Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3621/17.9T8BRG-A.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: SEGUNDA PERÍCIA
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Para que seja deferida a realização de segunda perícia é necessário que o requerente alegue, de modo fundamentado e concludente, as razões pelas quais discorda do relatório pericial.

2- Essas razões têm de incidir sobre eventuais inexactidões (latu sensu), contradições ou insuficiências de que eventualmente padeça a perícia e que, caso venham efetivamente a verificar-se, sejam suscetíveis de levar a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia.

3- O requerente tem de: a) especificar os pontos sobre que discorda do relatório de perícia; e b) indicar as concretas razões dessa discordância.

4- O requerente não tem de demonstrar a procedência dessas razões, uma vez que essa demonstração apenas pode ser alcançada com a realização da segunda perícia.

5- No entanto, os motivos de discordância por eles indicados terão de ser aptos, do ponto de vista objetivo, atentas as circunstâncias do caso concreto, a criar um estado de dúvida no julgador médio sobre se a perícia efetuada não padecerá dos vícios que o requerente lhe assaca e que caso venham a ser demonstradas levam a que seja alcançado um resultado distinto do da primeira perícia.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

No âmbito da ação declarativa com processo comum, que C. Lopes, instaurou contra a sua ex-mulher, E. Ferreira, foi requerida e determinada perícia, que consta do seguinte objeto:

a) determinar o valor, ao preço corrente e de mercado, do prédio urbano sito no …. Esposende, constituído por uma casa destinada a habitação, de rés-do-chão e andar, tipo T4, com anexo, inscrito na matriz sob o artigo ... da União das Freguesias de Esposende, Marinhas e Gandra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º ... de Marinhas; e
b) proceder à discriminação do valor obtido, discriminando o valor do solo e o valor da construção (muros, casa de habitação e anexos).

Uma vez realizada a perícia, foi apresentado pelo perito o relatório de fls. 15 a 30, documentado com diversas fotografias do prédio sobre o qual incidiu a perícia, incluindo fotografia aérea retratando o local em que este se insere, bem como anexos, este instruídos por caderneta predial urbana, certidão da conservatória do registo predial do prédio, além de vários elementos extraídos do sitio na Internet de várias imobiliárias, anunciando a venda de seis prédios, elementos estes que segundo o que consta de fls. 7 do relatório pericial apresentado, se referem a elementos que o perito consultou “de várias fontes de informação de valores de venda de moradias da freguesia de Marinhas ou próximos, com características idênticas às moradias em avaliação, analisando cerca de cem propriedades, das quais selecionou” as referidas seis, bem como duas simulações.

Aquele relatório pericial é precedido de compromisso de honra do perito, em que este senhor perito informa que “para cumprimento da diligência para que foi nomeado, teve em conta os elementos constantes do processo, tendo identificado o prédio em causa, que vistoriou detalhadamente no dia 6 de fevereiro de 2018, na companhia dos senhores mandatários Dr. C. F. e Dr. T. M.”, além de que “consultou as fontes de informação e literatura existente sobre o tema em causa e necessários para desenvolver a perícia, tendo sempre em conta que avaliar um bem é estimar o seu valor em condições normais do mercado, na ausência de qualquer tipo de pressão, quer para venda, quer para a compra do mesmo”.

Notificadas as partes do teor daquele relatório pericial, veio a Ré requerer a realização de segunda perícia, nos seguintes termos:

1. A Ré discorda com os valores apresentados pelo Ex.mo Perito.
2. De facto, o prédio urbano alvo de peritagem, encontra-se com vários defeitos de construção, nomeadamente com inúmeras fissuras, infiltrações, tinta esfarelada, vários buracos nos tetos, gessos dos tetos danificados, entre outros.
3. Contudo, com os supra defeitos elencados, a data de edificação do prédio e a localização, o prédio urbano em lide, deverá ser avaliado em valor manifestamente inferior ao indicado pelo Ex.mo Perito.

Nestes termos,

Requer-se a V. Exª se digne a que se proceda à realização de segunda perícia, nos termos do art. 487º do CPC, com o intuito da segunda perícia corrigir a inexatidão dos resultados da primeira perícia”.

