Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
87/17.7T8BRG-A.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: INTERDIÇÃO POR ANOMALIA PSÍQUICA
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
INTERVENÇÃO ESPONTÂNEA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O processo especial de interdição destina-se a averiguar se o requerido, por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, não está capaz de cuidar da sua pessoa bem como de gerir os seus bens.

II- O objectivo específico deste processo, relacionado com a saúde do requerido e consequências para o próprio e respectivo património, é incompatível com a finalidade do incidente de intervenção espontânea, uma vez que o interveniente não poderá ter um interesse igual ao do autor ou do réu, no sentido de fazer valer um direito próprio”.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 87/17.7T8BRG-A.G1
Comarca [Juízo Local Cível de Bragança]

Relatora : Anabela Andrade Miranda Tenreiro
Adjunto : Fernando Fernandes Freitas
Adjunta : Alexandra Rolim Mendes

Sumário

I- O processo especial de interdição destina-se a averiguar se o requerido, por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, não está capaz de cuidar da sua pessoa bem como de gerir os seus bens.
II- O objectivo específico deste processo, relacionado com a saúde do requerido e consequências para o próprio e respectivo património, é incompatível com a finalidade do incidente de intervenção espontânea, uma vez que o interveniente não poderá ter um interesse igual ao do autor ou do réu, no sentido de fazer valer um direito próprio.
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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

Francisco J. requereu a interdição de seu pai, Francisco M., melhor identificados nos autos, tendo sido decretada a interdição provisória do Requerido, e o prosseguimento do processo, após o seu falecimento para efeitos do artigo 904.º, n.º 1, do CPCivil.
Rita, casada na pendência da presente acção com o Requerido, em 04.05.2017, deduziu incidente de intervenção principal espontânea alegando, em resumo, que viveram em união de facto cerca de 30 anos, tendo um interesse igual ao Requerido, no sentido de poder invocar nulidades, tanto mais que o presente processo foi requerido pelo filho que há cerca de uma década não fala com o pai, estando os dois de relações cortadas.
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Proferiu-se decisão que rejeitou liminarmente a intervenção principal espontânea requerida por Rita, por ser materialmente inadmissível e extemporânea.
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Inconformada com a decisão, a Requerente interpôs recurso, formulando as seguintes

Conclusões

1-A ora recorrente Rita, tem legitimidade porque esposa do citando Francisco M., sendo que a sua relação de vida em comum, União de Facto, vem desde há mais de 30 anos, como consta da certidão emitida pela junta de Freguesia.
2-A ora recorrente, logo que tomou conhecimento do presente processo, impugnou a "Certidão Negativa" de citação junta aos autos, pois a Sr" funcionária, não referiu qualquer processo ou ato. Recusando-se a Meritíssima Juiz, "à quo" a inquirir prova sobre tais factos, essenciais ao presente processo.
3-Na "CERTIDÃO NEGATIVA" junta aos autos consta que o Sr. Francisco estava a dormir e a Sr. Funcionaria não se coibiu de perturbar o sono e aproveitar o seu estado de sono, para elaborar a referida "CERTIDÃO NEGATIVA".
4-Não referiu o motivo da sua deslocação, não referiu o presente processo, nem deixou o número do mesmo e muito menos falou em "Citação" ou "Ação de Interdição".
5-Assim e porque é nula a eventual citação e a "Certidão Negativa" nulo todo o demais processado.
6-Pelo que não pode a Meritíssima Juiz, "à quo" considerar extemporânea a intervenção da ora Recorrente, como o faz no, aliás douto, despacho ora em crise, pois tem necessariamente que considerar a "CERTIDÃO NEGATIVA" nula por violação de lei, já que, num estado DEMOCRATICO E DE DIREITO, ninguém pode ser perturbado dentro do seu domicilio e nas suas horas de descanso, no seu sono.
7-Porque nula a citação, não pode ser considerada extemporânea a intervenção da ora recorrente, muito menos pode a Meritíssima Juiz, "à quo", considerar esta extemporânea, como o faz que o processo
8-Não podendo a Meritíssima Juiz, "à quo" considerar que: sempre a ora recorrente, esteve presente na tentativa de citação pessoal do Requerido, seu marido. QUANDO NÃO HOUVE CITAÇÃO OU TENTATIVA DE CITACÃO,
Quando a Meritíssima Juiz, "à quo" se Recusou a apreciar o modo como a mesma decorreu e a falta de informação quer do visado quer da ora Recorrente, bem como do formalismo da mesma pois contem ainda o que a recorrente não disse. "há muitos anos não tem condições para tratar dos seus assuntos" - há muitos anos não tem condições para trabalhar.
O que é completamente diferente.
9-Assim o douto despacho objeto de recurso, ao considerar a intervenção provocada extemporânea considerando a dita "citação" - que não existiu - e sendo a ora recorrente, esposa, parte ilegítima no presente processo, violou frontalmente, entre outras disposições legais, os artigos 30, 311 e sg., entre outros do Cl'C.
10-Ao não conhecer das questões da Nulidade da citação e bem assim da ineptidão da petição inicial violou frontalmente, entre outras disposições legais, o disposto nos artigos 3,411, do crc.
11-Assim e porque a "Certidão Negativa" está ferida de nulidade não pode ser considerada extemporânea a intervenção da ora recorrente.
12-A ora recorrente tem efetivamente interesse direto em contradizer o vertido no presente processo, pois este afeta o seu marido e consequentemente a sua pessoa e património.
13-A ora recorrente tem efetivamente um interesse igual ao do Requerido é esposa deste e com ele vive, em União de Facto, há cerca de 30 anos, tendo esta efetivamente legitimidade para intervir no presente processo.
14-Tal como reconhece e refere, o douto Acórdão, do Douto Tribunal da Relação de "Pelo é admissível a intervenção espontânea no âmbito de uma ação especial de interdição.

