Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2394/20.2T8BRG.G1
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: REGIME DO PROCESSO DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
DESIGNAÇÃO DO ACOMPANHANTE
NOMEAÇÃO DE VOGAIS PARA O CONSELHO DE FAMÍLIA
FIXAÇÃO DA DATA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - Ainda que formalmente o processo de acompanhamento de maior não deva ser considerado um processo de jurisdição voluntária, ao mesmo é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (artigo 891º, n.º 1 do NCPC, na redacção introduzida pela Lei n.º 49/2018 de 14/8).
II) - De acordo com o disposto no artº. 143º do Código Civil, o acompanhante é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente e, na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respectivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.
III) - O rol de pessoas indicadas nas várias alíneas do nº. 2 do citado artº. 143º do Código Civil, que podem ser designadas acompanhantes, é meramente exemplificativo e a sequência pela qual elas são indicadas não constitui uma ordenação que importe uma regra de precedência obrigatória para o Tribunal.
IV) - Os vogais do conselho de família são escolhidos entre os parentes ou afins da beneficiária, tomando em consideração, nomeadamente, a proximidade do grau, as relações de amizade, as aptidões, a idade, o lugar de residência e o interesse manifestado na pessoa da beneficiária; na falta de parentes ou afins, cabe ao Tribunal escolher os vogais de entre pessoas que possam interessar-se por aquela (artº. 1952º, nºs 1 e 2 do Código Civil).
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

M. A. intentou a presente acção especial de acompanhamento de maior, relativamente à sua mãe F. M., alegando, em síntese, que a beneficiária, sua mãe, sofre há cerca de 8/9 anos de doença de Alzheimer; desde o ano de 2009 apresenta sinais de confusão mental, esquecimentos e comportamentos dissipadores de património não compatíveis com a sua maneira anterior de pensar e de agir; a sua saúde tem vindo a agravar-se ao longo do tempo; encontra-se dependente de assistência e ajuda de terceiros nos mais diversos aspectos da vida diária e não se encontra capaz de gerir a sua pessoa e o seu património, pois há uma absoluta ausência de autodeterminação.
Após descrever alguns comportamentos e limitações da mãe compatíveis com um quadro de síndrome demencial, requereu o suprimento de autorização da beneficiária para requerer o presente acompanhamento, que fosse decretado o acompanhamento da beneficiária e constituído conselho de família, que possa representar aquela em todos os actos de disposição de bens entre vivos, procedendo à administração total dos seus bens.

Regularmente citada, a requerida apresentou contestação, defendendo, desde logo, que as patologias de que padece são fruto da sua idade, mas não a impedem de ter uma postura consciente e orientada sobre a sua vida e a demais realidade que a rodeia; o cenário de alienação galopante que o requerente lhe inculca não tem arrimo na verdade e as suas limitações não justificam a aplicação da medida de acompanhamento que vem requerida, sendo que continua a estar em condições para reger a sua vida e os seus interesses, ainda que tenham de existir cuidados adicionais no que concerne ao seu bem estar físico.
Mais alega que tem uma óptima relação com os seus dois outros filhos, a M. R. e o J. A., tendo sido estes que, ao longo da sua vida, sempre mantiveram proximidade e contacto permanente com os seus pais e fizeram sempre questão de estar presentes na sua vida de forma ininterrupta. Foram estes dois filhos que sempre acautelaram tudo o que os seus pais foram precisando ao longo da sua vida, tendo a sua filha M. R. sempre assegurado, mormente nos últimos anos, os cuidados de saúde, além de outros, que a requerida foi precisando, sendo ela que marca as consultas da mãe nos médicos, que a acompanha nas mesmas, que assume a incumbência de fazer respeitar as tomas de medicação que são preconizadas medicamente para a requerida, entre todas as outras coisas que se revelam necessárias para garantir o seu perfeito estado de saúde.
Por seu lado, as visitas do requerente à requerida sempre tiveram um dominante interesse económico, o que gerou mau estar e o corte de relações com os seus dois irmãos dado os efeitos devastadores que isso estava a ter (e teve) na esfera da requerida, o que foi agravado pelo pedido de auxílio económico (como garante) do requerente à requerida, que contribuiu para que esta tivesse sido confrontada com responsabilidades bancárias substanciais, isto porque avalizou responsabilidades dessa natureza do requerente que não foram honradas por este, o qual inclusive já foi declarado insolvente, conforme consta averbado no seu assento de nascimento, processo esse que foi encerrado por insuficiência de bens.
O requerente nunca esteve preocupado com as questões habitacionais da requerida - que foram acauteladas pela filha M. R., que cedeu um apartamento seu para os seus pais poderem ali habitar - nem teve alguma vez preocupação em saber se havia ou não necessidade de contratar alguém para ajudar a requerida nas suas tarefas diárias, o que foi sempre assegurado pelo seu marido e pelos seus dois outros filhos.
Refere, ainda, que o seu cônjuge dispõe de todas as condições para ser constituído o acompanhante da beneficiária, uma vez que não só habita com esta, como dispõe de todas as faculdades físicas e psíquicas para tal fim, continuando a ser uma pessoa activa e perfeitamente lúcida que está em condições para providenciar por tudo o que aquela necessite, contando, de igual modo, com a ajuda dos seus dois filhos M. R. e J. A. para aquilo que se afigure necessário.
Caso assim não se entenda, defende que deve designar-se também como acompanhante, concomitantemente com o cônjuge, a sua filha M. R. para as funções de saúde da requerida, o que seria mais do que suficiente para salvaguardar os imperiosos interesses da beneficiária, desaconselhando-se a constituição do conselho de família com a presença do requerente, uma vez que este não só está totalmente desligado da dinâmica familiar como não partilha das melhores relações com o seu pai, a que acresce o facto de o requerente ser uma pessoa com comportamentos agressivos e que facilmente se descontrola.
Na eventualidade de vir a ser entendido que há uma efectiva necessidade de vir a ser constituído o conselho de família, defende que devem fazer parte do mesmo, para além do Sr. Procurador Adjunto do Ministério Público, o cônjuge e a filha M. R..
Conclui, pugnando pelo reconhecimento de que não se encontram verificados os pressupostos de facto ou de direito para que seja decretado o seu acompanhamento ou, caso assim não se entenda, requer que seja designado como acompanhante o seu cônjuge, com poderes gerais de representação e poderes de administração total dos seus bens, e ainda, se resultar provado que este carece de auxílio no exercício dessas funções, que seja designada também como acompanhante a filha M. A. com a funções de acautelar as questões de saúde da acompanhada; para o caso de vir a entender-se necessária a constituição de conselho de família, requer que se designe para o mesmo o Exmº. Sr. Procurador Adjunto do Ministério Público da Comarca de Braga, o seu cônjuge e a sua filha M. A..

Na sequência da notificação da contestação apresentada pela requerida, o requerente juntou aos autos novo articulado, respondendo a essa matéria, bem como alegando outros factos, diversos e novos relativamente aos que constam do requerimento inicial, articulado esse que veio a ser desentranhado, por espúrio à tramitação legal.

Foi realizada perícia médico-legal psiquiátrica à pessoa da beneficiária pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, na sequência da qual foram juntos aos autos o respectivo relatório e subsequentes esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito a pedido de ambas as partes.

Procedeu-se à audição pessoal e directa da beneficiária, bem como de seu marido M. A., tendo, após, sido proferido despacho a suprir a autorização da beneficiária para o seu filho M. A. instaurar a presente acção especial de acompanhamento de maior.
Por se afigurar pertinente à decisão da causa, procedeu-se ainda à inquirição do requerente e demais filhos da beneficiária.

O processo foi com vista ao Magistrado do Ministério Público, que se pronunciou, mediante promoção de 19/05/2021, no sentido de serem aplicadas as medidas de acompanhamento de representação geral (artº. 145º, nº. 2, al. b) e nº. 4 do Código Civil) e impedimento de testar (artº. 147º, nº. 2 do Código Civil), mais promovendo o seguinte:

“Para o exercício do cargo de acompanhante deve ser nomeado o cônjuge da requerida, M. A., o qual mostrou interesse na sua nomeação como acompanhante, tratando-se da pessoa que reúne as condições necessárias para o exercício das funções de acompanhante nos termos previstos no art. 143º, nº 2, al. a) do C. Civil.
A data a partir da qual a medida se tornou necessária deverá fixar-se a partir de 06-01-2019 (data da informação clínica de neurologia assinada pelo Dr. A. M.).
Em relação à constituição do conselho de família, concorda-se no essencial com o que consta da contestação apresentada pela beneficiária.
Caso de considere que é necessário constituir o conselho de família deverão ser designados como vogais do conselho de família, a filha da requerida, M. R., sendo esta quem tem prestado maior assistência à requerida e o filho J. A..”

Foi exercido o contraditório por ambas as partes, tendo o requerente pugnado pela aplicação da medida de acompanhamento de representação geral nos termos do artº. 145º, nº 2, al. b) e nº. 4 do Código Civil; pela nomeação da filha M. R. para o cargo de acompanhante; pela constituição de conselho de família e designação como vogais do aqui requerente e de sua irmã M. R. e que seja fixado o ano de 2016 aquele a partir do qual passou a ser necessário o acompanhamento da beneficiária.
A requerida, por sua vez, concordou, na sua essência e alcance, com a promoção do Ministério Público, no sentido de serem aplicadas as medidas de acompanhamento promovidas, nomeando o cônjuge para o cargo de acompanhante, dispensando-se a constituição de conselho de família e fixando o dia 6/01/2019 como a data a partir da qual estas medidas se tornaram necessárias.

Em 1/06/2021, foi proferida sentença que decidiu:

I - Decretar o acompanhamento de F. M.;
II - Designar, para o cargo de acompanhante, o seu cônjuge, M. A., ao qual incumbirá exercer as funções de representante geral daquela, com poderes de administração total dos seus bens;
III - Determinar que a acompanhada F. M. não poderá testar;
IV - Para o conselho de família, nomear como vogais os filhos da acompanhada, J. A. e M. R.;
V - Fixar o dia 06.01.2019 como a data a partir da qual as medidas se tornaram convenientes;
VI - Fixar o valor da causa em €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo);
VII - Não são devidas custas, por isenção da acompanhada.
Notifique e, após, registe.
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Consigna-se que a requerida não consta como autora de directiva antecipada de vontade e/ou de procuração de cuidados de saúde.
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Após trânsito:
- Comunique o teor da presente decisão à Conservatória de Registo Civil competente e publicite no portal oficial;
- Decorrido o período de cinco anos, a partir do trânsito em julgado da presente decisão, abra vista ao Ministério Público, seguida de conclusão, para efeitos de revisão das medidas de acompanhamento ora decretadas;
- Publicite-se no portal oficial.

