Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2910/20.0T8VCT.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ABATE DE ÁRVORE
ÂMBITO DA COBERTURA DE SEGURO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - A retirada de um tronco árvore previamente abatida, constituindo embora operação complementar ao abate, não se confunde com este, e se na circunstância concreta o abate não ocorre em atividade de exploração florestal, mas antes de simples limpeza do local, esta atividade de limpeza, destaca-se do abate propriamente dito.
II - Em tais circunstâncias, estando previsto na apólice a cobertura das atividades de silvicultura e outras atividades florestais e atividades de plantação e manutenção de jardins, o sinistro ocorrido no trabalho de remoção de tronco de árvore e limpeza de restos, por trabalhador com funções de proceder a limpezas; não obstante a árvore tenha sido anteriormente abatida por outro trabalhador da empregadora, sem qualquer intervenção do sinistrado, deve considerar-se coberto pelo contrato de seguro.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

AA, veio propor a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra a “L..., C..., S.A., ... EM PORTUGAL”.

Pede que a ré seja condenada a pagar-lhe:

- Indemnização pelas incapacidades temporárias (IT’s) no montante global de €12.537,83 (doze mil quinhentos e trinta e sete e oitenta e três euros) tendo já sido pago € 6.112,13 (seis mil cento e doze euros e treze cêntimos, faltando pagar € 6.455,70 (seis mil quinhentos e cinquenta e cinco euros e setenta cêntimos);
b) Pensão anual e vitalícia de € 5.188,43 com início a 24-05-2021;
c) Subsídio de elevada incapacidade de €4.397,84 (quatro mil trezentos e noventa e sete euros e oitenta e quatro cêntimos);
d) As despesas futuras relativas a assistência médica e cirúrgica geral e especializada incluindo todos os elementos de diagnóstico e tratamento, assistência farmacêutica, hospitalização e tratamentos termais, hospedagem, transportes para observação, tratamentos ou comparências a atos judicias, fornecimento de aparelhos de prótese, ortótese, e ortopedia, sua renovação e
reparação e reabilitação fundada, despesas de medicamentos, tratamentos e consultas;
e) Despesa com compra de sapatos adaptados;
f) Reembolso das despesas de transporte realizadas pelo sinistrado em deslocações ao gabinete médico-legal tendo em conta morar em ... no valor de € 50,00 (cinquenta euros);
g) juros de mora.
           
Para tanto, alega, em síntese, que no dia 17 de setembro de 2019, pelas 10 horas, no local de trabalho, ao serviço da sua entidade patronal A..., Ldª, usando equipamento de proteção necessário e bem manuseado, procedeu à recolha de um tronco de uma árvore que já se encontrava abatida, com o auxilio de um guincho fixo num trator agrícola, tendo sido atingido pelo mesmo que lhe esmagou o pé esquerdo.
Mais alega que sofreu as lesões melhor descritas no relatório do GML, nomeadamente amputação de D3 e D5.
Alega, ainda, que auferia anualmente Euros 9.554,34 e que essa importância estava transferida pela entidade patronal, em resultado de seguro de acidente de trabalho, para a Seguradora aqui ré.
Mais alega que, em consequência do sinistro, ficou com uma incapacidade permanente e absoluta para a sua atividade profissional habitual bem como limitação na marcha, tendo de usar calcado e palmilha adaptada.
Pugna pela procedência dos pedidos efetuados.
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A seguradora contestou confirmando a existência do contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º ...80 que abrangia o A. pelo salário anual de Euros 9.554,34.
Mais referiu que o contrato de seguro, em termos da atividade coberta, não garante a execução da tarefa que o sinistrado estava a executar e para a qual não lhe tinha sido ministrada formação sobre procedimentos de segurança, nomeadamente trabalhos de abate de árvores.
Referiu, também, que o sinistro terá ocorrido em virtude da inobservância pela entidade empregadora das regras de higiene e segurança a que estava obrigada, designadamente em razão de o sinistrado estar a realizar uma tarefa não compreendida na sua categoria profissional (cantoneiro de limpeza), para a qual tinha sido contratado e para a qual não lhe foi ministrada qualquer formação profissional, e de não se encontrarem implementados os equipamentos de segurança, coletivos e individuais para evitar o risco de esmagamento.
Em consequência, declina liquidar ao A. qualquer indemnização, porquanto a atividade que exercia na altura da ocorrência do acidente não se encontra abrangida pela apólice e, caso se entenda o contrário, defende que a responsabilidade indemnizatória recai exclusivamente sobre a entidade empregadora nos termos do art. 63º, da Lei nº 98/2009 de 04/09.
Pelo que conclui pela improcedência do pedido

