, 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132.º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal 120.º, 122.º, 127.º, 340.º, 379.º n.º1 alínea c), 410.º, 426.º do Código de Processo Penal.

iii - DO PEDIDO TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO SE REQUER MUITO RESPEITOSAMENTE A V/ EXA. QUE ADMITA O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO E, EM CONSEQUÊNCIA, O TRIBUNAL AD QUEM o julgue totalmente procedente e, consequentemente, por via do presente recurso:

(a) ser o Acórdão condenatório revogado pelos fundamentos aqui motivados e alegados;
(b) Ser ordenada a repetição do julgamento e da prova;

Caso assim não se entenda,
(c) Deverá o Recorrente ser absolvido dos crimes em que veio a ser condenado, bem como do pedido de indemnização civil.

Caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas concebe por mera cautela,
(d) Deverá ser reduzido o número de crimes em função do artigo 30.º do C.P. de três crimes para um.
(e) Deverá ser alterada a qualificação jurídica do crime, sempre aplicada a suspensão da pena na sua execução.
(f) Deverá o pedido de indemnização cível ser julgado improcedente por não provado.”

▪ Inconformado com a decisão condenatória, dela veio o arguido J. T. interpor recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 824 a 849):

“1. O recorrente não se conformar-se com o subscrito no douto acórdão a quo, que o condenou pela prática de 3 (três) crimes de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal.
2. O Tribunal a quo deu como provado – essencialmente com base nas declarações dos assistentes L. M., H. J. e E. C., conjugadas com os depoimentos das testemunhas de “acusação” R. G. e E. P. – que o arguido J. T. é um dos autores da prática dos factos ilícito que constam da douta instrução.
3. A decisão de que se recorre enferma de erro judiciário.
4. Dos autos, não resulta provado que as testemunhas R. G. e E. P., demonstrassem que conheciam, conheceram ou reconheceram o arguido J. T. ou que o mesmo tivesse participado na prática dos atos ilícitos.
5. A decisão de que ora se recorre baseia-se em depoimentos de testemunhas, valorados pelo Tribunal a quo, que, em momento algum, corroboram as declarações dos assistentes e que, erradamente, levaram ao apuramento dos factos que constam do elenco dos factos provados, concretamente, quanto à identidade do arguido J. T. com sendo um dos autores da prática dos factos ilícitos.
6. A verdade é que o arguido J. T. não praticou os crimes por que foi condenado.
7. Em momento algum, resulta provado que o arguido J. T. esteve presente no local da ocorrencia dos factos ilicitos ou que tenha participado na prática nos mesmos.
8. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, resultam do teor das declarações dos assistentes L. M., H. J. e E. C., quer porque, não lograram identificar minimamente o arguido/recorrente através da sua descrição física ou fisionómica, bem como, a identificação e o reconhecimento que os assistentes fazem do arguido/recorrente assenta na prévia visualização de fotos publicadas no perfil do facebook, obtidas não se sabe como nem por quem:
9. resulta, ainda, do teor dos depoimentos das duas testemunhas de “acusação” R. G. e E. P., que não corroboram as declarações dos assistentes, no que concerne à identificação do arguido J. T., (dando-se aqui por reproduzidas por razões de economia processual as transcrições que constam da motivação do recurso), concretamente:
a) Declarações do assistente L. M., prestado em audiencia de julgamento no dia 23/01/2020, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas às 10h36m41s e termo às 11h31m26s, como consta da respetiva acta, nas seguintes passagens aos minutos 07:33.30 ao 08:47.07, 09:17.90 ao 10:26.97, 15:01.60 ao 15:32.90 e 36:01.60 ao 40:04.06.
b) Declarações do assistente H. J., prestado em audiencia de julgamento no dia 23/01/2020, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponivel na aplicação informática em uso no Tribunal, com início às 11h32m08s e termo às 12h23m59s, como consta da respetiva acta, nas seguintes passagens aos minutos 17:18.30 ao 18:25.25, 20:41.78 ao 21:19.65, 22:37.10 ao 24:05.23 e 46:57.10 ao 51:30.90.
c) Declarações do assistente E. C., prestado em audiencia de julgamento no dia 26/03/2020, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, com início às 10h03m06s e termo às 10h45me48s, como consta da respetiva acta, nas seguintes passagens aos minutos 08:32.45 ao 09:15.24, 14:37.65 ao 14:25.04, 21:57.50 ao 22:46.04 e38:51.55 ao. 40:05.72.
d) Depoimento da testemunha de acusação R. G., prestado em audiencia de julgamento no dia 23/02/2020, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início às 15h33m68s e termo às 15h45m35s, como consta da respetiva acta, nas seguintes passagens aos minutos 03:14.35 ao 03:37.75, 04:09.01 ao 04:30.97, 04:54.10 ao 05:16.75, 05:44.43 ao 06:01.26, 12:35.14 ao 14:04.72, 13:57.60 ao 14:16.65 e 20:11.35 ao 21:18.84.
e) Depoimento da testemunha de acusação E. P., prestado em audiencia de julgamento no dia 23/02/2020, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informatica em uso no Tribunal, com início às 15h55m13s e termo às 16h11m56s, como consta da respetiva acta, nas seguintes passagens aos minutos 02:20.80 ao 07:47.07 e 14:08.35 ao 14:44.22.

Resulta, ainda, dos seguintes documentos:
f) Perfil e fotos do facebook do arguido J. T. de fls. dos autos
g) Teor dos autos de denúncia e de inquirição de testemunhas de fls. dos autos
h) Teor do despacho de arquivamento do Inquérito de fls. dos autos
10. O douto acordão enferma de erro na apreciação e valoração da prova produzida, pois, as testemunhas de “acusação” R. G. e E. P., em momento algum, afirmam que o arguido/recorrente esteve no local da ocorrência dos factos e que o mesmo seja um dos seis elementos que compunha o grupo de agressores.
11. O Tribunal recorrido não estava autorizado a dar como provado que o arguido/recorrente é um dos autores da prática dos factos da pronúncia, tal como decidiu, com fundamento nas declarações dos assistentes conjugadas com os depoimentos das testemunhas R. G. e E. P..
12. Consequentemente, o Tribunal a quo não devia ter concluído, como concluiu, deveria antes ter decidido, conforme se impunha, pela absolvição do arguido, ora recorrente, da prática dos crimes da douta pronúncia.
13. A decisão recorrida é, nestes termos, censurável pelo arbítrio relativamente ao princípio da livre apreciação da prova (cfr. Artigo 127.º do CPP).
14. Consequentemente, a valoração das declarações dos assistentes conjugadas com os depoimentos das identificadas testemunhas R. G. e E. P., prestadas em sede de audiência de julgamento, deveria o Tribunal a quo, sem prova cabal e objetiva, dar como não provado a factualidade supra impugnada, da douta decisão.
15. Considera o arguido/recorrente incorretamente julgados (artigo 412, n.º 3 do CPP), a factualidade descrita na matéria de facto provada, nos pontos 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, 1.7, 1.9, 1.13, 1.14, 1.15, 1.16, 1.17, 1.18, 1.9, 1.20, 1.21, 1.38, 1.61, da douta decisão (que se dá aqui integralmente reproduzida por mera economia processual).
16. Nem mesmo, se permite concluir dar como provados os factos da pronúncia com base, exclusivamente, nas declarações dos assistentes, desacompanhados de outros elementos de prova que as sustentem.
17. Os depoimentos dos asistentes são merecedores de sérias reservas quanto à sua fiabilidade e credibilidade como prova da identidade e reconhecimento do arguido/recorrente.
18. Os assistentes não lograram demonstar que tivessem identificado as caraeristicas físicas ou da fisionomia do arguido/recorrente aquando da ocorrência dos factos ilicitos.
19. A identificação do arguido J. T., surge por referência ao perfil e fotos do facebook, sugeridas pelo “relações públicas” da discoteca, desconhecendo-se quem seja o autor da pesquisa e os critérios tidos em conta para aceder ao perfil do facebook.
20. As circunstâncias que envolveram a identificação e reconhecimento do arguido J. T., justificava fundadas dúvidas sobre a autenticidade, segurança, sugestividade, coerência e espontaneidade das declarações dos assistentes.
21. Tanto mais que, relativamente ao arguido/recorrente, o Ministério Público tinha determinado “o arquivamento dos autos, por carência de elementos identificativos do autor dos factos denunciados, nos termos do disposto no afrt.º 277.º, n.º 2 do CPP.”.
22. E o mesmo, nem sequer foi sujeito à prova por reconhecimento nos termos previstos no artigo 147.º do Código de Processo Penal.
23. Face às declarações dos assistentes, desacompanhadas de outros meios de prova que as sustentem e as circunstâncias em que se baseou a identificação e reconhecimento do arguido/recorrente, deveria o Tribunal a quo, tê-las valorado convenientemente, na esteira do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido e do princípio in dúbio pro reo.
24. Ao decidir como decidiu o tribunal a quo, violou o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do CPP e o princípio da presunção de inocência (cfr. Artigo 32.º, n.º 2, da Constituição), enquanto princípio provatório traduzido na ideia do in dubio pro reo.
25. Pugna-se, em consequência pela absolvição do arguido J. T. da prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, sob pena da violação do princípio da livre apreciação da prova (cfr. artigo 127.º do CPP), do princípio da presunção da inocência do arguido (cfr. artigo 32.º, n.º 2 da CRP, enquanto principio probatório consagrado no in dubio pro reu.

DA MEDIDA DA PENA:
26. O Tribunal a quo condenou o recorrente na prática de 3 (três) crimes de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal, em cúmlo juridico, na pena única de (2) dois anos e (2) dois meses de prisão, suspensa por igual periodo.
27. Uma vez que a pena aplicada extravasa a culpa imputada ao recorrente, deve ser fixada uma pena menos gravosa, atento os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal, concretamente, a circunstância previstas na alínea a) do n.º 2 “O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências...”
28. Resulta provado que as agressões sofridas pelos assistentes foram provocadas por um grupo de seis (6) elementos.
29. Inexiste prova nos autos para se concluir que foram os dois (2) arguidos que, exclusivamente, provocaram as agressões nos assistentes.
30. O Tribunal a quo não valorou na justa medida todos os aspectos indispensáveis a uma justa e adequada punição.
31. O recorrente entende que a decisão não poderia ter dado lugar a condenação tão grave como deu, quer relativamente às medidas das penas parcelares aplicadas, bem como, à medida da pena cumulativa de dois anos e dois meses de prisão, suspensa por igual periodo.
32. Adequado seria o Tribunal a quo aplicar uma pena comulativa não superior a (1) um ano e (4) quatro meses, suspensa por igual periodo.
33. O recorrente não deverá ser subordinada ao cumprimento de um plano de reinserção social, tal como decidido pelo Tribunal a quo, pois, o recorrente é uma pessoa que está perfeita e integralmente inserido na sociedade, dispõe de um enquadramento familiar adequado junto da companheira e da filha, está empregado por conta de outrem, pelo que, é manifestamente excessivo e desajustado sujeitar a supensão da execução da pena ao cumprimento de um regime de prova assente num plano de reinserção social.
34. A escolha da pena infligida ao arguido/recorrente, de dois anos e dois meses se afigura excessiva, bem como, é desadequada e desproporcional, perante as necessidades de prevenção especial, o cumprimento de um plano de reinserção social, deve, pois, ser alterada em conformidade.
35. O Tribunal violou assim os critérios contidos nas disposições conjugadas dos art. 40º, 70º, 71º, todos do Código Penal.
36. Pugna-se pela redução da pena única pedindo que seja fixada em medida não superior a (1) um ano e (4) quatro meses de prisão, suspensa por igual período, não sujeita ao cumprimento de um plano de reinserção social.

DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL:

37. O Tribunal a quo, relativamente aos pedidos de indemnização civil, condenou os arguidos a pagarem ao assistente L. M. a quantia de € 2.000,00, ao H. J. a quantia de € 4.000,00 e ao E. C. a quantia de 3.000,00, a título de danos não patrimoniais.
38. São manifestamente exagerados os valores atribuídos a título de danos não patrimoniais sofridos pelos assistentes, valores que devem ser substancialmente reduzidos.
39. Resulta dos autos que, as lesões sofridas pelos assistentes foram perpetradas por um grupo de seis (6) indivíduos.
40. Não é admissível imputar, exclusivamente, aos dois (2) arguidos a responsabilidade total pelo ressarcimento dos danos sofridos pelos assistentes.
41. O recorrente tem poucos recursos económicos, pois, trabalha por conta de outrem, recebendo um salário mensal de € 814,00, com o qual contribui para as despesas do dia-a-dia, renda de casa e sustento da sua filha de cerca de três anos de idade.
42. Uma decisão que fixasse uma indemnização por danos não patrimoniais em montante de € 1.000,00 ao L. M., € 1.500,00 ao H. J. e € 1.000,00 ao E. C., seria conforme o Princípio de Equidade.
43. A douta Sentença deverá ser revogada na parte em que fixa os montantes de € 2.000,00, € 4.000,00 e € 3.000,00, a título de danos não patrimoniais, devendo ser estes montantes fixado nos termos supra indicados.

Termos em que, e nos demais de direito que Vossas excelências doutamente suprirão, deverá ser revogada a decisão de que agora se recorre, absolvendo-se o arguido/recorrente J. T., fazendo-se a costumada JUSTIÇA!

▪ Na primeira instância, o Exmo. Procurador da República, notificado do despacho de admissão dos recursos apresentados pelos arguidos, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta em que sustentou, para cada um dos recorrentes, a manutenção da sentença recorrida, com a improcedência do respetivo recurso (fls. 857 a 872).