Inconformado com tal decisão, o requerente dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

1. Com o presente recurso visa, o recorrente, questionar a apreciação da prova feita pelo juiz a quo do que resultará ser posta em crise a douta decisão no que concerne á requerida e nas medidas a adoptar no decretamento do acompanhamento.
2. Vem colocar em crise a designação do acompanhante da recorrida, a nomeação dos vogais para o conselho de família, a fixação da data a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram necessárias pelo fato de existirem erros de julgamento da matéria de fato que valorados corretamente implicariam uma decisão diferente da adoptada pelo tribunal.
3. Má apreciação da prova produzida (e gravada),
4. Considerou, a Mª Juiz a quo, provado, ponto 12 dos fatos provados “Mantém a sua afectividade preservada, demonstrando afecto e carinho pelos seus filhos M. R. e J. A..”
5. No entanto, este facto está em contradição com o depoimento da beneficiária, que referiu ter também afetividade com o ora recorrente, seu filho M. A..
6. O extrato do auto de audição da beneficiária em 16-04-2021 registada em suporte digital assim o prova.
7. Apesar da beneficiária ter referido que o filho é mais difícil que os outros mas que é filho dela e que os filhos não são todos iguais, querendo demonstrar com essa expressão que também gosta deste filho M. A., a Juíza a quo desconsiderou totalmente esse fato.
8. Quando a Mª Juiz a quo refere que o filho M. A. não é tão próximo, a beneficiária entende que esta se está a referir à localização de residência e não de proximidade afetiva, pois, responde “Beneficiária – Sim, o filho que tenho mais difícil não vive muito perto de mim.”
9. E a Mª Juiz a quo, erradamente, relevou como proximidade de sentimento e afeto, efetuando uma deficiente apreciação da prova produzida da audição da beneficiária e descontextualizando totalmente o depoimento da beneficiária e com isso a Mª Juiz a quo desconsiderou totalmente a sua relevância.
10. Deveria, assim, a Mª Juiz a quo ter considerado provado no ponto 12) que “Mantém a sua afectividade preservada, demonstrando afecto e carinho pelos seus filhos M. R., J. A. e M. A..”
11. Considerou, a Mª Juiz a quo, provado, ponto 16 dos fatos provados “A beneficiária mantém contatos regulares com os filhos M. R. e J. A., sendo mais esporádicos os contatos com o requerente”.
12. Facto que poderia indiciar falta de relacionamento e contatos do ora recorrente M. A. com a requerida e beneficiária.
13. O que analisada a prova produzida em sede de audiência de julgamento realizada em 16-04-2021 e 17-05-2021, coma audição da beneficiária, cônjuge, filho M. A., aqui recorrente, filha M. R. e filho J. A. resulta falso e que a Mª Juiz a quo desconsiderou totalmente.
14. Este depoimento demonstra cabalmente que até á data da entrada do processo de maior acompanhado aqui recorrente contatava a mãe, aqui beneficiária, quer por telefone, quer presencialmente.
15. O pai proibiu as visitas do ora recorrente a partir da data em que tomou conhecimento da ação de maior acompanhado contra a beneficiária.
16. A Mª Juiz a quo não tomou em consideração, nem valorou este conhecimento que obteve através deste testemunho: os contatos do aqui recorrente, presencial e via telefone, com a beneficiária para apuramento do ponto 16) dos fatos provados.
17. Os contatos do ora recorrente com a beneficiária tornaram-se mais esporádicos não por vontade do recorrente mas porque o pai não permite as visitas à beneficiária, conforme o próprio refere no seu depoimento.
18. Se a Mª Juiz a quo tivessse tomado em consideração as declarações do pai do recorrente teria que ter dado como provado no ponto “16) A beneficiária mantém contatos regulares com os filhos M. A. e Manuel, sendo com este mais esporádico desde o momento em que entrou a presente ação de maior acompanhado.”
19. Também o depoimento da filha M. R., prova cabalmente que o aqui recorrente realizava visitas à beneficiária uma a duas vezes por semana, tendo essas visitas terminado porque o pai do recorrente não quer as visitas.
20. Neste depoimento o filho J. A. refere expressamente que mantém contatos com a beneficiária de uma vez por semana, o seu pai refere “O J. A. aparece-nos tipo uma vez por mês, não muito” ao invés do recorrente que ficou provado que visitava a mãe pelo menos duas vezes por semana e mesmo assim a Mª Juiz a quo desconsiderou e deu como provado no ponto 16) dos fatos provados “A beneficiária mantém contatos regulares com os filhos M. R. e J. A., sendo mais esporádicos os contatos com o requerente”.
21. O recorrente que até ter dado entrada da presente ação, sempre visitou a beneficiária com regularidade de pelo menos duas vezes por semana.
22. A Mª Juiz a quo dá como provado “(…) sendo mais esporádicos os contactos com o requerente”, o filho J. A. que refere que “(…) eu vou lá todas as semanas, ou quase todas as semanas (…)” a Mª Juiz a quo dá como provado “A beneficiária mantém contatos regulares com (…) J. A.”.
23. Trata-se de uma deficiente inexplicável má apreciação da prova realizada.
24. Ficou provado que os familiares da beneficiária, pelo menos desde que a presente ação deu entrada 22-05-2020 não permitem as suas visitas à beneficiária e tal é do seu superior interesse, pois, tal como ela refere “é seu filho e quando ele me aparece recebo-o sempre”.
25. E os problemas de relacionamento familiar entre irmãos e do recorrente com o pai não devem influir na escolha do acompanhante, nem dos vogais do conselho de família.
26. Essa escolha deve apenas depender do interesse imperioso do beneficiário, que não se confunde obviamente com interesses pessoais dos filhos ou cônjuge.
27. A Mª Juiz a quo dá como não provado fatos que claramente resultaram provados em sede das audiências de julgamento realizadas em 16-04-2021 e 17-05-2021 e das audições da beneficiária, do aqui recorrente, do cônjuge, da filha e do filho.
28. Constitui inequívoco elemento de desconsideração, pela Mª Juiz a quo, a circunstância de, segundo a douta sentença, não se ter provado que “a) O marido da beneficiária não aceita que a mesma padece de uma doença irreversível”, quando é o mesmo marido que refere no seu testemunho.
29. A Mª Juiz a quo desconsiderou e desvalorizou totalmente esta parte do depoimento do marido da beneficiária em que ele desvaloriza a doença da beneficiária.
30. Este fato devia ter sido dado como provado, pois, demonstra cabalmente que o cônjuge da beneficiária desvaloriza a doença de que a beneficiária padece.
31. A Mª Juiz a quo considerou como fato não provado “b) Desde o ano de 2009, que a maior beneficiária apresenta sinais de confusão mental, esquecimentos, comportamento dissipadores de património não compatíveis com a sua maneira anterior de pensar e de agir.”
32. Mas fato constante nos relatórios periciais constantes no processo a fls. 71 a 74, 84, 85 e 102 referem expressamente que os quadros demenciais não têm um início abrupto.
33. Pode-se afirmar que o quadro demencial da examinada iniciou-se indubitavelmente há vários anos, estando provavelmente já presente aquando das consultas iniciais com o Dr. F..
34. No seu depoimento, a filha M. R., gravado no sistema habilus media studio referiu que, antes de 2019, de janeiro, foram diagnosticados pequenos derrames cerebrais, pelos TACs que a minha mãe fez, que lhe trariam perda de memória. E que a mãe já estivesse medicada para Alzheimer, porque o Dr. F. já medicava. Desde 2016, ou 2017.
35. Fundamentou a Mª Juiz a quo ter dado como fato provado o ponto 13 e consequentemente na decisão “V - Fixar o dia 06-01-2009 como a data a partir da qual as medidas se tornaram convenientes” como decorrência do teor do relatório de perícia médico-legal do INML.
36. Quando o perito refere que “o quadro demencial da examinada iniciou-se indubitavelmente há vários anos, estando provavelmente já presente aquando das consultas iniciais com o Dr. F.”
37. Ou seja, que segundo a filha M. R., filha que acompanha a beneficiária às consultas, à 10 anos atrás – 2011.
38. A Mª Juiz a quo deveria ter assente como provado que:13) O quadro acima descrito, que remonta a, pelo menos, o ano de 2011, não é passível de melhorias clínicas que alterem o estado actual, sendo crónico, progressivo e definitivo.
39. Na decisão deveria ter ficado a constar: V) - Fixar o ano de 2011 como o ano a partir do qual as medidas se tornaram convenientes.
40. A Mª Juiz a quo estabeleceu como não provado “e) O pai e os irmãos nada fazem pela requerida e não permitem visitas ou contatos telefónicos do requerente à beneficiária, indo este visitá-la sem conhecimento dos demais.”
41. Em todos os depoimentos, pai, irmã M. R. e J. A., é referido que desde que a presente ação deu entrada 22-05-2020, o recorrente não visita a beneficiária.
42. Demonstrando de forma inequívoca que o aqui recorrente não visita a beneficiária, sua mãe porque o pai não lhe permite.
43. Pelo que a fundamentação da Mª juiz a quo ao referir que os fatos resultaram não apurados atenta a ausência de elementos idóneos que os comprovem é uma flagrante má apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
44. Pelo menos desde 22-05-2020, data da entrada da presente ação de acompanhamento que não são permitidas visitas do ora recorrente à beneficiária.
45. Assim, a Mª Juiz a quo deveria ter dado como provado: desde 22-05-2020, data de entrada da ação de acompanhamento que o pai do requerente M. A. não permite visitas ou contatos telefónicos do requerente à beneficiária.
46. A Mª Juiz a quo fixa como fato não provado: f) Não lhe é permitido acompanhar a mãe ao médico, não possuindo qualquer informação sobre o estado de saúde da requerida e medicamentos que lhe são administrados.
47. Quando o recorrente afirma nas suas declarações que quem lhe comunicava informações acerca da sua mãe, aqui beneficiária, era a empregada D. E..
48. Demonstra cabalmente que nunca prestou qualquer tipo de informação ao irmão, aqui recorrente, alegando que a mãe, beneficiária, prestava essa informação.
49. Como se fosse possível no atual estado de saúde da beneficiária que até referiu que não é uma pessoa doente e que não vai muitas vezes ao médico.
50. A Mª Juiz a quo desconsiderou por completo o depoimento do aqui recorrente quando este refere que tem conhecimento das consultas e da medicação pela empregada D. E..
51. E valora de uma forma incorreta o dar a medicação á beneficiária com conhecer a medicação que está a dar à beneficiária e para que tipo de doença se trata.
52. A Mª Juiz a quo deveria ter dado como fato provado que “Não é permitido ao requerente acompanhar a mãe ao médico, não possui qualquer informação sobre o estado de saúde da requerida e medicamentos que lhe são administrados.”
53. Designou a Mª Juiz a quo para o cargo de acompanhante, o seu cônjuge, M. A., ao qual incumbirá exercer as funções de representante geral daquela, com poderes de administração total dos seus bens.
54. Para o exercício do cargo de acompanhante dever ser nomeado pessoa que melhor proteja o interesse do beneficiário.
55. O cônjuge da beneficiária tem 91 anos de idade, conforme assento de nascimento, não conduz.
56. Devido á sua idade avançada – 91 anos, falta de condição físicas/funcionais decorrentes da sua avançada idade o cônjuge da requerida não é a melhor pessoa para ajudar a requerida na alimentação ao jantar, altura do dia em que já não possui empregada doméstica, para lhe dar a toma da medicação.
57. Não é a pessoa indicada que melhor salvaguardará os interesses da beneficiária, que possa garantir, por si, a defesa exigível do interesse imperioso da beneficiária.
58. Acresce que a ordem de preferência estabelecida no artigo 143º, nº 2 do código Civil não é taxativa, dai que da norma conste “designadamente”.
59. A escolha do acompanhante deve ser a favor de quem melhor salvaguarde o interesse imperioso da pessoa do acompanhado, sendo este o critério a atender para a designação, não assumindo relevo outros interesses, que não se centrem na pessoa do acompanhado.
60. O cônjuge da beneficiária já não reúne, pela sua idade avançada, condições físicas e funcionais para o exercício do cargo de acompanhante.
61. E não está previsto na lei um exercício do cargo de acompanhante por interposta pessoa (mesmo que através de algum dos filhos).
62. Assim, existindo três filhos em condições de exercerem tal cargo, deve a designação recair sobre um destes.
63. Pela prova produzida em sede de audiência de julgamento a designação de acompanhante da beneficiária deve recair sobre a filha M. R..
64. Uma vez que ficou demonstrado e provado que é a filha que mais apoia a mãe, que a acompanha aos médicos, que vai às compras, que lhe coloca a medicação nas caixas, que compra a medicação.
65. Todos os familiares da beneficiária entendem que a irmã M. R. deve ser designada acompanhante da beneficiária e a Mª Juiz a quo desvalorizou por completo essa prova.
66. Estes extratos dos depoimentos revelam a total desconsideração que a Mª Juiz a quo teve pela prova produzida em sede de audiência de julgamento.
67. Não sendo tolerável tamanha desconsideração de dever inseto na alínea a) do nº 2 do artigo 5º do CPC em matéria de dever de cognição.
68. Deveria, assim, a Mª Juiz a quo em respeito pela prova produzida, pelo estatuído no código Civil e pelo supra citado preceito ter designado para o cargo de acompanhante a filha M. R..
69. A mesma desconsideração da prova produzida em sede de audiência de julgamento foi tida pela Mª Juíza a quo quanto à formação do conselho de família.
70. Uma vez que devido ao fato de a Mª Juiz a quo ter desvalorizado a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a audição da beneficiária, do recorrente, do cônjuge, da filha e do filho e erradamente ter estabelecido como fato provado o ponto 12) e 16) dos fatos provados, e ter fixado como não provado a alínea e), f) e g) dos fatos não provados levaram a uma errada decisão da Mª Juiz a quo.
71. Que devidamente valorada e apreciada pelo tribunal, de acordo com os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, implicaria que os fatos provados em 12) e 16) fossem: 12) “Mantém a sua afectividade preservada, demonstrando afecto e carinho pelos seus filhos M. R., J. A. e M. A..
72. 16) A beneficiária mantém contatos regulares com os filhos M. A. e Manuel, sendo com este mais esporádico desde o momento em que entrou a presente ação de maior acompanhado.”
73. E que os fatos que deu como não provados passassem a ser fatos provados: e) “O pai e os irmãos não permitem visitas ou contatos telefónicos do requerente à beneficiária;
74. f) Não lhe é permitido acompanhar a mãe ao médico, não possuindo qualquer informação sobre o estado de saúde da requerida e medicamentos que lhe são administrados.
75. g) Sempre que tenta comunicar com o pai e irmão acerca do estado de saúde da beneficiária, estes negam e recusam dar qualquer tipo de informação ao requerente.”
76. E consequentemente tal alteração implicaria uma decisão diferente, com a consequente nomeação do aqui recorrente M. A. como vogal no conselho de família.
77. O recorrente quer participar na vida e bem estar da beneficiária, e tal é do seu superior interesse, pois, tal como ela refere “é seu filho e quando ele me aparece recebo-o sempre” mas os familiares – pai e irmãos - como não têm boas relações com ele não o deixam participar.
78. Refere a Mª Juiz a quo na sentença que “Os vogais do conselho de família são escolhidos entre os parentes ou afins da requerida, tomando em consideração, nomeadamente, a proximidade do grau, as relações de amizade, as aptidões, a idade, o lugar de residência e o interesse manifestado na pessoa da requerida; na falta de parentes ou afins, cabe ao Tribunal escolher os vogais de entre pessoas que posam interessar-se pela requerida – cfr. Artigo 1952º nº 1 e 2 do Código Civil.
79. Da prova produzida em sede de audiência de julgamento, resultou provado que o ora recorrente é filho, assim como os demais, conforme assentos de nascimento, que até à data de propositura da presente ação visitava a mãe 2 vezes por semana, que o filho J. A. apenas visita, nas palavras dele, a beneficiária 1 vez por semana, e o pai do mesmo refere que ele apenas visita os pais 1 vez por mês mas tal prova foi totalmente desconsiderada pela Mª Juiz a quo.
80. Que efetuou uma má interpretação e valoração dos depoimentos da requerida, cônjuge da requerida e filhos da requerida, valoração deficiente que ocasionou o erro de que a Mª Juíza a quo partiu e levou a uma errada decisão.
81. O ora recorrente deve ser nomeado vogal no conselho de família, para este ser formado de uma forma equilibrada e equitativa para assegurar os interesses da beneficiária.
82. A douta sentença recorrida violou, por má interpretação, o disposto nos artigos 5º, nº 2 alínea a) e artigo 607º nº 4, ambos do CPC.

