Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
570/09.8TAVNF-F.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: DESPACHO DE EXPEDIENTE
RECLAMAÇÃO
IRRECORRIBILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECURSO REJEITADO
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Os despachos de expediente incidem apenas na tramitação do processo, estando despidos de qualquer conteúdo típico do exercício da função jurisdicional.

II) Tais despachos, para além de serem insusceptíveis de recurso, não podem também ser atacados pela via da arguição/reclamação de nulidade.

III) Tendo o despacho de expediente sido objecto de uma reclamação – com a arguição da nulidade insanável por violação das regras da competência em razão da hierarquia – não sendo a mesma admissível, não devia, por maioria de razão, ter sido admitido o recurso do despacho que se pronunciou sobre a mesma.

IV) A não entender-se assim, ou seja, a admitir-se a referida reclamação por via da nulidade e posterior recurso do despacho incidente sobre a mesma, estar-se-ia a permitir “atacar” despachos de expediente e, claro está, que não foi essa a intenção do legislador, porquanto não prevê a possibilidade de os despachos de mero expediente serem impugnados. Tais despachos são inatacáveis.
Decisão Texto Integral:
Desembargadora Relatora: Cândida Marinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1. No processo nº570/09.8TAVNF-F que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz 4 - com data de 18/12/2017 foi proferido o despacho judicial com o seguinte teor:

“Concordamos com a posição assumida pelo Ministério Público no sentido de que nada obstará - nem os recurso “interlocutórios” interpostos pelo arguido, ainda pendentes – à apreciação do recurso de fls. 1630, já admitido a fls. 1642, dirigido ao Tribunal Constitucional.
Neste sentido, remeta os autos ao Tribunal Constitucional, extraindo translado para acompanhamento”.

Perante tal despacho veio o arguido reagir contra o mesmo, através de requerimento apresentado em 16 de Janeiro de 2018, arguindo a nulidade insanável do mesmo, por violação das regras da competência em razão da hierarquia, na medida em que o tribunal de 1ª instância não detinha competência para o proferir.

Segundo o arguido, a competência da 1ª instância restringe-se apenas à apreciação da questão que determinou a baixa do processo do Tribunal da Relação do Porto à Instância Central Criminal de Guimarães, questão essa que se prendia em saber se houve ou não violação das regras de determinação do Juiz Natural ou Legal na distribuição do processo para julgamento, sendo que, quanto ao demais, a jurisdição pertence ao Tribunal da Relação do Porto.

Ou seja, de acordo com a posição do arguido/recorrente, o supra mencionado despacho que determinou a remessa de um recurso ao Tribunal Constitucional para a apreciação - recurso esse já admitido pelo Tribunal da Relação do Porto - foi proferido por quem não tinha competência para tal, e daí a incompetência em razão da hierarquia.

Na sequência deste requerimento em que pugna pela verificação da mencionada nulidade insanável foi proferido o Despacho de 22/1/2018, nos seguintes termos:

“O arguido sustenta que — e passamos a citar — «este processo não deveria ter baixado, em julho de 2016», o que apenas terá sucedido porque «o Ex.mo Desembargador Relator foi transferido para o T.R.L.», e «A condução dos autos, passou a estar a cargo de outro relator (que — imaginamos — não ser conhecedor de todo o processo); o qual ordenou a baixa dos autos, com um simples despacho, “como se promove “».
O processo baixou à primeira instância para os fins indicados no ponto 10 do requerimento que antecede.
A questão foi decidida e da decisão foi interposto recurso, com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 2411).
Nada obsta, por isso, ao conhecimento do recurso dirigido ao Tribunal Constitucional.
O despacho que determinou a subida do processo ao Tribunal Constitucional é, por isso, um despacho de mero expediente relativamente ao qual não se coloca qualquer questão de jurisdição.”.