Para tanto, formulou as seguintes conclusões (transcrição):
“1 – Pelo acórdão proferido nos presentes autos em 11 de março de 2020 foi decidido condenar: - o arguido L. F. pela prática de três crimes de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132.º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal, nas penas parcelares de 12 (doze) meses de prisão, de 2 (dois) anos de prisão e de 14 (catorze) meses de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período subordinada ao cumprimento de condições;
- o arguido J. T. pela prática de três crimes de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, e 132.º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código Penal, nas penas parcelares de 12 (doze) meses de prisão, de 20 (vinte) meses de prisão e de 14 (catorze) meses de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período subordinada ao cumprimento de condições.
2 – Inconformados com a respetiva condenação, cada um dos arguidos veio recorrer –alegando em síntese:
A – o arguido L. F. que no acórdão se verifica uma “ponderação vaga, subjectiva e imprecisa, no que à imputabilidade do factos”, tendo o tribunal a quoignorado e violado o princípio da presunção de inocência, sendo o Arguido considerado culpado ab initio”, ignorando “os ditames e princípios basilares quanto à prova”; que “As declarações dos Assistentes e da testemunha E. P. não podem ser suficientes para o tribunal condenar o Recorrente pela prática de algum crime de ofensa à integridade física qualificada” onde ao invés “As declarações prestadas pelo Arguido (…) deviam ter sido valoradas e não descredibilizadas sem qualquer fundamentação” pelo que “Ao existir dúvida fundada deve prevalecer o p. in dubio pro reo” e “inexistindo fixação do objecto, não existindo actos de execução, leva a que a decisão proferida devesse ser de absolvição”; que “O Tribunal a quo valorou meios de prova que nos termos do artigo 129º, nº 1 do Código de Processo Penal (…) Ao aceitar a identificação dos Arguidos baseada na lógica do “ouvi dizer”, numa fotografia do Facebook que foi enviada por uma pessoa que não foi ouvida perante o Tribunal e nem assistiu às agressões”, constituindo “depoimento indireto” e por isso “A fundamentação do acórdão encontra-se viciada pelo uso de prova nula”; que “A decisão proferida pelo Tribunal a quo é nula nos termos dos artigos 374.º do Código de Processo Penal porquanto nem sequer fala do elemento subjetivo do crime e não especifica se o Arguido é, e qual a fundamentação, condenado em autoria, co-autoria, cumplicidade ou o que for” e que existe “erro notório na apreciação da prova, por contradição insanável”; que o tribunal errou na qualificação jurídica dos factos pois não estão preenchidos “devidamente os elementos objetivo e subjetivo do tipo legal de crime em apreço”, seja “quanto à alínea h) do artigo 132º do Código Penal nunca tal poderia ser aplicado, porquanto os Arguidos aqui nos autos serão, eventualmente, dois” e a “dita agravação pelo artigo 132.º n.º 2 e alínea e) não poderia ser verificada porque o dito motivo “torpe”, na ótica do julgador, seria a alegada pertença dos Arguidos a uma claque da X, o que não é dado como provado e não pode justificar, sem mais, uma qualificação desta natureza” em razão da qual “Mal andou o Tribunal a quo a interpretar os artigos 143.º n.º 1, 145.º n.º1 alínea a) e n.º2 e 132.º n.º 2 alíneas e) e h) do C.P.”; que o recorrente não “poderá ser condenado por três crimes” pois que “Conforme se dispõe, claramente, no n.º 2 do artigo 30.º do C.P. o que está em causa é sempre a proteção do mesmo bem jurídico, executada por forma alegadamente e essencialmente homogénea, pelo que, de facto, o crime a existir, foi só um” e onde a “provada factualidade não permite estabelecer que houve três resoluções criminosas” e a ser condenado “deverá ser, somente, por este tipo de crime p. no artigo 143.º n.º 1 do C.P.” – conclusões LXVII a LXXI
B - o arguido J. T. defende que “A decisão de que se recorre enferma de erro judiciário (…) na apreciação e valoração da prova produzida” pois que “não resulta provado que as testemunhas R. G. e E. P., demonstrassem que conheciam, conheceram ou reconheceram o arguido J. T. ou que o mesmo tivesse participado na prática dos atos ilícitos” e por isso a decisão “baseia-se em depoimentos de testemunhas, valorados pelo Tribunal a quo, que, em momento algum, corroboram as declarações dos assistentes e que, erradamente, levaram ao apuramento dos factos que constam do elenco dos factos provados, concretamente, quanto à identidade do arguido J. T. com sendo um dos autores da prática dos factos ilícitos”; que “As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, resultam do teor das declarações dos assistentes L. M., H. J. e E. C., quer porque, não lograram identificar minimamente o arguido/recorrente através da sua descrição física ou fisionómica, bem como, a identificação e o reconhecimento que os assistentes fazem do arguido/recorrente assenta na prévia visualização de fotos publicadas no perfil do facebook, obtidas não se sabe como nem por quem” e onde as “duas testemunhas de “acusação” R. G. e E. P., que não corroboram as declarações dos assistentes, no que concerne à identificação do arguido J. T.” e assim foram incorretamente julgados a “factualidade descrita na matéria de facto provada, nos pontos 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, 1.7, 1.9, 1.13, 1.14, 1.15, 1.16, 1.17, 1.18, 1.9, 1.20, 1.21, 1.38, 1.61, da douta decisão” e onde “Os depoimentos dos assistentes são merecedores de sérias reservas quanto à sua fiabilidade e credibilidade como prova da identidade e reconhecimento do arguido/recorrente (…) não lograram demonstrar que tivessem identificado as características físicas ou da fisionomia do arguido/recorrente aquando da ocorrência dos factos ilícitos (…) e onde “As circunstâncias que envolveram a identificação e reconhecimento do arguido J. T., justificava fundadas dúvidas sobre a autenticidade, segurança, sugestividade, coerência e espontaneidade das declarações dos assistentes ”e por isso “Face às declarações dos assistentes, desacompanhadas de outros meios de prova que as sustentem e as circunstâncias em que se baseou a identificação e reconhecimento do arguido/recorrente, deveria o Tribunal a quo, tê-las valorado convenientemente, na esteira do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido e do princípio in dúbio pro reo”; e que, em caso de condenação, “a pena única de (2) dois anos e (2) dois meses de prisão, suspensa por igual período (…) extravasa a culpa imputada ao recorrente”, é “excessiva, bem como, é desadequada e desproporcional, perante as necessidades de prevenção especial”, pelo que deveria ser aplicada “uma pena cumulativa não superior a (1) um ano e (4) quatro meses, suspensa por igual período” e que “não deverá ser subordinada ao cumprimento de um plano de reinserção social”;
3 - Salvo o devido respeito pela opinião contrária, cremos que não assiste qualquer razão aos recorrentes no invocar das questões suscitadas por cada um deles nas respetivas motivações bastando para o efeito atentar-se às doutas motivações recursórias e ao modo como os mesmos colocam em crise a fundamentação do tribunal a quo, na contraposição ao todo que surge explicitado no douto acórdão proferido nos autos;
4 – O que os recorrentes fazem é o recorrente trabalho de pretender colocar em causa o exame crítico da prova realizado pelo tribunal, contrapondo o seu ponto de vista, valorizando uns elementos de prova e desvalorizando outros em contramão ao tribunal mas ainda assim sem qualquer concreto e específico dado objetivo mas apenas alicerçado na própria convicção dos recorrentes diversa daquela afirmada pelo julgador ou no entendimento sobre validade de provas;
5 - Ao ler-se a motivação da matéria de facto plasmada no douto acórdão a propósito da factualidade dada como provada o alegado pelos recorrentes, tal como se apresenta, não passa de afirmação sem qualquer base de sustentação, pois que logo se depara o quanto cuidadoso e pormenorizado os Mm.ºs Juizes a quo explicitam os motivos de facto que fundamentaram a decisão e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal para aquela matéria de facto dada como provada;
6 - E naquilo que intercede com duas versões distintas dos factos – os arguidos que negam terem sido os agressores e os ofendidos a afirmar que foram estes dois arguidos e outros que os agrediram – o próprio tribunal esmiúça num conjunto de uma clareza meridiana não se vislumbrando qualquer falta de indicação da motivação dos juízos sobre a matéria de facto, ficando por aí a saber cada um dos recorrentes em que é que o tribunal fundou a sua convicção, e tanto assim o é tal é a forma como os mesmos atacam o julgamento daquela matéria de facto.
7 - Podendo não concordar-se daquela apreciação, como é o caso dos recorrentes tal não resulta de qualquer violação normativa dos artigos 374.º, n.º2 e 379.º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Penal sendo possível afirmar sem quaisquer rebuços que o exame crítico efetuado nos autos a propósito daqueles factos é o bastante e o suficiente para se poder afirmar “que a decisão recorrida assentou na prova produzida e não é fruto de qualquer discricionariedade, arbitrariedade ou de leitura caprichosa da prova por parte do julgador.”;
8 – E tal como o próprio recorrente L. F. reconhece e surge explicitado ao longo da motivação do tribunal a quo a questão das fotografias e do perfil no facebook (fontes abertas) é num momento embrionário do processo, no início da investigação e onde logo no primeiro momento imediato como depois em sede de julgamento e perante as pessoas dos arguidos nas diversas sessões de julgamento cada um dos ofendidos foram unânimes ao “reconhecê-los”, identificando-os como dois dos autores da agressão que foram alvo e explicitando a concreta razão de ciência para os identificar distinto daquilo que ocorreu com a pessoa dos restantes agressores, não estando em causa assim qualquer “depoimento indireto” mas inequivocamente depoimento direto por parte de cada um explicitando a razão de ciência da identificação dos arguidos e a valorar e a apreciar pelo tribunal nos moldes que é feito relativamente à demais prova testemunhal;
9 – Para além da decisão sobre a matéria de facto assentar exclusivamente em provas válidas, produzidas em audiência, o Tribunal a quo considerou provados os factos relevantes relativos aos recorrentes para além de qualquer dúvida razoável sobre qualquer deles, sem dúvidas em fixar a ocorrência dos factos tal como se encontram descritos.
10 - Não decorre do acórdão a existência ou confronto do julgador com qualquer dúvida insanável sobre aqueles factos ou outros, motivo pelo qual não houve nem há dúvida para ser valorada a favor dos ora recorrentes, não tendo aqui aplicação o princípio in dubio pro reo e não tendo, em consequência, sido violado o princípio constitucional estruturante do processo penal, que é a presunção de inocência.
11 - Percorrendo a decisão recorrida e mais concretamente a fundamentação da matéria de facto dela não resulta a mínima sombra que tivesse ficado instalada no espírito dos julgadores qualquer incerteza quanto a qualquer dos factos que na decisão se consideraram como provados, assim como não resulta que o tribunal a quo tenha valorado contra os ora recorrentes qualquer estado de dúvida sobre a existência dos factos, tendo o tribunal sido categórico na afirmação positiva da sua convicção sobre a materialidade dada como provada.
12 – De igual modo, no que envolve o alegado vício do erro notório a que alude o artigo 410.º, n.º2, alínea c) do Código de Processo Penal, lendo e relendo a argumentação aduzida pelo recorrente L. F. a este respeito, constata-se linearmente que o mesmo vislumbra o alegado vício na divergência que tem relativamente à apreciação da prova que foi levada a cabo pelo tribunal a quo, designadamente na convicção que o tribunal formou, colocando o recorrente toda a ênfase naquilo que o próprio disse e foi corroborado pelo outro co-arguido ou pelas testemunhas apresentadas pela defesa como alibis na consideração que “As declarações dos Assistentes e da testemunha E. P. não podem ser suficientes para o tribunal condenar o Recorrente” onde ao invés “As declarações prestadas pelo Arguido (…) deviam ter sido valoradas e não descredibilizadas sem qualquer fundamentação”.
13 - Face ao todo alegado pelo recorrente e no necessário cotejo com a fundamentação exposta pelo tribunal a quo resulta a conclusão segura que o mesmo (como o outro co-arguido) não concorda com o modo como o tribunal alicerçou a sua convicção sobre aqueles os factos dados como provados naquilo que determinou a matéria de facto dada como provada e naquilo que constituiu a forma muito cuidadosa e cautelosa como a jurisprudência dos nossos tribunais superiores se tem pronunciado a propósito de tal tema;
14 - Contudo, tal interpretação realizada pelos recorrentes (diversa da realizada pelo tribunal) não envolve qualquer violação dos critérios legais sobre apreciação da prova pois que lendo-se a motivação expressa pelo tribunal a quo, esta afigura-se-nos suficiente para habilitar a concluir que, para além de que as provas a que o tribunal recorreu serem todas permitidas por lei, o julgador seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, dela não resulta uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova.
15 - Imbricada com a apreciação da prova que realizam os recorrentes invocam erro de julgamento naquilo que consideram ser o concatenar das declarações dos próprios, das testemunhas indicadas pela acusação e das testemunhas apresentadas pela defesa, na desvalorização que realizam dos depoimentos dos próprios ofendidos e das testemunhas apresentadas pela acusação e na valoração que realizam da sua negação dos factos.
16 - Ao fim e ao cabo o que os recorrentes fazem é o pretender fazer valer a sua versão dos factos (de que nada tiveram a ver com as agressões de que foram alvo os ofendidos), não colocando em causa o que consta vertido na fundamentação de facto do acórdão ora em crise a propósito do conteúdo de cada elemento de prova mas indicando para o efeito uma própria análise e invocando próprias regras de experiência e com isso um conjunto de fatores de incerteza sobre a sua intervenção;
17 - O certo é que tal argumentação esbarra naquilo quer foi a concreta prova produzida refletida no conjunto global dos depoimentos explicitados pelo tribunal a quo e que cujo conteúdo e sentido não são contrariados pela transcrição apresentada por cada um dos recorrentes e com eco na decisão proferida.
18 - Perante a liquidez de raciocínio com que se apresenta o todo explicitado pelo tribunal para a valoração daquela prova e a análise crítica que realiza não se descortina do conjunto daquilo que foi a prova concretamente produzida em audiência a verificação de qualquer circunstância de onde se possa afirmar não ter sido efetuado um escrupuloso cumprimento do imposto na lei adjetiva para se puder afirmar o alegado erro de julgamento;
19 – Constata-se de forma linear no confronto direto da argumentação desenvolvida por cada um dos recorrentes com a motivação de facto da decisão proferida nos autos um modo de ver distinto e um modo de apreciar, sendo que o apresentado pelos recorrentes encontra-se manifestamente toldado pela perspetiva de interessados diretos no resultado e nas consequências, e despegados daquilo que surge evidenciado pela prova testemunhal produzida que deu conta da concreta identificação e do concreto modo de atuar de cada um deles e a forma como os ofendidos conseguiram chegar à identificação destes dois agressores.
20 - Analisando a prova produzida com o objetivo de determinarmos se consente a convicção formada pelo tribunal a quo, (naquilo que importa apurar se a convicção ali expressa tem suporte razoável naquilo que constitui a prova produzida) norteados pela ideia que o tribunal ad quem apenas poderá censurar a decisão se for manifesto que a solução por que optou, de entre as várias possíveis e plausíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum - artigo 127.º do Código de Processo Penal –, não podíamos estar mais em desacordo com o tecido e pugnado pelos recorrentes.
21 - Verificados os nossos apontamentos, os diversos depoimentos e ouvidos de novo os diversos testemunhos que relevantes se mostraram para a formação da convicção do tribunal recorrido e que tanto os recorrentes se insurgem, toda essa prova empresta pleno e objetivado significado às considerações e à forma como o tribunal a valorou para afirmar a sua convicção, não existindo qualquer elemento ténue que seja que possa levar a concluir desmerecer o juízo sobre a certeza dos factos dada pelo tribunal e até naquilo que, em contraponto, surge evidenciado na matéria de facto dada como não provada.
22 - A questão central colocada na motivação de cada um dos recorrentes prende-se assim unicamente com o princípio da livre apreciação da prova, e perante o todo exposto no douto acórdão condenatório em contraposição com aquilo que é referido nas motivações de recurso é nosso modesto entendimento que a prova produzida em audiência, não desmente, minimamente, o juízo efetuado pelos MM.ºs Juízes a quo na sua concatenação de toda a prova produzida e na qual estribou a sua convicção e que ali consta expressamente vertido e à análise da prova documental na sua integração e compreensão com a prova testemunhal para a afirmação daquela convicção.
23 - A convicção do tribunal formou-se com base numa análise crítica cuidada dos diversos elementos de prova, não se verificando que o juízo de credibilidade efetuado pelo tribunal ou a sua análise conflitue, de algum modo, com a boa lógica e a experiência comum e pelo raciocínio vertido a que chegou o tribunal para formar a sua convicção, não ressalta que, conjugado com as regras da experiência comum, outra pudesse ou devesse ter sido a decisão sobre a matéria de facto, tendo firmado a sua convicção, justificando-a, tendo decidido com base na certeza alcançada sobre a realidade dos factos, no quadro de uma verdade histórico-prática e processualmente válida.
24 - Assim considerado, vista a matéria de facto dada como provada exibem quanto a nós preenchidos, efetivamente, os elementos típicos dos crimes imputados aos arguidos, pelo que bem andaram os Mm.ºs Juizes ao condená-los pelos crimes em causa nos termos em que o realizaram, aderindo-se aderimos sem rebuços à qualificação jurídica levado a cabo pelo tribunal a quo incluindo no que envolve a pluralidade de crimes;
25 - Perante aquilo que constitui o conjunto de motivação expendida pelo tribunal facilmente se retira o bem fundamentado que se mostra a decisão colocada em crise no que envolve a dosimetria das penas parcelares e única aplicada ao recorrente J. T., não havendo censura a fazer ao todo apreciado pelo julgador, acabando por ser fixada uma pena ainda dentro do primeiro terço da moldura abstrata do crime em causa e muito próxima do limite mínimo.
26 - Face aos factos dados como provados as medidas das penas parcelares e única aplicadas ao recorrente fazem uma justa e adequada ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depõem a favor e contra o agente, assumindo-se tal pena como muito equilibrada, justa e adequada e vai de encontro àquilo que para situações e tudo similares tem sido aplicada ou confirmada pelos nossos tribunais superiores e onde o pedido formulado nesta sede (pena mais baixa e sem PRS) vai de encontro àquilo que repetidamente o coletivo dos srs. Juízes sublinham no acórdão da postura dos arguidos/recorrentes relativamente aos factos em causa:- atitude“desresponsabilizadora das respetivas condutas “ e “não terem ainda interiorizado a gravidade das condutas que empreenderam e das consequências físicas e psicológicas que das mesmas resultaram”.
27 - O douto acórdão não violou qualquer preceito legal e nele se decidiu conforme a lei e o direito.”