Termina entendendo que deve ser concedido provimento ao recurso, alterando-se a decisão recorrida nos termos pugnados pelo recorrente.
O Ministério Público apresentou contra-alegações, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida

O recurso foi admitido por despacho de 30/07/2021 (refª. 174516267).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelo requerente, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

I) - Questão prévia:

- Reformulação da redacção do ponto 19 dos factos provados enunciados na sentença recorrida;

II) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
III) – Reapreciação jurídica da decisão recorrida quanto:
a) – à designação do acompanhante da requerida/beneficiária;
b) – à nomeação dos vogais para o conselho de família.
c) - à fixação da data a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram necessárias;

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

1) A beneficiária F. M. nasceu a -.10.1932 e encontra-se casada com M. A., desde -.07.1961, sob o regime da separação de bens;
2) Ambos têm três filhos maiores: M. A. (requerente), J. A. e M. R.;
3) A beneficiária padece de Quadro Demencial de etiologia Neurodegenerativa (Doença de Alzheimer);
4) Como consequência do seu estado de saúde, a beneficiária necessita de assistência para comparecer em consultas médicas, tomar a sua medicação, vestir-se, tratar da sua alimentação e higiene diárias;
5) Apresenta dificuldades de locomoção;
6) Encontra-se suborientada no tempo e no espaço;
7) Desconhece a sua idade;
8) Reconhece o dinheiro, mas não tem noção do seu valor nominal ou simbólico;
9) Sabe ler e escrever;
10) A sua memória encontra-se comprometida para factos recentes e longínquos;
11) Apresenta alterações acentuadas na capacidade de planeamento e organização, na formulação de conceitos, no pensamento abstracto e na capacidade de raciocínio;
12) Mantém a sua afectividade preservada, demonstrando afecto e carinho pelos seus filhos M. R. e J. A.;
13) O quadro acima descrito, que remonta a, pelo menos, 06.01.2019, não é passível de melhorias clínicas que alterem o estado actual, sendo crónico, progressivo e definitivo;
14) A beneficiária reside na companhia do seu marido;
15) A beneficiária conta com o apoio e acompanhamento de uma empregada doméstica, durante todo o dia;
16) A beneficiária mantém contactos regulares com os filhos M. R. e J. A., sendo mais esporádicos os contactos com o requerente;
17) Não são conhecidos antecedentes criminais a M. R.;
18) Não são conhecidos antecedentes criminais a J. A.;
19) O requerente M. A. foi condenado, por sentença proferida a 13.12.2018, transitada em julgado a 23.04.2019, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1, al. b), 2 e 4 do Código Penal, e de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução, e na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €6,00 (Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal – Juiz 1);
20) A requerida não celebrou testamento vital, nem outorgou procuração para cuidados de saúde.

Por outro lado, na sentença recorrida, foram considerados não provados os seguintes factos [transcrição]:

a) O marido da beneficiária não aceita que a mesma padece de uma doença irreversível;
b) Desde o ano de 2009, que a maior beneficiária apresenta sinais de confusão mental, esquecimentos, comportamentos dissipadores de património não compatíveis com a sua maneira anterior de pensar e de agir;
c) Situação que culminou na venda de património a preços abaixo do preço de mercado;
d) No ano transacto, a beneficiária caiu durante a noite e o marido não conseguiu socorrê-la, pelo que só no dia seguinte, com a chegada da funcionária, é que a beneficiária foi levantada do chão; e) O pai e os irmãos nada fazem pela requerida e não permitem visitas ou contactos telefónicos do requerente à beneficiária, indo este visitá-la sem conhecimento dos demais;
f) Não lhe é permitido acompanhar a mãe ao médico, não possuindo qualquer informação sobre o estado de saúde da requerida e medicamentos que lhe são administrados;
g) Sempre que tenta comunicar com o pai e irmão acerca do estado de saúde da beneficiária, estes negam e recusam dar qualquer tipo de informação ao requerente.
*
Os restantes factos, não especificamente julgados provados ou não provados, constituem factos repetitivos, conclusivos, contêm factualidade irrelevante para a decisão da presente causa ou encontram-se em contradição com outra factualidade assente.
*
Apreciando e decidindo.

I) - Questão prévia:

- Reformulação da redacção do ponto 19 dos factos provados enunciados na sentença recorrida:

Como questão prévia à apreciação de fundo das questões supra enunciadas, e porque está correlacionada com uma dessas questões, mais concretamente com a pretensão do recorrente de ser nomeado vogal no conselho de família, e os argumentos por si expendidos nas alegações de recurso em defesa da sua tese, afigura-se-nos que deve ser reformulada a redacção do ponto 19 dos factos provados enunciados na sentença recorrida, por forma a estar em conformidade com o certificado de registo criminal do requerente junto aos autos com a refª. Citius 172950118.

No ponto 19 dos factos provados consta o seguinte:
“O requerente M. A. foi condenado, por sentença proferida a 13.12.2018, transitada em julgado a 23.04.2019, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 4 do Código Penal, e de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução, e na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €6,00 (Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal – Juiz 1)”;
tendo a Mª Juíza “a quo” referido na motivação de facto que “Os factos constantes dos pontos 17 a 19 resultaram provados com base nos certificados de registo criminal acima aludidos”.
Ora, no certificado de registo criminal do requerente M. A. que se encontra junto aos autos consta que o mesmo foi condenado, por sentença proferida a 13/12/2018, transitada em julgado a 23/04/2019, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº. 152º, n.ºs 1, al. b), 2 e 4 do Código Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima, e de um crime de dano p. e p. pelo artº. 212º, n.º 1 do mesmo diploma legal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 6,00, o que perfaz o total de € 540 (processo comum singular nº. 1313/17.8T9BRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal – Juiz 1).
Sucede que no ponto 19 dos factos provados, não foi correctamente indicada a pena em que o requerente foi condenado pela prática do crime de violência doméstica, pois consta apenas 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, não sendo feita também qualquer referência à pena acessória que lhe foi aplicada.
Estando o facto supra referido comprovado pelo certificado de registo criminal acima referido, e tratando-se de um documento autêntico com força probatória nos termos do disposto no artº. 371º do Código Civil, importa reformular a redacção do ponto 19 dos factos provados, nos termos do artº 662º, nº. 1 do NCPC, por forma a estar em conformidade com o que consta do aludido documento, e ter interesse para a apreciação e análise da questão da nomeação dos vogais para o conselho de família suscitada pelo recorrente.

Assim sendo, entendemos que o ponto 19 dos factos provados deve ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção:
19. O requerente M. A. foi condenado, por sentença proferida a 13/12/2018, transitada em julgado a 23/04/2019, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artº. 152º, n.ºs 1, al. b), 2 e 4 do Código Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima, e de um crime de dano p. e p. pelo artº. 212º, n.º 1 do mesmo diploma legal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 6,00, o que perfaz o total de € 540 (processo comum singular nº. 1313/17.8T9BRG do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal – Juiz 1).
*
III) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Vem o requerente, ora recorrente, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que:
a) - nos pontos 12, 13 e 16 dos factos provados seja dado como provado o seguinte:
12) Mantém a sua afectividade preservada, demonstrando afecto e carinho pelos seus filhos M. R., J. A. e M. A.;
13) O quadro acima descrito, que remonta a, pelo menos, o ano de 2011, não é passível de melhorias clínicas que alterem o estado actual, sendo crónico, progressivo e definitivo;
16) A beneficiária mantém contactos regulares com os filhos M. A. e Manuel, sendo com este mais esporádico desde o momento em que entrou a presente acção de maior acompanhado;
b) – as alíneas a) e g) dos factos não provados sejam dadas como provadas;
c) - as alíneas e) e f) dos factos não provados sejam consideradas provadas com a seguinte redacção:
e) Desde 22/05/2020, data de entrada da acção de acompanhamento, que o pai do requerente M. A. não permite visitas ou contactos telefónicos do requerente à beneficiária;
f) Não é permitido ao requerente acompanhar a mãe ao médico, não possui qualquer informação sobre o estado de saúde da requerida e medicamentos que lhe são administrados;
por entender que o Tribunal “a quo” fez uma incorrecta apreciação e valoração da prova produzida nos autos, designadamente dos depoimentos da beneficiária F. M., de seu marido M. A. e dos seus filhos M. A. (aqui requerente), J. A. e M. R., concatenados com o relatório de perícia médico-legal e subsequentes esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito constantes dos autos.