Pelo exposto, julgo improcedente a arguição de nulidade.(…)

2. É deste Despacho que o arguido veio agora interpor recurso, o qual incide sobre o indeferimento da nulidade insanável invocada, por violação da competência em razão da hierarquia, despacho esse que segundo o recorrente também não se mostra convenientemente fundamentado, conforme resulta da Constituição e da Lei.

Formulou, para o efeito, as seguintes conclusões:

A. O presente recurso tem por objecto uma decisão que padece de falta de fundamentação, nos termos do art. 205º da C.R.P. e art. 97º, nº 5 do C.P.P.. É uma “não decisão”!...
B. A causa eficiente da arguição da nulidade insanável, aqui em questão, foi o despacho de mero expediente que ordenou a remessa de um recurso (já admitido pelo T.R.P.) para o Tribunal Constitucional.
C. A incompetência absoluta do Tribunal de 1ª instância de Guimarães é patente, para outros despachos que não sejam os conducentes a apreciar a nulidade insanável, invocada a fls. 2072 e 2074 e seguintes, dos autos.
D. A decisão que constitui fundamento do presente recurso, é a que segue: “O despacho que determinou a subida do processo ao Tribunal Constitucional é, por isso, um despacho de mero expediente relativamente ao qual não se coloca qualquer questão de “jurisdição”.
E. A decisão supra descrita na alínea D), causa perplexidade ao recorrente, na medida em que, os despachos de mero expediente não carecem de ser fundamentados; mas, tal facto não afasta as regras da jurisdição e da competência do Tribunal, porque um juiz que proferir tal despacho tem de pertencer a um Tribunal com jurisdição competente (de forma absoluta – exceptua-se a competência territorial).

- A nulidade insanável

F. Dispõe o art. 119º do C.P.P. que “constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento” (até ao trânsito em julgado – enquanto durar a instância) … alínea e) a violação das regras de competência do Tribunal, sem prejuízo do disposto no nº 2 do art. 32º”.
G. A violação de uma das regras de competência do Tribunal (com a excepção da competência territorial) constitui uma nulidade insanável.
H. A violação das regras da competência em razão da hierarquia, constituem motivo de nulidade insanável.
I. O Tribunal da Comarca de Braga – Instância Central Criminal de Guimarães, enquanto Tribunal de 1ª instância é incompetente em razão da hierarquia, para ter proferido o despacho aqui em crise.
J. O Tribunal da Comarca de Braga – Instância Central Criminal de Guimarães, não dispões de competência para proferir um qualquer outro despacho que não seja o especifico para aferir se houve (como pensa o arguido) – ou não – violação das regras da distribuição, ao nível da 1ª instância, conforme foi requerido a fls. 2072 e 2074 e sgts., impetrado em 10/02/2014, nos Juízos de Competência Criminal de Vila Nova de Famalicão, (entretanto extintos). Requerimento esse, formulado na sequência de decisão do S.T.J..
K. A 1ª instância – apenas – tem competência para aferição e julgamento – depois da produção de prova requerida – se se verificou (como se julga ter acontecido, ao nível da quase certeza) a violação das regras de determinação do Juiz Natural ou Legal, na distribuição do processo para julgamento.
L. No que tange às outras matérias em crise, a Jurisdição pertence ao Tribunal da Relação do Porto. Este processo não deveria ter baixado (a totalidade dos autos), em Julho de 2016, conforme sucedeu.
M. Naquela altura (Junho/Julho de 2016) ainda existiam questões pendentes na Jurisdição do Tribunal da Relação do Porto.
N. A Jurisdição deste processo não saiu do Tribunal da Relação do Porto, antes de serem decididas as questões que ainda se encontram em aberto; e, até, com recursos pendentes.
O. Com trânsito em julgado: está decidido que o processo deveria baixar à 1ª instância, mas para se aferir – e tão só - se houve (como parece ter existido) manipulação da distribuição e consequente violação do princípio do Juiz Natural.
P. Depois de algumas insistências do arguido, o Desembargador Relator, acabou por proferir despacho a indagar o recorrente se queria que baixasse os “autos todos” ou apenas “parte do processo” – despacho de fls. 2263.
Q. O arguido declarou, expressamente, que não queria que a Jurisdição saísse do T.R.P., formulou requerimento, no qual indicou as peças processuais e a fls. dos autos necessárias para se aferir e julgar, junto da 1ª instância, a questão da nulidade insanável, decorrente da não observância das regras da distribuição; e, consequente violação do princípio do Juiz Natural ou Legal.
R. A 1ª instância, apenas, tem competência para aferir a questão requerida a fls. 2074 e sgts..
S. É forçoso concluir que o despacho, com a referência 156 062 971, proferido em 18/12/2017 (causa eficiente do presente recurso), pelo Tribunal da Comarca de Braga – Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz 4, foi decidido por Tribunal incompetente, em razão da hierarquia.
T. A Jurisdição dos presentes autos cabe ao Tribunal da Relação do Porto e não à 1ª instância, onde presentemente se encontram.
U. Estatuí o art. 32º nº 1 do C.P.P. que “a incompetência do Tribunal é por este conhecida e declarada oficiosamente e pode ser deduzida pelo Ministério Público, pelo arguido, e pelo Assistente até ao trânsito em julgado da decisão final”.
V. Estamos no âmbito da incompetência absoluta, em razão da hierarquia: pois, os autos estão sob a Jurisdição do Tribunal da Relação do Porto e não sob a Jurisdição da 1ª instância!...
W. Estamos, portanto, perante uma incompetência – de tal forma grave (uma incompetência absoluta) – que o nosso legislador a considerou nulidade insanável, nos termos do art. 119º al. e) do C.P.P..

