Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
911/17.4T8VNF-B.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Da extinção do poder jurisdicional decorre um efeito positivo – traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu -, e um negativo – representado pela insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.

II - O poder jurisdicional extingue-se pelo simples facto da decisão ter sido proferida no processo e, portanto, mesmo antes das partes serem notificadas”.
Decisão Texto Integral:
Relator: Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
1º Adjunto: Desembargador José Carlos Dias Cravo
2º Adjunto: Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida
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Sumário do acórdão (art. 663.º n.º 7, do CPC):

I – Da extinção do poder jurisdicional decorre um efeito positivo – traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu -, e um negativo – representado pela insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.
II - O poder jurisdicional extingue-se pelo simples facto da decisão ter sido proferida no processo e, portanto, mesmo antes das partes serem notificadas.
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ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- Relatório

Nos autos em que é insolvente Maria, com residência na R. Dr. … Braga, junta aos autos a relação de créditos reconhecidos, foi proferida sentença com data de 30.06.2017, que homologou a referida lista de credores e graduou tais créditos, e que, na parte que nos interessa, refere o seguinte:

“No decurso do fixado prazo foram reclamados os seis créditos relacionados pela Ex.ma Administradora como reconhecidos, no total de 55.231,04 €uros.
Os créditos foram reclamados e reconhecidos como comuns, privilegiados – parte do crédito reclamado pela fazenda nacional (provenientes de IVA); ISS, IP (contribuições); e créditos laborais (n.º 2 e 7) (…. )
Vistas as normas legais atrás citadas e porque não houve qualquer impugnação e vistas as normas legais agora transcritas, nos termos do n.º 3 do art.º 130 CIRE,
a) - Homologo a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Administrador de insolvência;
b) – Graduo os créditos assim reconhecidos para serem pagos pelo produto obtido pela liquidação do activo, pela forma seguinte:

a) - Em primeiro lugar, o crédito laboral acima descritos como privilegiado, identificados com o n.º 2.
b) - De seguida, será pago o crédito da Fazenda Nacional;
c) – Em terceiro lugar obterá pagamento o crédito do ISS, IP.
d) – Por fim, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, a par, e rateadamente, se necessário.
As custas e despesas de administração saem precípuas – art.ºs 140,3 e nº 1 do art.º 172 CIRE.
Custas pela massa insolvente.
Registe e notifique”.
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Nessa mesma data, o Sr. AI, deu entrada de um requerimento, pelas 18h46m50s, a informar que, por lapso, na relação de créditos elaborada não tinha sido incluída a credora Isabel que apresentou a sua reclamação de bens, sendo, face à alteração, sido proferida nova decisão, com data de 7.7.2017.
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Apresentado requerimento pela requerente e credora C. D. a pedir a declaração de inexistência da sentença proferida a 7.7.2017 ou, subsidiariamente, a nulidade, com a consequente notificação das sentenças proferidas, foi proferido despacho a dar sem efeito a sentença de 7.7.2017, por inobservância do princípio do contraditório.
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Posteriormente, a 23.10.2017, foi proferida nova sentença nos seguintes termos que para o caso agora nos interessa:

“No decurso do fixado prazo foram reclamados os sete créditos relacionados pela Ex.ma Administradora como reconhecidos, no total de 63.237,50 €uros.
Os créditos foram reclamados e reconhecidos como comuns, privilegiados – parte do crédito reclamado pela fazenda nacional (provenientes de IVA); ISS, IP (contribuições); e créditos laborais (n.º 2 e 7).