Ora, na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição]:

O Tribunal baseou a sua convicção quanto aos factos acima julgados provados na audição pessoal e directa da beneficiária, nos depoimentos de M. A., M. A., J. A. e M. R., bem como na prova documental e pericial constante dos autos.
No domínio da prova documental, foi valorado o teor dos seguintes elementos: assento de casamento de M. A., de fls. 9; assentos de nascimento de M. A., J. A. e M. R., constantes de fls. 10, 11 e 12, respectivamente; informação prestada pelo A. C.I – Braga, de fls. 58; e certificados de registo criminal com as ref.ªs citius n.ºs 72950118, 72950123 e 72950134, de 29.04.2021.
No domínio da prova pericial, foi valorado o teor do relatório de perícia médico-legal de fls. 71-74 e os subsequentes esclarecimentos de fls. 84, 85, 101 e 102.
Isto posto, cumpre concretizar.
Os factos consignados supra nos pontos 1 e 2 resultaram apurados em face do teor do assento de casamento de M. A., de fls. 9, e dos assentos de nascimento de M. A., J. A. e M. R., constantes de fls. 10, 11 e 12.
A factualidade constante dos pontos 3 a 13 decorre, por sua vez e em primeira linha, do teor do relatório de perícia médico-legal do INML, do qual se extrai a patologia de que padece a beneficiária, sua extensão e repercussões no dia-a-dia, o que, de resto, se harmoniza com o que foi possível ao Tribunal verificar em sede de audiência de prova, designadamente da audição da beneficiária. Foram ainda tomados em consideração, nesta parte, as declarações – sinceras e genuínas – prestadas por M. A., J. A. e M. R., com base nas quais se julgaram ainda provados os factos constantes dos pontos 14 a 16.
Neste conspecto, importa salientar que o marido da beneficiária e os seus filhos M. R. e J. A. demonstraram possuir um conhecimento consistente dos hábitos e rotinas da beneficiária, os quais relataram de forma objectiva, coerente e genuína, em sentido coincidente, aliás, ao explanado pela própria requerida, ainda que com as limitações advenientes da sua idade e do quadro clínico apurado.
Ao invés, o requerente M. A. apresentou em juízo um depoimento comprometido e, não se pode deixar de assinalar, contrário à versão dos factos por si narrada na petição inicial.
A título de exemplo, refira-se que, no articulado inicial, encontra-se alegado que “o pai e os irmãos não permitem visitas, nem contatos telefónicos com a beneficiária do aqui requerente à mãe/beneficiária” – cfr. artigo 28º. Ora, quando inquirido em juízo a esse propósito, o requerente afirmou que no último ano não conviveu com a beneficiária, porque o seu pai o “proibiu de entrar lá por causa deste processo”, mas que, até então, tinha com a mesma uma “relação de excelência”, visitando-a cerca de duas ou três vezes por semana.
De igual modo, se aduziu na petição inicial não possuir qualquer informação sobre o estado de saúde da beneficiária e medicamentos que esta toma, afirmou, em sede de audiência de prova, que tinha conhecimento das suas consultas e medicação, tendo inclusivamente chegado a dar essa mesma medicação à beneficiária, quando a visitava ao sábado.
Isto posto, refira-se que, quanto ao facto constante do ponto 13, para além de o mesmo encontrar arrimo na prova pericial produzida nos autos, resultou cristalino da diligência de audição da beneficiária, uma vez que esta se referiu com especial carinho à sua filha M. R. e ao seu filho J. A., ao passo que quanto ao requerente afirmou, com manifesta espontaneidade, “é mais difícil”, revelando não ter com o mesmo uma proximidade semelhante.
Conjugado o acima exposto, formou este Tribunal a sua convicção quanto à verificação a factualidade em apreço.
Aqui chegados, uma breve nota se impõe a respeito do facto ínsito no ponto 14, mais concretamente quanto à data a que remonta o quadro clínico apurado da requerida. Na verdade, não obstante o requerente tenha defendido que o estado de saúde da requerida resultante da factualidade assente remonta ao ano de 2009, inexistem nos autos elementos que nos permitam concluir, com a segurança e a certeza que nos são exigíveis, nesse sentido. Conforme assinalou o Sr. Perito no relatório junto aos autos, “tecnicamente e face aos elementos clínicos existentes, apenas se pode afirmar que [a incapacidade] está presente em 06/01/2019”. A este respeito, sempre se diga que a circunstância de o quadro demencial da requerida se ter iniciado há vários anos [o que bem se compreende, se considerarmos que a doença de que a beneficiária padece surge lenta e progressivamente, conforme explanado nos autos pelo Sr. Perito, - vd. fls. 85 vs], “estando provavelmente já presente aquando das consultas iniciais com o Dr. F.” (vd. fls. 85 vs.) não abala a conclusão acabada de expor, à míngua de elementos objectivos, rigorosos e alheios ao campo das probabilidades que apontem em sentido diverso.
Os factos constantes dos pontos 17 a 19 resultaram provados com base nos certificados de registo criminal acima aludidos.
O facto ínsito no ponto 20 resultou apurado atenta a informação prestada nos autos pelo A. a fls. 30.
No que respeita aos factos constantes das alíneas a) a g), resultaram os mesmos não apurados atenta a ausência de elementos idóneos que os comprovem.

Decorre do disposto no artº. 662º, n.º 1 do NCPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no entender do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação (cfr. acórdão do STJ de 1/10/2015, relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza, proc. n.º 6626/09.0TVLSB, disponível em www.dgsi.pt).
Neste sentido, o artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Por força deste dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer oficiosamente e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1).
Por seu turno, ainda, em conformidade com a alínea a) do n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “(…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”
Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, o recorrente, em relação aos pontos 12, 13 e 16 dos factos provados e às alíneas a), e) e f) dos factos não provados cumpriu minimamente os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, tendo inclusive procedido à transcrição de alguns excertos dos depoimentos da beneficiária F. M., de seu marido M. A. e dos seus filhos M. A. (requerente), J. A. e M. R., por ele mencionadas para fundamentar a sua pretensão, e estando gravados, no caso concreto, os depoimentos prestados em audição presencial no Tribunal, bem como constando do processo toda a prova pericial e documental tida em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto.
Contudo, em relação à alínea g) dos factos não provados, que contém matéria alegada no artº. 32º do requerimento inicial, consideramos que o recorrente não cumpriu cabalmente os ónus estabelecidos no artº. 640º, nºs 1 e 2 do NCPC, porquanto não especifica, nem nas conclusões do recurso nem no texto das alegações, relativamente àquele facto não provado, quais os concretos meios de prova (designadamente os depoimentos das pessoas ouvidas pelo Tribunal) constantes do processo ou da gravação nele realizada em que fundamenta a sua discordância e que, em seu entender, levariam a uma decisão diversa da recorrida.
É este o entendimento plasmado no acórdão do STJ de 5/09/2018 (proc. nº. 15787/15.8T8PRT, relator Cons. Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt), que aqui sufragamos, onde se conclui que: «A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos» (vide também acórdão do STJ de 20/12/2017, relator Cons. Ribeiro Cardoso, proc. nº. 299/13.2TTVRL, disponível em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STJ de 27/09/2018 (relator Cons. Sousa Lameira, proc. nº. 2611/12.2TBSTS, disponível em www.dgsi.pt), no qual se conclui que o recorrente «não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida (…)».
Por esta razão, não será apreciada a impugnação da matéria de facto atinente à mencionada alínea g) dos factos não provados, que se mantém, por isso, inalterada.
Em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, incumbe à Relação, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto” (cfr. acórdão da RG de 15/10/2020, proc. nº. 3007/19.0T8GMR, disponível em www.dgsi.pt).
Importa, porém, não esquecer que se mantêm em vigor os princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova (este último consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC), sendo certo que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando seja possível concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando a Relação tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento relativamente a concretos pontos de facto impugnados (cfr. acórdãos da RG de 30/11/2017, proc. nº. 1426/15.0T8BGC-A, de 30/01/2020, proc. nº. 500/18.6T8MDL e de 15/10/2020 acima referido, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Tendo por base estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, apreciar e decidir sobre a impugnação da matéria de facto apresentada pelo ora recorrente.
Com efeito, reportando-nos aos pontos 12, 13 e 16 dos factos provados e à matéria vertida nas alíneas a), e) e f) dos factos não provados, após ouvida a gravação dos depoimentos prestados por F. M. (beneficiária do acompanhamento), M. A. (cônjuge da beneficiária) e dos três filhos da beneficiária M. A. (requerente nos presentes autos), J. A. e M. R., todos eles mencionados nas alegações de recurso, relativamente aos factos provados e não provados acima referidos e colocados em crise pelo recorrente - e sopesando-a com a restante prova existente no processo, designadamente com o relatório da perícia médico-legal realizada à benefeciária pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado e os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito que examinou a beneficiária, elementos estes juntos aos autos em 17/09/2020, 22/10/2020 e 16/12/2020, com as refªs Citius 10486436, 10644745 e 10888542, respectivamente, referidos na “motivação de facto”, não se vislumbra que exista motivo para alterar a matéria de facto provada e não provada nos termos pretendidos pelo recorrente, relativamente à qual constatamos que o Tribunal “a quo” fez, no essencial, uma correcta apreciação e análise crítica de todos os elementos de prova constantes do processo, tal como consta clara e detalhadamente explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida que acima transcrevemos e que merece a nossa concordância, havendo, apenas, que introduzir uma alteração na redacção do ponto 12 dos factos provados, por forma a que a mesma seja rigorosamente mais consentânea com a prova pericial produzida nos autos e com o depoimento prestado em Tribunal pela beneficiária F. M..
Vejamos então.

O ponto 12 dos factos provados que o recorrente pretende ver alterado tem a seguinte redacção:
12) Mantém a sua afectividade preservada, demonstrando afecto e carinho pelos seus filhos M. R. e J. A..
Insurge-se o recorrente contra o facto 12 dado como provado, referindo que deveria ter-se considerado provado no aludido ponto 12 que a beneficiária “Mantém a sua afectividade preservada, demonstrando afecto e carinho pelos seus filhos M. R., J. A. e M. A. por, em seu entender, estar “em contradição com o depoimento da beneficiária, que referiu ter também afetividade com o ora recorrente, seu filho M. A.”.
Fundamenta a sua pretensão, quanto ao facto supra referido, em determinado excerto do depoimento da beneficiária F. M., que transcreve nas suas alegações, argumentando, para tanto, que a Mª Juíza “a quo” desconsiderou o facto da beneficiária ter referido que o filho M. A. é mais difícil que os outros, mas que é filho dela e que os filhos não são todos iguais, querendo demonstrar com essa expressão que também gosta do filho M. A.; e quando a Mª Juíza refere que o filho M. A. não é tão próximo, a beneficiária entende que esta se está a referir à localização da residência e não à proximidade afectiva, pois respondeu que “o filho que tenho mais difícil não vive muito perto de mim.”
Ora, resultou cristalino da audição do depoimento da beneficiária F. M., que esta falou de forma genuína, com especial carinho, do marido (seu companheiro ao longo de 60 anos de casamento) e dos filhos M. R. e J. A., afirmando: “o meu marido estou muito contente com ele, mesmo muito contente. (…) Eu tenho 2 filhos, um que é advogado [referindo-se ao J. A.] e que também é outra riqueza (…), acrescentando mais adiante que gosta muito de ter a sua filha M. R. por perto, sendo ela que a leva a todo o lado.
Ademais, não se vislumbra que a beneficiária, ao referir que o filho M. A. é mais difícil que os outros, mas que é filho dela e que os filhos não são todos iguais, tenha com esta expressão querido demonstrar por este filho o mesmo carinho e afecto que nutre pelos outros filhos M. R. e J. A., afigurando-se-nos que apenas terá querido dizer que, apesar do filho M. A. que a beneficiária refere ser mais difícil (que os outros, entenda-se), ela também o considera seu filho.
Por outro lado, contrariamente ao que é alegado pelo recorrente, quando a Mª Juíza “a quo” perguntou se o filho mais difícil não é tão próximo, a beneficiária referiu, na sua audição, que “o filho que tenho mais difícil não vive muito perto de mim” (…) “deve viver… não sei se ele vive no Porto”, não se vislumbra, salvo o devido respeito, que a beneficiária quisesse dizer que o seu filho mais difícil (o Manuel) não é tão próximo de si devido à localização geográfica, mas sim que não tem com aquele uma proximidade afectiva semelhante à dos outros filhos, tanto mais que a mesma referiu que nem sabe se ele vive no Porto.
Aliás, a determinada altura do seu depoimento, a beneficiária, referindo-se ao filho M. A., disse mesmo que ele lhe liga quando precisa, “é só quando precisa”, e quando lhe foi perguntado pela Mª Juíza “a quo” se ele liga todas as semanas, a beneficiária respondeu “nem todas as semanas (…) é quando ele precisa”.
Importa acrescentar que no relatório da perícia médico-legal realizada à beneficiária constante dos autos, é referido pelo Sr. Perito que, aquando da entrevista à examinanda, foi afirmado por esta que teve três filhos “A M. R. que é professora… o J. A. que é advogado… e o Manuel… não sei o que faz… é o mais novo, mas ele nunca foi bom filho”. E na resposta aos quesitos formulados pelo Tribunal, mais concretamente ao quesito 18, o Sr. Perito refere que “Apesar do comprometimento mnésico e cognitivo, a examinada mantém a sua afectividade preservada. Aliás, demonstra afeto e carinho pelo marido e pelos seus filhos M. R. e J. A.. (…) pode-se afirmar que nutre bons sentimentos por estes dois filhos com quem se sente à-vontade”.
Assim, da conjugação do depoimento da beneficiária F. M. com o relatório pericial junto aos autos, elementos estes que não foram suficientemente contrariados pelos restantes meios de prova, afigura-se-nos que bem andou o Tribunal “a quo” ao não considerar, no ponto 12 dos factos provados, que houvesse proximidade, em termos afectivos, da beneficiária com o seu filho M. A., ora recorrente, entendendo, no entanto, que o mesmo deve ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:
12) Mantém a sua afectividade preservada, demonstrando afecto e carinho pelo marido e pelos seus filhos M. R. e J. A..