Pois o facto de estarmos perante um processo especial, em que não há "partes" em sentido técnico-jurídico, não permite retirar a conclusão de que no seu âmbito não há lugar á dedução de incidentes de terceiro, no caso, de intervenção principal espontânea.
III. Limitar a intervenção daqueles que legitimamente podem estar presentes nos autos como intervenientes principais apenas porque um dos descendentes da interditanda se antecipou na apresentação da respectiva acção, para além de não fazer qualquer sentido sempre constituiria uma profunda injustiça e desvincularia os demais familiares da responsabilidade que devem assumir nas decisões a proferir no processo, mormente quando se verificam litígios entre esses mesmos familiares, como é o caso dos autos. "
15-Assim muito mal andou a decisão ora recorrida ao decidir, como decidiu, que no presente processo não há lugar a intervenção de terceiros, e a ora recorrente não possui um interesse próprio paralelo ao do Requerido para poder intervir no presente processo.
16-Ainda no mesmo acórdão e citando F. Correia e E. Correia refere: o instituto da interdição está hoje centrado num tríptico interesse: o interesse do interdicendo, o da família e até o da sociedade; o interesse directo dos parentes sucessiveis no decretamento da interdição exprime-se não só nas questões de foro íntimo e emocional ligadas à própria relação familiar existente (vg. o grau de proximidade, a amizade, o afecto e o correspondente interesse em que o interditando seja bem governado na sua pessoa), mas também nas questões de ordem patrimonial e económica (interesse em que o interessado seja bem governado nos seus bens); estes interesses não podem ser considerados interesses meramente reflexos.
17-Ora a Requerente e ora recorrente esposa, tem um interesse direto como sucessora que é de seu marido. Assim e também por estes fundamentos muito mal andou a decisão ora recorrida ao decidir, como decidiu, no presente processo.
18-Pelo que e nos termos do artigo 311 e sg. do CPC, tem a ora recorrente interesse igual ao do recorrido seu marido, assim tem esta interesse e legitimidade para o presente processo.
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Contra-alegou o Requerente, concluindo que :