Após contraditório, foi proferida decisão indeferindo o requerido e que consta dos termos seguintes:

“Veio a ré requerer a realização de segunda perícia invocando, para o efeito, discordar do valor da avaliação, mercê dos defeitos que o prédio apresenta, nomeadamente fissuras, infiltrações, tinta esfarelada, vários buracos nos tetos e gessos dos tetos danificados.

Resulta do disposto no art. 487º, n.º 1 do CPC que qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.

Ora do relatório junto aos autos decorre que a perícia foi precedida de vistoria detalhada do imóvel objeto da avaliação, a qual decorreu na presença dos ilustres mandatários das partes.

Do referido relatório resultam evidenciados os critérios determinantes dos valores alcançados, não se vislumbrando qualquer irregularidade ou negligencia.

Por conseguinte, o fundamente da requerida segunda perícia é manifestamente inoperante, resumindo-se na discordância da avaliação, sem que as razões para tanto se mostrem fundadas – atenta a vistoria realizada pelo perito que certamente lhe permitiu aferir do estado do imóvel, mormente os invocados “defeitos”, percetíveis, em termos de normalidade, por mera observação.

Por conseguinte, inexistindo fundadas razões para a invocada discordância, indefere-se a realização da segunda perícia”.

Inconformada com esta decisão, veio a Ré interpor o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:

A- Com o devido respeito, o entendimento sufragado no Douto Despacho recorrido merece ser censurado no que concerne ao indeferimento da segunda perícia.
B- A recorrente impugnou o relatório pericial, quanto ao seu teor e alcance, fundando as razões da sua discordância, relativamente ao relatório pericial apresentado, nos termos do artigo 487º do CPC, consequentemente, a Sra. Juiz a quo, indeferiu o pedido da realização da segunda perícia formulado pela Recorrente, pelo (simples) facto, do referido pedido ser alegadamente inoperante, “resumindo-se à discordância da avaliação, sem que as razões para tanto se mostrem fundadas (…)” e determinou que a realização da segunda perícia, era inoperante, por se demonstrar injustificada.
C- Como fundamento, para a realização da segunda perícia, a Recorrente indicou os seguintes fundamentos, que originam a discordância com os valores apresentados pelo Exmo. Perito: vários defeitos de construção, nomeadamente com inúmeras fissuras, infiltrações, tinta esfarelada, vários buracos nos tectos, gessos dos tetos danificados, entre outros; a data de edificação do prédio; a localização, o prédio urbano em lide; os valores apresentados pelo Exmo. Perito.
D- «O que justifica o segundo arbitramento é a necessidade ou a conveniência de submeter à apreciação doutros peritos os factos ou o valor dos bens que já foram apreciados. Parte-se da hipótese de que os primeiros peritos viram mal os factos ou emitiram sobre eles juízos de valor que não merecem confiança, que não satisfazem; porque se não considera convincente o laudo obtido no primeiro arbitramento, é que se lança mão do segundo. Chamam-se outros peritos, mais numerosos e porventura mais qualificados, para examinarem os mesmos factos e os apreciarem tecnicamente
E- No âmbito da referida impugnação, a Recorrente não aceitou os valores apresentados pelo Exmo. Perito que elaborou o relatório pericial, alegando fundadamente as razões da sua discordância.
F- Porém, este estado de dúvida é suficiente para justificar a segunda perícia, pois a existência da dúvida, mostra que a perícia já feita não as dissipa.
G- Face ao que fica mencionado, afigura-se que o requerimento para a segunda perícia, cumpre as exigências formais e materiais para desencadear a segunda perícia.
H- Face ao exposto sempre se dirá que a segunda perícia deveria ter sido deferida.
I- Pelo que, decidindo como decidiu, o Douto Despacho recorrido violou o disposto no art. 487º do CPC.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência revogar o douto despacho que indeferiu a realização da segunda perícia por considerar inoperante, determinando-se a sua substituição por outro, no sentido de determinar a realização da segunda perícia”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a única questão que se encontram submetida à apreciação desta Relação resume-se em saber se o despacho recorrido, ao indeferir a segunda perícia requerida pela apelante, se encontra ferido de erro de direito.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a apreciação da presente apelação são os que constam do relatório acima elaborado.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A apelante assaca erro de direito ao despacho recorrido, sustentando que contrariamente ao que se afirma naquela decisão, a mesma impugnou o teor e o alcance do relatório pericial, indicando as fundadas razões da sua discordância em relação àquele, a saber: a) a existência de vários defeitos de construção no prédio, nomeadamente com inúmeras fissuras, infiltrações, tinta esfarelada, vários buracos nos tetos, gessos dos tetos danificados, entre outros; b) a data da edificação desse prédio; c) a localização deste; d) e os valores apresentados pelo perito, e que tais razões são mais que suficientes para justificar a realização da segunda perícia, até porque os defeitos de construção do prédio, a localização deste, etc., são fatores que necessariamente se repercutem nos valores a atribuir à moradia e essa avaliação constitui matéria particularmente complexa, em que existe sempre a possibilidade de ocorrem inexatidões e discrepâncias.