Pretende o recorrente que seja alterada a redacção dos pontos 13 e 16 dos factos provados nos termos supra enunciados, cuja actual redacção é a seguinte:
13) O quadro acima descrito, que remonta a, pelo menos, 06.01.2019, não é passível de melhorias clínicas que alterem o estado actual, sendo crónico, progressivo e definitivo;
16) A beneficiária mantém contactos regulares com os filhos M. R. e J. A., sendo mais esporádicos os contactos com o requerente.
No que concerne ao ponto 13 dos factos provados, o recorrente fundamenta a sua pretensão num trecho dos esclarecimentos escritos prestados, em 22/10/2020, pelo Sr. Perito que realizou o exame de psiquiatria forense à beneficiária F. M., e em alguns segmentos do depoimento da filha M. R., que transcreve nas suas alegações, argumentando que o Sr. Perito refere que “o quadro demencial da examinada iniciou-se indubitavelmente há vários anos, estando provavelmente já presente aquando das consultas iniciais com o Dr. F.” e que segundo a filha M. R., esta acompanha a beneficiária às consultas há 10 anos atrás - 2011.
Relativamente ao ponto 16 dos factos provados, o recorrente assenta a sua pretensão em determinados excertos dos depoimentos da beneficiária F. M., do seu marido e dos seus filhos M. R. e J. A., que transcreve nas alegações, afirmando que resulta do depoimento de M. A. (marido da beneficiária e pai do recorrente), que até à data da entrada do processo de acompanhamento de maior, o seu filho M. A., aqui recorrente, visitava a mãe e contactava com ela por telefone, tendo proibido as visitas daquele filho a partir da data em que tomou conhecimento da presente acção, não tendo a Mª Juíza “a quo” valorado este depoimento, que demonstra que os contactos do ora recorrente com a beneficiária tornaram-se mais esporádicos, não por vontade do próprio, mas porque o pai não permite as visitas à mãe.
Alega, ainda, que a Mª Juíza “a quo” desconsiderou o depoimento da filha M. R. que demonstra cabalmente que o recorrente realizava visitas à beneficiária duas a três vezes por semana, tendo essas visitas terminado porque o pai não as permite, bem como o depoimento do filho J. A. que referiu expressamente que mantém contactos com a mãe uma vez por semana, ao passo que o seu pai referiu que “o J. A. aparece-nos tipo uma vez por mês, não muito”, ao invés do recorrente relativamente ao qual ficou provado que, até ter dado entrada da presente acção, sempre visitou a mãe pelo menos duas vezes por semana.
Ora, o ponto 13 dos factos provados, assim como a alínea b) dos factos não provados – na qual consta como não provado que “Desde o ano de 2009, que a maior beneficiária apresenta sinais de confusão mental, esquecimentos, comportamentos dissipadores de património não compatíveis com a sua maneira anterior de pensar e de agir” – têm a ver com a fixação da data a que remonta o quadro demencial de etiologia neuro-degenerativa da beneficiária F. M. e a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram necessárias.
Em face do teor do relatório pericial e dos subsequentes esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito que o elaborou, e considerando o depoimento da filha M. R. mencionado pelo recorrente, não se vislumbra que estes meios de prova sejam de molde a permitir alterar a redacção do ponto 13 dos factos provados nos termos por ele pretendidos, não tendo este tribunal de recurso adquirido, assim, convicção diferente da que foi obtida pelo Tribunal da 1ª instância.
Como refere o recorrente, de facto nas pág. 2 e 3 dos esclarecimentos escritos apresentados pelo Sr. Perito em 22/10/2020 (refª. Citius 10644745), é referido expressamente o seguinte:
“7. Contudo, pode-se afirmar que os quadros demenciais não têm um início abrupto, exceto se forem secundários a uma lesão ou evento vascular cerebral. A literatura descreve que os processos que conduzem à neurodegeneração e ao comprometimento neurocognitivo se iniciam muitos anos antes, estando descritas diversas fases. A fase inicial é assintomática (inicia-se em média, 2 a 4 anos antes do surgimento dos sintomas), seguindo-se a fase intermédia (que dura em média, 3 a 6 anos e no decorrer da qual ocorre o declínio físico, cognitivo e mnésico do doente) e a fase tardia (em que se assiste a uma completa dependência, severa deterioração cognitiva, culminando com estado vegetativo e morte, cuja duração pode ser de meses até 2/3 anos). (…)
8. Assim, pode-se afirmar que o quadro demencial da Examinada iniciou-se indubitavelmente há vários anos, estando provavelmente já presente aquando das consultas iniciais com o Dr. F. (…).”
No entanto, não podemos desconsiderar que na pág. 4 do relatório da perícia médico-legal realizada à beneficiária em 20/08/2020, junto aos autos em 17/09/2020 (refª. Citius 10486436), o Sr. Perito refere que “Dado não existir um evento agudo que se possa constituir como referencial de começo da incapacidade, tecnicamente e face aos elementos clínicos existentes, apenas se pode afirmar que [a incapacidade] está presente em 06/01/2019, altura em que o Dr. A. M., Neurologista, constata e atesta a incapacidade em informação clínica por si elaborada”.
Ademais, o Sr. Perito refere na pág. 2 dos esclarecimentos supra citados que: “Relativamente à necessidade de situar o início da incapacidade, importa realçar que, em termos metodológicos, o Perito terá que sustentar as suas conclusões em elementos factuais. Ora, apesar da Acompanhante [referindo-se à filha M. R.] descrever que o acompanhamento em consulta de Neurologia remonta desde há cerca de 5 anos, não existe qualquer documento clínico que ateste quais as funções / competências afectadas. Daí que, na ausência de elementos clínicos factuais (não apresentados pelas partes), só se pode afirmar, com certeza, que a incapacidade está em 06/01/2019, altura em que o Dr. A. M., Neurologista, constata e atesta por sua honra profissional a incapacidade em informação clínica por si elaborada”.
Por outro lado, os pontos 7 e 8 dos aludidos esclarecimentos a que o recorrente faz menção, foram transcritos nas alegações de recurso de forma incompleta - apenas a parte que interessava ao recorrente para sustentar a sua tese – tendo o Sr. Perito escrito nos mesmos o seguinte:
“7. Contudo, pode-se afirmar que os quadros demenciais não têm um início abrupto, exceto se forem secundários a uma lesão ou evento vascular cerebral. A literatura descreve que os processos que conduzem à neurodegeneração e ao comprometimento neurocognitivo se iniciam muitos anos antes, estando descritas diversas fases. A fase inicial é assintomática (inicia-se em média, 2 a 4 anos antes do surgimento dos sintomas), seguindo-se a fase intermédia (que dura em média, 3 a 6 anos e no decorrer da qual ocorre o declínio físico, cognitivo e mnésico do doente) e a fase tardia (em que se assiste a uma completa dependência, severa deterioração cognitiva, culminando com estado vegetativo e morte, cuja duração pode ser de meses até 2/3 anos). Contudo, existe uma grande variabilidade em termos de duração no curso da patologia e das competências perdidas dependendo da etiologia do quadro e da reserva cognitiva de base do doente. (negrito nosso).
8. Assim, pode-se afirmar que o quadro demencial da Examinada iniciou-se indubitavelmente há vários anos, estando provavelmente já presente aquando das consultas iniciais com o Dr. F. (desconhecendo-se quais os domínios / competências afetadas à data), estando factualmente presente em 6/01/2019 e mantendo-se à data da avaliação pericial. Dada a Psiquiatria ser uma ciência exata, o Perito é incapaz, com rigor, de atestar algo mais sobre esta temática” (negrito nosso).
O que está em consonância com o que é mencionado pelo Sr. Perito no relatório pericial e respectivos esclarecimentos. Ou seja, como assinalou o Sr. Perito, este só pode fixar a data do início do quadro demencial e da incapacidade da examinada com base em elementos clínicos factuais e objectivos, designadamente documentos clínicos que atestem quais as funções/competências afectadas. O Sr. Perito faz referência no seu relatório que, apesar da acompanhante da examinada ter mencionado, quando entrevistada, que a sua mãe era seguida em consulta de Neurologia com o Dr. F., há cerca de 5 anos, tendo em 2019 iniciado acompanhamento em Neurologia pelo Dr. A. M., que lhe diagnosticou doença de Alzheimer, apenas pode afirmar, com certeza, que a examinada padece daquela doença desde 6/01/2019, por ser a data que consta da informação clínica elaborada pelo Dr. A. M., único documento clínico de que o Sr. Perito dispõe, na qual o médico neurologista atesta aquela incapacidade.
O depoimento da filha M. R. prestado em Tribunal, que acompanhava (e acompanha) a mãe às consultas médicas, não contraria o que foi dado como provado no aludido facto 13, pois embora aquela tenha referido que a sua mãe, em 2016 ou 2017, já revelava perdas de memória, sendo seguida pelo neurologista Dr. F. , tendo realizado diversos exames imagiológicos (designadamente TAC’s), que revelaram que ela sofreu pequenos “acidentes isquémicos cerebrais” (ou AIT’s como são designados pelos médicos), o que era normal na idade dela (88 anos), a mesma foi peremptória ao afirmar que, nessa altura, nunca lhe foi dito que a mãe tinha Alzheimer, tendo sido apenas em 2019 que lhe foi diagnosticada a doença de Alzheimer pelo neurologista Dr. A. M., que começou a acompanhá-la a partir de Janeiro de 2019, o que está em conformidade com o que a própria M. R. transmitiu ao Sr. Perito que examinou a beneficiária e que se encontra plasmado no relatório pericial junto aos autos.
Ora, não é pelo facto da beneficiária ir a consultas do neurologista do Dr. F. “uma a duas vezes por ano” e de um dos medicamentos que ela tomava, que lhe foi receitado por aquele médico, ser para Alzheimer, como foi confirmado pela filha M. R., que a mesma tinha “necessariamente” de padecer daquela doença, que lhe foi diagnosticada apenas em 2019 pelo neurologista Dr. A. M..
No que respeita ao ponto 16 dos factos provados, e contrariamente ao que pretende fazer crer o recorrente, não se vislumbra dos depoimentos do pai e da sua irmã M. R. que, até à entrada do presente processo de acompanhamento de maior, o recorrente visitava a mãe e telefonava para ela com frequência, e que tais contactos se tornaram mais esporádicos, não por vontade dele, mas porque o pai não permite as visitas à mãe.