- Das inconstitucionalidades verificadas

X. No âmbito da fiscalização concreta sucessiva da constitucionalidade o recorrente deverá suscitar a questão durante a instância, perante o Tribunal da Ordem Judicial e deverá observar os seguintes normativos: art. 280º C.RP. e art. 69º e seguintes da L.T.C.
Y. Para tanto, devemos socorrermo-nos do acórdão do T.C. nº 421/2001, que serve de “guião” à invocação das inconstitucionalidades decorrentes da fiscalização concreta sucessiva (art. 280º da C.R.P.).
Z. Conforme o aludido Acórdão nº 421/2001 do T.C.,uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando (i) o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica (ii) o princípio ou norma constitucional que considera violadas e (iii) apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo”.

- 1ª Inconstitucionalidade: Violação do princípio da fundamentação das decisões judiciais.

AA. Estatui o art. 205º, nº1 da C.R.P. que “as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei”.
BB. A decisão objecto do presente recurso, não é uma decisão de mero expediente. Logo, o Tribunal “a quo” devê-la-ia ter fundamentado nos termos do art. 97º, nº5 do C.P.P..
CC. A interpretação que o Tribunal recorrido fez do art. 97º, nº 5 do C.P.P., acha-se desconforme com o principio do dever de fundamentação das decisões judiciais previsto no supra aludido artigo 205º, nº 1 da C.R.P..

