Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3128/17.4T8VNF-G.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHORA
CRÉDITO COMUM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - As garantias especais das obrigações, sejam elas de natureza pessoal (como a fiança ou o aval) ou real (v. g. o penhor ou a hipoteca) são acessórios do crédito, acompanham-no desde a sua constituição.

II - A penhora não está prevista no Código Civil entre as garantias especiais das obrigações (Capítulo VI do Código Civil), mas sim no Capítulo VII (Cumprimento e não cumprimento das obrigações) Secção III (Realização coactiva da prestação).

III - A penhora não é, em sentido rigoroso, uma garantia do crédito. É apenas o meio de obter o cumprimento coercivo da obrigação, consistindo na apreensão do bem – conservação da garantia geral relativamente a um ou mais bens, na medida do necessário à satisfação daquele crédito – para, através dele (venda ou adjudicação), os Tribunais se substituírem ao executado no cumprimento da respectiva obrigação pecuniária.

IV - Não sendo, tal como a configuramos, uma garantia real do crédito, consistindo a penhora numa apreensão do bem por acto de autoridade pública e sua consequente relativa indisponibilidade, os actos do devedor, de disposição ou oneração do bem penhorado, são ineficazes art.º 819º do CC.

V - A preferência resultante da penhora vale apenas no âmbito da execução (limitada ao processo) em relação a outros créditos igualmente comuns, para efeitos dos pagamentos a efectuar, quando, havendo mais do que uma execução onde o mesmo bem tenha sido penhorado, os credores com penhoras posteriores ali reclamem os seus créditos (art.º 788º nº 5 do CPC).

VI - A inoponibilidade de garantias reais posteriormente constituídas, decorre naturalmente dos efeitos da penhora (indisponibilidade do bem colocado sob a alçada pública ou ineficácia dessa disposição ou oneração posterior à penhora).

VII - Declarada a insolvência do executado, os bens penhorados ou apreendidos em qualquer processo são apreendidos para a massa insolvente (artºs 36º nº 1 al. g), 46º e 149º do CIRE) e o exequente terá de reclamar o seu crédito na insolvência (artºs 90º e 128º do CIRE). A graduação dos créditos obedecerá ao estabelecido no art.º 140º nº 2 do CIRE, o qual, mesmo para quem perfilhe o entendimento de que a penhora é uma garantia real, estabelece, no seu nº 3: – «Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente». Como já antes e há muitos anos o estabeleciam disposições equivalentes do Código de Processo Civil de 1961 (artºs. 1235º, nº3 e 1315ª) ou do CPEREF (art.º 200º nº2).

VIII - Assim, o crédito da recorrente é apenas um crédito comum (art.º 47º nº 4 al. c) do CIRE) e como tal deverá ser graduado, a par dos demais créditos comuns.

IX - A apelante fica em situação de igualdade com os demais credores comuns, que não suportaram as custas de uma execução, pois que estas, sendo dívidas da massa insolvente, são pagas com anterioridade a qualquer crédito (art.º 172º do CIRE).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

SUMÁRIO:

I - As garantias especais das obrigações, sejam elas de natureza pessoal (como a fiança ou o aval) ou real (v. g. o penhor ou a hipoteca) são acessórios do crédito, acompanham-no desde a sua constituição.
II - A penhora não está prevista no Código Civil entre as garantias especiais das obrigações (Capítulo VI do Código Civil), mas sim no Capítulo VII (Cumprimento e não cumprimento das obrigações) Secção III (Realização coactiva da prestação).
III - A penhora não é, em sentido rigoroso, uma garantia do crédito. É apenas o meio de obter o cumprimento coercivo da obrigação, consistindo na apreensão do bem – conservação da garantia geral relativamente a um ou mais bens, na medida do necessário à satisfação daquele crédito – para, através dele (venda ou adjudicação), os Tribunais se substituírem ao executado no cumprimento da respectiva obrigação pecuniária.
IV - Não sendo, tal como a configuramos, uma garantia real do crédito, consistindo a penhora numa apreensão do bem por acto de autoridade pública e sua consequente relativa indisponibilidade, os actos do devedor, de disposição ou oneração do bem penhorado, são ineficazes art.º 819º do CC.
V - A preferência resultante da penhora vale apenas no âmbito da execução (limitada ao processo) em relação a outros créditos igualmente comuns, para efeitos dos pagamentos a efectuar, quando, havendo mais do que uma execução onde o mesmo bem tenha sido penhorado, os credores com penhoras posteriores ali reclamem os seus créditos (art.º 788º nº 5 do CPC).
VI - A inoponibilidade de garantias reais posteriormente constituídas, decorre naturalmente dos efeitos da penhora (indisponibilidade do bem colocado sob a alçada pública ou ineficácia dessa disposição ou oneração posterior à penhora).
VII - Declarada a insolvência do executado, os bens penhorados ou apreendidos em qualquer processo são apreendidos para a massa insolvente (artºs 36º nº 1 al. g), 46º e 149º do CIRE) e o exequente terá de reclamar o seu crédito na insolvência (artºs 90º e 128º do CIRE). A graduação dos créditos obedecerá ao estabelecido no art.º 140º nº 2 do CIRE, o qual, mesmo para quem perfilhe o entendimento de que a penhora é uma garantia real, estabelece, no seu nº 3: – «Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente». Como já antes e há muitos anos o estabeleciam disposições equivalentes do Código de Processo Civil de 1961 (artºs. 1235º, nº3 e 1315ª) ou do CPEREF (art.º 200º nº2).
VIII - Assim, o crédito da recorrente é apenas um crédito comum (art.º 47º nº 4 al. c) do CIRE) e como tal deverá ser graduado, a par dos demais créditos comuns.
IX - A apelante fica em situação de igualdade com os demais credores comuns, que não suportaram as custas de uma execução, pois que estas, sendo dívidas da massa insolvente, são pagas com anterioridade a qualquer crédito (art.º 172º do CIRE).

I – RELATÓRIO

Nos autos de insolvência de A. A. - CONSTRUÇÕES LDA. a Administradora de Insolvência (A.I.) apresentou a relação de créditos a que alude o art.º 129º nº 1 do CIRE, na qual relaciona, sob o nº 125, créditos de PICHELARIA X UNIPESSOAL, LDA, emergentes de transacções comerciais, no valor global de 142.088,34, que classifica como comum.

A credora impugnou tal relação de créditos, no que a um dos seus créditos, oportunamente reclamado, tange, por nessa relação constar como crédito comum.

Sustentou que um dos créditos que reclamara, no valor de €21.009,01, acrescido de juros no valor de €614.20, titulado por uma letra de câmbio emitida em 05/08/2016 com o nº 500792887161, fora dado à execução, que correu termos no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão (Juiz 1) com o nº 928/17.9T8VNF. Nessa execução foi penhorado um imóvel da insolvente, penhora essa registada em 11/05/2017, às 12:33 horas (Ap. 1601), ou seja, uma hora antes de ser declarada a insolvência.
Defendeu que estando o crédito reclamado garantido por penhora, deveria ser qualificado como privilegiado.
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A A.I. respondeu, mantendo a classificação do crédito como comum afirmando que a penhora não é uma garantia real, quer por a lei substantiva civil não lhe conferir tal dignidade, quer por não se integrar no conceito de crédito garantido ou privilegiado narrado no art.º 47.º, n.º 4, alínea a) do CIRE.
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Na audiência, realizada nos autos em 12 de Abril de 2018, foi proferida e exarada na respectiva acta, a seguinte decisão:

– «Como bem se explica no Acórdão da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.º 353/09.5TBSXL-B.L2-2, onde foi relatora a Sr. Desembargadora Teresa Albuquerque:

I -A regra «par conditio creditorum» que caracteriza o regime da insolvência enquanto execução universal, não pode deixar de admitir excepções, que advêm da maior ou menor «categoria» em que se insira o credor determinada pela qualificação do seu crédito à luz do disposto no art 47º/4 do CIRE, onde se admite a existência de quatro tipos de créditos, os garantidos, os privilegiados, os subordinados e os comuns.
II -A resposta à questão que está em causa nos autos - de saber se os créditos reclamados em processo de insolvência que se mostram garantidos por penhoras, em vez de serem graduados na sentença de verificação e graduação de créditos proferida nesse processo, como créditos garantidos, o deveriam ter sido como créditos de natureza comum - contém-se no disposto no art 140º /3 do CIRE, que refere que «na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante da hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora»
IV -Não se trata de solução nova adveniente do CIRE, ou mesmo do CPEREF, pois há muito que está assente entre nós que, em sede de repartição do produto da venda dos bens do (falido ou) insolvente, não releva a hipoteca judicial, nem a penhora - repare-se, que se tratam ambas de garantias de origem processual - detidas pelos credores.
V- Essa solução no que toca à penhora - de perda de preferência pelo exequente no concurso de credores a que dá origem a insolvência - não pode deixar de se ter como natural, atento o carácter universal do processo de insolvência.
VI - O direito de preferência do exequente no concurso de credores na execução só faz sentido no quadro que a lei actual confere à acção executiva de singularidade e enquanto a mesma se encontrar normalmente a prosseguir para vir a atingir os seus objectivos.
VII - Se a acção executiva se suspende por estar pendente acção de insolvência, o exequente dever-se-á já comportar no âmbito desta como um qualquer credor comum, e, por maioria de razão, na graduação dos créditos que nela venha a ter lugar, deverá ser tratado como tal.

