Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
682/20.7T8BRG.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
EMPRESA DE SEGURANÇA
TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A nulidade da sentença é um vício que só ocorre nos reduzidos casos taxativamente previstos na lei e que não se confunde com a qualidade da motivação e, muito menos, abrange a discordância sobre a materialidade provada e não provada, a qual deve ser manifestada através de recurso.
Nas empresas de prestação de vigilância e segurança, fundamentalmente assentes no factor humano, não há “transmissão de exploração de unidade económica” se o essencial dos efectivos, em termos de número e competências, não transitar para a empresa que no local sucede na prestação do serviço (285º CT/09).

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I - RELATÓRIO

P. B. intentou a presente acção declarativa com processo comum contra as rés X-Soluções de Segurança, Sa” e Y-Segurança Privada, Sa.

PEDIDOS:

a) Pedido principal dirigido à primeira ré que: seja declarado que a primeira ré procedeu ao seu despedimento ilícito por não se ter verificado qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento; que seja condenada a pagar a indemnização pelo despedimento ilícito em valor não inferior a € 9.568,13; que seja condenada a pagar as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão; que seja condenada a pagar as quantias de € 1.458,22 e € 48,60, a título férias vencidas e não gozadas devidas com a cessação do contrato de trabalho e de trabalho prestado em dias de feriado no mês de Dezembro de 2019; e que seja condenada a pagar a quantia € 1.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; que seja condenada a pagar os juros de mora sobre estas quantias.
b) Pedido subsidiário dirigido à segunda ré: que seja declarado que a segunda ré procedeu ao seu despedimento ilícito por se ter verificado a transmissão de empresa ou estabelecimento; que seja condenada a pagar a indemnização pelo despedimento ilícito em valor não inferior a € 9.568,13; que seja condenada a pagar as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão; que seja condenada a pagar a quantia de €1.458,22, a título férias vencidas e não gozadas devidas com a cessação do contrato de trabalho; que seja condenada a pagar aquantia € 1.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; que seja condenada a pagar os juros de mora.

O autor alega que era trabalhador da primeira ré, exercendo as funções de vigilante na Estação Ferroviária..., no cliente da 1º ré, W – INFRAESTRUTURAS ... - … (K – W). A primeira ré comunicou-lhe que a prestação de serviços de segurança passou a ser da responsabilidade da segunda ré, tendo sido adjudicada a esta a prestação de vigilância no local de trabalho. Assim, por aplicação do regime da transmissão de empresa ou estabelecimento (285º CT) passaria a ser trabalhador da segunda ré. Contudo, esta não reconheceu o autor e os restantes trabalhadores que estavam na mesma situação como seus trabalhadores e apenas os aceitava com a celebração de um novo contrato de trabalho, sem que fossem reconhecidos os direitos adquiridos durante os anos em que trabalharam para a primeira ré. Uma das seguintes situações aconteceu: ou não se verificou qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento entre as rés relativamente ao cliente W e então a primeira ré é responsável pela recusa do trabalho ao autor e pelo seu “despedimento de facto” ou, ao invés, verificou-se uma transmissão de empresa ou estabelecimento, sendo responsável a segunda ré. Em seu entender, a partir do dia 1-01-2020, apresentaram-se novos trabalhadores, que não eram os mesmos que se encontravam lá a trabalhar em data anterior e, por isso, desde logo falta um dos requisitos essenciais para se reconhecer a referida transmissão (35º da p.i). Donde, considera que foi despedido pela primeira ré, mas, caso se entenda que ocorreu uma transmissão da empresa para a segunda ré, pede a sua condenação subsidiária no pagamento de indemnização pelo despedimento ilícito, os créditos laborais que se venceram com a cessação do contrato de trabalho e uma indemnização por danos não patrimoniais.
A primeira ré (antiga empregadora) contestou negando que tenha despedido o autor. Apenas ocorreu uma situação de transmissão de empresa ou estabelecimento e o contrato de trabalho passou para a segunda ré, com a manutenção de todos os direitos contratuais adquiridos. Refere a favor da transmissão que: os serviços de vigilância adjudicados eram supervisionados pela cliente K, S.A. ou por supervisor por ela indicado, conforme Caderno de Encargos; a segunda ré integrou ao seu serviço 3 dos 9 vigilantes que trabalhavam no local, mediante celebração de contratos de trabalho; a segunda ré, após a adjudicação, manteve o mesmo número total de vigilantes (9); a equipa de trabalhadores da primeira ré era estável, fixa, organizada, especializada e funcionava como uma verdadeira unidade económica de serviço de segurança e vigilância; os bens e equipamentos indispensáveis ao serviço eram propriedade do cliente tais como secretárias, computadores, cadeiras, papel, telemóvel, mesas, cacifo, sistema de deteção de incêndio, sistema de deteção de intrusão, chaveiro, sistema de CCTV com câmaras (54º, 58); a segunda ré retomou a utilização deste equipamento, bens e dispositivo existentes no local e até ali utilizados pela primeira ré (44º), com a única diferença do fardamento; os serviços de vigilância adjudicados à segunda ré Y mantiveram, na sua essência, as mesmas caraterísticas em relação àqueles que foram prestados pela a primeira ré; não houve qualquer interrupção no tempo entre as duas prestações de vigilância.
A segunda ré (adquirente) contestou. Alega que não ocorreu transmissão de empresa ou estabelecimento tratando-se de uma mera sucessão de prestação de serviços em local propriedade da cliente, desacompanhada de quaisquer outros elementos. Designadamente não houve passagem de instrumentos de trabalho (como imobiliário, fardas, etc), nem a transmissão de elementos incorpóreos, designadamente do método de organização de trabalho, do know-how (art. 60 a 62). Também o posto de trabalho em si que ocupavam os trabalhadores não tem autonomia técnica e organizativa, estando aqueles sujeitos à supervisão da entidade empregadora, a ora primeira ré. O autor não é assim seu trabalhador.
Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo:

Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

1. Declaro que a segunda ré procedeu ao despedimento ilícito do autor;
2. Condeno a segunda ré a pagar ao autor a indemnização pelo despedimento ilícito no valor de € 6.561,99 (seis mil quinhentos e sessenta e um euros e noventa e nove cêntimos) calculada até à data do despedimento;
3. Condeno a segunda ré a pagar ao autor a indemnização pelo despedimento ilícito devida desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, calculada com referência à retribuição base e diuturnidades no valor de € 729,11 (setecentos e vinte e nove euros e onze cêntimos) e a trinta dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade;
4. À indemnização que é devida ao autor acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o despedimento até integral pagamento relativamente à parte vencida;
5. Condeno a segunda ré a pagar ao autor as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas do montante do subsídio de desemprego, caso esteja a ser recebido, o qual deverá ser entregue pela ré à segurança social;
6. Às retribuições que são devidas ao autor acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o despedimento até integral pagamento relativamente à parte vencida;
7. Condeno a segunda ré a pagar ao autor a quantia de € 1.458,22 (mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e vinte e dois cêntimos), a título férias vencidas e não gozadas devidas com a cessação do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o despedimento até integral pagamento relativamente à parte vencida;
8. No mais, absolvo as primeira e segunda rés dos pedidos contra si formulados.
Custas na proporção de metade a cargo do autor, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido, e sendo a outra metade a cargo do autor e da segunda ré na proporção do decaimento, igualmente sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido.