Vistas as normas legais atrás citadas e porque não houve qualquer impugnação e vistas as normas legais agora transcritas, nos termos do n.º 3 do art.º 130 CIRE,
a) - Homologo a lista de credores reconhecidos elaborada pelo Administrador de insolvência;
b) – Graduo os créditos assim reconhecidos para serem pagos pelo produto obtido pela liquidação do activo, pela forma seguinte:

a) - Em primeiro lugar, os créditos laborais acima descritos como privilegiado, identificados com o n.º 2 e 7.
b) - De seguida, será pago o crédito da Fazenda Nacional;
c) – Em terceiro lugar obterá pagamento o crédito do ISS, IP.
d) – Por fim, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, a par, e rateadamente, se necessário.
As custas e despesas de administração saem precípuas – art.ºs 140,3 e nº 1 do art.º 172 CIRE.
Custas pela massa insolvente.
Registe e notifique”.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida veio a credora/reclamante C. D., interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, apresentando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

i.- O texto do acto com a referência electrónica 153830906, identificado na plataforma Citius por “Conclusão (Electrónica) c/ Sentença em 30-06-2017 [Electrónico] ”, constitui uma sentença, já que se trata de um acto pelo qual o Sr. Juiz de Direito decide a causa que constitui o objecto do presente apenso, julgando verificados determinados créditos e graduando-os, tendo em atenção a relação de créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência (cfr., acto com a referência electrónica 5638301) e ausência de impugnação à mencionada lista (cfr., fls. … do processo);
ii.- o acto com a referência electrónica 155136261, identificado na plataforma Citius por “Conclusão (electrónica) c/ Sentença em 24-10-2017 [Electrónico]”, foi praticado com vista atingir a mesma finalidade do ato com a referência electrónica 153830906 (“Conclusão (electrónica) c/ Sentença em 30-06-2017 [Electrónico]”, i.e., a de decidir a causa que constitui o objecto do presente apenso, julgando verificados determinados créditos e graduando-os;
iii.- da concatenação dos dois actos, verifica-se que o último constitui uma alteração da decisão inserta no primeiro, uma vez que: a) julga verificado um crédito novo, distinto e independente daqueles que foram julgados verificados pela sentença datada de 30 de Junho de 2017 (ato com a referência electrónica 153830906), constante de uma nova relação de créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência (ato com a referência electrónica 5754815), relação esta submetida ao processo depois de proferida a primeira sentença de homologação e graduação de créditos (vide, actos com as referência electrónicas 153830906 e 5754815); e b) gradua, em razão de o julgar verificado, o referido crédito, alterando, dessa forma, a verificação e graduação anteriormente decidida, o que lhe é legalmente vedado;
iv.- Dispõe o artigo 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”;
v.- O alcance do princípio, escreve ALBERTO DOS REIS, é o seguinte: “o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível” – in, CLÁSSICOS JURÍDICOS, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, VOLUME V, 3.ª ED. 1952, REIMPRESSÃO, página 126;
vi.- A justificação do princípio explica-se, segundo o mesmo Autor, «por uma razão de ordem doutrinal e por uma razão de ordem pragmática. Razão doutrinal: o juiz quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e outras formas de cumprimento exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilita o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se. A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo em todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão” – idem, página 127;
vii.- considerando o exposto, conclui-se que a sentença proferida em 23 de Outubro de 2017 (acto com a referência 155136261), é uma sentença inexistente, ou caso assim não se entenda, um acto nulo insanável, na medida em que foi proferida num momento em que poder jurisdicional já se havia extinto, por força da sentença proferida em 30 de Junho de 2017;
viii.- Ao praticar o acto com a referência electrónica 155136261 o Tribunal violou o disposto no artigo 613.º, n.º1, do Código de Processo Civil.

TERMOS EM QUE deve a) declarar-se a inexistência do acto com a referência electrónica 155136261, ou, caso assim não se entenda, a nulidade insanável do mesmo;
b) declarar-se que com a prática do acto com a referência electrónica 153830906, identificado na plataforma Citius por “Conclusão (electrónica) c/ Sentença em 30-06-2017 [Electrónico]”, esgotou o Tribunal «a quo» o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa.
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Não se mostram juntas, por apresentadas, contra-alegações.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, em nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III- O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639º., n.os 1 a 3, 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre decidir se a decisão proferida a 23.10.2017 deve ser declarada inexistente/nula.
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- Os factos que importam para a decisão da questão são os que constam do relatório deste acórdão.
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- Apreciando e decidindo

Proferida a sentença, diz o art. 613.º do NCPC, que fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, embora possa e deva continuar a exercer no processo o seu poder jurisdicional para resolver todas as questões e incidentes posteriores sem interferência na sentença ou despacho prolatado e a poder rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas ou se proceder à reforma da sentença quanto a custas e multa – art. 613.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil.