Citando Alberto dos Reis, segundo a apelante, o que justifica a razão de ser da segunda perícia é a necessidade ou conveniência de se submeter à apreciação doutros peritos os factos ou o valor dos bens que já foram apreciados. Parte-se da hipótese de que os primeiros peritos viram mal os factos ou emitiram sobre eles juízos de valor que não merecem confiança, que não satisfazem; porque se não considera convincente o laudo obtido no primeiro arbitramento, é que se lança mão do segundo. Chamam-se outros peritos, mais numerosos e porventura mais qualificados, para examinarem os mesmos factos e os apreciarem tecnicamente.

Conclui assim a apelante que os factos que invocou são suficientes para criar um estado de dúvida sobre a bondade da perícia realizada, estado de dúvida esse que já não se dissipa, a não ser através da realização da segunda perícia.
Vejamos se assiste razão à apelante nas críticas que faz ao despacho recorrido.
Como é sabido, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial (art. 388º do CC).

Nestes casos atribui-se a técnicos especializados a verificação ou a inspeção de factos que não estão ao alcance direto do julgador por estarem dependentes de regras de experiência e de conhecimentos técnico-científicos que não fazem parte da cultura geral ou da experiência comum e que, por isso, pode e deve presumir-se não serem detidos pelo julgador.
Compreende-se assim que se diga que “o perito é “um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua aptidão técnica e científica” (1).
Note-se, contudo, que apesar da singularidade da prova pericial decorrente da circunstância desta ter por objeto a perceção ou averiguação de factos que reclamam conhecimentos especiais que o julgador não domina, o respetivo valor probatório é fixado livremente pelo juiz (art. 389º do CC), à semelhança do que sucede também com a segunda perícia.

Realizada a perícia e notificado o respetivo relatório às partes, prevê o art. 487º, n.º 1 do CPC, que qualquer delas pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de dez dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, acrescentando o seu n.º 3 que a segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.

A segunda perícia não é assim “uma instância de recurso”, destinando-se antes a averiguar os mesmos factos que foram objeto da primeira perante a alegação de fundadas razões alegadas por qualquer das partes ou que se suscitem no espírito do julgador que o levem a criar a fundada suspeita de que a primeira padece de eventuais inexatidões, que importa suprir. A segunda perícia visa, assim, “fornecer ao tribunal novo elemento de prova relativo a factos que foram objeto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos pode contribuir para a formação duma mais adequada convicção judicial” (2).

Deste modo, compreende-se que o juiz, perante os resultados da primeira perícia, designadamente, as contradições entre as posições dos peritos quando ela tenha sido colegial ou perante dúvidas que surjam no seu espírito a propósito de eventuais inexatidões sobre o resultado alcançado naquela, possa, a todo o tempo, determinar oficiosamente a realização de segunda perícia com vista ao apuramento da verdade (art. 487º, n.º 2 do CPC), e que uma vez efetuada a segunda perícia, esta não invalide o resultado da primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal (art. 489º do CPC).

Antes da revisão operada pelos DL. n.ºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, o requerimento das partes solicitando a realização de segunda perícia não necessitava de ser justificado, não tendo o requerente de apontar quaisquer defeitos ou vícios à primeira perícia, sequer carecia de apontar as razões porque julgava pouco satisfatório ou pouco conveniente o resultado desta.

Com efeito, conforme refere a apelante e é explicado por Alberto do Reis, no âmbito do precedente regime processual, “o que justificava o segundo arbitramento é a necessidade ou a conveniência de submeter à apreciação doutros peritos os factos ou o valor dos bens que já foram apreciados. Parte-se da hipótese de que os primeiros viram mal os factos ou emitiram sobre eles juízos de valor que não merecem confiança, que não satisfazem; porque se não considera convincente o laudo obtido no primeiro arbitramento, é que se lança mão do segundo. Chamam-se outros peritos, mais numerosos e porventura mais qualificados, para examinarem os mesmo factos e os apreciarem tecnicamente” (3).