O Mmo. Juiz Presidente do Tribunal Coletivo, antes de ordenar a subida dos autos a este tribunal superior, nos termos e para efeitos do disposto conjugadamente nos arts. 379, nº2 e 414º, nº4, ambos do CPP, manteve na íntegra o acórdão recorrido, por entender que não foi praticada qualquer iniquidade, e que aquele não padece de qualquer nulidade (fls. 873/ref. 169857957).

▪ Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer em que, louvando-se nos termos da resposta do Ministério Público em primeira instância, entende dever ser negado provimento aos recursos (fls. 883/4 - referência 7168547).
Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C. P. Penal, o arguido/recorrente J. T., deduziu douta resposta ao sobredito parecer em que conclui como nas alegações de recurso (fls. 887/8 – ref. 185478).

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
*
II - Questão prévia:

No douto acórdão recorrido foi decidido, quanto à parte cível e no que concerne ao pedido de indemnização civil deduzido nos autos pelo demandante L. M. contra os demandados/arguidos L. F. e J. T.:
«Relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante L. M. contra os demandados L. F. e J. T.:
Julgar parcialmente procedente o pedido e, em consequência, condenar os demandados no pagamento da quantia total de 2.000 € (dois mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida do pagamento de juros de mora, à taxa legal (ou seja, à taxa anual de 4 %, vide artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 08/04) calculados a partir da data do acórdão e até integral pagamento, nos termos do acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido na Revista Ampliada n.º 1508/01 (publicado no Diário da República, I Série-A, de 27/06/2002, págs. 5057 a 5070).»
Ambos os demandados/recorrentes exprimem a sua discordância face ao quantum indemnizatur fixado pelo tribunal a quo, considerando-o exagerado e desproporcionado, solicitando a sua redução [o recorrente J. T. especifica que o montante indemnizatório devia ser reduzido para € 1.000,00].

Preceitua o artº 400º, nº 2:

“Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.

Ou seja, face a tal preceito legal, a admissibilidade do recurso – na parte da decisão respeitante à matéria cível – está dependente da verificação cumulativa de dois requisitos:

- Que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; e
- Que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre.

No caso em apreço, o valor do pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante contra os arguidos, ascendendo a € 5.000,00 [referência 7181462], não é superior à alçada do tribunal de primeira instância, a qual corresponde precisamente a €5.000,00, como resulta do disposto no art. 44º, nº1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de agosto.
Acresce que, o montante da condenação cifrou-se em € 2.000,00, pelo que não há sucumbência em valor superior a metade da alçada do tribunal a quo (€ 2.5000,00).

Consequentemente, no caso sub judice, nenhum dos pressupostos de recorribilidade da decisão cível se verifica.
Por conseguinte, atento o disposto no citado Artº 400º, nº 2, é inadmissível o recurso dessa parte da decisão.
E, em consonância com as disposições conjugadas dos arts. 420º, nº 1, al. b) e 414º, nº 2, a irrecorribilidade da decisão em matéria cível sempre será motivo de rejeição do recurso.
Sendo certo que, atento o disposto no Artº 414º, nº 3, este tribunal superior não se encontra vinculado ao despacho proferido na primeira instância que admitiu os recursos nesta parte.

Impõe-se, pois, a rejeição de cada um dos recursos interpostos pelos demandados L. F. e J. T., no que tange à impugnação do acórdão quanto à matéria cível, na parte decisória concernente ao pedido de indemnização formulado nos autos pelo assistente/demandante L. M..
*
III – ÂMBITO OBJETIVO DOS RECURSOS (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, C.P.P.) (1).

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir são as seguintes:

A) Recurso deduzido pelo arguido L. F.:

A1) Erro notório na apreciação da prova, por contradição insanável.
A2) Da arguida nulidade do acórdão recorrido, fundada no disposto conjugadamente nos arts. 379º, nº1, al. a), 374º, nº2 e 122º, todos do CPP, e no art. 205º da CRP, por não fundamentar a decisão, formando a sua convicção apenas com base nas declarações dos assistentes e da testemunha E. P., sem efetuar exame crítico das provas, o que é insuficiente para uma condenação.
A3) Valoração pelo tribunal a quo de depoimento indireto que, nos termos do art. 129º do CPP, não podia ser valorado, com a consequente nulidade da prova assim obtida [arts. 125º e 126º, nº1, do mesmo diploma legal].
A4) Da arguida nulidade da decisão recorrida, fundada no art. 374º do CPP, por, alegadamente, não se reportar ao elemento subjetivo do crime e não especificar se o arguido é, e qual a fundamentação, condenado em autoria, coautoria ou cumplicidade.
A5) Do apontado erro de julgamento quanto à matéria de facto: impugnação da matéria de facto dado como provada/violação da presunção de inocência plasmada no art. 32º, nº2, da CRP/in dubio pro reo.
A6) Da errada qualificação jurídica dos factos.
A7) Excessividade da quantia indemnizatória arbitrada pelo tribunal recorrido.

B) Recurso deduzido pelo arguido J. T.:
B1) Do apontado erro de julgamento quanto à matéria de facto: impugnação da matéria de facto dado como provada [censurável arbítrio relativamente ao princípio da livre apreciação da prova – art. 127º do CPP].
B2) Da peticionada redução da medida da pena única e não sujeição a regime de prova.
B3) Excessividade das quantias indemnizatórias arbitradas pelo tribunal recorrido.
*

IV – APRECIAÇÃO:

IV.1 – Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas pelos ajuizados recursos, importa verter aqui a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada e, bem assim, a sua fundamentação para tal decisão da matéria de facto.
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição), na parte que ora releva:
“Discutida a causa provaram-se os seguintes factos com relevo para a decisão:
1.1. – No dia 19 de Agosto de 2017, entre as 06h30 e as 07h45, os assistentes H. J., E. C. e L. M. saíram da discoteca denominada “Y”, na Avenida …, na Póvoa de Lanhoso, atravessaram a avenida e foram para junto de um vendedor ambulante de comidas.
1.2. – No local encontravam-se alguns jovens a entoar cânticos de apoio a um clube de futebol. De repente, no lado oposto da avenida, surgiu um veículo escuro, com cerca de cinco ou seis indivíduos e do interior do mesmo saíram os arguidos L. F. e J. T. acompanhados dos outros indivíduos, cuja identidade não foi possível apurar.
1.3. – Com o arguido L. F. à frente, dirigiram-se para os jovens, mandaram-nos calar e insultaram-nos.
1.4. – O assistente L. M., que se encontrava próximo, tentou defender os jovens e os arguidos, de imediato e de forma inesperada, começaram, de modo violento, a atingir corporalmente o assistente L. e os demais assistentes, que de imediato vieram em seu auxílio, com murros e pontapés em todo o corpo, nomeadamente, cabeça, peito, rosto, braços e pernas, tendo inclusive sido utilizado um cinto como meio de agressão aos ofendidos.
1.5. – No decurso destas agressões, o arguido J. T. agrediu os assistentes com um cinto, desferindo várias pancadas no corpo e na face esquerda do assistente E. C..
1.6. – Igualmente no decurso da contenda agora referida, o arguido L. F. arremessou uma pedra ao assistente H. J., que o atingiu no olho direito e que o deixou inconsciente, prostrado no chão.
1.7. – Depois disso, o referido arguido, acompanhado do arguido J. T. e de mais um ou dois dos elementos do grupo, continuaram a agredir o assistente H. J. com pontapés e saltos por todo o corpo, designadamente braços e pernas, não obstante o estado de inconsciente do assistente.
1.8. – Depois de tudo isto, o arguido L. F. voltou a arremessar uma pedra ao assistente H. J., que lhe acertou na cabeça, tudo enquanto se encontrava já inconsciente no chão.
1.9. – Em consequência da conduta dos arguidos, o assistente H. J. sofreu traumatismo na região parieto-temporal esquerda da cabeça, tendo sido suturado, escoriações na face, equimose peri-orbitária, hemorragia conjuntival no olho direito, equimose e escoriações no membro superior direito, escoriações no membro superior esquerdo e equimoses no membro superior direito.
1.10. – Tais lesões demandaram 10 dias para a consolidação médico-legal, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.
1.11. – O assistente E. C., sofreu na face lesões na mandíbula do ramo esquerdo, a qual foi suturada. As lesões resultaram de traumatismo de natureza contundente e demandaram 10 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.
1.12. – O ofendido L. M., sofreu dores no septo nasal, em consequência do murro que o arguido lhe desferiu.
1.13. – O arguido J. T. agrediu os assistentes com um cinto quando estes, para se defenderem, procuraram recuar rua acima.
1.14. – Ainda assim os arguidos não pararam as agressões, tendo até escolhido a cara e a cabeça como zona corporal privilegiada para essas mesmas das agressões.
1.15. – Com as condutas supra descritas, os arguidos demonstraram um total e desmesurado descontrole, animado de avidez pelo sofrimento dos assistentes, ao ponto de os demais terem pensado que o assistente H. J. estaria morto quando o viram deitado no chão, inconsciente.
1.16. – Os assistentes imploraram aos arguidos que parassem com as agressões, o que não sucedeu, pelo menos de imediato, tendo apenas cessado a sua conduta quando ouviram os populares presentes a dizer que iam chamar a Guarda Nacional Republicana, o que determinou a sua fuga, em corrida, para o carro.
1.17. – Os arguidos revelaram prazer no sofrimento causado, tendo agredido os assistentes apenas pela circunstância de o assistente L. M. ter tentado acalmar a discussão que se gerou entre o grupo dos arguidos e dos outros jovens que entoavam cânticos de apoio a um clube de futebol.
1.18. – Os arguidos agrediram repetidamente os assistentes, designadamente com murros, pontapés, um cinto, pedras e saltos em cima do corpo inconsciente do assistente H. J..
1.19. – Agiram em manifesta superioridade numérica e em comunhão de esforços, sobretudo quando os assistentes já não podiam esboçar qualquer reação ou defesa.
1.20. – Com o comportamento descrito, os arguidos atuaram, sempre, com intenção concretizada de atingir os assistentes nos seus corpos, de lhes causar as referidas lesões, dores e mal-estar físico, o que representaram.
1.21. – Agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
1.22. – Por causa da conduta supra descrita do arguido L. F. resultaram para o ofendido H. J. lesões que implicaram a necessidade de tratamento hospitalar que veio a ser prestado pelo Hospital ....
1.23. – O ofendido H. J. foi admitido no dia 19/08/2017 no Hospital ... através de urgência.
1.24. – Foram prestados cuidados médicos e medicamentosos pelo Hospital ... ao ofendido H. J. originando um custo no montante de 112,07 € (cento e doze euros e sete cêntimos).
1.25. – E nem a sua identificação como militar da GNR os demoveu.
1.26. – A utilização de uma fivela dirigida à cara do ofendido E. C. provocou-lhe intenso sofrimento.
1.27. – O ofendido L. M. chegou a pensar que o seu amigo H. J. estava morto, facto que lhe determinou um choque e um sentimento de desespero, impotência e sofrimento.
1.28. – Dada a gravidade das suas lesões L. M. foi assistido na urgência do Hospital ... com a finalidade de ser sujeito a tratamento.
1.29. – Atentas as escoriações no cara, cabeça e tronco tomou analgésicos e anti-inflamatórios durante três dias.
1.30. – Em virtude da violência das agressões, o lesado sofreu fortes dores em todo o corpo, essencialmente na cabeça e septo nasal.
1.31. – L. M. temeu pela vida do seu amigo H. J..
1.32. – Nas primeiras noites seguintes aos factos, o ofendido L. M. teve dificuldade em conciliar o sono, teve sonos agitados, sofrendo de insónias e anedonia.
1.33. – Durante o dia apresentava alguma sonolência e irritabilidade.
1.34. – Evitou sair à rua, e temeu a repetição dos atos pelos agressores.
1.35. – O ofendido L. M. também ficou revoltado com o que lhe sucedeu, não só pelas lesões, mas também por se ter sentido impotente de ajudar os seus amigos, essencialmente o H. J..
1.36. – Desde Dezembro de 2014 militar da GNR que L. M. está em serviço no Sub Destacamento Territorial da GNR de Albufeira.
1.37. – O arguido L. F. arremessou uma pedra ao ofendido H. J. que o atingiu no olho direito e o deixou inconsciente, prostrado no chão.
1.38. – Por ação de L. F. e de J. T. o ofendido H. J. continuou a ser agredido com pontapés por todo o corpo, e saltos sobre o seu corpo, designadamente braços e pernas, não obstante estar já inconsciente.
1.39. – H. J. ainda foi novamente vítima de um novo arremesso de uma pedra, da autoria do arguido L. F., em direção à sua cabeça, enquanto se encontrava já inconsciente no chão.
1.40. – H. J. foi assistido na urgência do Hospital ... com a finalidade de ser sujeito a tratamento.
1.41. – Foi suturado na região parieto-temporal esquerda, foi efetuado penso, e tomou analgésicos e anti-inflamatórios durante a semana que se seguiu.
1.42. – Em virtude das agressões H. J. sofreu: Crânio: dois pontos de sutura na região parieto-temporal esquerda com 1 cm de comprimento. Face: escoriação de fundo avermelhado, com 2 por 1 cm de maiores eixos na região do ângulo da mandíbula esquerda; equimose peri-orbitária direita abrangendo as duas pálpebras e também a região malar com edema da região malar; hemorragia conjuntival ténue dos quadrantes externos do olho direito. Membro superior direito: equimose de cor arroxeada com áreas amareladas, forma irregular, ocupando todo o terço superior da face lateral do braço, região superoanterior do ombro e terço superior da face anterior do hemi-tórax direito; escoriações cobertas com crosta de dimensões peri-centimétricas no terço médio da face posterior do braço; escoriações cobertas com crosta de dimensões peri-centimétricas na região posterior do cotovelo; escoriações cobertas com crosta de dimensões pericentimétricas no terço médio da face posterior do antebraço; equimose de cor arroxeada, forma irregualar, no terço distal da face anterior do punho. Membro superior esquerdo: escoriações cobertas com crosta de dimensões pericentimétricas no terço médio da face posterior do cotovelo; Membro inferior direito: equimose de cor arroxeada e bordos amarelados, forma irregular, no terço superior da face posterior da coxa.
1.43. – Para recuperação dos danos físicos sofridos, H. J. esteve em casa, incapacitado de colaborar no gabinete de contabilidade dos pais, como era habitual.
1.44. – Uma vez que também padecia de fortes dores na face, cabeça e corpo, estando também envergonhado e revoltado com o seu aspeto físico.
1.45. – Essa colaboração em part time do ofendido H. J. no gabinete de contabilidade dos pais ficou impossibilitada no período de um mês - Setembro deixando de auferir a mesada mensal no valor de 300,00 €.
1.46. – Em face das agressões dos demandados, H. J. ficou impedido de gozar o período de férias programadas em família, durante dez dias, no Algarve.
1.47. – Tal temor da perda de vida perseguiu-o durante dias.
1.48. – H. J. sentiu fortes dores físicas pelas pancadas proferidas pelos demandados no seu corpo, designadamente no olho direito, na cabeça, nos membros superiores e no membro inferior direito.
1.49. – Nas noites seguintes aos factos, o ofendido H. J. teve dificuldade em conciliar o sono, sofrendo de insónias e anedonia.
1.50. – Quando conseguia dormir, o ofendido H. J. tinha sonos agitados.
1.51. – Durante o dia, H. J. apresentava sonolência, irritabilidade e incapacidade para raciocinar facilmente.
1.52. – O demandante teve também medo de sair à rua, temendo a repetição dos atos pelos agressores.
1.53. – O que chegou a inibi-lo de sair de casa, onde se fechou, também como proteção, isolando-se do seu quotidiano habitual e das suas atividades.
1.54. – Ao ponto de ter equacionado não apresentar queixa, por manifesto medo.
1.55. – O ofendido H. J. ficou muito revoltado com o que lhe sucedeu.
1.56. – O que durante meses perturbou o seu espírito e desassossegou o seu ânimo, evitando falar neste assunto e afastando-se dos seus hábitos de convivência.
1.57. – Mas também pelo facto de se ter sentido impotente de ajudar os seus amigos.
1.58. – Facto igualmente potenciador do seu sofrimento, foi a vivência deste episódio pela sua família nuclear – pais e irmã –, que muito se abalaram e se desgastaram com o que lhe sucedeu.
1.59. – H. J., à data dos factos, era aluno do curso de Gestão na Universidade do ….
1.60. – Depois das agressões H. J. absteve-se de sair à rua tranquilamente, sobretudo sozinho ou à noite, de ir ver jogos de futebol, de sair à noite como anteriormente fazia.
1.61. – J. T., agrediu o ofendido E. C. com a fivela de um cinto, desferindo várias pancadas no seu corpo, designadamente na face esquerda.
1.62. – E. C. pensou que o seu amigo H. J. estava morto, facto que lhe determinou um choque e um sentimento de desespero, impotência e sofrimento.
1.63. – E. C. foi assistido na urgência do Hospital ... com a finalidade de ser sujeito a tratamento.
1.64. – E. C. foi suturado com quatro pontos na região média do ramo esquerdo da mandíbula, foi efetuado penso, e tomou analgésicos e anti-inflamatórios durante três dias.
1.65. – Em virtude das agressões E. C. sofreu: Face: solução de continuidade suturada com quatro pontos, com 3 cm de comprimento na região média do ramo esquerdo da mandíbula em área com edema infrajacente e referida como dolorosa à palpação.
1.66. – E. C. padeceu de dores na face e corpo, estando também envergonhado e revoltado com o seu aspeto físico
1.67. – Nas noites seguintes aos factos, o ofendido E. C. não conseguiu dormir, tendo muita dificuldade em conciliar o sono, sofrendo de insónias e anedonia.
1.68. – Quando conseguia dormir, o ofendido E. C. tinha sonos agitados.
1.69. – Durante o dia, E. C. apresentava sonolência, irritabilidade e incapacidade para raciocinar facilmente.
1.70. – O demandante E. C. teve também medo de sair à rua, temendo a repetição dos atos pelos agressores.
1.71. – O que chegou a inibi-lo de sair de casa, onde se fechou, também como proteção, isolando-se do seu quotidiano habitual e das suas atividades.
1.72. – O ofendido E. C. ficou muito revoltado com o que lhe sucedeu.
1.73. – Mas também pelo facto de se ter sentido impotente de ajudar os seus amigos.
1.74. – Durante o primeiro mês o ofendido E. C. viu afetada a sua auto-estima com sintomas emocionais sugestivos de depressão, assim como padeceu de dores físicas.
– E. C., à data dos factos, era aluno do curso de Direito na Universidade de ….”