Da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem, assim, dois efeitos: um positivo – traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; um negativo – representado pela insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.

Contudo, de acordo com o exposto, a intangibilidade, para o juiz, da decisão que proferiu, é, naturalmente limitada pelo objecto dela: a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às questões sobre que incidiu a decisão, nada obstando a que resolva todas as questões que não tenham com o objecto da decisão proferida uma relação de identidade ou ao menos de prejudicialidade, e, portanto, que não exerçam qualquer influência da decisão que emitiu, relativamente à qual o seu poder jurisdicional se extinguiu e se esgotou.

Como já referia o Prof. Alberto dos Reis, in Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, 1981, volume V, p. 127, em anotação ao art. 666.º do CPC de 1939, a justificação deste princípio justifica-se por uma razão de ordem doutrinal e por outra de ordem pragmática, a saber: “Razão doutrinal: o juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e defesa. (…) E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se. A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional.(…)”

Convém ainda ter presente que o facto de uma decisão não ter sido notificada é absolutamente inócuo relativamente ao princípio da extinção do poder jurisdicional, dado que este se extingue pelo simples facto da decisão ter sido proferida no processo e portanto mesmo antes das partes serem notificadas (neste sentido o Ac. STJ de 21-5.º-940, Col. Of., 39.º, pág. 233, Rev. dos Trib., 58.º, pág. 326).

De qualquer das formas importa ter em consideração que a inobservância do princípio em causa dá origem à situação patológica da existência de casos julgados contraditórios, seja no mesmo processo, seja em processo distinto, e que, para remover o conflito, a lei, baseando-se no princípio de prioridade, considera que, havendo duas decisões contraditórias, vale aquela que primeiramente tiver passado em julgado (artº 625 nº 1 do CPC).
Pois, este princípio da prioridade do trânsito em julgado vale igualmente para as decisões que, num mesmo processo, versem sobre a mesma decisão concreta da relação processual (artº 625 nº 2 do CPC).

Ainda com interesse para a questão em apreço, tem sido largamente dominante o entendimento de que, na parte excessiva da decisão proferida, nos encontramos perante um acto absolutamente ineficaz.

Contudo, a exacta caracterização desta invalidade tem gerado alguma controvérsia doutrinária e jurisprudencial (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª edição, II, P. 917 – 918), considerando determinada corrente, que este vício essencial da sentença (ou despacho) constitui uma situação de inexistência jurídica (V.g. Ac. do STJ de 06-05-2010, P. 4670/2000.S1, 2. ª Secção (Álvaro Rodrigues) e Ac. da Rel. do Porto de 15-12-2010, P. 2006/09.5TTPRT.P1/Machado da Silva) em que não há sequer lugar à produção de caso julgado, enquanto para outra – considerando que, apesar de se ter esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa, a decisão foi proferida por órgão investido de poder jurisdicional –, se trata de uma nulidade absoluta ( Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, p. 113 e ss).

Posto isto, vejamos então o sucedido.
Apresentadas as reclamações de créditos nos termos do art. 128.º, do CIRE, nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento, nos termos do art. 129.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Assim, nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no referido preceito, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos – art. 130.º, n.º 1, do CIRE.

Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista – n.º 3, do art. 130.º, do CIRE.