Assim, indefere-se a impugnação deduzida, sem necessidade de maior fundamentação, por determinação do disposto no art.º 140,3 CIRE.»
*
Inconformada, a credora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

I - O ora apelante impugnou a lista provisória de créditos elaborada pela Sra. Administradora de Insolvência, aduzindo factos e fundamentos que demonstram ser o crédito reclamado no montante de 21.009,01 €, tem natureza garantida.
II - O crédito reclamado de 21.009,01 €, é proveniente de uma letra de câmbio emitida em 05/08/2016 com o nº 500792887161, a qual serviu de base a uma execução que corre os seus termos sob o processo nº 928/17.9T8VNF, no Juízo de Vila Nova de Famalicão Juiz 1.
III - O crédito está garantido por penhora constituída sobre o seguinte prédio urbano, propriedade da insolvente: casa de habitação de rés do chão e primeiro andar e quintal, sita na Avenida …, freguesa de ..., Vila Nova de Famalicão, com área total de 1775,70 m2, sendo a área coberta de 144 m2 e descoberta 1631,70 m2, inscrita na matriz sob o artº 1740º e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 257, através da Ap 1601, de 11/05/2017, pelas 12:33 horas.
IV - A insolvência da sociedade A. A., Lda., foi declarada pelas 13:45 horas desse dia 11 de Maio de 2017.
V - Pelo que, a penhora é anterior à declaração de insolvência, estando o crédito reclamado garantido por penhora, devendo ser qualificado como garantido e não como comum, como o foi.
VI - A recorrente entende, uma vez que a penhora constitui uma garantia real das obrigações, se encontram preenchidos todos os requisitos exigíveis para que se esteja perante um crédito garantido.
VII - Merece censura a qualificação do crédito pela Sra. Administradora da Insolvência, por violação dos artº 47º nº 4 a) do CIRE, impondo-se a sua modificação na parte em que considerou o crédito da ora impugnante, como comum e assim o graduou, mas devendo o mesmo ser considerado garantido, atenta a garantia real de que goza.
VIII - Realizada a tentativa de conciliação a que alude o artº 136º nº1 do CIRE, quer a ora apelante, quer a Sra. Administradora da Insolvência mantiveram as anteriores posições assumidas.
IX - Face às posições assumidas a Mª Juiz emitiu a seguinte decisão: "Assim, indefere-se a impugnação deduzida, sem necessidade de maior fundamentação por determinação do disposto no artº 140º,3 CIRE". Fundamentando-se no acórdão no Acórdão da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo nº 353/09. TBSXL-B.L2-2, onde foi relatora a Dra. Desembargadora Teresa Albuquerque.
X - Discorda o apelante da decisão proferida, porque entende que a penhora é uma garantia real das obrigações que goza do direito e sequela. E que, estando um crédito reclamado em insolvência, a coberto dessa garantia, deverá ser graduado como crédito garantido ao abrigo do artº 47º nº 4 al. a) do CIRE. Diz este preceito que: 4. Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são: a) "Garantidos" e "privilegiados" os créditos que beneficiem, respetivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objeto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes:"
XI - Entende o recorrente, que a regra do nº 3 do artº 140º do CIRE, deve ser interpretada considerando esta classificação do artº 4 al. a) do CIRE, pois é esta última que define o "crédito garantido".
XII- A ordem jurídica como um todo, vai no sentido de que a penhora como garantia real que é, garante o cumprimento da obrigação, e deverá manter essa qualidade de garante seja qual for a circunstância processual, veja-se: O principio geral do cumprimento das obrigações ínsito no artº 817º do C. Civil e o artº 822º do Código Civil e o artº 6º do Código do Registo Predial sobre o principio da prioridade no registo. Tudo no sentido de conceder ao credor titular de um direito real inscrito a preferência sobre os demais credores que lhe sucederem.
XIII - A norma do artº 140 nº 3 do CIRE, deve ser afastada, no caso da penhora anterior à insolvência porque sendo a penhora uma garantia real que garante a preferência no pagamento dos créditos, no âmbito de um processo executivo, também o deverá ser no âmbito do processo de insolvência.
XIV - Desde logo porque este credor que intentou ação executiva contra o devedor, posteriormente declarado insolvente, de certo modo assegurou que o imóvel penhorado permanecesse na titularidade da devedora, beneficiou a massa insolvente.
XV - Despendeu recursos financeiros, com o processo de execução e penhora, e deverá desse modo ser compensado em processo de insolvência, na respectiva graduação de créditos.
XVI - Sendo pago pelo produto do bem penhorado, garante nas mais das vezes, ainda produto para pagamento de créditos a outros credores. No caso em apreço, sendo o crédito reconhecido de 21.009,01 €, e tendo o imóvel um V.P de 73.550 €, resulta garantido o remanescente os demais credores, ou seja há um claro benefício para a massa insolvente à custa, in casu, do apelante.
XVII - Neste sentido o credor que tenha o seu crédito garantido por uma penhora, deverá ser "premiado" em processo de insolvência, vendo o seu credito reconhecido como garantido.
XVIII - Aliás o próprio CIRE no artº 174º nº seu nº 1 dispõe que "...liquidados os bens onerados com garantia real, e abatidas as correspondentes despesas, é imediatamente feito o pagamento aos credores garantidos..."
XIX - Ou seja o legislador investe os credores garantidos, ou seja os que possuem os seus créditos garantidos por garantia real, ou, melhor dizendo, que oneraram os bens da massa com essa garantia, de preferência no pagamento relativamente aos demais credores.
XX - Pelo exposto ao decidir como decidiu violou o tribunal o disposto os artº 47º nº 4 a), e art º 822º do Código Civil.