- 2ª Inconstitucionalidade: violação do princípio do juiz natural

DD. O art. 32º, nº 9, da Constituição da Republica Portuguesa, estatui que “nenhuma causa pode ser subtraída ao Tribunal cuja competência esteja fixada em Lei anterior”.
EE. Efectivamente, a competência para tramitar o processo dos presentes autos, pertence ao Tribunal da Relação do Porto, conforme melhor se acha expendido supra, máxime itens 37, 38 e 39.
FF. A mudança operada no Desembargador Relator (por virtude de este ter ido exercer funções para o T.R.L.) é que provocou esta entorse na tramitação processual tendo baixado os autos (todos) à 1ª instância, com duas decisões pendentes, a saber: i) a decisão acerca da nulidade invocada a fls. 2072 e 2074 e sgst; ii) a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional, relativa à violação do princípio da legalidade, na interpretação do art. 375º do C.P., quando aplicada ao caso concreto, na decisão de fundo ou mérito da causa.
GG. A jurisdição dos presentes autos cabe ao Tribunal da Relação do Porto, e não ao Tribunal de 1ª instância – Juízos criminais de Guimarães.
HH. Estamos perante uma incompetência razão da hierarquia a qual provoca como consequência jurídica a verificação de uma nulidade insanável, nos termos do art. 119º, al. e) do C.P.P.
II. “A interpretação” que foi dada pelo Tribunal “a quo” - ao entender que as regras de competência do Tribunal não se aplicavam ao caso concreto, por se tratar de uma despacho de mero expediente, e como tal “não se coloca qualquer questão de jurisdição” – é inconstitucional porque viola o referido art. 32º, nº9 da C.R.P.
JJ. Estamos, portanto, perante uma inconstitucionalidade normativa, na medida em que “a interpretação”, geral e abstracta, efectuada ao art. 119º, al. e) do C.P.P. viola o princípio do juiz natural consagrado no art. 32º, nº9 da C.R.P.. Quer nos parecer até, que no caso dos autos se verificou um “desaforamento ilícito”.

3. O Ex.mo Procurador da República na primeira instância respondeu ao recurso, pugnando no sentido de ser negado provimento ao recurso, “porquanto, ao invés do propugnado, a competência dos tribunais superiores cinge-se ao conhecimento dos recursos e incidentes relacionados com os mesmos, para além da admissão dos recursos interpostos das suas decisões, sendo a restante matéria, nomeadamente os actos gestionários do processo, da competência dos tribunais da 1ª instância”.

4. Neste tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo no sentido de:

- ser rejeitado o recurso por inadmissibilidade, em virtude de se tratar de um despacho de mero expediente, cfr. art.400,nº1,al.a), do C.P.P. ou, caso assim não se entenda,
- ser negado provimento ao recurso interposto, dando por reproduzidas as considerações expendidas pelo Ministério Público em 1ª instância, acrescentando que tratando-se o despacho em crise de mero expediente não carecia o mesmo de qualquer fundamentação nos termos do art. 97º,nº5, do C.P.P..
5. O arguido/recorrente, cumprido o disposto no art. 417º,nº2, pronunciou-se nos termos vertidos a fls.79-86, reafirmando o que já havia dito na motivação do recurso.
6. Através do requerimento junto a fls. 87 a 89, veio o recorrente requerer a alteração do efeito atribuído ao recurso, peticionando a fixação de efeito suspensivo e, cumprido o contraditório, veio o Ex.mo Procurador Geral Adjunto pronunciar-se nos termos vertidos a fls.99.
7. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência.

Cumpria decidir, não obstante, impõe-se o conhecimento de uma questão que obsta ao conhecimento do recurso e que passa pela sua inadmissibilidade.

II. Fundamentação

De acordo com o disposto no art. 420º,nº1,alínea b), do C.P.P., o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do nº2, do art.414º.

Dispõe este último, para além do mais, que o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível.

Vejamos então se a decisão relativamente à qual o recorrente se insurge é ou não recorrível.

O despacho posto em crise no presente recurso trata-se daquele que se pronunciou sobre a arguição da nulidade insanável invocada pelo recorrente, indeferindo-a, nulidade essa atinente, segundo o recorrente, à violação das regras da competência em razão da hierarquia por parte do tribunal de primeira instância para proferir o despacho que determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional, competência essa pertencente ao Tribunal da Relação do Porto.

Temos um primeiro despacho que determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional e, pretendendo reagir contra o mesmo, o arguido decidiu fazê-lo pela via da arguição/reclamação da identificada nulidade.

E percebe-se porquê.

Tal deveu-se ao facto, certamente, do referido despacho que determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional se tratar de um despacho de mero expediente e, como tal, insusceptível de recurso, de acordo com o disposto no art. 400º,nº1, al. a).

E, de facto, trata-se de um despacho de mero expediente.

