Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
44/18.6T9BCL.G1
Relator: ANA TEIXEIRA
Descritores: DEFENSOR NOMEADO A ARGUIDO
SUBSTITUIÇÃO
REGIME LEGAL
ARTº 66º DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) O tribunal, a requerimento, pode proceder a substituição de um defensor que tenha sido nomeado; mas, para tal, é necessário que o arguido o requeira, invocando uma justa causa para essa pretensão (artigo 66.º, n.º 3 do CPPenal).

II) Na verdade a substituição de defensor nomeado não resulta do livre arbítrio do recorrente, antes se encontra sujeita a determinadas regras impostas quer ao recorrente quer ao defensor nomeado, como espelha o teor do preceituado do artigo 66º do CPP.

III) No caso dos autos, não tendo o arguido invocado uma justa causa para a sua pretensão, não podia ter lugar a pretendida substituição; não tendo constituído mandatário também por essa razão não havia lugar a substituição.
Decisão Texto Integral:
I - RELATÓRIO

No processo comum (tribunal singular) supra identificado, o arguido J. D. foi condenado nos seguintes termos [fls. ]:

Julgar a acusação pública e a acusação particular procedentes e, em consequência:

i) Condena-se o arguido J. D. pela prática de um crime de ameaça agravado na pessoa de M. J., previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 70 dias de multa;
ii) Condena-se o arguido J. D. pela prática de um crime de ameaça agravado na pessoa de T. P., previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 70 dias de multa;
iii) Condena-se o arguido J. D. pela prática de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 dias de multa;
iv) Condena-se o arguido J. D. pela prática de crime de injúria na pessoa de M. J., previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 30 dias de multa;
v) Condena-se o arguido J. D. pela prática de crime de injúria na pessoa de T. P., previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 40 dias de multa;
vi) efectuando o cúmulo das penas das alíneas i) a v), condena-se o arguido J. D. na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 900,00 (novecentos euros).

(…)»
1.
2. Inconformado, o arguido recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. ]:

3.
I. O presente recurso tem como objeto a arguição de nulidade insanável, bem como toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o Recorrente como autor material de dois crimes de ameaça agravados, um crime de dano, e dois crimes de injúria;
II. Com efeito, o tribunal a quo não teve em consideração a vontade do arguido em ser representado na audiência por defensor diferente do que lhe nomearam;
III. O arguido, no dia 09 de outubro de 2018, isto é, muito antes da data da audiência, enviou dois e-mails, um ao Ministério Público e outro à sua alegada defensora, afirmando que não queria ser representado pela mesma.
IV. Emails esses cujo conteúdo, a nosso ver, e salvo melhor opinião, deveria ter chegado ao conhecimento do Sr. Juiz de Julgamento, o que não ocorreu;
V. Tendo em consequência sido violado um direito fundamental do arguido, ora recorrente, previsto em diversas disposições legais, nomeadamente as garantias de defesa e o direito à igualdade dos Artigos 13°, nº 1 e 2; 20°, nº 1 e 2 e 32°, n. ° 1 e 3 da C. da R. Portuguesa;
VI. Acresce que ao decidir como decidiu, o Tribunal «a quo» não aplicou as normas consagradas no C. P. Penal- Artigos 61 °, nº 1 al. e) e 62°, nº 1, e 66°, nº 3;
VII. Assim como não fez uma interpretação correta da Lei do Apoio Judiciário - Artigo 39° da Lei n. ° 34/2004 de 29 de Julho;
VIII. Muito embora possa o Tribunal «a quo» alegar falta de conhecimento da vontade do arguido em ser representado por outro/a defensor/a que não o/a presente na audiência, não deixa de ser verdade que os documentos de prova que ora se juntam confirmam essa vontade do arguido;
IX. Acresce que o artigo 54º do estatuto da Ordem dos Advogados refere, sobre o mandato judicial e representação por advogado, que os mesmos não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição ( nº1), nem pode haver qualquer limite à escolha direta e livre do «mandatário» pelo mandante;

Pelo que, deverá o Tribunal «Ad Quem», à luz do previsto no artigo 119.º al. c), do CPP, considerar a existência de uma nulidade insanável, por ausência de defensor.

TERMOS EM QUE, E, CONFORME CONSAGRA O ART.º 122.º DO CPP, TODOS OS ATOS SUBSEQUENTES DEVEM SER DECLARADOS NULOS E REPETIDOS.