Daqui decorre que, apesar da ausência de impugnações da lista de credores reconhecidos elaborado pela Administrador da Insolvência, ocorrendo um erro manifesto, tal obstacula ao imediato proferimento da sentença de verificação de graduação de créditos, obrigando o juiz a investigar e esclarecer os factos que tiver por relevantes por forma a posteriormente decidir sobre a homologação do plano de insolvência ou de recusa dessa homologação, ordenando, sendo o caso, a organização de nova lista e facultando às partes as impugnações que tiverem por direito.

Pois, qualquer decisão passível de conflituar com os interesses dos credores sempre tem que ser precedida da actuação do contraditório, nos termos do art. 3.º do CPC.

Ora, como resulta da primeira relação de créditos apresentada e junta a fls. 2, do p.p., dela não constava a credora Isabel e, respectivamente, o seu crédito como reconhecido, quando foi proferida a decisão datada de 30.6.2017, com a ref.ª 153830906, que homologou essa lista de credores reconhecidos e os graduou, contrariamente à que foi posteriormente apresentada a fls. 11, do p.p., relativamente à qual veio a ser proferida a posterior decisão de fls. 24, do p.p. (dado que a de fls. 14, do p.p., com a data de 7.7.2017 veio a ser dada sem efeito).

Para além disso, tal como decorre do cotejo entre uma e outra decisão, constata-se que os valores dos créditos reclamados, reconhecidos e, como tal, homologados e graduados, passou de um valor 55.231,04€ para 63.237,50€ e que, fruto da alteração da decisão anteriormente proferida, passaram a ser dois (o n.º 2 e 7) os créditos laborais graduados em primeiro lugar para serem pagos pelo produto obtido pela liquidação do activo, como privilegiados, em vez de um só (concretamente o do crédito n.º 2).

Daqui decorre, como tal, que, in casu, a pretexto do Sr. AI vir apresentar uma nova lista com base num alegado lapso, se veio a proferir uma nova decisão, com alteração substancial do decidido anteriormente, e não a proceder a uma simples rectificação de lapso, quando exaurido estava já o poder jurisdicional do juiz e, assim, precludida a possibilidade de ser reequacionada a homologação e graduação já efectuadas.

Caso assim não se entendesse, sempre que um credor que tivesse reclamado o seu crédito e não o visse relacionado, como reconhecido, na respectiva lista de créditos elaborada pelo AI, nos termos do art. 129.º, do CIRE, poderia, por via de um alegado lapso, ainda que invocado por outrem, vir a obter o benefício que a sua falta de impugnação não lhe concedia.

Igualmente, a assim não se entender, tal como aconteceu no caso com que nos deparamos, no mesmo processo poderíamos ter várias decisões, o que é, de todo, contrário ao fim que, por via do princípio estipulado no art. 613.º, do Cód, Civil, se visa alcançar.

Como se escreveu no Ac.STJ, de 20.5.2010, com o n.º 826/04.6TBTMR-C.C1-S1, publicado no site da dgsi, ‘a[A] infracção da regra da extinção do poder jurisdicional (nº 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil) é mais grave do que o excesso de pronúncia, correspondente à violação dos limites definidos pelo nº 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, gerador de nulidade da decisão (al. d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil) e, como tal, insusceptível de conhecimento oficioso (nºs 3 e 4 do mesmo artigo 668.º)’.

“Significa”, como escrevem Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 684) “que, lavrada e incorporada nos autos a sentença, o juiz já não pode alterar a decisão da causa, nem modificar os fundamentos dela”, não estando na disponibilidade das partes decidir da sua relevância ou irrelevância.

Nestes termos, tendo a decisão impugnada sido proferida depois de esgotado o poder jurisdicional, deve ter-se como não escrita, por se traduzir numa decisão inválida e inatendível.
Procede, pois, a esta luz, a apelação.
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V- Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação dando, em consequência, como não escrita a decisão impugnada, por se traduzir numa decisão inválida e inatendível.
Sem custas.
Notifique.
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TRG, 20.03.2018
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)


Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel A. Figueiredo de Almeida