→ E motivou essa decisão de facto nos seguintes termos (transcrição):
“Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, nomeadamente, nas declarações do arguido L. F. e J. T., e dos assistentes L. M., E. C. e H. J. e no depoimento das testemunhas R. G., E. P., A. B., A. L., C. P., E. C., D. A., A. G., J. P., J. M. e H. R..
Não foi feita prova bastante que afaste a genuinidade dos documentos juntos aos autos, pelo que relativamente aos documentos não autênticos (cfr. artigo 169.º do Código de Processo Penal, o qual refere que “consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”), o seu teor pode ser valorado livremente pelo Tribunal, conjugando os mesmos com a demais prova produzida e as regras de experiência. Assim sendo, o Tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos, designadamente,
- o teor das consultas na base de dados de registo de bens móveis, na Repartição de Finanças, na Segurança Social e na Conservatória do Registo Predial junto com as Refs. 9535830, 9377921, 165812140, 165812155, 165811364, 165811338, na plataforma citius;
- fatura junta com o pedido de indemnização civil deduzido pelo “Hospital ... – ..., Sociedade Gestora do Estabelecimento, S.A.” (cfr. Ref. 7167826);
- as fotografias de fls. 150 e segs. (a preto e branco) e 238 e segs. (a cores);
- certificados de registo criminal juntos aos autos (cfr. Ref. 166595253 quanto a L. F.; e Ref. 166595318 quanto a J. T.).
Valorou-se positivamente a prova pericial junta, i. e., os Relatórios de Perícia de Avaliação de Dano Corporal em Direito Penal, do Instituto Nacional de Medicina Legal, Gabinete Médico-Legal, de fls. 10 a 12 e 15 a 17.
O Tribunal tomou em consideração o teor dos relatórios sociais (cfr. Ref. 9655214 relativo a L. F.; e Ref. 9658031 relativo a J. T.), elaborados pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), quanto à inserção familiar e socioprofissional dos arguidos L. F. e J. T., com o objetivo de auxiliar no conhecimento da personalidade dos arguidos e na correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada – artigos 1.º, n.º 1, al. g) e 370.º, ambos do Código de Processo Penal.
Teve-se em consideração o teor da jurisprudência plasmada no Ac. do STJ de 31/05/2006, proc. n.º 06P1412, in www.dgsi.pt, de acordo com a qual “Os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.” e no Ac. do TRC de 06/01/2010, proc. n.º 20/05.9TÀGD.C1, in www.dgsi.pt, segundo a qual “É permitida, mas não obrigatória, a leitura em audiência de julgamento dos documentos existentes no processo, independentemente dessa leitura, podendo o meio de prova em causa ser objecto de livre apreciação pelo tribunal, sem que resulte ofendida a proibição legal prevista no art. 355.º do Código de Processo Penal”.
Note-se que a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e fundamentação da razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos (v.g., prova documental, pericial e testemunhal), por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura em termos de corroboração factual, ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.
Assim sendo, compreende-se que uma testemunha contribua ativamente para alicerçar o Tribunal na formação da convicção da realidade de um facto pela mesma relatado, atenta a sua isenção e fundamentação da razão de ciência quanto a esse mesmo facto, mas também pode acontecer que essa mesma testemunha transmita ao Tribunal outros factos que, quando confrontados com os demais elementos de prova produzida (e legalmente admissíveis), não sejam bastantes para fundamentar a resposta em determinado sentido dada pelo Tribunal à matéria factual em análise nos autos.
Cumpre salientar que tendo a prova testemunhal sido gravada, de modo algum se deve aqui reproduzir o teor da mesma, por tal não corresponder à letra e ao espírito da lei e ser inexequível na prática, mas sim frisar os pontos essenciais (nomeadamente no que respeita à fundamentação da razão de ciência, isenção, coerência, segurança e emotividade que pautaram em concreto cada depoimento) que determinaram que a convicção do julgador (relativamente ao qual a prova se produziu presencialmente) se formasse no sentido em que consta do elenco dos factos provados.
De referir ainda que a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 258/2001: “não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente”).
Note-se que as transcrições infra exaradas podem não seguir a ordem cronológica em que foram proferidas em julgamento, mas foram agrupadas por assuntos, para melhor compreensão da temática e das versões apresentadas dos factos.
Quanto aos arguidos L. F. e J. T., os mesmos não admitiram a prática dos factos que lhes são imputados na decisão de pronúncia, contudo, a verdade é que não foram convincentes nas suas declarações, porquanto afirmaram factos inverídicos e frontalmente contrários ao afirmado pelos ofendidos L. M., H. J. e E. C. e, em especial, pelas testemunhas E. P., A. B., A. L., C. P., E. C. e D. A., que o Tribunal julgou credíveis (que confirmaram pormenorizadamente a ocorrência e consequência dos factos provados supra elencados) e ainda contrárias às regras de experiência e do normal acontecer dos factos.
Concretizando, quanto ao arguido L. F., o mesmo referiu, no essencial, que “os factos não são verdadeiros… eu estive na discoteca mas não esteve no barulho, não viu pancada, não conhece os ofendidos… não vejo justificação [para ter sido acusado]… o J. não esteve comigo na discoteca, só me encontrei com ele uns dias depois no hospital no nascimento da filha dele”.
Por sua vez, quanto ao arguido J. T., o mesmo referiu, em síntese, que “estou acusado de um crime que não cometi… há mais de 5 anos que não frequento discotecas… eu nunca fui a essa discoteca, sei onde fica mas eu nunca lá fui… tenho de alcunha “N”… eu não estive lá… eu não sei se isso aconteceu… não estamos associados a qualquer claque desportiva”.
Simplesmente não são de confiar as declarações do arguido no que concerne aos factos relativos à sua conduta.
Os arguidos não foram minimamente convincentes nas suas declarações, as quais demonstram uma débil tentativa desresponsabilizadora das respetivas condutas. Com efeito, para além de não se afigurar credíveis as versões dos arguidos (que nada fizeram nem viram de mal), a verdade é que dos depoimentos prestados em julgamento pelas testemunhas que o Tribunal julgou plenamente credíveis (nos termos infra exarados) resulta, sem margem para dúvidas, que os factos imputados aos arguidos na decisão de pronúncia realmente aconteceram.
Os arguidos claramente sabiam mais do que admitiam, a vontade de ocultar a verdadeira dimensão dos factos foi evidente não só na sequência dos seus relatos, como no tipo de respostas (sempre breves e apenas transmitindo o que de essencial achavam ser bom para a sua defesa, seguido de olhares distantes, na maior parte do tempo sem olharem para o julgador).
A atitude física em julgamento dos arguidos comprovou com segurança que o pelos mesmos declarado quanto às suas atuações na contenda física era proferido sem convicção de veracidade (sem a emotividade própria de quem injustamente está a “responder” como arguido, sem o tom de voz inabalável, de quem quer mesmo provar a sua inocência, convencido de nada fez de mal).
Os arguidos claramente demonstraram em julgamento não terem ainda interiorizado a gravidade das condutas que empreenderam e das consequências físicas e psicológicas que das mesmas resultaram.
Assim, as declarações dos arguidos, mormente quanto às respetivas tentativas desresponsabilizadoras das suas condutas, apenas auxiliaram (com as demais provas) o Tribunal a formar a convicção em sentido contrário à versão dos mesmos.
O Tribunal valorou positivamente as declarações de L. M., H. J. e E. C..
Com efeito, porque sempre mostraram uma postura calma (na voz e na expressão corporal) e um raciocínio coerente (i.e. transmitindo uma versão dos factos compatível com a probabilidade lógica/causalidade), nunca deixando transparecer qualquer contradição dos factos pelos mesmos relatados; atenta a circunstância dos factos terem sido corroborados pelos referidos depoentes entre si e pelas testemunhas que o tribunal julgou credíveis (mormente E. P., A. B., A. L., C. P., E. C. e D. A., nos termos infra expostos), e porque em momento algum invocaram matéria fáctica que contrariasse as regras da experiência e do normal acontecer dos factos, os mencionados depoentes lograram convencer o Tribunal sobre a realidade dos factos tal como foram considerados provados (em especial, quanto à identidade dos agentes dos factos referidos na decisão de pronúncia, ao tempo, lugar e modo de ocorrência dos factos e às suas consequências).
Concretizando, quanto ao assistente/demandante L. M. (Militar da GNR, residente na Rua …, n.º …, …, Guimarães), referiu, em síntese, que “eu estive na discoteca… eu o H. J. e o E. C. deslocamos à discoteca… um grupo de 6 indivíduos entre os quais o sr. L. e o sr. J. chegaram e começaram a insultar o grupo de jovens que estava a entoar cânticos do Vitória de Guimarães…o sr. L. agrediu-me com um murro no nariz que me deixou um bocado atordoado… o E. C. foi agredido com um cinto na cara… eu nunca tinha visto essas pessoas… sim sem dúvida nenhuma que foram estes arguidos que bateram a mim, ao L. e ao E. C.… todos os 6 elementos do grupo também me agridem, murros na cara e pontapés… não vi quem atirou a pedra que deixou o H. J. inconsciente… pedras da calçada… havia muito sangue… dava vários pontapés já ele estava inconsciente… eles eram extremamente agressivos.”
Quanto ao assistente/demandante H. J. (assistente, é cabeleireiro de cães, solteiro, residente na Rua … n.º …, …, Guimarães), referiu, em síntese, que “… eu reconheci os arguidos automaticamente os arguidos, juro a pés juntos, sem dúvidas nenhumas, mas estavam lá outros… reconheci-os na GNR das Taipas, não tenho dúvidas que foram estas pessoas que me agrediram… muita agressividade, nós estávamos em inferioridade numérica… nós estávamos sempre por baixo, levamos muita porrada… depois do L. ter levado um murro eu aproximo-me … para ser sincero, daquilo que levei eu não consegui ver em concreto… eu vi uma pedra na minha direção mas a partir daí acabou, perdi os sentidos… eu trabalhava no escritório do meu pai… procuramos saber quem foi que fez isto… vimos todas as fotografias do perfil no facebook… não estávamos dispostos a acusar ninguém sem ter a certeza… voltamos ao local e encontramos a pedra que estava cheia de sangue, era mais ou menos assim [descreve com gestos o tamanho da pedra]… do olho fiquei para aí uma semana sem conseguir ver… estava desfigurado, sempre que saía à rua todos perguntavam o que aconteceu… neste olho estive para aí uns 4 meses… a minha vida mudou um bocado… eu estava a trabalhar em Braga… penso hoje que tipo de retaliações eles podem fazer… medo deles, em qualquer sítio que eu entrava eu imaginava logo um plano de fuga… nunca andava sempre pelo mesmo caminho, fiquei paranoico um bocado… deixei de trabalhar, deixei de ir de férias… as agressões iniciaram-se com um soco do L. no meu amigo… estavam 6 deles e 3 nós… na confusão estavam todos a bater em nós os três… imagem clara do soco e do cinto… ainda durou algum tempo, mas de 15-20 minutos”
Confrontado com fls. 243 e segs. (fotografias), confirma que era essa a pedra.
Quanto ao assistente/demandante E. C. (assistente, solteiro, residente na Travessa ..., n.º …, … Guimarães) referiu, em síntese, que “só conhece os arguidos dos factos… reconheço-os do dia por fazerem parte do grupo que nos agrediram, não há dúvidas nenhumas… agrediram-nos de todas as maneiras possíveis, com pedras, com pontapés, com as mãos, com um cinto… vi a ser agredido com pedra duas vezes, da segunda vez já estava relaxada… com a pedra foi o L. F., com o cinto foi o J. T.… não apresentamos queixa contra outras pessoas que não tínhamos certeza, nós só apresentamos queixa contra as pessoas que não haviam dúvidas nenhumas… na altura estava a estudar, não estava a trabalhar… fiquei dorido pelo corpo todo [mostrou a cicatriz na face… com uma pequena de área com falta de barba]… tive problemas em casa por causa disso, os meus pais eram contra eu apresentar queixa… [intervim] para defender o L. M.… não me lembro quem conduzia o carro… eles eram pelo menos uns seis indivíduos… tal eram as agressões que foram destacadas três patrulhas da GNR (Braga, Taipas e Terras de Bouro), quando a polícia chegou já não estavam lá os agressores… as agressões demoraram cerca de 25 minutos, tanto que nós tentamos fugir e eles continuaram… pedimos várias vezes para pararem, mas eles não paravam… pedras dirigidas à cabeça, com saltos em cima da barriga e das pernas, saltou o L. F. e o J. T.… primeiro com socos e pontapés, depois com o cinto… tenho ideia de os já ter visto na Y, mas nunca estive diretamente com eles… os meus pais são contra isto porque têm medo de eu ser novamente agredido… há um rapaz que era relações públicas na discoteca que disse que os conhecia… eu sei que foram eles, eu é que fui agredido… nós fizemos um contacto com a Y para saber se havia imagens mas pelo que foi dito não há ou foram apagadas… ele [relações públicas na discoteca] deu-nos vários perfis do facebook… eu lembro-me perfeitamente da cara, quando uma pessoa passa por um evento traumático físico lembra-se… nós na altura não tínhamos consciência para apresentar queixa, a nossa preocupação era sermos tratados… a dada altura meti as mãos para me proteger, mas acabei por cair, deitado no chão também vi quem me estava a agredir… da nossa parte não falamos com ninguém… eles começaram a agredir o L. e fomos em socorro, levei um soco do L. F., pontapés… somos 3 a serem agredidos por 6 [identificou claramente pelos nomes os arguidos em julgamento]… era um mercedes de cor escura”.
No decurso das suas declarações, o assistente mostrou ao Coletivo de Juízes a cicatriz que tem na sua face resultante das agressões de que foi alvo (tendo uma zona sem pelos num sítio que devia ter barba).
De realçar a conformidade das declarações dos ofendidos entre si e entre elas e o declarado pela testemunha E. P. (pessoa que, sem qualquer ligação aos intervenientes neste processo, foi plenamente credível no relato do que presenciou diretamente, tal como infra se refere).
Realça-se a preocupação conseguida dos ofendidos em relatar ponto por ponto os factos, sem olvidar qualquer facto importante empreendido pelos próprios e/ou pelos arguidos e a sua correta sequência temporal.
Atente-se ainda na circunstância dos ofendidos não terem caído na eventual tentação de diabolizar as pessoas dos arguidos, assim possivelmente exagerando atos/consequências ou aos mesmos acrescentando algo que não se sucedera na realidade. No relato dos factos, in casu, os ofendidos mantiveram-se assim sempre fiéis à verdade.
Também se valorou positivamente o depoimento de R. G. (solteiro, vigilante, residente na Travessa …; disse conhecer os arguidos e os assistentes), pois sem demonstrar interesse pessoal na causa ou algum intuito de prejudicar ou beneficiar alguns dos seus intervenientes, foi dizendo o que sabe dos factos e justificou cabalmente porque tinha esse conhecimento.
Referiu, em síntese, que “só conheço arguidos e ofendidos da situação… eu trabalhava nessa discoteca… eu não vi o que aconteceu fora da discoteca, só soube no dia seguinte… nessa noite vi os arguidos… eu convidei aquele sr. [L. F.] a sair… por um desacato que houve na discoteca eu convidei o sr. a sair [L. F.] tenho a certeza que era dele… eu só trouxe o L. F., os amigos dele saíram com ele… ele mentiu se disse que nessa noite nem foi lá… eu mandei dois perfis para análise (o acesso foi feito no facebook pelo meu relações públicas teve acesso imediato)… quanto ao outro sr. não posso afirmar com certeza se lá esteve”.
Como decorre deste depoimento o arguido L. F. já estaria envolvido num desacato antes mesmo dos factos ora em análise. O ânimo belicoso do arguido estava assim desperto. O depoimento desinteressado desta testemunha (sem qualquer ligação a qualquer dos intervenientes) descredibiliza o referido pela amiga do arguido A. G..
Quanto a E. P. (solteiro, técnica de análises clínicas, residente na Rua …, Braga; disse conhecer os arguidos e os assistentes) a mesma depôs de modo credível, pormenorizado, baseado no conhecimento direto dos factos, coerente com o depoimento das testemunhas que o tribunal julgou credíveis (nos termos aqui expostos) e foi congruente com as regras de experiência e do normal acontecer dos factos.
Referiu, em síntese, que “só conheci-os naquela noite… nunca vi tanta violência, já assisti a vários episódios mas nada como este… eu estava em casa, mas estava mesmo muito barulho, fui acordada mais cedo e fui à janela… eu vi um rapaz com um cinto na mão, outro rapaz já estava no chão… eles eram imensos, os agressores eram imensos… vi a alguém a agredir com os dois pés a alguém que já estava no chão, vários à volta dele… 2-3 mais exaltados a bater… eles eram mais num mercedes escuro/preto, na altura que eu desci eles avançaram… carro comprido, talvez carrinha NF ou NP, totalmente cheio de rapazes… 100% não consigo dar a certeza que o era a pessoa que tinha o cinto na mão, é o da camisola vermelha [o Sr. J. T.]… um dos que estava a agredir atirou a sapatilha de um dos agredidos… vi agressões na cabeça cheio de sangue… o que estava no chão ele estava completamente desfigurado, na zona do olho, ele tentava falar mas não conseguia, e eu dizia tem calma, vamos chamar a ambulância… vi a pedra, vi a pedra lá ao lado… só conheci o H. J. hoje… seriam 7h10, 7h15… eles estavam com os amigos… havia muito sangue na face, todos eles… eu moro no 3.º andar a uma distância da estrada mais o passeio… tenho a certeza que o condutor era o que estava com o cinto”.
Valorou-se devidamente o depoimento isento (porque sem ligação a qualquer dos intervenientes) desta testemunha, a qual sendo vizinha da discoteca e tendo sido alertada pelo som fora do normal de uma contenda/altercação tem razão de ciência plenamente justificada. As suas declarações ajudaram ainda a dar credibilidade aos depoimentos dos ofendidos pois são conformes com o modo, tempo, lugar e consequências dos factos relatados pela apontada testemunha.
Igualmente se valorou o depoimento de A. B. (residente na Rua …, disse não conhecer os arguidos e conhecer o assistente H. J. por ser seu sobrinho), porquanto justificou cabalmente a sua razão de ciência e não demonstrou cumplicidades perturbadoras do dever de falar com verdade e da sã colaboração com a administração da justiça.
Referiu, em síntese, que “o H. J. é meu sobrinho e padrinho… eu não presenciei as agressões… eu vi-o 2-3 dias depois das agressões, encontrei-o num estado lastimoso, todo amassado… na cabeça, na cara e no tronco… ele contou-me que tinha sido agredido… eu acompanhei o crescimento do H. J.… nunca lhe conheci um historial de violência… sempre afável… ele estava destroçado, queria desistir da vida, completamente por baixo… ele esteve muito tempo na cama sem trabalhar… ele estava muito mal, ele tinha medo, muito medo… muito tempo com hematomas… aquilo estava tudo inchado… era suposto eles nessa semana irem para o Algarve, eles não foram de férias, ficaram por cá em Guimarães… ele dizia que foi agredido de surpresa e que acordei no hospital, mas procurou saber”.
A testemunha A. L. (casada, Educadora de Infância, residente na Rua …, n.º …; disse não conhecer os arguidos e conhecer os assistentes), num discurso espontâneo, seguro e sereno, referiu, em síntese, que “o H. J. é meu irmão… não conheço os arguidos… cabeça rachada, cheio de negras no corpo, de cama assustado… o meu irmão é uma pessoa muito tranquila, não é uma pessoa violenta… o meu irmão… o meu irmão teve muito tempo sem querer sair de casa… pelo menos um mês sem trabalhar… o meus pais pagavam-lhe pelo menos 300 euros por mês… ele tinha vergonha do seu aspeto físico… ele deixou de ver de um olho… ele tinha receio de sair à rua, nessa altura ele deixou de ir à faculdade… com receio de quem pudesse encontrar… mudava o trajeto… eu cheguei a acompanha-lo… ele tomava medicamentos para as dores (ben-u-ron)… passado um ano é que passou a aliviou a coisa do olho, ele tinha derrames no olho”.
No decorrer do seu depoimento, a testemunha foi confrontada com as fotografias de fls. 238 e ss. dos autos (fotos das lesões), tendo confirmado o seu teor.
A testemunha C. P. (solteira, Técnica Auxiliar de Saúde, residente na Rua da …; disse não conhecer os arguidos e conhecer os assistentes) prestou um depoimento que, pela sua espontaneidade, fundamentação da razão de conhecimento e coerência com a demais prova, mereceu a credibilidade do Tribunal.
Referiu, em síntese, que “o H. J. é meu namorado… ele ligou-me para o ir buscar ao hospital ele estava todo desfigurado, o olho todo inchado e negro, todo cheio de arranhões, tinha uma negra muito grande no ombro e pisaduras nas pernas, ele contou-me que estava desmaiado no chão e não se lembra como aconteceu… o H. J. não queria sair de casa, tinha muitas dores, estava receoso… enquanto tinha sinais notórios das agressões ele não queria sair… ele tinha medo de ir sozinho para a universidade, eu cheguei a levá-lo e a ir busca-lo, isso durante uns 4 meses… não fomos de férias… ele ficava apático, não estava bem, ele nem queria falar do assunto, ficava muito ansioso… eu conheço [o ofendido] há dez anos… no olho demorou mais de um a passar, tinha alguns derrames, com dificuldades de visão… eles já tinham sido tratados em termos médicos quando os vi [identificou corretamente a data]… ele estava muito estressado, eu vi os três [aqui assistentes]”.
No decorrer do seu depoimento, a testemunha foi confrontada com as fotografias de fls. 238 e ss. dos autos (fotos das lesões), tendo confirmado o seu teor.
De salientar a honestidade do depoimento desta testemunha, que apesar de ser namorada do ofendido H. J., não sucumbiu à possível tentação de dizer mais do que aquilo que presenciara, mostrando assim o seu depoimento compatível com as regras da experiência, ou seja, coerente com aquilo que alguém presenciaria se estivesse no lugar da depoente.
Quanto a E. C. (solteira, enfermeira, residente na Bairro …; disse não conhecer os arguidos e conhecer os assistentes, sendo namorada do E. C.), a mesma logrou auxiliar o Tribunal a captar a realidade dos factos, uma vez que prestou o seu depoimento de forma credível, porque objetivo, pormenorizado e baseado no conhecimento direto dos mesmos e foi congruente com a demais prova produzida e as regras de experiência e do normal acontecer dos factos.
Referiu, em síntese, que “é namorada do E. C. e amiga dos outros dois ofendidos… não conhece os arguidos… nesse dia o E. C. ligou-me que estava no hospital para o ir buscar que nessa noite tinha sido agredido na discoteca Y… já era de manhã… levou pontos, tem cicatriz na cara, não cresce barba naquele local… o E. C. tinha um golpe na cara, mais inchada, namoro há 6 anos, ele tinha receio de sair à rua, ele era estudante na altura, pensou em desistir da faculdade, durante o dia andava mais nervoso que o normal, andava agitado, durante 2-3 meses… o L. tinha pelo corpo todo mazelas, tinha sangue… o H. J. tinha o olho inchado”.
Valorou-se o depoimento de D. A. (residente na Travessa ..., n.º …, Guimarães; disse não conhecer os arguidos e conhecer os assistentes, sendo primo do E. C.) tanto mais que fundamentou devidamente a razão de ciência dos factos que relatou e foi coerente com as regras da experiência.
Referiu, em síntese, que “não presenciei as agressões… soube no dia seguinte pelo meu primo… Isto foi muito comentado na freguesia devido às agressões… estive com o E. C. logo no dia seguinte… estava completamente em estado de choque… ele estuda em Coimbra… a recuperação não foi fácil, tem falado disso ao longo dos tempos… ele tinha o trauma de sair e de voltar a acontecer… ele mudou, era um rapaz mais festeiro e agora já não é tanto é mais fechado”.
A. G. (solteira, trabalha no café da mãe, residente na Rua …, Braga; disse ser amiga do arguido L. F. e não conhecer os assistentes) referiu, em síntese, que “[à pergunta sobre o motivo do ora arguido ter sido convidado a sair da discoteca, se presenciou algum conflito, respondeu] conflito? Não considero conflito, foi um pequeno atrito, o segurança só convidou o L. a sair… esta foi uma única vez que fui como sr. L. a discoteca Y, era verão, agosto, 2017… foi a meio de agosto”. Negou que o arguido tivesse feito alguma coisa de mal.
Estamos convencidos que esta testemunha prestou um depoimento parcial e notoriamente sabia mais do que verbalizou. A própria circunstância que a testemunha admite com sendo verdade de o arguido L. F. ter sido convidado a sair da discoteca pelo segurança (cfr. supra o depoimento de R. G.) já é em si incompatível com a igualmente por si dita inexistência de qualquer conflito. A incoerência referida aponta claramente para um depoimento interessado apenas na defesa dos interesses do arguido.
J. P. (solteira, toma conta de idosos, residente na Rua …, n.º …, União das Freguesias de …, Braga; disse ser companheira do arguido J. T. e não conhecer os assistentes) referiu, em síntese, que “sou companheira do J. T., namoramos desde 2014 até hoje, temos um filho com 3 anos e desde que nasceu vivemos juntos”. Note-se que os factos em análise são anteriores ao nascimento e as declarações da testemunha contrariam a defesa daquele arguido. Quando a testemunha percebeu isso, tentou remediar a situação dizendo que “eu tive uma gravidez complicada e ele sempre esteve comigo”, no sentido de tentar assegurar que na data/hora dos factos ora em julgamento o arguido estaria com a testemunha em casa dela (“nesse fim de semana ele esteve sempre comigo, não somos frequentadores desses espaços noturnos… a minha filha nasceu a 23… mas ele dormia comigo”).
Mais acrescentou a testemunha que “o J. T. não sai para discotecas, sai mas não para discotecas… ele não é nada conflituoso… o clube dele é o Benfica…”.
Como resulta do teor do mencionado depoimento o mesmo é manifestamente contrário às versões dos factos apresentadas pelos ofendidos. Com esforço a testemunha tentou assegurar que o arguido estava consigo na noite dos factos sub judice. A testemunha chamou a si a defesa dos interesses do arguido, o que determinou a muito reduzida segurança e objetividade do seu depoimento. Ou seja, a testemunha mentiu. Procurou obstar à realização da justiça e impedir a tarefa do Tribunal de captar a realidade dos factos, pois a testemunha ativamente quis perturbar a função do Tribunal, fornecendo-lhe factos que bem sabia não corresponderem à verdade, de modo a que a decisão fosse injusta, ou seja, contrária à verdade material.
A testemunha J. M. (solteiro, desempregado do ramo automóvel, residente na Rua ..., Freguesia de …, Braga; disse ser amigo dos arguidos e não conhecer os assistentes) depôs essencialmente sobre a personalidade, o caráter e as condições pessoais do arguido J. T..
Referiu, em síntese, que “sou amigo do J. T. há bastante tempo, ele não é pessoa para sair para discotecas… conhece a namorada do J. T., ele tem uma filha, não tenho a certeza da data de nascimento… não é uma pessoa agressiva, é uma pessoa amiga, tranquila, que sabe conversar, sabe estar… eu não costumo sair para discoteca… o clube do J. T. é o Benfica… o J. T. tem um mercedes C 220 cinzento… [o arguido] é conhecido pelo “N”, ele foi militar e esteve em missão”.
H. R. (solteiro, Gestor de Seguros, residente na Rua …, Freguesia de …, Braga; disse ser irmão do arguido J. T. e não conhecer os assistentes).
Referiu, em síntese, que “não conheço os ofendidos o meu irmão não frequenta discotecas, nesse ano estava para nascer a minha afilhada, ele sempre foi um pai presente… ele pernoitava na casa da namorada… ele esteve sempre presente durante… muitos fins de semana dormia na casa da namorada… ele é uma pessoa pacata… nunca tive conhecimento de agressões ou confusões… a acusação para mim é uma injustiça”.
Da ocorrência dos factos ilícitos-típicos em questão a testemunha nada sabe. O seu depoimento também não foi idóneo a afastar a responsabilidade dos arguidos pela prática dos factos tal como constam na pronúncia e assegurada mormente pelos ofendidos que diretamente presenciaram, e sentiram no corpo, a ocorrência dos factos tal como supra explanado.
A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. Efetivamente o processo nasce porque uma dúvida está na sua base. No caso concreto, após a realização do julgamento nenhuma dúvida razoável persiste sobre os elementos essenciais dos crimes em análise. Com efeito, dos depoimentos conjugados resultou, no essencial, o apuramento seguro dos factos que constam no elenco dos factos provados (circunstâncias de modo de ocorrência, tempo e lugar e respetivas consequências), e a identidade dos agentes dos factos ilícitos.
Não basta a mera existência de versões diversas dos factos para se provar ou para se afastar a responsabilidade criminal de alguém. Entre muitas faltas à verdade (dos arguidos) e incoerências (contradições entre o declarado pelos arguidos e o declarado pelos ofendidos e pelas testemunhas que o tribunal julgou credíveis mormente o referido pela testemunha E. P., que não tem qualquer relacionamento, pessoal ou profissional, com os arguidos ou com as vítimas), a verdade é que pela análise das diversas versões relatadas pelas pessoas inquiridas em julgamento, pelo constatar das lesões físicas ocorridas (perfeitamente provadas pelos relatórios médicos e pelas testemunhas E. P., A. B., A. L., C. P., E. C. e D. A., além, é claro, dos próprios ofendidos), e ainda pelo recurso às regras da experiência e do normal acontecer dos factos, não restam dúvidas para o tribunal que os arguidos agrediram fisicamente os ora assistentes, com vontade de lesionarem o corpo e a saúde.
É certo que os arguidos L. F. e J. T. e as testemunhas A. G. e J. P. faltaram à verdade quanto aos factos exarados na decisão de pronúncia, mas a ocultação de factos ou o depoimento parcial são realidades que, infelizmente, o tribunal presencia quotidianamente em audiência de julgamento, pelo que a ocorrência das mesmas não obsta a que o tribunal decida com justiça sobre o caso concreto, desde que filtre a contradições e aproveite os factos que com segurança sejam transmitidos e se coadunem com a realidade e as regras de experiência, por forma que a matéria fáctica não fique inquinada com dúvida relevante ou falta de prova.
Dos depoimentos conjugados dos ofendidos L. M., H. J. e E. C. e das mencionadas testemunhas E. P., R. G., A. B., A. L., C. P., E. C. e D. A., assim como do teor dos elementos clínicos juntos aos autos, resultou, no essencial, a confirmação das circunstâncias espácio-temporais em que os factos ocorreram, a dinâmica dos mesmos e as terríveis consequências materiais e humanas.
No que concerne ao elemento subjetivo, a comprovação do mesmo em qualquer ilícito faz-se, ou pela confissão do agente, ou pela existência de elementos fácticos objetivos dos quais aquele elemento se extrai com segurança por aplicação das regras da experiência e do normal acontecer dos factos.
No caso concreto em análise a comprovação do elemento subjetivo resultou, sobretudo, da conjugação das declarações dos arguidos L. F. e J. T. (em especial no que se refere à falta de prova do pelos mesmos declarado e às suas contradições com o declarado pelas testemunhas que o tribunal julgou credíveis e com as regras de experiência e normal acontecer dos factos) com os depoimentos dos ofendidos L. M., H. J. e E. C. e com os testemunhos de E. P., R. G., A. B., A. L., C. P., E. C. e D. A., que o tribunal julgou credíveis nos termos supra expostos, dos demais elementos documentais e periciais constantes nos autos (em especial dos relatórios do Instituto de Medicina Legal e o registo fotográfico) e das regras de experiência e do normal acontecer dos factos, uma vez que se afigura sobejamente conhecido que as ações dos arguidos ao agirem do modo como está exarado nos factos provados implica o preenchimento dos crimes em questão.
Os arguidos sabiam que as suas condutas lhes eram proibidas e punidas por lei, dispondo, no momento da sua atuação, de vontade livre e de plena capacidade de avaliar o desvalor da sua conduta e de se autodeterminar de acordo com essa avaliação.
[…]”
*