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA. «(…)

(…)»

Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido, assando-se a transcrever as suas conclusões:

4.
I. Compulsados os autos, verifica-se que o Tribunal “a quo”, até à data em que realizou o julgamento destes autos e proferiu a douta sentença proferida nos autos não teve conhecimento de qualquer requerimento apresentado pelo arguido ao abrigo do disposto no artigo 66.º, n.º 3 do CPP segundo o qual: “ O Tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por causa justa”. Com efeito, o email que o arguido enviou em 9/10/2018 (após o recebimento da acusação e antes da realização do julgamento) trata-se apenas de uma informação e não de um requerimento a que alude o artigo 66.º, n.º 3 do CPP. No aludido email, apenas se informa que a Sr.ª advogada V. M. não é a sua mandatária dando o arguido assim a entender que juntaria procuração forense o que nunca foi feito até à presente data.
II. Por outro lado, no presente caso, o pedido de escusa apresentado pela Ilustre Advogada Dr.ª V. M. foi comunicado ao Tribunal pela Sr.ª Dr.ª V. M. dez dias após a leitura e depósito da sentença. Conforme se refere no douto despacho judicial destes autos datado de 14 de dezembro de 2018: “ Em conformidade com a jurisprudência constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/05/2015, processo n.º 1715/12.6 GBBCL.G1, relatado pelo Sr. Desembargador António Condesso, publicado na Internet, em www.dgsi.pt, à qual aderimos sem qualquer reserva, o pedido de escusa comunicado a este Tribunal pela sr.ª Dr.ª V. M., dez dias após a leitura e depósito da sentença, não suspende ou interrompe o prazo de interposição de recurso”.
III. Em suma, o arguido ora recorrente esteve devidamente representado por Ilustre Defensor Oficioso na audiência de julgamento, não se verificando a apontada nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. c) do CPP.

Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Vªs Exªs, porém, farão a costumada JUSTIÇA.

Também os ofendidos apresentaram resposta concluindo pela improcedência da invocada nulidade

5. Nesta instância, o Exmo. procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. ].

6. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
(…)»

II – FUNDAMENTAÇÃO

7.
8. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
·
· Nulidade insanável;
·
No entender do recorrente na audiência de julgamento que se realizou nestes autos, deve considerar-se que o Ilustre Defensor do arguido esteve ausente e, por isso, o julgamento e os seus atos subsequentes, incluindo sentença proferida e demais atos posteriores devem ser declarados nulos e ordenada a sua repetição.
Vejamos a questão

O recorrente invoca que na audiência de julgamento, em primeira instância, teve como defensora uma ilustre advogada oficiosa que o mesmo tentou recusar que o representasse em audiência de julgamento, enviando atempadamente dois emails onde declarava essa vontade de se desvincular da sua representação; Ora, não tendo sido satisfeita a sua vontade em ser representado por outro defensor, que não o que o efetivamente esteve presente na audiência de julgamento, o Tribunal “a quo", salvo melhor opinião, omitiu um direito fundamental do arguido, ora recorrente, violando várias disposições legais nas quais se consagram as garantias de defesa e o direito à igualdade - Artigos 13°, nº 1 e 2; 20°, nº 1 e 2 e 32°, n. ° 1 e 3 da C. da R. Portuguesa; ao decidir como decidiu, o Tribunal «a quo» não aplicou as normas que protegem o arguido consagradas no C. P. Penal- Artigos 61 °, nº 1 al. e) e 62°, nº 1, e 66°, nº 3;

Verifica-se dos autos que ao Arguido foi nomeado um defensor oficioso, a Senhora Dra. V. M., advogada.

O mesmo veio a manifestar por email que não pretendia que tal defensora nomeada o representasse em audiência

Podendo constituir, em qualquer altura do processo, mandatário forense a seu agrado e resultante da sua escolha livre e direta, a verdade é que o Arguido nunca o fez. Ora, o email que o arguido enviou em 9/10/2018 (após o recebimento da acusação e antes da realização do julgamento) trata-se apenas de uma informação e não de um requerimento a que alude o artigo 66.º, n.º 3 do CPP.

Por essa razão o tribunal manteve o nomeado defensor oficioso, ou seja a Senhora Dra. V. M..

O tribunal, a requerimento, pode ainda proceder a substituição de um defensor que tenha sido nomeado; mas, para tal, é necessário que o arguido o requeira, invocando uma justa causa para essa pretensão (artigo 66.º, n.º 3 do CPPenal) Tal também não ocorreu nos presentes autos. A substituição de defensor nomeado não resulta do livre arbítrio do recorrente, antes se encontra sujeita a determinadas regras impostas quer ao recorrente quer ao defensor nomeado, como espelha o teor do preceituado do artigo 66º do CPP.

Consequentemente, não tendo o arguido invocado uma justa causa para a sua pretensão, não podia ter lugar a referida substituição; não tendo constituído mandatário também por essa razão não havia lugar a substituição.
Improcede, deste modo a sua pretensão


III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, os juízes acordam em:
· Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente

[Elaborado e revisto pela relatora]
Guimarães, 25 de junho de 2019

[Ana Maria Martins Teixeira]
[Maria Isabel Cerqueira]