Em termos práticos, conferia-se à parte que ficasse insatisfeita com os resultados da primeira perícia a possibilidade de se socorrer de um segundo meio probatório (uma segunda perícia) de modo a suprir toda e qualquer dúvida que pudesse pairar no seu espírito sobre a eventual inexatidão ou deficiência das perceções dos peritos ou das conclusões por eles extraídas, ainda que meramente subjetivas, por não alicerçadas em quaisquer razões objetivas à luz dos critérios da normalidade e razoabilidade, ou que pretendesse obter uma justificação diferente da emitida pelos intervenientes na perícia anterior, em que o juiz nunca podia rejeitar a realização da segunda perícia, nomeadamente com fundamento no seu caráter impertinente ou dilatório.

Com efeito, entendia-se que uma vez reconhecida pelas partes a necessidade ou conveniência da diligência pericial, que aquelas, reafirma-se, não precisavam de fundamentar, “não se devia tolher a nenhuma delas a faculdade de pretender corrigir, completar ou confirmar os resultados do primeiro arbitramento, por nunca se poder anunciar antecipadamente o efeito que este arbitramento exercerá a final no espírito dos julgadores” (4).

Acontece que na sequência da reforma de 1995 e 1996 ao CPC, este regime foi alterado e com ele deixaram de ser válidos os fundamentos aduzidos por Alberto dos Reis para justificar a realização imotivada da segunda perícia a requerimento das partes.

Na verdade, passou a exigir-se como condição do deferimento da segunda perícia que o requerente alegue “fundadamente” as razões da sua discordância em relação a relatório apresentado (art. 487º, n.º 1 do CPC), o que significa que, contrariamente ao que acontecia no anterior regime processual, a parte não pode limitar-se a requerer a segunda perícia, sendo-lhe exigido “que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente” (5).

A segunda perícia deixou, assim, de ser configurada como puro ato discricionário das partes, em que lhes bastava pedir a realização desta, antes passou a ter como condição que requerente alegue, de modo fundamentado e concludente, as razões pelas quais discorda do relatório apresentado.

Como se refere no Ac. do STJ de 25/11/2004 (6), a expressão adverbial “fundadamente” significa precisamente que o requerente tem de explicitar claramente as razões da sua discordância em relação ao relatório apresentado, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. A exigência de tal requisito reside na necessidade do requerente ter de substanciar o requerimento com razões sérias e concludentes que justifiquem a realização da segunda perícia e que, caso se verifiquem, possam levar a um resultado pericial diverso (7).

Essa necessidade imposta ao requerente da segunda perícia de ter de substanciar o seu requerimento, apontando nele razões sérias e concludentes que justificam e reclama a realização de segunda perícia decorre de duas ordens de razões, a saber: uma de natureza processual, que visa impedir que esta diligência probatória seja utilizada como “mero expediente dilatório” ou de “mera chicana processual”; a segunda de natureza substantiva, a qual seja apontar e precisar as razões da discordância com o resultado da primeira perícia, as quais não podem deixar de incidir sobre eventuais inexatidões (latu sensu), contradições ou insuficiências com relevância nas respetivas conclusões de que padeça a primeira perícia (8), uma vez que a segunda perícia destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta primeira e, consequentemente, impõe-se que o requerente delimite o âmbito sobre que incidirá a segunda perícia.

Dentro desta lógica e conforme realça a doutrina e a jurisprudência, o requerente “deve especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objeto da segunda e de seguida deverá indicar de seguida os motivos pelos quais discorda, os quais, como referido, têm de ser sérios e concludentes, por forma que, a verificarem-se, possam levar a um resultado pericial diverso, mas já não terá de demonstrar a procedência dessas razões, uma vez que essa procedência ou improcedência dependerá necessariamente da realização da nova perícia (9).