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a decisão revogada, julgando-se procedente a impugnação apresentada pela apelante.»
*
Deste apenso não constam contra-alegações
*
O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Factos com interesse para a apreciação do presente recurso:

A apelante reclamou créditos na insolvência de A. A. - Construções, Lda., que lhe foram reconhecidos pela A.I., na relação de créditos a que alude o art.º 129º nº 1 do CIRE, sob o nº 125 – “créditos de PICHELARIA X Unipessoal, Lda., emergentes de transacções comerciais, no valor global de 142.088,34”, classificando-o como crédito comum.
– Um dos créditos reclamados e reconhecidos, no montante de €21.009,01, acrescido de juros no valor de €614.20, titulado por letra de câmbio emitida em 05/08/2016 com o nº 500792887161, estava a ser objecto da execução que corria os seus termos no Juízo de Vila Nova de Famalicão (Juiz 1) com o nº 928/17.9T8VNF. Nessa execução foi penhorado um prédio urbano, propriedade da executada, agora insolvente – casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar e quintal, sita na Avenida …, freguesa de ..., Vila Nova de Famalicão, com área total de 1775,70 m2, sendo a área coberta de 144 m2 e descoberta 1631,70 m2, inscrita na matriz sob o artº 1740º e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 257, através da Ap 1601, de 11/05/2017 – penhora registada em 11.5.2017, pelas 12:33 horas.
- A insolvência da sociedade A. A., Lda., foi declarada pelas 13:45 horas desse mesmo dia 11 de Maio de 2017.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

Cumpre aqui apreciar se o crédito em questão tem natureza comum, como se entendeu na decisão recorrida, ou goza de garantia real que lhe confere, no âmbito do processo de insolvência, preferência no pagamento em relação aos demais credores que não gozem de garantia real anterior, isto é, se deve ser pago com anterioridade em relação aos créditos comuns.

Em regra, pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora. O património do devedor é assim a garantia geral dos seus credores (art.º 601º do CC).

Estabelece o art.º 604.º do CC, em caso de concurso de credores:

1. Não existindo causas legítimas de preferência, os credores têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos.
2. São causas legítimas de preferência, além de outras admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção.

As garantias especais das obrigações, sejam elas de natureza pessoal (como a fiança ou o aval) ou real (v. g. o penhor ou a hipoteca) são acessórios do crédito, acompanham-no desde a sua constituição (1).

A penhora não é, em sentido rigoroso, uma garantia do crédito (2). É apenas o meio de o efectivar através da intervenção do Tribunal, o meio de obter o cumprimento coercivo da obrigação, consistindo na apreensão do bem – conservação da garantia geral relativamente a um ou mais bens, na medida do necessário à satisfação daquele crédito – para, através dele (venda ou adjudicação), os Tribunais se substituírem ao executado no cumprimento da respectiva obrigação pecuniária.