IV.2 Recurso do arguido L. F.:

A) Erro notório na apreciação da prova:

Preceitua o art. 410º do Código de Processo Penal [na parte ora relevante]:

«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum:

c) Erro notório na apreciação da prova.»

O erro notório na apreciação da prova “é o erro que se vê logo, que ressalta evidente da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência” (2).
Como é jurisprudência pacífica (3), só há erro notório na apreciação da prova quando for de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores e resulta do próprio texto da decisão (não sendo admissível a sua demonstração através de elementos alheios à decisão, ainda que constem do processo).

O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Perante a simples leitura do texto da decisão, o “homem médio” conclui, legitimamente, que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

Como referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/01/2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, acessível em www.dgsi.pt, “Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.”
Assim entendido, é manifesto que no caso sub judice não se verifica o invocado vício, pois não se deteta, ao nível da apreciação da prova, qualquer erro notório ou manifesto no acórdão recorrido.
Para afirmar a existência do tal erro notório alega o recorrente [ponto v), a fls. 786 a 788] que o tribunal a quo concedeu-lhe poderes de omnipresença, sendo certo que ele não podia estar com uma rapariga e estar numa contenda. Para justificar tal alegação trata o recorrente em seguida de transcrever o depoimento prestado em audiência de julgamento pela testemunha A. G., por si arrolada, cujo teor considera importante e diz ter sido totalmente desconsiderado pelo tribunal recorrido.
Sucede que, o recorrente, incorretamente, alega a existência de erro notório na apreciação da prova, quando, na verdade, como resulta do corpo da motivação e das conclusões, não é isso que pretende invocar. Com efeito, não é o vício do art. 410º que entende que se verifica; o que o recorrente alega, socorrendo-se da análise que isoladamente faz do depoimento da testemunha A. G., é que a apreciação da prova é manifestamente errada. Todavia, isto é uma realidade distinta do erro notório na apreciação da prova.
A pugnada errada apreciação da prova produzida em julgamento não se evidencia, no caso, no próprio texto da decisão.
Na decisão de facto tomada pelo tribunal a quo e, outrossim, na motivação que a estribou e que consta expressamente do texto da sentença recorrida, não se descortinam evidentes, crassos erros, raciocínios ilógicos ou arbitrários, incongruências ou contradições notórias na apreciação da prova que, à luz das regras da experiência comum, permitam concluir a qualquer cidadão comum, medianamente formado, que os factos dados por provados relativamente à conduta do arguido L. F. nunca poderiam ter acontecido, pelo menos da forma descrita pelo tribunal.

Tanto assim é que, como vimos, o recorrente para defender o seu ponto de vista sentiu necessidade de recorrer a prova gravada (depoimento de testemunha), quando para o cumprimento do requisito legal de alegação do vício em causa, nos termos do art. 410º, nº2, al. c), teria de se ater ao texto da decisão recorrida.

Inexiste, destarte, o alegado vício do erro notório na apreciação da prova.