Trata-se aqui do requerente, mediante a especificação dos pontos do relatório com o qual discorda e a indicação dos motivos sérios e concludentes para essa sua discordância fazer nascer no espírito do julgador médio um estado de dúvida sobre se o relatório não padecerá efetivamente das inexactidões, contradições ou insuficiências que o requerente lhe aponta, motivos esses que, a verificarem-se, poderão levar a um resultado pericial diverso daquele que foi alcançado na primeira perícia, por forma a poder concluir, por um lado, que aquela segunda perícia não é expediente meramente dilatório e impertinente e, por outro lado, que existem efetivas (reais) e sérias razões para a realizar – as indicadas pelo requerente.

Assente nestas premissas, compulsado o requerimento apresentado pela apelante solicitando a realização da segunda perícia, constata-se, desde logo, que esse requerimento, salvo o devido respeito por entendimento contrário, mostra-se totalmente desgarrado do relatório pericial junto aos autos.

Com efeito, no requerimento apresentado, a apelante não analisa ou procede a qualquer sindicância daquele relatório, limitando-se a referir discordar do mesmo por o prédio peritado encontrar-se com vários anos de construção, apresentar inúmeras fissuras, infiltrações, tinta esfarelada, apresentar buracos nos tetos, gesso dos tetos danificados, “entre outros”.

Acrescenta que aqueles defeitos, a data de edificação do prédio e a sua localização levará a que seja avaliado por um preço “manifestamente” inferior ao indicado pelo perito.

A apelante não assaca qualquer crítica à metodologia seguida pelo perito naquele relatório para avaliar aquele prédio, nomeadamente, para calcular o valor do solo e o das construções nele implantadas.
A apelante não diz não ser verdadeira a afirmação do senhor perito de que teve acesso aos elementos do processo e que analisou esses elementos, sequer que não seja verdadeira a afirmação daquele segundo a qual procedeu à vistoria detalhada do prédio no dia 06/02/2008, na companhia dos ilustres mandatários das partes, sequer, ainda afirma ser falso que aquele perito tivesse consultado várias fontes de informação e literatura sobre o tema, com vista à realização da perícia ou, ainda, ser falso que tivesse analisado cerca de cem propriedades e informações de venda de moradias da freguesia de Marinhas ou próximas, com características idênticas à moradia em avaliação, das quais selecionou seis.

A apelante não faz qualquer análise crítica aos dados que foram considerados pelo perito a propósito da idade do prédio, sua localização, qualidade e das condições de conforto e coeficientes que a esse propósito foram considerados pelo perito na avaliação que fez, e isto não obstante, esses dados constarem expressos nesse relatório, desconsiderando, em absoluto, esses dados e tudo o quanto mencionado vem naquele relatório pericial.

A apelante limitou-se, pois, genericamente a afirmar discordar dos valores apresentados pelo senhor perito, sem concretizar que valores são esses, se os finais, ou se os parciais que o perito foi indicando ao longo do relatório pericial até alcançar o resultado final e, bem assim, também, a afirmar genericamente que o prédio tem vários defeitos de construção, nomeadamente inúmeras fissuras, infiltrações, tinta esfarelada, vários buracos nos tetos, gessos dos tetos danificados “entre outros”, olvidando, em absoluto, que esses defeitos, atenta a natureza que esta lhes imputa, seriam naturalmente visíveis a olho nu e tiveram, consequentemente, de ter sido percecionados pelo perito na vistoria detalhada que o mesmo afirma ter realizado ao prédio em 06/02/2018, acompanhado pelos ilustres mandatários das partes (o que a apelante não nega ter acontecido) e de ser por ele considerados no relatório pericial (cujo teor a mesma ignora e desconsidera, em absoluto, nem sequer a ele fazendo qualquer referência no requerimento que apresenta, solicitando a segunda perícia), concluindo que esses defeitos, a data de edificação do prédio (que não concretiza) e a localização do prédio levará que o mesmo seja avaliado por um valor manifestamente inferior ao indicado pelo perito.

Acontece que conforme decorre do relatório pericial, lê-se neste que o prédio se localiza “na …. da União das Freguesias de Esposende, Marinhas e Gandra, a cerca de 500 metros do centro da cidade de Esposende”, tendo o senhor perito atribuído àquele um coeficiente de localização de 0,7.

Quanto à data da edificação desse prédio, lê-se naquele relatório, que o senhor perito considerou que aquele tem “cerca de 5 anos de idade, com coeficiente de vetustez de 0,9”.