A corroborar o facto dado como provado no ponto 16 temos:
- o depoimento da beneficiária F. M. que referiu que não está com o Manuel com muita frequência, não tendo motivo nenhum para tal, pois “quando ele me aparece eu recebo-o sempre” e “quando ele me telefona eu falo com ele”. Ao ser-lhe perguntado pela Mª Juíza “a quo” com que frequência o filho M. A. lhe liga, a beneficiária respondeu “não sei... ele liga-me quando precisa, não é... é só quando precisa”, tendo ainda referido que ele não vai visitá-la muitas vezes, mas “quando ele me aparece, entra sempre”;
- o depoimento da filha M. R. ao referir que o seu irmão Manuel visitava a sua mãe de vez em quando (supõe que uma a duas vezes por semana), mas há mais de um ano que ele não vai lá a casa; apesar de ter admitido que o seu pai não quer que o recorrente vá lá a casa pelas razões que descreveu, a M. R. referiu que o seu irmão Manuel pode visitar a mãe, sendo que não a visita porque não quer, pois embora o seu pai diga que não o quer lá, “ele nunca tocou à campainha e o meu pai nunca teve que lhe dizer não entras. Nunca ouvi isso lá em casa, o meu pai ter que lhe dizer não podes entrar”, afirmando ainda que as vezes que o irmão Manuel ia visitar a mãe era para pedir dinheiro;
- o depoimento do filho J. A. que referiu que o seu irmão Manuel deixou de ir a casa dos pais há mais de um ano, salientando, no entanto, que se ele quiser visitar a mãe, tem a porta aberta como sempre teve, embora não possa ir a casa dos seus pais fazer as “fitas” e perturbar os pais como fazia anteriormente, sendo que “sempre que ele ia lá, a minha mãe ficava absolutamente super nervosa, super incomodada, porque o meu irmão a maior parte das vezes que ia a casa dos meus pais tinha um único objectivo” [referindo-se ao pedido de dinheiro por parte daquele].
Além disso, como bem se refere na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, o requerente/recorrente apresentou em juízo um depoimento contraditório com a versão dos factos por si narrada na petição inicial.
Com efeito, no articulado inicial, está alegado que “o pai e os irmãos não permitem visitas, nem contatos telefónicos com a beneficiária do aqui requerente à mãe/beneficiária” (cfr. artº. 28º), facto este que consta da alínea e) dos factos não provados. Porém, quando inquirido em juízo a esse propósito, o ora recorrente afirmou que no último ano não conviveu com a mãe, porque o seu pai o “proibiu de entrar lá por causa deste processo”, mas que, até então, tinha uma “excelente relação” com a mãe, visitando-a uma a duas vezes por semana, quando o seu pai costumava sair, “apesar de um bocadinho contra vontade do meu pai, mas ia”.
De igual modo, resulta da petição inicial não possuir o requerente qualquer informação sobre o estado de saúde da beneficiária e os medicamentos que lhe são administrados. No entanto, em sede de audição em Tribunal, o requerente afirmou que tinha conhecimento das consultas a que a sua mãe ia e da medicação que tomava, conhecimento esse que lhe era transmitido pela anterior empregada D. E., tendo inclusivamente chegado a dar essa mesma medicação à mãe, quando a visitava ao sábado.
Assim, da conjugação de todos os elementos de prova acima enunciados, entendemos que deve manter-se inalterada a redacção dos pontos 13 e 16 dos factos provados.

Pretende, ainda, o recorrente que sejam considerados provados os factos vertidos nas alíneas a), e) e f) dos factos não provados que passamos a transcrever:
a) O marido da beneficiária não aceita que a mesma padece de uma doença irreversível;
e) O pai e os irmãos nada fazem pela requerida e não permitem visitas ou contactos telefónicos do requerente à beneficiária, indo este visitá-la sem conhecimento dos demais;
f) Não lhe é permitido acompanhar a mãe ao médico, não possuindo qualquer informação sobre o estado de saúde da requerida e medicamentos que lhe são administrados.
O ora recorrente justifica esta sua pretensão de acordo com uma perspectiva subjectiva, mediante uma apreciação unilateral e parcial da prova, pretendendo substituir a convicção que o Tribunal recorrido formou sobre a prova produzida pela sua própria convicção pessoal que, relativamente àqueles factos colocados em crise, não coincide com a do julgador.
Na realidade, fundamenta a sua discordância, quanto aos factos supra referidos, em determinados excertos dos depoimentos do marido da beneficiária, dos filhos M. R. e J. A. e do requerente/recorrente, que transcreve no corpo das alegações, argumentando o seguinte:
- em relação ao facto não provado na alínea a), a Mª Juíza “a quo” desconsiderou a parte do depoimento do marido da beneficiária em que ele desvaloriza a doença de que ela padece;
- quanto ao facto não provado na alínea e), nos depoimentos do pai do recorrente e dos irmãos M. R. e J. A., é referido que desde que a presente acção deu entrada (em 22/05/2020), o recorrente não visita a beneficiária, demonstrando de forma inequívoca que aquele não visita a sua mãe porque o pai não lhe permite;
- no que concerne ao facto não provado na alínea f), foi afirmado pelo recorrente, nas suas declarações, que quem lhe dava informações acerca da sua mãe era a anterior empregada D. E., o que conjugado com o depoimento da irmã M. R., demonstra que esta nunca lhe prestou qualquer tipo de informação sobre a mãe, alegando que esta dava-lhe essa informação.
Ora, revisitados os depoimentos do cônjuge da beneficiária, dos filhos M. R. e J. A. e do recorrente, e no seguimento do que atrás se deixou dito quanto a estes, relacionado com esta matéria, não se vislumbra que tais depoimentos (designadamente nos segmentos referidos) sejam de molde a permitir considerar como provada a matéria vertida nas alíneas a), e) e f) dos factos não provados nos termos pretendidos pelo recorrente, não tendo este tribunal de recurso adquirido, assim, convicção diferente da que foi obtida pelo Tribunal da 1ª instância.
No que respeita à alínea a) dos factos não provados, acresce, ainda, referir que não resulta do depoimento do marido da beneficiária que este não aceita que a mesma padece de uma doença irreversível, tanto mais que ele próprio refere que têm uma empregada de 2ª a 6ª feira, durante 10 horas por dia, que trata da sua esposa, sendo a empregada a rede de apoio mais forte que a sua esposa tem, pois é ela que a levanta quando chega de manhã e a deita à noite, depois de jantar, antes de se ir embora, que conduz o carro do casal quando é necessário (uma vez que a beneficiária e o seu marido não conduzem), designadamente para levar a sua esposa às consultas quando a filha M. R. não o pode fazer, o que, em nosso entender, demonstra que M. A. reconhece a doença incapacitante e irreversível de que a sua esposa padece e que, por isso, necessita de apoio de terceiros em todos os aspectos da sua vida diária e da sua saúde, pois, caso contrário, não teriam necessidade de ter uma empregada para o efeito durante 10 horas por dia, todos os dias úteis da semana.
Nesta conformidade, entendemos que não assiste razão ao recorrente ao considerar que o depoimento do pai, quando admitiu que não atende o telefone, nem abre a porta de casa ao recorrente, desde que ele interpôs o presente processo, é demonstrativo de que o marido da beneficiária desvaloriza a doença de que ela padece.
No que concerne às alíneas e) e f) dos factos não provados, remetemos para o que atrás se deixou dito sobre os depoimentos da beneficiária F. M., dos filhos M. R., J. A. e Manuel (aqui recorrente), quando analisámos o ponto 16 dos factos provados, a fim de evitar repetições inúteis.
No entanto, importa ainda acrescentar que, resulta da audição do depoimento da beneficiária, que esta referiu ser a sua filha M. R. a que está mais próxima dela quando precisa de alguma coisa, sendo ela que a leva a todo o lado, como às consultas médicas, e que vai buscar a medicação à farmácia, o que foi corroborado:
- pelo cônjuge da beneficiária, referindo-se à sua filha M. R. como sendo aquela que mostra mais preocupação com os pais e lhes presta mais auxílio, sendo uma presença mais constante na vida deles (é ela que movimenta a conta bancária dos pais, faz a gestão da economia doméstica e de todos os assuntos relacionados com a saúde da mãe, que efectua todos os pagamentos necessários), esclarecendo que o J. A. aparece “tipo uma vez por mês, não muito”;
- pela filha M. R. ao referir que tem, e sempre teve, um excelente relacionamento com a sua mãe, sendo ela que está mais presente na vida dos pais (estando com eles todos os dias, inclusive ao fim de semana, porque não têm empregada ao Sábado e Domingo) e que trata de todos os assuntos relacionados com eles, sempre com o conhecimento do pai, tendo sido ela que fez a contratação da empregada;
- pelo filho J. A., que referiu ser a M. R. que tem uma relação mais próxima com os pais e que sempre esteve mais perto deles, sendo ela que, nos últimos anos, principalmente desde que os seus pais vieram residir para Braga (estão a morar num apartamento que é da irmã), tem gerido o dia-a-dia deles e que, na sua opinião, é a pessoa mais habilitada, mais preparada e mais dedicada para ser a acompanhante da sua mãe; esclareceu, ainda, que embora vá visitar os seus pais todas as semanas, ou quase todas as semanas, está um pouco afastado do dia-a-dia deles, até porque sabe que a sua irmã cuida deles da melhor maneira possível, tendo plena confiança nela, e quando a irmã não pode levar a mãe ao médico, ao hospital ou a qualquer outro sítio, sempre que é necessário é ele ou a sua esposa que vai com a mãe;
- e pelo próprio requerente M. A., que admitiu o facto da sua irmã M. R. ter uma relação muito próxima com a mãe, de ser ela ou a empregada que levavam a mãe às consultas e à fisioterapia, sendo a irmã que geria a parte das compras para a casa, que verificava o que era preciso levar e que levava para casa o que fosse necessário.
Todos estes depoimentos contrariam o que consta da primeira parte da alínea e) dos factos não provados e que é alegado pelo requerente na petição inicial – que o pai e os irmãos nada fazem pela requerida – demonstrando exactamente o contrário dessa realidade.
Ademais, a matéria vertida na alínea f) dos factos não provados e que é alegada pelo requerente na petição inicial, foi contrariada pelo depoimento da M. R. ao afirmar que o seu irmão Manuel visitava a casa dos pais e, portanto, tinha acesso à informação sobre o estado de saúde da mãe e a medicação que ela tomava, através da sua mãe, que sabia perfeitamente dizer o que tomava, para além de que a medicação estava lá em casa, sendo que o seu irmão nunca lhe perguntou nada sobre a mãe porque nunca sentiu necessidade de perguntar, nem nunca falou com a irmã sobre o estado de saúde da mãe e que medidas seriam necessárias tomar, tendo acrescentado, ainda, que há muitos anos, sempre que a M. R. solicitava ajuda ao seu irmão Manuel para levar a mãe ao médico ou aos tratamentos, ele nunca estava disponível.
Foi, ainda, referido pelos irmãos M. R. e J. A. que o seu irmão Manuel foi-se auto-excluindo da família, deixou de falar com o pai e com os irmãos, tendo-se afastado completamente da convivência com a família há alguns anos, num período um pouco controverso, o que certa forma demonstra que se o recorrente não visita ou contacta telefonicamente a mãe, não a acompanha ao médico, nem possui qualquer informação sobre o estado de saúde da mesma e os medicamentos que lhe são administrados, é essencialmente a ele próprio que o deve, e não à conduta do pai e dos irmãos, contribuindo deste modo para que o Tribunal “a quo” considerasse não provados os factos plasmados nas alíneas e) e f) supra referidas.
Como tivemos oportunidade de constatar, a prova produzida nos autos, e designadamente os elementos probatórios mencionados pelo recorrente, não têm a virtualidade de sustentar qualquer alteração à matéria de facto dada como provada nos aludidos pontos 13 e 16 e dada como não provada nas alíneas a), e) e f) supra referidas nos termos por ele pretendidos.
Assim sendo, entendemos que deve manter-se inalterada a redacção dos pontos 11 e 20 dos factos provados e as alíneas a), e) e f) devem manter-se no capítulo dos factos não provados.
Por último, conforme se alcança dos autos e da prova neles produzida, resultaram provados factos que foram alegados pela requerida nos artºs 22º a 26º, 33º e 44º da sua contestação e que não constam do capítulo dos factos provados.