Realizado o julgamento e respondida a matéria de facto a ação foi julgada nos seguintes termos:

“ Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, decide condenar a R. seguradora a pagar ao A.:

- a pensão anual e vitalícia de €5.029,98 (cinco mil e vinte e nove euros e noventa e oito
cêntimos), com início no dia 24/06/2021, com a atualização relativa ao ano de 2022 para €5.080,28
(cinco mil e oitenta euros e vinte e oito cêntimos);
- a quantia de €4.026,42 (quatro mil e vinte e seis euros e quarenta e dois cêntimos) a título
de subsídio de elevada incapacidade;
- a quantia de €6.240,80 (seis mil duzentos e quarenta euros e oitenta cêntimos) de
indemnização pelas incapacidades temporárias;
- €153,25 de despesas com calçado adaptado;
- €100,00 de despesas com deslocações;
- juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos…”
*
Inconformada a ré interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

2. A matéria de facto provada foi incorretamente julgada e não se encontra devidamente fundamentada.
3. Por outro lado, não existiu correta aplicação do Direito, conforme se explanará.
4. Na verdade, da análise dos elementos probatórios existentes nos autos, resulta por demais evidente que a Recorrente fez prova de que a atividade efetivamente desempenhada pelo Sinistrado encontrava-se excluída do âmbito de proteção do seguro em vigor.
5. Com o devido respeito, que o Tribunal a quo proferiu decisão contrária à prova produzida em sede de audiência de julgamento.
6. O ponto b) dos factos não provados foi erradamente julgado.
7. Do facto provado em 15. resulta que a apólice em vigor não compreende riscos associados às tarefas de abate de árvores.
8. As declarações de parte do Autor e da testemunha Sr.ª BB foram manifestamente contraditórias com a versão por si carreada para os autos até à audiência de julgamento.
9. Em depoimento escrito que o Autor prestou perante a Perita Averiguadora da empresa N..., a Sr.ª Dr.ª CC, em 08 de outubro de 2019, o mesmo admite "No dia 17-9-2019 pelas 9:45h encontrava-me em ... para abater a árvores." (sublinhado nosso)
10. Já no depoimento escrito que a Testemunha Sr.ª BB também prestou perante a referida Perita Averiguadora, em 08 de outubro de 2019, a mesma confirma que “encontrávamos na reta do restaurante M... para realizar o abate de 1 arvore que se encontrava seca. O Sr. AA encontrava se na alavanca do guincho do trator que já estava amarada ao tronco”
11. Tendo inclusivamente a própria Entidade Empregadora, por correio electrónico dirigido à Sr.ª Dr.ª CC, em 11 de outubro de 2019, declarado que tinham sido contratados para realizar a tarefa de abate de árvores, apesar de configurar uma situação excecional.
12. Todos estes documentos coincidem com as conclusões alcançadas no Relatório de Análise das Causas de Acidentes de Trabalho elaborado pela empresa S..., Lda.: “A descrição do acidente é fundamentada no discurso da testemunha ocular BB e da reconstituição realizada no local do acidente. O acidente ocorreu no passeio junto a nacional 202 – ... na freguesia ..., .... A empresa encontrava-se a realizar um trabalho esporádico, nomeadamente puxar um tronco de uma árvore. O sinistrado encontrava-se a puxar o tronco da árvore com recurso a um guincho manual, sendo que o tronco se encontrava junto à margem do rio e o Sr. AA estava a puxar o tronco na zona do passeio, apresentando o muro de +/- 5 m de altura (…)” (sublinhado nosso)
13. Mais à frente nas “5. Medidas de Correção”, pode ainda ler-se “De acordo como o nosso conhecimento e com o declarado pela empresa, o trabalho que envolve abate de arvores são situações muito esporádicas.” (sublinhado nosso)
14. Como é bom de ver, os autos dispõem de elementos probatórios suficientes para corroborar a tese da Recorrente.
15. Da matéria apurada nos autos resulta, com relevância para apreciação da exceção invocada pela Recorrente, o seguinte:
Sinistrado encontrava-se a desenvolver tarefas que não se encontram abrangidas pelas garantias do contrato de seguro.
16. A resposta do Tribunal a quo relativamente ao ponto b) dos factos não provados encontra-se viciada por erro de avaliação das provas, ou seja, com o devido respeito, os elementos de convicção probatória não foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
17. Apesar do acidente não se produzir em consequência direta do ato de abater a árvore, a mesma é decorrente da realização, pelo Sinistrado, das tarefas subsequentes e necessariamente relacionadas com aquela atividade.
18. Caso tal árvore não tivesse sido abatida, não havia no local, troncos com a dimensão do que atingiu o Sinistrado, motivo pelo qual, o acidente, ou melhor as consequências do acidente, nunca seriam sequer semelhantes à dos autos.
19. A categoria profissional de Cantoneiro pressupõe a realização de tarefas de remoção de lixos e equiparados, varredura e limpeza de ruas, limpeza de sarjetas, lavagem das vias públicas, limpeza de chafariz, remoção de lixeiras e extirpação de ervas.
20. Não é concebível que, na categoria do Sinistrado e na atividade económica transferida e desenvolvida pela Entidade Empregadora, se possa incluir o abate de arvores ou a remoção dos troncos acabados de abater e demais tarefas inerentes.
21. Tais tarefas configuram atos de exploração florestal, atividade que apresenta um risco e um conjunto de especificidades que determina a necessidade da observância de regras próprias, particularmente no que respeita à sua organização, à utilização de equipamentos específicos, incluindo a utilização de equipamentos de proteção individual, a qual só deverá ser executada por profissionais especializados e não se incluí nas garantias do presente contrato de seguro.
22. Pelo que incumpriu a Entidade Empregadora, de forma dolosa, o dever de declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pela seguradora.
23. Como consequência de tal incumprimento, cabia ao Tribunal a quo decidir que a responsabilidade pela reparação do acidente em causa nos autos caberia à Entidade Empregadora, conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 79 da NLAT.
24. Deve, por isso, em face dos meios de prova indicados, alterar-se a resposta dada ao ponto b) dos factos não provados, incluindo-o na materialidade dada por provada.
25. Salvo devido respeito, a sentença ora impugnada padece de manifesto erro de julgamento, quer quanto à realidade factual, como quanto à aplicação do direito, devendo ser revogada.

Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
O Exmo. PGA deu parecer no sentido da improcedência.
 ***
FACTOS PROVADOS

1. O Autor nasceu a .../.../... a .../.../....
2. O Autor foi contratado, em abril de 2018, pela “A..., Lda” para sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer funções de cantoneiro.
3. O Autor auferia uma remuneração anual ilíquida de Euros 9.554,34.
4. A “A..., Lda” havia celebrado com a Ré seguradora “L...” contrato de seguro do ramo de acidente de trabalho, com a apólice n.º ...80, que abrangia o A., pela remuneração anual ilíquida de Euros 9.554,34.
5. O A. recebeu da Ré Seguradora, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta, decorrentes do seguro referido em 4), Euros 6.112,13.
6. No dia 17-09-2019, pelas 10:00 horas, na Estrada Nacional ...02 em ..., quando prestava o autor a sua atividade profissional por ordem direção e indicação da sua entidade patronal, “A..., Ldª”, usando calçado de proteção, procedeu à recolha do tronco de uma árvore que já se encontrava abatida.
7. O tronco estava a ser puxado por um guincho fixo num trator agrícola.
8. Nessa circunstância de tempo e lugar foi o autor apanhado pelo tronco, esmagando-lhe o pé esquerdo, o que lhe provocou esfacelo do pé esquerdo com amputação de D3 e D5.
9. O autor usa atualmente bota adaptada e recorre ao auxílio de canadianas para se deslocar.
10. O autor teve despesas com a deslocação ao tribunal e ao GML.
11. O autor despendeu com a aquisição de calçado adaptado no que despendeu a quantia de €153,25.
12. O autor ficou afetado com uma Incapacidade Permanente e Absoluta Para o Trabalho Habitual (IPATH) e com IPP de 13,23% para o trabalho em geral.
13. Esteve com Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) entre 18/09/2019 e 23/06/2021 (645 dias).
14. E teve alta em 23/06/2021.
15. As atividades económicas abrangidas pelo âmbito de proteção emergente do contrato de seguro suprarreferido em 4) são as seguintes:
a. 021000 – Silvicultura e outras atividades florestais;
b. 412001 – Const. Edifícios (residenciais e não residenciais);
c. 552020 – Turismo no espaço rural;
d. 433300 – Revestimento de pavimentos e de paredes;
e. 813000 – Atividades de plantação e manutenção de jardins;
f. 960300 – Atividades funerárias e conexas.
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B - Factos não Provados