Quanto aos invocados defeitos, em sede de compromisso de honra, o perito refere ter “identificado o prédio em causa, que vistoriou detalhadamente no dia 6 de fevereiro de 2018 na companhia dos senhores mandatários Dr. C. F. e Dr. T. M.”, sendo certo que os defeitos que são referenciados pela apelante, como dito e bem realça o tribunal a quo, a existirem, atenta a sua natureza, tinham de ser percetíveis ao senhor perito aquando daquela análise detalha que fez ao prédio na companhia dos ilustres mandatários das partes, pelo que tiveram de ser considerados no relatório pericial. Aliás, nesse relatório, o perito atribui um coeficiente de qualidade e conforto a esse prédio de 1,17.

Em síntese, como referido, a apelante, no requerimento em que fundamentou a sua pretensão de ver realizada a segunda perícia, desgarrou-se completamente do relatório pericial, não considerando os dados que neles constam a propósito dos vários aspetos que questiona, não afirmando se esses dados são certos ou errados ou se falsos ou verdadeiros (caso da vistoria detalhada que o perito afirma ter feito ao prédio no dia 6 de fevereiro de 2018 na companhia dos ilustres mandatários das partes), desconsiderando, reafirma-se, em absoluto, esses dados e todo o teor do relatório pericial.

Concluindo, a apelante não dá manifestamente cumprimento ao ónus de especificação que sobre se impendia de indicar os concreto pontos do relatório pericial de que discorda.

Passando aos motivos dessa sua discordância (genérica), quanto aos invocados defeitos, como referido, os mesmos tiveram de ser detetados pelo senhor perito na vistoria detalhada que realizou no dia 6 de fevereiro de 2018 na companhia dos mandatários das partes, vistoria detalhada essa que, como referido, a apelante não afirma não ter tido lugar.

A apelante também não diz se o coeficiente de qualidade e conforto de 1,17 do prédio vistoriado, atribuído no relatório pelo perito, em face desses defeitos está certo ou errado. Aliás, a apelante nem sequer se refere a esse coeficiente, posto que ignora e desconsidera, em absoluto, o relatório.

Já quanto à data da edificação do prédio (que a apelante nem sequer concretiza) e à localização do mesmo, como referido, esses dados foram considerados pelo perito na avaliação que fez, conforme ressalta da simples leitura do mesmo – cerca de 5 anos -, sendo certo que a apelante não diz que esses dados que foram por ele considerados não estejam certos, sequer alega o que quer que seja que permita, sequer remotamente, lançar qualquer dúvida sobre a eventual inexactidão desses dados que aí foram considerados.

Finalmente, quanto aos valores, a apelante nem sequer diz quais são os concretos valores em relação aos quais manifesta a sua discordância.

No entanto, a serem os valores finais, como se presume que seja atento o teor do seu requerimento, cumpre referir que os valores finais são a conclusão e que não é pelo valor final que se pode extrair qualquer ilação sobre se esse valor tem ou não aderência às concretas características do prédio e ao valor de mercado do mesmo, mas sim pelas respetivas premissas, isto é, em função das características de dois prédio, um avaliado em vinte mil euros e outro num milhão de euros, o valor do primeiro poderá estar inflacionado face ao seu valor de mercado e o segundo poderá estar correto.

Resulta do que se vem dizendo que face às criticas genéricas e desgarradas em relação ao relatório pericial que a apelante apresenta no requerimento em que solicitou a realização da segunda perícia, relatório esse que aquela desconsiderou em absoluto, nem sequer a ele fazendo referência, ao caráter genérico dessas suas críticas, ao facto daquela apelante, nesse requerimento, nem sequer ter feito qualquer referência aos dados que constam do relatório pericial a propósito das concretas questões que suscitou naquele requerimento como fundamento para o alegado estado de dúvida em que afirma encontrar-se e que alega como fundamento para se realizar a segunda perícia, não restava ao tribunal a quo, perante o bem estruturado e fundamentado relatório pericial, outra solução que não fosse indeferir essa pretensão.

Com efeito, as razões invocadas pela apelante para fundamentar o estado de dúvida em que diz encontrar-se, atentas as considerações acima expandidas, são de todo insuscetíveis de fundamentar qualquer dúvida objetiva e razoável sobre a correção do juízo pericial emitido pelo perito no relatório bem estruturado e fundamentado que elaborou.