Com efeito, encontra-se alegado nos mencionados artigos da contestação o seguinte [transcrição]:

22. Aliás, ao longo da sua vida foram sempre estes dois filhos [referindo-se à M. R. e ao J. A.] que mantiveram proximidade e contacto permanente com os seus pais e fizeram sempre questão de estar presente nas suas vidas de forma ininterrupta.
23. Foram estes dois que sempre acautelaram tudo o que os seus pais foram precisando ao longo da sua vida.
24. Tendo a sua filha M. R. sempre assegurado, mormente nos últimos anos, os cuidados de saúde, além de outros, que a Requerida foi precisando.
25. Sendo esta filha que marca as consultas da Requerida nos médicos, que a acompanha nas mesmas, que assume a incumbência de fazer respeitar as tomas de medicação que são preconizadas medicamente para a Requerida, entre o ror de todas as outras que se revelam necessárias para garantir o seu perfeito estado de saúde.
26. Foram estes dois filhos, não o Requerente que aparecia de forma fugaz, que sempre tiveram a preocupação, o cuidado e o zelo permanente para que nada faltasse à requerida.
33. Nessa linha de raciocínio não se pode perder de vista que o Requerente já foi inclusive declarado insolvente, conforme consta averbado no seu assento de nascimento, processo esse que foi encerrado por insuficiência de bens.
44. Por conseguinte, não serão, seguramente, interesses puramente altruístas que movem o Requerente, tanto mais que este nunca esteve preocupado sequer com as questões habitacionais da Requerida que foram, isso sim, acauteladas pela filha M. R. que cedeu um apartamento seu para os seus pais poderem ali habitar.
Consideramos que se trata de matéria relevante para a decisão a proferir, visando a densificação e a completa delimitação da matéria alegada, e sem a qual não é possível a esta Relação tomar posição quanto ao objecto do recurso relativamente à nomeação do acompanhante e à designação dos membros do conselho de família.
Tais factos não foram ponderados ou especificados na decisão recorrida, nem foram objecto de um completo esclarecimento em termos probatórios, o que se impunha fazer atento o objecto da acção, quando é evidente que a aferição da pessoa que revela melhores condições para salvaguardar o interesse imperioso da beneficiária, enquanto único critério legal atendível na designação da pessoa que está em melhores condições para assumir as funções de acompanhamento legal da requerida passa pelo apuramento de um conjunto de factos atinentes às condições e à aptidão de cada um dos familiares desta, especialmente do seu cônjuge e dos filhos, para o exercício de tal função em face do circunstancialismo que no caso delimita o interesse imperioso de privilegiar o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada (artº. 146º, nº. 1 do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 49/2018 de 14/8).
Ora, convém relembrar que a presente acção de acompanhamento de maior se trata de um processo especial ao qual é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (artigo 891º, n.º 1 do NCPC, na redacção introduzida pela Lei n.º 49/2018 de 14/8, que criou o regime jurídico do maior acompanhado).
Como bem se refere no acórdão desta Relação de 17/09/2020 (proc. nº. 315/18.1T8MAC, disponível em www.dgs.pt), de que é relatora a Desembargadora Raquel Tavares (1ª adjunta neste acórdão), “ainda que formalmente o processo de acompanhamento de maiores não deva ser considerado um processo de jurisdição voluntária (pois não se encontra inserido no Título XV do Livro V do Código de Processo Civil e nem é dessa forma classificado por nenhuma disposição), a verdade é que ao mesmo se aplica o disposto naqueles processos no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.
Tal significa que o Juiz pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, podendo também admitir apenas as provas que considere necessárias para a boa decisão da causa.
A intervenção do tribunal não está aqui limitada pelo pedido formulado, nem pelos elementos de facto e provas carreados para o processo pelas partes para defesa das posições expressas nos autos (cfr. n.º 2 do artigo 986º do CPC); e, conforme estabelece o artigo 987º do CPC, nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”. Neste sentido, vejam-se também os acórdãos da RG de 29/10/2020 (proc. nº. 1253/19.9T8FAF, relator Desemb. Paulo Reis) e de 1/07/2021 (proc. nº. 779/14.2TBBCL-A, relatora Desemb. Anizabel Pereira), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Nas palavras do Prof. José Alberto dos Reis (in Processos Especiais, Vol. II, 1982, Coimbra Editora, pág. 399), na jurisdição voluntária o princípio da actividade inquisitória do juiz prevalece sobre o princípio da actividade dispositiva das partes: «[a]o passo que na jurisdição contenciosa o juiz só pode, em regra, servir-se dos factos fornecidos pelas partes (…), na jurisdição voluntária pode utilizar factos que ele próprio capte e descubra. (…)
E se, na colheita dos factos, o juiz dispõe de largo poder de iniciativa, o mesmo sucede quanto aos meios de prova e de informação. (…) na jurisdição contenciosa os poderes oficiosos do juiz em matéria de instrução do processo têm carácter subsidiário, em confronto com os poderes das partes, ao passo que na jurisdição voluntária não se verifica tal subordinação».
E bem se compreende que assim seja, atentos os interesses subjacentes ao processo em causa, cabendo ao juiz a função de gerir o modo como deve ser satisfeito o interesse fundamental que é tutelado pelo direito.

Assim sendo, podemos concluir, com base nos depoimentos do marido da beneficiária e dos seus filhos M. R. e J. A. (e, em alguns aspectos, até do próprio recorrente), na parte em que falaram do relacionamento dos três filhos com a requerida/beneficiária F. M., bem como das condições e aptidões de cada um deles, e em especial da filha M. R., para desempenhar as funções de acompanhante da requerida, e na certidão de nascimento do requerente/recorrente junta com a petição inicial, que resultaram provados os factos que passamos a enunciar, decorrentes da matéria alegada nos artigos da contestação supra referidos, os quais devem ser aditados ao capítulo dos factos provados com os nºs 21 a 26 e com a seguinte redacção:

21. Ao longo da vida da beneficiária e de seu marido foram sempre os filhos M. R. e J. A. que mantiveram proximidade e contacto permanente com os seus pais e fizeram sempre questão de estar presentes nas suas vidas, sendo a M. R. com maior regularidade e frequência.
22. Foram estes dois filhos, e em especial a M. R., que sempre acautelaram tudo o que os seus pais foram precisando ao longo da sua vida.
23. Tendo a sua filha M. R. sempre assegurado, mormente nos últimos anos, os cuidados de saúde, bem como outros que a beneficiária foi precisando, para além de ter cedido um apartamento seu para os seus pais poderem ali habitar.
24. Sendo esta filha que marca as consultas da beneficiária nos médicos, que a acompanha nas mesmas, que assume a incumbência de fazer respeitar as tomas de medicação que é receitada medicamente para a beneficiária, entre todas as outras coisas que se revelam necessárias para garantir o seu bom estado de saúde.
25. Foram os filhos M. R. e J. A. que sempre tiveram a preocupação, o cuidado e o zelo permanente para que nada faltasse à beneficiária.
26. O Requerente foi declarado insolvente por sentença proferida em 6/10/2009, no processo nº. 6101/09.2TBBRG do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, tendo tal processo de insolvência sido encerrado por insuficiência da massa falida, conforme consta averbado no seu assento de nascimento junto aos autos.
Em face do acima exposto e nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 1 do NCPC, improcede a impugnação da matéria de facto deduzida pelo requerente/recorrente, procedendo-se, no entanto, à alteração da redacção do ponto 12 dos factos provados nos termos atrás mencionados, aditando-se aos factos provados os pontos 21 a 26 acima referidos e mantendo-se inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita.
*
III) – Reapreciação jurídica da decisão recorrida:

Insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida, na parte relativa à designação do acompanhante da beneficiária F. M., à nomeação dos vogais para o conselho de família e à fixação da data a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram necessárias, alegando que em face da prova produzida nos autos:

a) - a designação de acompanhante da beneficiária deve recair sobre a filha M. R., e não sobre o cônjuge da beneficiária, como foi decidido pelo Tribunal “a quo”, uma vez que ficou demonstrado que é a filha que mais apoia a mãe, que a acompanha aos médicos, que vai às compras, que lhe coloca a medicação nas caixas e que compra a medicação, ao passo que devido à idade avançada do cônjuge da beneficiária (91 anos) e à falta de condições físicas e funcionais decorrentes da sua idade, aquele não é a melhor pessoa para ajudar a beneficiária na alimentação ao jantar, altura do dia em que já não possui empregada doméstica, e para lhe dar a medicação;
b) - o ora recorrente deve ser nomeado vogal no conselho de família, para este ser formado de uma forma equilibrada e equitativa a fim assegurar os interesses da beneficiária, uma vez que este é seu filho, assim como os demais, e quer participar na vida e bem-estar da beneficiária, assim como é do seu superior interesse, sendo que o pai e os irmãos, como não têm boas relações com ele, não o deixam participar;
c) - no ponto V da parte decisória deveria ter ficado a constar: V - Fixar o ano de 2011 como o ano a partir do qual as medidas se tornaram convenientes.

Conforme resulta das alegações de recurso, não é questionada pelo recorrente a necessidade de decretar o acompanhamento da beneficiária F. M., nem a medida de acompanhamento decretada, mas sim a nomeação de acompanhante e a designação dos membros do conselho de família decididas pelo Tribunal “a quo”.

Vejamos cada um destes aspectos colocados em crise pelo recorrente.

a) – Quanto à designação do acompanhante da beneficiária:
Na sentença recorrida, após se tecerem alguns considerandos sobre o novo regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018 de 14/8 (que introduziu várias alterações ao Código Civil e Código de Processo Civil, entre outros diplomas), e ter sido identificada a necessidade de acompanhamento da beneficiária e o conteúdo de tal acompanhamento de forma clara e detalhada, considerações essas para as quais remetemos por com elas concordarmos, evitando, assim, repetições inúteis, o Tribunal “a quo” conclui que “em face das normas enunciadas, o cargo de acompanhante deve ser deferido, in casu, ao indicado M. A., cônjuge da beneficiária, o qual deverá zelar pela saúde e bem-estar desta – cfr. artigo 143º, n.º 2, al. a) do Código Civil.
É, de resto, a pessoa com quem a beneficiária se encontra casada desde 31.07.1961 e com quem reside, devendo privilegiar-se, se bem se ajuíza, uma tal proximidade numa relação de cuidado que se quer estreita.
Atento o facto de a beneficiária residir com o acompanhante ora designado, mostra-se desnecessário proceder à fixação de regime de periodicidade das visitas do acompanhante à acompanhada – cfr. artigo 146º, n.º 2 do Código Civil”.

De acordo com o disposto no artº. 143º do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 49/2018 de 14/8, o acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente (n.º 1) e, na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respectivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:

a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;
b) Ao unido de facto;
c) A qualquer dos pais;
d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;
e) Aos filhos maiores (…).