a. O autor teve despesas em atos médicos.
b. O sinistrado encontrava-se a efetuar abate de árvores (sem prejuízo de entendermos que este facto está prejudicado atento o que resultou supra provado em 6.).
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:
- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto no que respeita aos pontos B) dos não provados.
- Exclusão da proteção da atividade exercida.
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Quanto ao ponto de facto, pretende-se seja considerado provado o aludido item.
Invoca-se que as declarações de parte do Autor e da testemunha Sr.ª BB foram manifestamente contraditórias com a versão por si carreada para os autos até à audiência de julgamento. Diz-se que em depoimento escrito que o Autor prestou perante a Perita Averiguadora da empresa N..., a Sr.ª Dr.ª CC, em 08 de outubro de 2019, o mesmo admite "No dia 17-9-2019 pelas 9:45h encontrava-me em ... para abater a árvores." No depoimento escrito que a Testemunha Sr.ª BB também prestou perante a referida Perita Averiguadora, em 08 de outubro de 2019, a mesma confirma que “encontrávamos na reta do restaurante M... para realizar o abate de 1 arvore que se encontrava seca. O Sr. AA encontrava se na alavanca do guincho do trator que já estava amarada ao tronco”. Alude-se ainda a que a empregadora por correio eletrónico dirigido à Sr.ª Dr.ª CC, em 11 de outubro de 2019, declarado que tinham sido contratados para realizar a tarefa de abate de árvores, apesar de configurar uma situação excecional e refere-se o relatório de Análise das Causas de Acidentes de Trabalho elaborado pela empresa S..., Lda.:

Na fundamentação const:
“Assim, tendo por base nas declarações do autor e no depoimento da testemunha DD, que a nosso ver depuseram com credibilidade não obstante o interesse que evidentemente têm no desfecho da causa, ficou comprovado que o abate da árvore não foi levado a cabo pelo autor, sendo que este estava tão somente a efetuar os trabalhos de limpeza subsequentes, nomeadamente a içar/puxar o respetivo tronco com a ajuda de um guincho fixo no trator. Também as testemunhas EE e FF, apesar de não ter presenciado o acidente propriamente dito, confirmaram que não tinha sido o autor a efetuar o abate da árvore e salientaram que se encontravam no local a executar a limpeza de vegetação – mais, a testemunha FF declarou ter sido ele que executou o abate naquele mesmo dia.
Note-se, ainda, que a testemunha CC, averiguadora de acidentes ao serviço da ré, não obstante o teor da declaração que consta da pág. 30 do seu relatório, cuja autoria imputou ao autor, referiu ter-lhe sido declarado, tanto pela testemunha BB como pelo próprio sinistrado, que este último estava apenas a recolher o tronco da árvore que tinha sido abatida.

testemunha GG, sócio gerente da entidade empregadora, esclareceu que à data do acidente estava ausente no estrangeiro e que foi a chefe de equipa (DD) que lhe comunicou a adjudicação dos trabalhos dizendo-lhe apenas que solicitados pela Câmara Municipal ... e consistiam na limpeza desde a margem do rio até à estrada. Admitiu que nunca comunicou à seguradora a atividade de abate de árvores porque, efetivamente, a sua empresa não faz habitualmente estes trabalhos, sendo o caso dos autos uma exceção…”

Não resulta da prova que o autor tenha procedido ou colaborado no trabalho relativo ao abate da árvore.
A depoente CC, técnica de segurança e averiguadora, referiu ter-lhe sido dito quer pela BB quer pelo sinistrado, que apenas recolhia o tronco. Falou com os dois. Do que tem memoria estava a puxar um tronco com um cabo, um tronco que tinha sido abatido, estaria a manobrar o guincho. Refere que a empresa fez o abate da arvora e a recolha do tronco. Da restante prova produzida resulta claro que o autor não participou na tarefa de abate, mas apenas, e depois do abate, na recolha do tronco. Expressamente perguntada referiu não ter informação de que ele tenha feito o abate, mas apenas a recolha após o abate.
Na participação refere-se, em conformidade com a prova, “a empresa estava a realizar um trabalho esporádico, o sinistrado estava a puxar um guincho para retirar uma árvore seca e a árvore bateu no guincho caindo depois sobre o pé esquerdo do senhor ficando com os dedos esmagados.”
A seguradora reforça a declaração escrita na qual refere “encontrava-se… para abater a árvore”, mas resulta evidente que tal expressão não traduz a realidade. O depoimento da averiguadora é claríssimo quanto a tal ponto. O autor não participou no abate, mas apenas na recolha. Não obstante o depoimento por este prestado em audiência, em contradição com outros e com o por si anteriormente referido, resulta evidente que o autor não procedeu ao abate, como resulta que o abate, foi efetuado pela sua empregadora, podendo concluir-se da prova tratar-se de ato esporádico na atividade desta – depoimento do próprio gerente. O depoente EE confirmou que abateu a árvore.