A)O recurso é interposto do douto despacho de 4 de Julho de 2017 que, no que para os autos interessa, se limitou a julgar "não verificada a arguida nulidade de citação nem qualquer irregularidade quanto à publicidade da acção e, por conseguinte, válido todo o processado subsequente".
B)Porque o despacho não se pronuncia sobre uma qualquer intervenção espontânea da ora Recorrente, não pode esta ser objecto do recurso.
C)Aliás, a aqui recorrente, em 19 de junho de 2017, interpôs recurso do douto despacho de 31 de Maio de 2017 no qual a Sr." Juiz decidiu ser "inadmissível a intervenção prtocessual de Rita".
D)Ao qual respondeu o aqui Recorrido, alegando que: (i) A Recorrente nem sequer requereu a sua intervenção como terceiro e, por isso, atento o princípio do pedido, não podia ser admitida na acção; (ii)Não tem qualquer interesse directo no desfecho da acção pois que o seu único interesse é o da manutenção de um casamento fraudulento de uma empregada doméstica com seu patrão, de 101 anos de idade,celebrado depois de terem sido publicados os anúncios e o edital da acção de interdição. (iii) Não alegou factos donde se pudesse concluir pela sua legitimidade. Ao invés, deu como assente a sua própria legitimidade, considerou-se parte principal, e logo apresentou constestação, o que não pode fazer sob pena de se violar o princípio da estabilidade da instância (art." 260° do CPC). (iv)Ainda que, por hipótese académica, pudesse ser entendido que tinha requerido a sua intervenção espontânea, o certo é que, por se tratar de intervenção litisconsorcial, apenas podia intervir do lado activo,e nunca do lado passivo, como deseja, pois que apresentou verdadeira contestação - art.s 141°, n.º 1 do C. Civil e 311°, n.º 1 do CPC. (v) Em todo o caso, sempre o requerimento de intervenção era extemporâneo pois que a intervenção principal só podia ser requerida até ao termo da fase dos articulados (art. ° 314° do CPC) e já está o processo na fase da instrução, tendo sido realizado o exame médico forense e o interrogatório do Interditando;
E) O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
F) Na prática, a Recorrente está novamente a interpor recurso desse mesmo despacho (anterior ao recorrido) pois que o despacho recorrido nada decide quanto à intervenção espontânea da Recorrente.
G) Esse recurso, nesta parte, é duplamente inadmissível:

- Por um lado, porque já foi objecto de recurso, havendo situação de litispendência;
- Por outro porque a todos os títulos o recurso seria intempestivo (o despacho data de 31/05/2017 e o recurso deu entrada em 18 de Julho de 2017).
H)A certidão de citação é um documento autêntico, cuja força probatória plena apenas pode ser ilidida com base na sua falsidade - n." 1 do art..º 3720 do C. Civil.
I) Tarefa de que se desonerou a Recorrente, certamente por saber que o não podia fazer por não ter fundamento legal para tanto.
J) Lê-se na certidão negativa, depois de identificar o processo (Processo: 117/17.2T8BGC Mandado N/Referência: 20085884, Data: Janeiro 2017, Extraída dos Autos de Interdição / Inabilitação registados sob o n. o 87/17.7T8BGC do Tribunal de Comarca de Bragança - Juízo Local Cível de Bragança - Juiz 1, para citação:

Requerente: Francisco J. Requerido: Francisco M.):
"Certifico que, não levei a efeito a citação do requerido: Francisco M., estado civil: viúvo, nascido a …, natural da freguesia de … [Bragança], nacional de Portugal, titular do BI - …, residente na Rua …, actualmente Rua …, Bragança; dado que, tendo-me deslocado na sexta-feira, 27/01/2017 a Parada, para cumprimento da diligência, pude contactar com o Senhor Francisco e constatar a sua impossibilidade de receber a citação- cfr. Art. o 234. n. Do c.r.c.
O citando responde às perguntas que lhe são feitas, mas não se entende bem. Só a Senhora que cuida do requerido - Rita - percebe o que ele diz e vai transmitindo as suas respostas.
Noutros casos, o próprio responde acenando afirmativa ou negativamente.
Na altura da minha visita, o Senhor Francisco estava a descansar sentado num cadeirão e muito sonolento (não podendo avaliar se é habitual, se pelo próprio, ou pela medicação), adormecendo de novo, aos poucos, enquanto se ia falando.
Apesar da sua longa idade (vai completar 101 anos no próximo mês de Abril), o requerido aparenta ouvir bem e entender o que se lhe pergunta (assuntos triviais); contudo, segundo informação da D. Rita, há já muitos anos (sem especificar quantos), que o Senhor Francisco, não tem condições para tratar dos «seus assuntos».