O n.º 3 deste artigo prevê também a possibilidade de serem designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um.
Nos termos do artº. 900º, n.º 2 do NCPC, “o juiz pode ainda proceder à designação de um acompanhante substituto, de vários acompanhantes e, sendo o caso, do conselho de família”.
E o artº. 146º do Código Civil estabelece que no exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada (nº. 1), mantendo um contacto permanente com o acompanhado, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada (nº. 2).
Cumpre referir que, ainda que o rol de pessoas indicadas nas várias alíneas do nº. 2 do citado artº. 143º do Código Civil seja meramente exemplificativo, e a sequência pela qual eles são indicados não constitui uma ordenação que importe uma regra de precedência obrigatória para o Tribunal, a verdade é que a ordem seguida não deixa de revelar uma graduação influenciada por regras da experiência comum e deva, por isso, quando possível, ser atendível.
Ora, em face do preceituado no artº. 143º do Código Civil será de concluir, pelo menos em abstracto, que o cargo de acompanhante poderia ser atribuído ao cônjuge ou a qualquer um dos filhos da beneficiária F. M. (a M. R., o J. A. ou o ora recorrente), devendo ser nomeado, em concreto, aquele que melhor salvaguarde o interesse imperioso da beneficiária.
É este - o interesse imperioso da beneficiária - que deve ter-se como critério para a nomeação de acompanhante.
Entende o recorrente que o cônjuge da beneficiária, seu pai, já não reúne, pela sua idade avançada (91 anos), condições físicas e funcionais para o exercício do cargo de acompanhante, não sendo ele a pessoa que melhor salvaguardará os interesses da beneficiária, que possa garantir, por si, a defesa exigível do interesse imperioso da sua esposa. E em face da prova produzida nos autos, a designação de acompanhante da beneficiária deve recair sobre a filha M. R., uma vez que ficou demonstrado que é a filha que mais apoia a mãe, que a acompanha aos médicos, que vai às compras, que lhe coloca a medicação nas caixas e que compra a medicação, sendo que todos os familiares entendem que a irmã M. R. deve ser designada acompanhante da beneficiária.
Adiantamos, desde já, que, neste aspecto, assiste razão ao recorrente.
Com efeito, resulta dos autos que o marido da beneficiária e pai do recorrente tem uma idade bastante avançada, o que faz pressupor que ele terá algumas limitações físicas e funcionais decorrentes da sua idade avançada, que não lhe permitem ter as mesmas condições físicas e anímicas que terá a sua filha M. R., tendo ele próprio admitido, no seu depoimento, que já não conduz, o que, desde logo, limita a sua liberdade de movimentação, tornando-o dependente da condução de terceiros (neste caso, da filha M. R., que leva os pais a todo o lado que for necessário, ou da empregada doméstica que, segundo ele próprio admitiu, conduz o carro do casal) e não lhe permite, como acompanhante, dar à sua esposa toda a assistência de que ela necessita, quer nos diversos aspectos da sua vida diária, quer nas suas deslocações às consultas médicas, ao hospital e aos tratamentos quando necessário.
Decidiu o Tribunal “a quo” deferir o cargo de acompanhante “ao indicado M. A., cônjuge da beneficiária”, fundando-se no facto de ser ele a pessoa com quem a beneficiária reside, “devendo privilegiar-se (…) uma tal proximidade numa relação de cuidado que se quer estreita”.
No entanto, entendemos que somente o facto do acompanhante designado ser o marido da beneficiária e a pessoa com quem ela reside há 60 anos – critério este seguido pelo Tribunal recorrido para o escolher para aquele cargo - não permite concluir que será a pessoa que melhor zelará pela saúde e bem-estar da beneficiária, desde logo pelas limitações decorrentes da sua avançada idade acima referidas.
Ora, conforme resulta dos factos provados nos pontos 21 a 25 ora aditados ao capítulo dos factos provados, ficou demonstrado nos autos que existe uma proximidade da beneficiária em relação aos filhos M. R. e J. A., sendo a filha M. R. aquela que está mais presente, com maior regularidade e frequência, na vida dos pais. É a filha M. R. que mais apoia a mãe, assegurando-lhe todos os cuidados de saúde necessários, que envolvem a marcação e ida da sua mãe a consultas médicas, a compra da medicação receitada à mãe pelos médicos e a preparação das tomas dessa medicação, como também tudo o resto que seja necessário para garantir a saúde e bem-estar da mãe, tendo inclusive sido ela que cedeu um apartamento seu para os seus pais poderem ali habitar.
Não tendo a beneficiária escolhido o acompanhante, em regra deverá ser nomeado alguém do seu círculo pessoal e familiar que reúna todas as condições para o exercício do cargo e melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.

Em face da prova produzida nos autos, nomeadamente dos depoimentos da beneficiária, de seu marido e dos seus três filhos (M. R., J. A. e Manuel, aqui recorrente), e nos termos do disposto nos artºs 143º, nº. 2, al. e) e 146º, nº. 1 ambos do Código Civil, entendemos que o cargo de acompanhante deve ser deferido, “in casu”, a M. R., filha da beneficiária, com o conteúdo fixado na sentença recorrida – exercer as funções de representante geral da beneficiária, com poderes de administração total dos seus bens - a qual deverá zelar pela saúde e bem-estar daquela, revogando-se nesta parte a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Tendo em atenção o disposto no artº. 146º, n.º 2 do Código Civil, e uma vez que a beneficiária não reside com a acompanhante, sendo a sua filha M. R. uma visita regular e assídua na casa de seus pais, determinar-se-á que a acompanhante mantenha um contacto permanente com a beneficiária, devendo visitá-la, no mínimo, duas vezes por semana.

b) – No que concerne à nomeação dos vogais para o conselho de família:

Atentos os contornos do caso em apreço e de forma a garantir uma participação equilibrada e equitativa de outros membros do círculo familiar na vida da beneficiária, para assegurar os interesses desta, decidiu o Tribunal “a quo” constituir o conselho de família, tendo nomeado como vogais os filhos da beneficiária, a M. R. - sendo esta quem lhe tem prestado maior assistência – e o J. A., acolhendo aqui o entendimento do Ministério Público, sustentando a este respeito o seguinte:
“Na verdade, resultou apurado nos autos que a beneficiária mantém a sua afectividade preservada, demonstrando afecto e carinho pelos seus filhos M. R. e J. A..
Resultou igualmente assente que a beneficiária mantém contactos regulares com os filhos M. R. e J. A., sendo mais esporádicos os contactos com o requerente.
Por outro lado, em reforço da sua idoneidade, não se mostra despiciendo nesta sede o facto de aos mesmos não serem conhecidos quaisquer antecedentes criminais, em claro contraste com o requerente que, para além de não se assumir como figura tão próxima da requerida, foi já condenado pela prática de um crime de violência doméstica e de um crime de dano”.
De acordo com o disposto no artº. 1952º, nºs 1 e 2 do Código Civil, os vogais do conselho de família são escolhidos entre os parentes ou afins da requerida, tomando em consideração, nomeadamente, a proximidade do grau, as relações de amizade, as aptidões, a idade, o lugar de residência e o interesse manifestado na pessoa da requerida; na falta de parentes ou afins, cabe ao Tribunal escolher os vogais de entre pessoas que possam interessar-se pela requerida.
Pretende o requerente/recorrente ser nomeado vogal do conselho de família, para este ser formado de uma forma equilibrada e equitativa a fim de assegurar os interesses da beneficiária, uma vez que este é seu filho, assim como os demais, e quer participar na vida e bem-estar da mãe, sendo que o pai e os irmãos, como não têm boas relações com ele, não o deixam participar.
Como já atrás referimos, ficou provado nos autos que a beneficiária demonstra afecto e carinho pelo seu marido e pelos filhos M. R. e J. A., com quem mantém contactos regulares, ao passo que os contactos dela com o recorrente são esporádicos.
Acresce referir que a beneficiária é casada com M. A. há 60 anos e reside na companhia do seu marido, constando da fundamentação de facto plasmada na sentença recorrida que “o marido da beneficiária e os seus filhos M. R. e J. A. demonstram possuir um conhecimento consistente dos hábitos e rotinas da beneficiária, os quais relataram de forma objectiva, coerente e genuína, em sentido coincidente, aliás, ao explanado pela própria requerida, ainda com as limitações advenientes da sua idade e do quadro clínico apurado”.
Por outro lado, não podemos deixar de realçar que a idoneidade que é conhecida aos filhos M. R. e J. A. sai reforçada face ao facto de não lhes serem conhecidos antecedentes criminais, ao invés do recorrente que, para além de não se assumir como uma pessoa tão próxima da beneficiária, foi já condenado pela prática de um crime de violência doméstica e um crime de dano, tendo sido ainda declarado insolvente por sentença proferida em 6/10/2009, vindo o processo de insolvência a ser encerrado por insuficiência da massa falida.
Considerando esta factualidade apurada atinente ao recorrente e resultando do seu próprio depoimento e dos depoimentos do pai e dos seus irmãos M. R. e J. A., que o recorrente não só está totalmente desligado da dinâmica familiar, como não partilha das melhores relações com o seu pai e os outros dois irmãos, entendemos ser desaconselhável a constituição do conselho de família com a presença do recorrente.
Ademais, não obstante a idade avançada do marido da beneficiária e as limitações físicas e funcionais advenientes da sua idade, que foram o motivo principal para este Tribunal o ter substituído, no cargo de acompanhante da sua esposa, pela sua filha M. R., não constituem, a nosso ver, impedimento para o mesmo ser nomeado vogal do conselho de família, tanto mais que se constatou, pela audição do seu depoimento gravado, que se trata de uma pessoa lúcida e com actividade intelectual, que ainda vai exercendo, num caso ou outro (principalmente aqueles casos que requerem mais tempo, paciência e estudo), a sua profissão de advogado.
Assim, tendo este Tribunal nomeado a filha M. R. como acompanhante da beneficiária, em vez do seu marido M. A., não poderá aquela fazer parte do conselho de família.
Nesta conformidade, considerando os laços familiares próximos que unem a beneficiária ao seu marido M. A. e ao seu filho J. A. e a necessidade de salvaguarda desses mesmos vínculos, proceder-se-á à sua nomeação como vogais do conselho de família.

c) – Relativamente à fixação da data a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram necessárias:
No ponto V da parte decisória da sentença recorrida, o Tribunal “a quo” fixou o dia 6/01/2009 como a data a partir da qual as medidas se tornaram convenientes, como decorrência do teor do relatório da perícia médico-legal efectuada à beneficiária, constando da fundamentação que “resultou provado que o quadro clínico da beneficiária remonta a, pelo menos, 06.01.2019, razão pela qual, não sendo possível definir com rigor qualquer outra data alternativa, se fixa essa data para o efeito – cfr. artigo 900.º, n.º 1 do Código de Processo Civil”.
Discorda o recorrente da data que foi fixada pelo Tribunal de 1ª instância naquele ponto da parte decisória da sentença sob escrutínio, argumentando que devia ter sido fixado o ano de 2011 como sendo o ano a partir do qual as medidas se tornaram convenientes, estribando-se, para tanto, no depoimento da filha M. R. e numa interpretação do que é referido no relatório pericial e nos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito diferente da que foi feita pelo Tribunal recorrido.
Como vimos, a alteração da decisão jurídica, quanto à fixação da data a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram necessárias, defendida pelo recorrente, baseava-se na alteração do ponto 13 dos factos provados nos termos pretendidos pelo recorrente, que não ocorreu pelas razões acima explanadas, pelo que outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal “a quo” senão a que consta do ponto V do dispositivo da sentença recorrida.

Nestes termos, terá de proceder parcialmente o recurso de apelação interposto pelo requerente, devendo a sentença proferida pelo Tribunal recorrido ser alterada, na parte relativa à designação do acompanhante da beneficiária F. M. e à nomeação dos vogais para o conselho de família nos termos atrás explanados, não merecendo provimento a pretensão do recorrente no concerne à sua nomeação como vogal do conselho de família e à fixação da data a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram necessárias.
*
SUMÁRIO:

I) - Ainda que formalmente o processo de acompanhamento de maior não deva ser considerado um processo de jurisdição voluntária, ao mesmo é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (artigo 891º, n.º 1 do NCPC, na redacção introduzida pela Lei n.º 49/2018 de 14/8).
II) - De acordo com o disposto no artº. 143º do Código Civil, o acompanhante é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente e, na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respectivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.
III) - O rol de pessoas indicadas nas várias alíneas do nº. 2 do citado artº. 143º do Código Civil, que podem ser designadas acompanhantes, é meramente exemplificativo e a sequência pela qual elas são indicadas não constitui uma ordenação que importe uma regra de precedência obrigatória para o Tribunal.
IV) - Os vogais do conselho de família são escolhidos entre os parentes ou afins da beneficiária, tomando em consideração, nomeadamente, a proximidade do grau, as relações de amizade, as aptidões, a idade, o lugar de residência e o interesse manifestado na pessoa da beneficiária; na falta de parentes ou afins, cabe ao Tribunal escolher os vogais de entre pessoas que possam interessar-se por aquela (artº. 1952º, nºs 1 e 2 do Código Civil).

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Requerente M. A. e, em consequência:

1. Determina-se a alteração da redacção dos pontos 12 e 19 dos factos provados e o aditamento aos factos provados do pontos 21 a 26 nos termos atrás mencionados, mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita.
2. Revoga-se a sentença recorrida na parte relativa à designação do acompanhante da beneficiária F. M. e à nomeação dos vogais para o conselho de família e, consequentemente, decide-se:
a) Designar para o cargo de acompanhante, a sua filha M. R., à qual incumbirá exercer as funções de representante geral daquela, com poderes de administração total dos seus bens;
b) Determinar que a acompanhante mantenha um contacto permanente com a beneficiária, devendo visitá-la, no mínimo, duas vezes por semana;
c) Nomear como vogais para o conselho de família, o cônjuge da acompanhada, M. A., e o seu filho J. A..
3. No mais, decide-se manter a sentença recorrida.

Sem custas (cfr. artº. 4º, n.º 2, al. h) do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
Guimarães, 30 de Setembro de 2021
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)