É de aditar o seguinte facto:

“O abate da árvore havia sido efetuado pela entidade patronal do sinistrado.”
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Do direito:

A ré sustenta que a apólice não cobre sinistros decorrentes do abate de árvores. Resulta dos factos que embora a entidade empregadora tenha procedido ao abate da árvore, durante a execução deste trabalho não ocorreu qualquer sinistro. Após o abate a empregadora tinha ainda que efetuar a limpeza do local, que era aliás a sua principal função. Note-se que o abate bem poderia ter sido efetuado por outra empresa ou por particular. A recorrente pretende, tendo em vista   a sua desresponsabilização, considerar que o trabalho de remoção do tronco e limpeza de restos, constitui ainda “abate de árvores”. A referida atividade, constituindo emboras operação complementar ao abate (vd. CAE 02200), não se confunde com este, é isso mesmo, atividade complementar, que no caso, não pretende sequer o aproveitamento florestal, mas antes a simples limpeza do local. Esta atividade, no caso concreto, e porque não se trata de abate no âmbito de exploração florestal, destaca-se do abate propriamente dito.

Refere-se na decisão recorrida:

As atividades económicas abrangidas pelo âmbito de proteção emergente do contrato de seguro aqui em causa são, entre o mais, a silvicultura e outras atividades florestais e atividades de plantação e manutenção de jardins (cfr. ponto 4 dos factos provados).
Defende, a ré Seguradora, que em função da atividade desenvolvida pelo sinistrado e o âmbito do contrato de seguro celebrado, não é contratualmente responsável pelas consequências do acidente.
Afigura-se-nos, com todo o respeito por opinião contrária, que não tem razão.
Conforme se decidiu no Ac. da Rel. de Coimbra de 27/10/2017 (relator Jorge Manuel Loureiro, in www.dgsi.pt): “…II – O objeto do contrato de seguro e o correspondente âmbito de cobertura deverão ser determinados pela natureza da atividade económica a que o tomador do seguro se dedica e pretendeu ver coberta, devendo ter-se em atenção que aquela atividade económica abrange, ou pode abranger, uma multiplicidade de tarefas que, ainda que não constituindo o fulcro essencial da mesma, lhe são, no entanto, acessórias, com ela estando relacionadas ou conexionadas, estando todas elas, por isso, abrangidas pelo âmbito de cobertura do seguro..”
Assim, o âmbito da atividade coberta pelo seguro há de encontrar-se quer pela positiva, abrangendo todos os trabalhos (próprios e acessórios, conexos ou relacionados) dessa área económica, quer pela negativa, ou seja, através das exclusões nos termos que expressamente hajam sido outorgadas.
No caso, importa reter, no entanto, que ao contrário do que foi alegado pela ré, o sinistro aqui em questão não ocorreu quando o autor procedida ao abate de uma árvore, mas sim quando executada as operações de limpeza subsequentes, nomeadamente no momento em que fazia a recolha do respetivo tronco com o auxilio de um guincho fixo no trator.
Neste contexto, em condições de normalidade, a atividade de manuseamento do tronco que o sinistrado desenvolvia no momento do sinistro está integrada no fulcro essencial da atividade a que a entidade empregadora se dedicava e que pretendia ver coberta pelo seguro de acidentes de trabalho - mais concretamente, nas “outras atividades florestais” e/ou até nas atividades de plantação e manutenção de jardins.
De resto, no desempenho funcional típico da sua categoria de cantoneiro, ou pelo menos dele complementar, é perfeitamente admissível que o sinistrado para efetuar a limpeza tivesse que manusear troncos de madeira não só resultantes do abate de árvores como os que tivessem caído por razões naturais (p. ex., árvores que secam, acabam por morrer e caem; árvores tombadas em resultado de intempéries, etc).
Como assim, entendemos que deve considerar-se abrangido pela garantia proporcionada pelo contrato aqui em apreço o risco que acabou por concretizar-se no acidente que deu origem a estes autos.”
Concordamos com o juízo efetuado. O sinistro ocorre em atividade de limpeza, e não no abate propriamente dito, atividade em que o sinistrado, porque não é a sua função, não interveio. Ainda que se considere que a tarefa de recolha de tronco não constitui o fulcral da atividade segura, não pode deixar e se considerar relacionada, conexionada com esta.  – Ac. RP de 12/4/210, processo nº 44/2002.P1; RC de 27/10/2017, processo nº 803/16.4T8VIS.C1; de 11/1/2019, processo nº 175/16.9T8GRD.C1.
Por estas e demais razões constantes da decisão recorrida, é de confirmar a mesma.

Decisão:

Pelo exposto e ao abrigo das disposições citadas decide-se julgar a apelação improcedente confirmando-se o decidido.
Custas pela recorrente.
2-03-23