Assim, não me foi possível proceder à citação do requerido, já que o mesmo não apresenta condições para a receber.
Para constar lavro a presente certidão, que dato e assino. Bragança, 30-01-2017.
A Oficial de Justiça,
…"
K)Fácil ao teor da certidão fácil é concluir que a Sr." Funcionária não fabricou o documento, antes o elaborou ela própria, o que não é posto em causa; não alterou a data, contexto ou a assinatura fosse de quem fosse; como ainda não mencionou quaisquer factos que não se tenham passado de todo em todo ou nas condições indicadas.
L)Não enferma a certidão de uma qualquer falsidade que, repete-se, nem sequer foi arguida.
M)Aliás, a Recorrente confirma que:(i) A Funcionária Judicial esteve em casa que diz ser sua a tentar a citação do Interditando; (ii) Que este estava sonolento; (iii) Que não entendeu o que se estava a passar; (iv) E, muito importante, que ela própria disse à Funcionária Judicial que não tinha condições para tratar dos seus assuntos (agora pretende que só disse que não tinha condições para trabalhar. Esquece-se que estamos perante documento autêntico, cuja falsidade não foi arguida e que nem é admissível prova testemunhal para demonstrar algo que é contrário ao seu conteúdo!).
N)Fácil é concluir que a certidão de citação não só não é nula como é inteiramente conforme á legalidade.
O)A Sr.ª Funcionária Judicial deslocou-se á residência do citando (art.º 2240 do CPC) e tentoua citação pessoal (art.s 2250 e 8940 do CPC). Dada a impossibilidade de o citando receber a citação,em consequência de notória anomalia psíquica, o funcionário judicial deu conta da ocorrência em obediência ao comando do n.º 1 do art.º 234.0 do CPC.
P) A partir daí, e como bem refere a Sr.ª Juiz a quo, cumpriu-se integralmente todo o prescrito nos art.s 8920 e segs CPC: tendo já sido publicitada a acção por anúncio emjomal de tiragem nacional e na sede da Junta de Freguesia (art.º 8920 do CPC), frustrada a citação pessoal, tentada por Funcionário Judicial, em obediência ao comando do n.º 1 do art.º 8940 do CPC, a M.ª Juiz designou, como curador provisório, a pessoa a quem provavelmente competirá a tutela ou a curatela, a qual foi citada para contestar em representação do requerido.
Q) E foi também citado o MP para intervir na acção.
R) Fácil é concluir que a citação não só não é nula como, ao invés, respeitou todos os normativos aplicáveis.
S) Se qualquer nulidade houvesse no que toca à citação - e seguramente não há - a verdade é que conforme expressamente refere o n.º 2 do art. o 1910 do CPC, atendendo a que se trata de citação edital, "a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo".
T) Ora, o Interditando, interveio no processo em 24 de Abril de 2017 a juntar dois relatórios médicos falsos e só arguiu a nulidade da citação em 22 de Maio de 2017, ou seja, extemporaneamente.
U) Bem decidiu a Sr." Juiz a quo, não tendo sido violado qualquer preceito legal.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II- Delimitação do Objecto do Recurso

A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se é admissível o incidente de intervenção de terceiros (espontânea) no âmbito da acção especial de interdição.
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III- FUNDAMENTAÇÃO (damos por reproduzidos, por economia processual, os actos processuais acima descritos).
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IV- DIREITO