B) Da arguida nulidade do acórdão recorrido, por falta/insuficiência da fundamentação (arts. 379º, nº1, al. a), 374º, nº2 e 122º, todos do CPP, e 205º da CRP):

Neste segmento recursório, o recorrente L. F. defende que o Tribunal a quo formou a sua convicção apenas com base nas declarações dos assistentes e da testemunha E. P., que são insuficientes para a condenação do arguido, desde logo quanto à sua identificação e consequente prova da autoria, e sem efetuar exame crítico das provas.

Apreciando:
No que concerne aos requisitos da sentença, preceitua o art. 374º, nº2, do CPP, que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Por seu turno, prescreve o art. 379º, nº1, al. c), do CPP:
“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº2 e na alínea b) do nº3 do artigo 374º […]”.
A Lei ordinária portuguesa, como corolário do disposto no art. 205º, nº1, do Texto Fundamental (Constituição da República Portuguesa), consagra expressamente o dever de fundamentação das decisões finais, sentenças e acórdãos – art. 374º, nº2 do CPP, bem como aponta a fundamentação como requisito essencial na apreciação da prova produzida em audiência – art. 365º, nº2 -, e na escolha e determinação da sanção a aplicar ao arguido – art. 375º, nº1.
Desde já se dirá que, no nosso entendimento, o acórdão recorrido não padece de falta de exame crítico das provas e de insuficiência ou omissão da fundamentação.
O Supremo Tribunal de Justiça, em diversas decisões, tem consubstanciado o dever de fundamentação da sentença do seguinte modo: para além da indicação dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, a sentença deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência (4).

Paulo Saragoça da Matta (5) entende que a fundamentação das sentenças consistirá:
«(a) num elenco das provas carreadas para o processo;
(b) numa análise crítica e racional dos motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas e a negar importância a outras;
(c) numa concatenação racional e lógica das provas relevantes e dos factos investigados (o que permitirá arrolar e arrumar lógica e metodologicamente os factos provados e não provados); e,
(d) numa apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente»

Pertinente também, e por nós acolhido, o entendimento que sobre a fundamentação tem José Mouraz Lopes (6), nos seguintes termos:
«No processo de elaboração da fundamentação da decisão o procedimento tem de fundar-se na fundamentação lógica e racional do raciocínio do juiz, em função da prova que foi produzida e do modo como se chegou à decisão tomada. Na fundamentação assume especial importância a demostração da prova que sustenta os factos.
Deverá sempre explicar-se o porquê de determinada valoração, e porque não outra. O que levou o tribunal a decidir-se por esta ou aquela opção de prova através de um exame crítico das provas produzidas».
Por outro lado, a motivação não tem de ser extensa, exaustiva e pormenorizada. Basta que seja razoável, aceitável, do ponto de vista do normal e da suficiência, o que sucederá sempre que do seu conteúdo se consiga extrair as razões subjacentes à decisão tomada pelo julgador.
No caso vertente, analisada a motivação da decisão de facto adiantada pelo tribunal a quo, verifica-se que o coletivo de juízes elencou, de forma nominativa, a prova documental, pericial, testemunhal e por declarações – estas prestadas pelos arguidos e assistentes/demandantes civis –, produzida nos autos, que serviu para, em concatenação, formar a sua convicção, explicitou a razão de ciência das testemunhas e dos assistentes, fez uma resenha do teor desses depoimentos e declarações, e expôs, numa análise crítica e racional, apelando às regras da experiência comum e da lógica, os motivos que o levaram a conferir, no que tange à identificação dos arguidos como autores dos ajuizados factos, ao tempo, lugar e modo da sua ocorrência e às consequências deles decorrentes para os ofendidos, relevância e credibilidade às declarações prestadas pelos assistentes e aos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas E. P. e R. G., e a descredibilizar as declarações dos arguidos no que tange à negação dos factos imputados, bem assim os depoimentos prestados pelas testemunhas A. G. e J. P., por eles arroladas e que tentaram igualmente, sem êxito, inocentá-los da prática dos factos.
Em conformidade, a sobredita fundamentação apresenta-se como aceitável, suficiente e racionalmente lógica, permitindo a quem lê a decisão apreender e compreender as razões subjacentes à decisão tomada pelo julgador.
Se o recorrente discorda do juízo probatório emitido pelo tribunal recorrido (como é legítimo) é questão diversa, que extravasa o âmbito da apontada nulidade de omissão (ou insuficiência) da fundamentação da decisão de facto, entroncando já no igualmente alegado erro de julgamento/impugnação ampla da matéria de facto.
Uma breve nota para referir que, se a discordância do arguido/recorrente acerca do sentido da decisão da matéria de facto levada a cabo pelo tribunal será sempre legítima, já nos parece censurável a deturpação dos factos que aquele faz para sustentar a sua tese de que o tribunal a quo não foi inteiramente imparcial e que não foi feita justiça.
Invoca o recorrente [fls. 772]: «A imparcialidade fica muito aquém, porque desvirtuada da prova, sendo que nos parece que existe um preconceito inconcebível com os Arguidos (dá-se como provado que são de claques, sem prova; dá-se como provado que à noite, num espaço sem iluminação, onde supostamente saiu um grupo de encapuçados de um carro, foram os Arguidos que agrediram; dá-se como provados pedras que aparecem dias depois; dá-se como provado sem mais: que justiça?
Ora bem, lidos e relidos os factos provados e ouvidas as declarações dos assistentes e os depoimentos das testemunhas E. P. e R. G., chamados à colocação no recurso, facilmente se constata que o Tribunal recorrido, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, não deu como provado que os arguidos pertenciam a uma claque de clube de futebol, que o local onde ocorreram os factos em discussão não tivesse iluminação e que os agressores se encontrassem encapuçados, nem tais circunstâncias decorrem narradas pelos assistentes e testemunhas mencionadas, assim como não resulta desses meios probatórios que inexistiram, no momento, pedras arremessadas. Assim sendo, só o arguido saberá donde retirou tais ideias.
Inexiste, destarte, a invocada nulidade do acórdão recorrido, prevista no art. 379º, nº1, al. a), por referência ao art. 374º, nº2, ambos do CPP, e 205º, nº1, da CRP.

C) Da invocada valoração pelo tribunal a quo de meio de prova proibido - depoimento indireto [art. 129º do CPP] - e consequente nulidade da prova assim obtida [arts. 125º e 126º, nº1, do mesmo diploma legal]:

Quanto a esta questão, o recorrente fundamenta a sua posição nos seguintes termos [conclusões XV a XXI]:
“XV. O Tribunal a quo valorou meios de prova que nos termos do artigo 129º, nº 1 do Código de Processo Penal não podiam ser valorados, o que consiste numa violação de proibição de prova que deve seguir o mesmo regime de outros meios de prova proibidos (cfr. artigos 125º e 126º, nº 1 do mesmo diploma legal).
XVI. Ao aceitar a identificação dos Arguidos baseada na lógica do “ouvi dizer”, numa fotografia do Facebook que foi enviada por uma pessoa que não foi ouvida perante o Tribunal e nem assistiu às agressões, esta prova deveria ser considerada nula.
XVII. O depoimento de uma testemunha que indica que um terceiro terá identificado o Arguido pelo Facebook “L. F.” carateriza-se como sendo depoimento indireto.
XVIII. Só seria válida uma identificação nesses moldes se, esse terceiro, fosse ouvido perante o Tribunal e demonstrasse qual o perfil que encontrou, dado que é um sem número de buscas de perfis de redes sociais designados por L. F..
XIX. Ao omitir a existência de prova nula que valorou, o acórdão proferido fica inquinado por nulidade.
XX. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem produzindo jurisprudência no sentido de que a valoração de depoimentos indirectos como único meio de prova para alcançar a condenação viola o disposto no artigo 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na dimensão em que exige que o processo seja equitativo e 6º, nº 3, alínea d), que exige que o arguido possa interrogar as testemunhas de acusação, o que no seu entender só se alcançará com o interrogatório da testemunha de que se ouviu dizer.
XXI. A fundamentação do acórdão encontra-se viciada pelo uso de prova nula, tal vício estende-se a toda a decisão por aplicação do disposto no artigo 122º, nº 1 do Código de Processo Penal e nos termos do nº 2 do mesmo artigo, implica que deva ser proferida nova decisão expurgada da consideração como meios de prova da parte indireta dos referidos depoimentos.”

Prescreve o art. 129º do CPP, sob a epígrafe “depoimento indireto”:
“1 – Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se não o fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.
2 – O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.
3 – Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de que recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos.»
O sobredito preceito legal impõe, assim, para a eficácia deste meio de prova, a necessidade de uma confirmação do depoimento indireto, com a consequente audição da(s) pessoa(s) a quem se ouviu dizer (salvo as situações excecionais acauteladas na parte final do nº1). Bem se compreende que assim seja, porquanto, como avançam Simas Santos/Leal H. J.s, in “Código de Processo Penal Anotado”, I Volume, 2ª Edição, 2004, p. 713, «pontificando no processo penal o princípio da verdade material, e assumindo o mesmo processo – por força da própria Constituição, art. 32º, nº5 – uma estrutura acusatória onde relevam a imediação e a contraditoriedade na produção da prova, designadamente no debate instrutório e na audiência de julgamento (cfr. art. 301º), é óbvio que a validade do depoimento “por ouvir dizer” só em certos circunstancialismos poderia surtir efeitos jurídicos, desde logo se excluindo eficácia a esse depoimento nos casos em que a testemunha se recuse ou não esteja em condições de referenciar a fonte da sua ciência.»
No caso vertente, como vimos, entende o arguido/recorrente L. F. que o tribunal recorrido, ao aceitar a identificação dos arguidos baseada na lógica do “ouvi dizer”, numa fotografia do Facebook que foi enviada por uma pessoa que não foi ouvida perante o tribunal e nem assistiu às agressões, utilizou prova nula, pois que o depoimento de uma testemunha que indica que um terceiro terá identificado o arguido pelo Facebook com o perfil “L. F.” caracteriza-se como sendo depoimento indireto. Só seria válida uma identificação realizada nesses moldes, caso esse terceiro fosse ouvido perante o Tribunal e demonstrasse qual o perfil que encontrou, dado que há um sem número de buscas de perfis de redes sociais designados por L. F..
Donde, no entendimento do recorrente, ao omitir a existência de prova nula que valorou, o acórdão proferido fica inquinado por nulidade.
Salvo o muito respeito que temos por tal entendimento, julgamos que não colhem os argumentos esgrimidos pelo recorrente.
Primeiramente, urge notar que a norma do art. 129º do CPP é inaplicável à situação dos autos, porquanto a mesma rege o depoimento indireto de uma testemunha sobre o que ouviu dizer a outra testemunha, não sendo abrangido pelo seu específico e excecional campo de aplicação o caso de depoimento indireto de um assistente sobre o que ouviu dizer a outra pessoa, o qual não pode, em qualquer circunstância, valer como meio de prova. Com efeito, atenta a natureza excecional da norma em apreço, não é legítima a sua aplicação analógica a outras situações que não as ali especificamente indicadas, pelo que a sua razão de ser, isto é, a preservação da prova testemunhal em circunstâncias muito particulares, extraordinárias, é inaplicável ao depoimento indireto produzido pelos sujeitos processuais (como arguidos e assistentes). (7)
Por outro lado, cumpre ter presente que, como alerta o Exmo. Juiz Conselheiro José António dos Santos Cabral, in “Código de Processo Penal Comentado”, Coimbra, Almedina, p. 486, o depoimento indireto não incide sobre os factos que constituem objeto de prova, mas sim sobre algo de diferente, ou seja, sobre um depoimento que se ouviu; isto é, o depoimento de prova contende com um meio de prova e não com os factos objeto de prova, pois o que está em causa não é o que a testemunha (depoente) percecionou, por si, diretamente, mas antes o que lhe foi transmitido por quem percecionou os factos.
Dito isto, ressuma da motivação da decisão de facto expendida pelo tribunal no acórdão recorrido, que nenhuma declaração eventualmente proferida pela pessoa que acedeu aos perfis de facebook dos arguidos e obteve as respetivas fotografias – o indivíduo que, ao tempo, exerceria funções como relações públicas na discoteca Y – aos assistentes, foi valorada como prova da identificação dos arguidos e da sua autoria na prática dos ajuizados factos.
O assistente L. M. referiu ao tribunal a quo que foi o assistente H. J. que, através do facebook, mostrou a si e ao assistente E. C. imagens de vários indivíduos, tendo eles reconhecido, sem dúvidas, dois deles, os aqui arguidos, como fazendo parte do grupo que os agrediu; mais explicitou que, segundo o H. J., foi o segurança da discoteca, seu conhecido, que mostrou a este os perfis do facebook de indivíduos que naquela mesma noite, momentos antes dos acontecimentos julgados nos autos, tinham sido colocados fora do estabelecimento por estarem a causar desacatos no seu interior.
O assistente H. J. confirmou que foi o segurança da discoteca que lhe forneceu os perfis de facebook dos ora arguidos, os quais, segundo o declarante, seriam conhecidos do “relações públicas” daquele estabelecimento, tendo aquele reconhecido pelas fotografias os arguidos como sendo dois dos agressores.
O assistente E. C. mencionou que o assistente H. J. recebeu os perfis dos arguidos (e de outras pessoas) através do facebook, os quais, pelas fotografias que deles constavam, foram por si indubitavelmente reconhecidos como duas das pessoas que procederam às agressões; acrescentou que foi um rapaz, que julga exercer funções como relações públicas na discoteca Y, que conhecia os arguidos do estabelecimento e, tendo sabido da ocorrência das agressões, forneceu esses perfis de facebook; desconhecia se o dito “relações públicas” tinha assistido ou não às agressões.
Por seu turno, a testemunha R. G. adiantou que foi o “relações públicas” da discoteca que lhe enviou, por correio eletrónico, os perfis de facebook de, pelo menos, dois indivíduos, os quais se limitou a reencaminhar para o assistente H. J..
Por conseguinte, o que o tribunal a quo valorou foi o facto de cada um dos assistentes ter “reconhecido”, através das fotos que constavam dos respetivos perfis de facebook, os dois arguidos como tendo sido quem os agrediu, naquilo que é de considerar uma perceção direta de cada um deles; outrossim, valorou a identificação que os assistentes fizeram dos arguidos em audiência de julgamento, como autores das ajuizadas agressões.
O tal indivíduo que acedeu aos preditos perfis de facebook e os disponibilizou à testemunha R. G., que, por seu turno, os reencaminhou por via eletrónica para o assistente H. J., limitou-se a proceder a tal acesso e a contribuir para que o conteúdo dessas páginas da rede social facebook chegasse ao conhecimento dos ofendidos. Ao dito relações públicas nada os assistentes “ouviram dizer”, muito menos que ele os tivesse visto a agredi-los, identificando-os como autores dos factos objeto de discussão nos autos. De igual modo, a testemunha R. G., quando disponibilizou os perfis de facebook em causa ao assistente H. J., não veiculou a este que eles eram os indivíduos que o agrediram a si e aos restantes assistentes, quer porque a testemunha asseverou não ter assistido às agressões, quer porque o mencionado “Relações Públicas” da discoteca não lhe disse isso, mas tão-somente que aqueles indivíduos seriam seus conhecidos e teriam estado presentes no estabelecimento na noite em questão, momentos antes da ocorrência dos apreciados factos.
Em conformidade, salvo melhor opinião, conclui-se que não foi valorado pelo Tribunal a quo depoimento indireto, de ouvir dizer.
A valoração dos sobreditos meios de prova, nas circunstâncias e com o alcance que foi adotado pelo tribunal a quo é, como vimos, legal, inexistindo assim qualquer invalidade da prova por violação do disposto no art. 129º do CPP.
Questão diversa, antes concernente ao mérito da impugnação da matéria de facto dada por provada a que ambos os arguidos procedem nos seus doutos recursos e que aqui não abordaremos, é a de saber se a identificação dos arguidos realizada pelos assistentes em audiência de julgamento se acha ou não inquinada pela prévia visualização das fotos daqueles constantes dos perfis de facebook a que tiveram acesso por intermédio de terceiro pesquisador, afetando a credibilidade daquelas declarações.
Improcede quanto a este segmento o douto recurso.