Reafirma-se, se no anterior regime processual civil a apelante não tinha de fundamentar a sua pretensão e, consequentemente, podia afirmar-se com toda a propriedade que “se partia da hipótese que os primeiros peritos viram mal os factos ou emitiram sobre eles juízos de valor que não merecem confiança, que não satisfazem; porque se não considera convincente o laudo obtido no primeiro arbitramento”, atualmente, face à imposição legal do art. 487º, n.º 1 do CPC” não é assim, não sendo já possível fazer semelhantes afirmações.

Com efeito, o requerente tem de indicar razões fundada e, por conseguinte, sérias e concludentes, aptas a criar uma efetiva dúvida no espírito do julgador sobre se a perícia efetuada não padecerá das eventuais inexatidões que o requerente lhe aponta e que, caso se verifiquem, levarão a um resultado distinto daquele a que se chegou na primeira perícia.

Consequentemente, à luz do atual regime processual civil não é já possível partir-se da hipótese que os peritos viram mal os factos ou emitiram sobre eles juízos de valor que não merecem confiança ou que não satisfaçam e partir-se, sem mais, para a realização da segunda perícia.

Há que indicar os concretos factos que os “peitos viram mal” e as concretas razões pelas quais o requerente da segunda perícia afirma que os peritos “viram mal” esses factos, quais os concretos juízos de valor que o requerente entende “não merecerem confiança ou não satisfazem” e os concretos factos que o levam a afirmar que esses juízos de valor não devam “merecer confiança” ou a “não satisfazer”.

Do mesmo modo, não basta um estado de dúvida subjetivo e eventualmente infundado do requerente da segunda perícia para se ordenar a realização desta, mas terá aquele expor as concretas razões que alicerçam esse seu “estado de dúvida”, razões essas que terão, à luz de um padrão objetivo – “bonus pater família” –, perante as concretas circunstâncias do caso, fazer gerar no juiz médio um estado de dúvida sobre se eventualmente a perícia não padecerá das inexatidões que o requerente lhe assaca e que importará suprir caso sejam efetivamente verificáveis, por levarem a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia.

Tudo isto foi ignorado pela apelante no requerimento em que solicita a realização da segunda perícia, a qual se limitou a partir de premissas que eram válidas no precedente regime processual civil, mas que já não permanecem válidas à luz do atual art. 487º, n.º1 do CPC, em que está vedado o deferimento da realização da segunda a pedido imotivado das partes, como manifestamente seria o caso se se deferisse a sua pretensão, quando se verifica que a apelante ignorou, em absoluto, os dados vertidos no relatório pericial, não especificou os concretos pontos do relatório em relação aos quais discorda, sequer indicou os concretos fundamentos dessa sua discordância, limitando-se a fazer criticas genéricas em relação a matéria considerada naquele relatório e como tal insuscetível de fazer gerar qualquer estado de dúvida objetivo, ainda que remoto, sobre a bondade da perícia realizada.

Neste contexto, forçoso é concluir que bem andou o tribunal a quo ao indeferir o pedido de realização da segunda perícia, impondo-se confirmar o despacho recorrido.
*
Decisão:

Nestes termos, os juízes desta Secção Cível da Relação de Guimarães, acordam em julgar a presente apelação totalmente improcedente e, em consequência:
- confirmam a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 04 de outubro de 2018

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha

1. Ac. RL. de 11/03/2010, Proc. n.º 919/05.TBOVR-AL1, in base de dados da
2. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 521.
3. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. VI, Coimbra, 1987, págs. 297 e 298.
4. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 600.
5. Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 521.
6. CJ/STJ, ano CII, t. 3º, pág.124. No mesmo sentido Ac. RE. de 13/09/2007, Proc. 1861/07-2, in base de dados DGSI.
7. No mesmo sentido Ac. RG. de 25/11/2004, Proc. 2258/14, in base de dados da DGSI.
8. Neste sentido Acs. RP. de 23/11/2006, Proc. 0636189; 97/10/2008, Proc. 0821979; RG. de 12/07/2016, Proc. 559/14.5TJVNF.G1, base de dados da DGSI.
9. Acs. RG. de 14/04/2016, Proc. 2258/14.9T8BRG-B.G1; 17/01/2003, Proc. 785/06.0TBVLN-A, RL de 28/09/2010, Proc. 7502/08-7, in base de dados da DGSI. No mesmo sentido José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pág. 342.