A Recorrente, casada com o Requerido, na pendência da presente acção de interdição, apresentou articulado de intervenção nos autos, alegando, em resumo, que viveram em união de facto durante cerca de 30 anos, tendo um interesse igual ao Requerido, tanto mais que o presente processo foi requerido pelo filho que, há cerca de uma década, não fala com o pai, estando os dois de relações cortadas.
A decisão impugnada considerou ser inadmissível a intervenção espontânea da Recorrente, rejeitando-a liminarmente.
Nos termos do art.º 546.º, n.º 1 e 2 do C.P.Civil, o processo pode ser comum ou especial, sendo que o especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei, como sucede com a acção de interdição, inserida no livro V do C.P.Civil, referente aos processos especiais (cfr. art. 891.º e segs.).
Sobre esta matéria, A. dos Reis(1) pronunciou-se esclarecendo que há certos direitos materiais que não podem ser declarados ou realizados através das formas de processo comum, razão pela qual o legislador criou processos cuja tramitação se ajustasse à índole particular do direito, isto é, cujos actos e termos fossem adequados para se obter o fim em vista-a declaração ou execução do direito de que se trata.
Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum (cfr. art. 549.º, n.º 1 do CPC).

Sobre o processo de interdição, A. dos Reis (2) adiantou que é regulado:

a) Em primeiro lugar pelas disposições contidas nos arts. 944.º a 958.º (actualmente arts. 891.º a 905.º)
b) Em segundo lugar, se estes artigos não forem suficientes, pelas disposições gerais e comuns;
c) Em terceiro lugar, pelas normas relativas ao processo ordinário.

Sublinhando ainda que se recorre às disposições gerais e comuns se as disposições privativas do processo especial não forem suficientes para prover à matéria.
Cumpre notar, em primeiro lugar, que na disciplina processual aplicável ao processo de interdição, e nas disposições gerais e comuns, nada consta sobre a possibilidade de ser deduzido o incidente de intervenção espontânea.
Concretamente, no que concerne à admissibilidade da intervenção espontânea da Recorrente, regem os artigos 311.º e 312.º do C.P.Civil: exige-se uma situação de litisconsórcio (cfr. arts. 32.º, 33.º e 34.º) na qual o interveniente faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa.
Segundo o preceituado no artigo 138.º, n.º 1 do C.Civil podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens.
Por conseguinte, o processo especial de interdição destina-se precisamente a averiguar a incapacidade do interditando, por algum daqueles motivos, de forma a se poder concluir que não está capaz de cuidar da sua pessoa bem como de gerir os seus bens.
Sendo um processo com um objectivo muito específico, relacionado com a saúde do requerido e consequências para o próprio e respectivo património, não é possível suscitar-se qualquer questão de listisconsórcio, como poderá suceder num processo normal em que há partes contrapostas, a fazerem valer os seus direitos.
Numa palavra, neste tipo de acção, o interveniente não poderá ter um interesse igual ao do autor ou do réu, no sentido de fazer valer um direito próprio, uma vez que tal é incompatível com a natureza e finalidade deste processo especial.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Rel. de Coimbra, de 29.05.2012, o único direito ou interesse próprio que está em causa, na acção de interdição, respeita ao requerido que é o beneficiário do pedido.
Portanto, a intervenção espontânea do cônjuge do Requerido, para, ao que parece, se associar a este último, não tem, na nossa perspectiva, qualquer fundamento legal.
Por outro lado, e no que respeita ao momento em que a intervenção é legalmente admissível, também não podia ser aceite porquanto a lei exige que o articulado seja apresentado até ao termo dos articulados (cfr. art. 314.ºCPC).
Ora, considerando que, no presente processo de interdição, a acção não foi contestada, inexiste uma fase de articulados que permita a apresentação de uma intervenção espontânea (cfr. art. 894.º e 895.º CPC).
No mesmo sentido da inadmissibilidade do incidente de intervenção de terceiros na acção de interdição, o Acórdão da Rel.do Porto, de 19/09/2013 (3) concluiu que nela apenas está em causa o interesse do requerido e este está acautelado pela actuação da pessoa a quem a lei reconhece legitimidade para requerer a interdição.
Das razões aduzidas decorre que a decisão impugnada deve ser mantida por se mostrar em total conformidade com as disposições legais aplicáveis.
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V- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a decisão impugnada.
Custas pela Apelante.
Notifique e registe.
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(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)


1. Processos Especiais, vol. I, pág. 2.
2. Ob. cit., pág. 37.
3. Disponível em www.dgsi.pt.