D) Da arguida nulidade da decisão recorrida, fundada no art. 374º do CPP, por, alegadamente, não se reportar ao elemento subjetivo do crime e não especificar se o arguido é, e qual a fundamentação, condenado em autoria, coautoria ou cumplicidade:

A alegação recursória, nesta parte, cinge-se ao vertido em epígrafe.
No que concerne aos requisitos da sentença, preceitua o art. 374º, nº2, do CPP, que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Por seu turno, prescreve o art. 379º, nº1, al. c), do CPP:

“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº2 e na alínea b) do nº3 do artigo 374º […]”.
A Lei ordinária portuguesa, como corolário do disposto no art. 205º, nº1, do Texto Fundamental (Constituição da República Portuguesa), consagra expressamente o dever de fundamentação das decisões finais, sentenças e acórdãos – art. 374º, nº2 do CPP, bem como aponta a fundamentação como requisito essencial na apreciação da prova produzida em audiência – art. 365º, nº2 -, e na escolha e determinação da sanção a aplicar ao arguido – art. 375º, nº1.
Relativamente à afirmação de omissão de fundamentação do acórdão recorrido no que tange ao elemento subjetivo dos crimes de ofensa à integridade física qualificada pelos quais o recorrente foi condenado, refira-se que a mesma é cabalmente contrariada pelo texto da decisão recorrida, bastando uma não aturada leitura da mesma para se concluir pela manifesta falta de razão do recorrente na temerária alegação que produz.

Transcrevemos o segmento da motivação que se reporta expressamente ao elemento subjetivo do crime [sendo certo que os respetivos factos suscetíveis de o integrar constam dos pontos 1.19, 1.20 e 1.21 dos factos provados] – pág. 28 do acórdão, a fls. 724, vº, dos autos:
«No que concerne ao elemento subjetivo, a comprovação do mesmo em qualquer ilícito faz-se, ou pela confissão do agente, ou pela existência de elementos fácticos objetivos dos quais aquele elemento se extrai com segurança por aplicação das regras da experiência e do normal acontecer dos factos.
No caso concreto em análise a comprovação do elemento subjetivo resultou, sobretudo, da conjugação das declarações dos arguidos L. F. e J. T. (em especial no que se refere à falta de prova do pelos mesmos declarado e às suas contradições com o declarado pelas testemunhas que o tribunal julgou credíveis e com as regras de experiência e normal acontecer dos factos) com os depoimentos dos ofendidos L. M., H. J. e E. C. e com os testemunhos de E. P., R. G., A. B., A. L., C. P., E. C. e D. A., que o tribunal julgou credíveis nos termos supra expostos, dos demais elementos documentais e periciais constantes nos autos (em especial dos relatórios do Instituto de Medicina Legal e o registo fotográfico) e das regras de experiência e do normal acontecer dos factos, uma vez que se afigura sobejamente conhecido que as ações dos arguidos ao agirem do modo como está exarado nos factos provados implica o preenchimento dos crimes em questão.»

O Tribunal a quo cumpriu assim cabalmente o ónus legal de fundamentação que sobre ele impendia relativamente à especifica motivação da decisão de facto atinente ao elemento subjetivo do crime em apreço.

Ademais, também cumpriu a exigência legal de fundamentação no que concerne à motivação de direito referente ao preenchimento, no caso concreto, do elemento subjetivo do crime de ofensa à integridade física qualificada, conforme decorre do ali doutamente expendido e que aqui se transcreve:
«O preenchimento subjetivo do tipo de crime em análise demanda o dolo como, aliás, é regra geral em Direito Penal (cfr. artigo 13.º do Código Penal), que pode aqui assumir qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal (dolo direto, necessário ou eventual).» - pág. 31 do acórdão, in fine, a fls. 726 dos autos. E, mais adiante: «Quanto ao elemento subjetivo do tipo de crime de ofensa à integridade física qualificada, provou-se que, além do mais, que:
- Com o comportamento descrito, os arguidos atuaram, sempre, com intenção concretizada de atingir os assistentes nos seus corpos, de lhes causar as referidas lesões, dores e mal-estar físico, o que representaram; e
- Agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Pelo exposto, constata-se que se provaram os elementos do tipo legal de crime (elementos objetivo e subjetivo) supra referidos e que não ocorre qualquer circunstância que exclua a ilicitude ou a culpa, de forma que os arguidos L. F. e J. T. terão de ser condenados pela prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada de que vêm pronunciados.» - pág. 33 do acórdão, a fls. 727.
Soçobra, pois, este fundamento recursório.

Diferentemente, no que tange à invocada omissão do acórdão recorrido quanto à forma de comparticipação dos arguidos nos factos, julgamos que assiste razão ao recorrente L. F..
Com efeito, o Tribunal a quo não se debruçou, na fundamentação de direito, com reflexo no dispositivo do douto acórdão, como podia e devia, sobre a forma de comparticipação criminosa dos arguidos que gerou a sua condenação.
Como refere Maria da Conceição Valdágua (A Autoria Mediata no Âmbito da Criminalidade Organizada), referindo-se ao artigo 26º do Código Penal e citada por Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette (8), «esta disposição legal descreve sucessivamente quatro formas de comparticipação criminosa, em cada uma das quais o agente é, invariavelmente, “punível como autor”, consistindo a primeira e a terceira na prestação de contributos de natureza material e as duas restantes na prestação de contributos de natureza moral ou psíquica. Trata-se, concretamente, das formas de comparticipação criminosa que, na literatura juspenalista portuguesa, são designadas por autoria imediata, autoria mediata, co-autoria e instigação, as quais, nos termos da lei, consistem, respetivamente, em: 1) executar o facto por si mesmo; 2) executá-lo por intermédio de outrem; 3) tomar parte direta na execução do facto, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros; 4) determinar dolosamente outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução»
É, pois, imperioso que o arguido, lendo a decisão condenatória, possa saber, univocamente, qual foi para o julgador a sua forma de comparticipação nos factos perpetrados que justificaram a sua condenação, o que in casu não sucede.
Tanto mais que a própria qualificativa vertida na al. h), do nº2, do art. 132º do Código Penal, ex vi do art. 145º, nº2 do mesmo diploma legal, na parte em que prevê a prática do facto “juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas” exige para o seu preenchimento uma atuação em coautoria, a qual não é, em momento algum, expressamente afirmada na decisão recorrida [embora se pudesse eventualmente extrair da factualidade provada].
Por todos, veja-se na jurisprudência o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/2014, processo nº 168/11.0GCCUB.S1, disponível em www.dgsi.pt: «Quando vários arguidos realizam, em comum, um facto ilícito, todos são autores (a própria lei denomina neste caso os intervenientes como «co-autores»). A co-autoria também se baseia no domínio do facto. Porém, a partir do momento em que na sua execução intervêm vários autores o domínio do facto tem de ser comum, cada co-autor domina o processo total em união com outra ou outras pessoa, consistindo assim numa «divisão de trabalho», que torna possível o facto ou que facilita o risco e requer, no aspecto subjectivo, que os intervenientes se vinculem entre si mediante uma una resolução comum sobre o facto, assumindo cada qual, dentro do plano conjunto uma tarefa parcial mas essencial que o apresenta como co-titular da execução de todo o processo.
VII - Se a acção do recorrente é fruto de um desígnio de vontade autónomo não se indicia a agravante da al. h) do n.º 2 do art. 132.º do CP [praticar o facto com, pelo menos, mais duas pessoas].»

Com igual entendimento, na Doutrina, Jorge de Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, anot. ao art. 132º, §23, p. 36, e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UCE, anot. 19 ao art. 132º, p. 352.
Refira-se que a coautoria implica a execução conjunta do facto pelos agentes, com base num acordo firmado entre eles (expresso ou tácito, prévio ou concomitante à execução) sobre a repartição de tarefas, com o fito comum de realização do facto. Exige-se, por via da existência do acordo, a consciência bilateral de colaboração entre os participantes.
Por conseguinte, verifica-se a arguida [tempestivamente – cf. art. 379º, nº2, do CPP] nulidade do douto acórdão recorrido por omissão de fundamentação atinente à forma de comparticipação de cada um dos arguidos nos factos ajuizados dados como provados, sendo certo que tal invalidade apresenta-se como indubitável ao nível da motivação de direito [e consequente dispositivo], urgindo que seja suprida pelo Tribunal que proferiu a decisão em causa – cf. art. 379º, nº1, al. a), do CPP, com referência ao art. 374º, nº2, do mesmo Código.
Em conformidade, deve o Tribunal Coletivo a quo, se possível na sua originária composição, proferir novo acórdão em que, apreciando a questão da forma de comparticipação dos arguidos nos factos ajuizados, supra a referida omissão, sendo que no caso de, no seu ponderado e avisado critério, entender necessário aditar qualquer facto para o efeito, deverá reabrir a audiência (com ou sem produção de prova suplementar) e cumprir o disposto no art. 358º do CPP [não se olvidando que tal omissão provem já da própria decisão instrutória]. (9)
Procede parcialmente, nos preditos termos, o recurso deduzido pelo arguido L. F..
Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo recurso do arguido L. F. e, bem assim, das que são levantadas pelo recurso do arguido J. T..
*

IV - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães:

A – Quanto ao douto recurso interposto pelo arguido L. F.:
A1 – Julgá-lo improcedente no que tange aos invocados/arguidas:
- Erro notório na apreciação da prova;
- Nulidade do acórdão recorrido, fundada no disposto conjugadamente nos arts. 379º, nº1, al. a), 374º, nº2 e 122º, todos do CPP, e no art. 205º da CRP, por, alegadamente, não fundamentar a decisão, formando a sua convicção apenas com base nas declarações dos assistentes e da testemunha E. P., sem efetuar exame crítico das provas;
- Nulidade da prova por valoração pelo tribunal a quo de depoimento indireto;
- Nulidade da decisão recorrida, fundada no art. 374º do CPP, por, alegadamente, não se reportar ao elemento subjetivo do crime.

A2 – Julgá-lo parcialmente procedente e, em conformidade, declarar verificada a arguida nulidade parcial do douto acórdão recorrido por omissão de fundamentação ao nível da motivação de direito [e consequente dispositivo] atinente à forma de comparticipação de cada um dos arguidos nos factos ajuizados dados como provados [cf. art. 379º, nº1, al. a), do CPP, com referência ao art. 374º, nº2, do mesmo Código].
A2.1 - Em conformidade, determinar que Tribunal a quo (se possível na sua originária composição), profira novo acórdão em que, apreciando a questão da forma de comparticipação dos arguidos nos factos ajuizados, supra a referida omissão, sendo que no caso de, no seu ponderado e avisado critério, entender necessário aditar qualquer facto para o efeito, deverá reabrir a audiência (com ou sem produção de prova suplementar) e cumprir o disposto no art. 358º do CPP.

B – Julgar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo recurso do arguido L. F. e, bem assim, das que são levantadas pelo recurso do arguido J. T..
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Sem custas (arts. 513º e 514º, a contrario, ambos do Código de Processo Penal).
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Guimarães, 22 de março de 2021,

Paulo Correia Serafim (relator)
Maria Augusta Fernandes

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)



1. Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e seguintes; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém atualidade.
2. Conselheiro Sérgio Gonçalves Poças, ibidem, p. 29.
3. Entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2011, processo 308/08.7ECLSB.S1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 09703/2018, processo 628/16.7T8LMG.C1, de 03/06/2015, processo 12/14.7GBSTR.C1, de 14/01/2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, e de 17/12/2014, processo 872/09.3PAMGR.C1; e do Tribunal da Relação de Lisboa de21/05/2015, processo 3793/09.6TDLSB.L1-9, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
4. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 13/10/1992, in CJ, Ano XVII, 1992, tomo I, p.36, de 21/03/2007, processo nº 07P024, disponível em www.dgsi.pt, de 23/04/2008, in CJSTJ, tomo II, p. 205, e de 08/012014, processo nº 7/10.0TELSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
5. “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, Almedina, p. 265.
6. “Gestão Processual: Tópicos Para Um Incremento da Qualidade da Decisão Judicial”, in Revista Julgar, nº10, 2010, págs. 142 e 143.
7. Com este entendimento, vide Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., anotações 1 e 10 ao art. 129º, pp. 345 e 347, e Luís Lemos Triunfante, “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo II, anot. Do § 17 ao aludido artigo, p. 94.
8. In “Código Penal Anotado e Comentado”, 2ª Edição, Quid Juris, p. 141.
9. Assumindo aqui o nosso entendimento de que uma alteração assim produzida será possível e não substancial, porquanto não contende com o preenchimento dos elementos típicos (objetivos e subjetivo) do tipo legal de crime (cfr., ainda, art. 1º, al. f), a contrario, do CPP).