Não há qualquer dúvida a esse respeito.
O próprio arguido o reconheceu na sua resposta ao parecer do Ex.mo Procurador Geral Adjunto.

Segundo o art. 152º, n.º4, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º, do CPP, o despacho de “mero expediente” é assim definido: “destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes”.

A respeito deste tipo de despachos, escreveu o Prof. Aberto dos Reis, in Código Processo Civil, anotado, Vol.V, pág.249, “ não admitem recurso, porque, pela sua própria natureza, não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros.

Como refere o mesmo Professor, tratam-se de “despachos banais que não põem em causa interesses das partes, dignos de protecção”.

Miguel Teixeira de Sousa, nos seus “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 1997, LEX, páginas 213 e 214, refere que «alguns despachos incidem somente sobre aspetos burocráticos do processo e da sua tramitação, e por isso, não possuem um conteúdo característico do exercício da função jurisdicional, nem afetam a posição processual das partes ou de terceiros. São os chamados os despacho de mero expediente, que são aqueles que se destinam a prover ao andamento regular do processo e não decidem quanto ao conflito de interesses entre as partes ».

Posto isto, incidindo apenas na tramitação do processo e estando despido de qualquer conteúdo típico do exercício da função jurisdicional, dúvidas não existem de que o despacho que determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional para apreciação de um recurso já admitido pelo Tribunal da Relação, se trata de um despacho de mero expediente e, assim sendo, insusceptível de recurso.

E, de facto, dele não recorreu o arguido.

Mas, para contornar tal obstáculo, arranjou forma de “obter” um outro despacho que incidindo sobre a arguição/reclamação da nulidade invocada lhe abrisse a porta para impugnar o primeiro, mas com a “capa” da impugnação do segundo.

Ou seja, por via indirecta, pretende atacar o primeiro despacho – este é o seu principal objectivo - que é insusceptível de recurso.

Mas, a verdade é que o despacho que determinou a remessa dos autos ao tribunal constitucional não era também susceptível de ter sido atacado pela via da arguição/reclamação de nulidade.

Aliás, nem os despachos judiciais susceptíveis de recurso permitem ser atacados por via da reclamação da nulidade. Esta, a existir, tem de ser invocada em sede de recurso a interpor do despacho.

A tal propósito, refere o mesmo Professor Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol.2, pág. 507/508 “A arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente.

Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.

Mas, como já referimos, o despacho em apreço que determinou a remessa dos autos ao tribunal constitucional, porque de um despacho de expediente se trata, não é susceptível de recurso.

E, assim sendo, como é, se não admite recurso, a reclamação de que foi alvo o referido despacho de expediente – com a arguição da nulidade insanável por violação das regras da competência em razão da hierarquia – não era também admissível e, por maioria de razão, não devia ter sido admitido o recurso do despacho que incidiu sobre a mesma.

A não se entender assim, a admitir-se a referida reclamação por via da nulidade e posterior recurso do despacho incidente sobre a mesma, estar-se-ia a permitir “atacar” despachos de expediente e, claro está, que não foi essa a intenção do legislador, porquanto não prevê a possibilidade de os despachos de mero expediente serem impugnados.

Tais despachos são inatacáveis.

Tudo para concluir que sendo irrecorrível o primeiro despacho, o é também o segundo.

E, deste modo, tendo sido admitido o recurso em apreço pelo tribunal a quo, mas não se encontrando este tribunal de recurso vinculado a tal, conforme disposto no art. 414º,nº3, do C.P.P., impõe-se agora rejeitar o mesmo, nos termos do citado art. 420º,al.b).

Por tudo o exposto, rejeitado o recurso, fica prejudicada a apreciação do requerimento atinente à fixação do efeito do recurso.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em rejeitar o recurso interposto pelo recorrente José.

Pela rejeição do recurso, condena-se o recorrente no pagamento da importância de 6 UC (art.420º,nº3, do C.P.P.).

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 22 de outubro de 2018