Por isso mesmo a penhora não está prevista no Código Civil entre as garantias especiais das obrigações (CAPÍTULO VI do Código Civil), mas sim no CAPÍTULO VII (Cumprimento e não cumprimento das obrigações) SECÇÃO III (Realização coactiva da prestação). E o elemento sistemático não pode ser desconsiderado.

Assim, a penhora, salvo nos casos especialmente previstos na lei, apenas confere ao exequente o direito de ser pago (pelo produto da venda do bem penhorado), com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior - art.º 822º do CC.

Não sendo, tal como a configuramos, uma garantia real do crédito, consistindo a penhora numa apreensão do bem por acto de autoridade pública e sua consequente relativa indisponibilidade, os actos do devedor, de disposição ou oneração do bem penhorado, são ineficazes art.º 819º do CC.

A preferência resultante da penhora vale apenas no âmbito da execução (limitada ao processo) em relação a outros créditos igualmente comuns, para efeitos dos pagamentos a efectuar, quando, havendo mais do que uma execução onde o mesmo bem tenha sido penhorado, os credores com penhoras posteriores ali reclamem os seus créditos (art.º 788º nº 5 do CPC).

A inoponibilidade de garantias reais posteriormente constituídas decorre naturalmente dos efeitos da penhora (indisponibilidade do bem colocado sob a alçada pública ou ineficácia dessa disposição ou oneração posterior à penhora) (3).

Declarada a insolvência a execução é suspensa e virá a ser declarada extinta logo que o processo de insolvência seja encerrado (art.º 88º do CIRE).
Os bens penhorados ou apreendidos em qualquer processo são apreendidos para a massa insolvente (artºs 36º nº 1 al. g), 46º e 149º do CIRE).
O exequente terá de reclamar, como reclamou, o seu crédito na insolvência (artºs 90º e 128º do CIRE).
A graduação dos créditos obedecerá ao estabelecido no art.º 140º nº 2 do CIRE.
O crédito da recorrente não goza de garantia real nem de privilégio.

Aliás o citado artigo 140º do CIRE, mesmo para quem perfilhe o entendimento de que a penhora é uma garantia real, resolve a questão ao estabelecer, no seu nº 3:

– «Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente».

Como já antes e há muitos anos o estabeleciam disposições equivalentes do Código de Processo Civil de 1961 (artºs. 1235º, nº3 e 1315ª) ou do CPEREF (art.º 200º nº2) (4)
Assim, o crédito da recorrente é apenas um crédito comum (art.º 47º nº 4 al. c) do CIRE) e como tal deverá ser graduado, a par dos demais créditos comuns.

As considerações tecidas pela apelante nas conclusões XIV e XV (despesas suportadas com a execução) não têm qualquer cabimento, uma vez que o legislador já teve em consideração essa situação, prevendo no citado nº 3 do art.º 140º (como antes dele em disposições similares do CPC de 1961 e do CPEREF) queas custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente”.

A apelante fica assim numa situação de igualdade com os demais credores comuns, que não suportaram as custas de uma execução, pois que estas, sendo dívidas da massa insolvente, são pagas com anterioridade a qualquer crédito (art.º 172º do CIRE).

Improcedem assim as conclusões da apelante.

V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pela apelante.
Guimarães, 10-7-2018

Eva Almeida
António Beça Pereira
Maria Amália Santos



1. Ver Antunes Varela, Das obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., pág. 408
2. Embora Lebre de Freitas, em Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª edição, pág. 309 e 310, afirme: “Dada a função que lhe é própria, a penhora envolve a constituição dum direito real de garantia a favor do exequente”, na nota de rodapé que insere neste texto (14) dá-nos conta das várias posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, nomeadamente a que perfilhamos (Rui Pinto e Teixeira de Sousa).
3. Antunes Varela, obra citada, pág. 146.
4. Antunes Varela, obra citada, pág. 145 “A concessão desse direito (preferência no pagamento) é questão desde há muito tempo bastante controvertida na doutrina, mas nada repugna aceitar o benefício assim concedido ao exequente, tendo em linha de conta a natureza singular (e não universal ou colectiva) que actualmente reveste a acção executiva (cfr. art.º 865º do CPC), bem como a cessação da preferência fundada na penhora, logo que decretada a falência ou insolvência do executado (arts. 1235º, 3 e 1315º do CPC).