A SEGUNDA RÉ RECORREU – São as seguintes as questões: nulidade da sentença (615º, 1, c) e d) CPC); impugnação da matéria de facto (12.º, 24.º, 25.º 28.º e 29.º) provada e aditamento de matéria não provada; errada aplicação do direito- saber se a factualidade provada é subsumível ao conceito de “transmissão de estabelecimento ou unidade económica”.
CONCLUSÕES: (SEGMENTOS)
….vem interpor o presente recurso …. em virtude de considerar que a sentença condenatória…padece de diversos vícios.
…..Não é possível inferir do conteúdo da sentença sub judice a valoração que os depoimentos prestados mereceram por parte do Mm.º Juiz do Tribunal a quo, nem tampouco a força probatória concedida aos documentos, nem mesmo a quais se reporta o julgador para sustentar a sua convicção.…..
Quanto à maioria dos factos provados, não se consegue aferir da motivação assente na sentença sub judice, face à total omissão da valoração operada quanto aos diversos elementos probatórios, qual a força probatória concedida aos diversos elementos, em que elementos o Mm.º Juiz do Tribunal a quo assentou as suas conclusões, bem como qual a razão de ciência que conduziu a extrair a decisão no sentido propalado.
Alguns factos tidos por assentes não tem o mínimo respaldo na prova testemunhal realizada em sede de audiência de julgamento, que ateste a referente factualidade.
A sentença em querela não se revela apta a demonstrar o iter cognoscitivo-valorativo da decisão, não sendo em si mesma clara, o que afeta, indubitavelmente, a sua inteligibilidade, por virtude de não clarificar o percurso lógico que a suporta.
…. ….A sentença sub judice não preenche os requisitos do n.º 3 e 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, o que resulta no vício da nulidade da sentença prescrito no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil….
A sentença em crise padece de Errada apreciação da prova e consequente errónea qualificação dos factos incorretamente dados como provados e não provados.
….Não foi produzida prova suficiente para que se pudesse afirmar que os serviços de segurança eram supervisionados pela INFRAESTRUTURAS ....
As testemunhas referiram apenas de forma genérica a relação com a cliente e a sua influência no serviço de segurança privada.
As testemunhas, que foram trabalhadores da 1.ª ré, especificam que tinham que preencher relatórios a informar as ocorrências à cliente, permitindo que esta verificasse que os serviços contratados estavam a ser executados, tarefa essa determinada pela própria entidade empregadora e que decorre do próprio objeto do contrato entre as partes.
A cliente fornecia meras indicações aos trabalhadores, tendo ela própria uma estrutura independente de segurança, comunicando aos trabalhadores situações pontuais, que só a cliente teria conhecimento, como a presença em determinado dia de pessoas estranhas ao posto de trabalho.
Por insuficiência de prova que possa sustentar o facto em querela, quer documental, quer testemunhal, deverá ser revogada a qualificação do facto designado como n.º 12, o qual, por insuficiência de prova cabal que o sustente, deverá ser tido como não provado.
O tribunal a quo considerou como factualidade provada que a recorrente procedeu a uma redução do número de trabalhadores no posto, mas que tal apenas se verificou em 06 de janeiro de 2020.
Percorrendo toda a prova produzida nos presentes autos, não há nenhuma menção à data de 6 de janeiro de 2020, sendo incompreensível que o Mm. º Juiz assente como provado esse facto.
A testemunha R. M., num relato isento e coeso, referiu que antes de 1 de janeiro de 2020 a cliente procedeu a uma alteração nos horários contratados, o que resultou numa diminuição do número de trabalhadores alocados à Estação Ferroviária..., antes do inicio do serviço.
A testemunha L. G. expôs que a redução operada para sete vigilantes ocorreu por inerência à redução da carga horária.
Resulta assente que, antes da recorrente ter iniciado a prestação de serviços de segurança privada no posto visado, a cliente comunicou que aquele seria objeto de redução o que conduziu a uma necessidade de alteração de meios e procedimentos, pelo que a recorrente diminuiu o número de trabalhadores alocados à Estação Ferroviária....
É manifesto que inexistem, no caso em apreço, meios probatórios do quais o tribunal poderia aferir da veracidade do ponto vertido em 24.º, parte inicial, pelo que o facto contido no aludido ponto deve ser reformulado, passando a constar: “A INFRAESTRUTURAS ... reduziu os serviços de segurança no período nocturno, o que levou a uma redução do número de trabalhadores pela segunda ré.”
O tribunal a quo considerou como provado que a segunda ré, ora recorrente, “manteve as mesmas características e a mesma forma de funcionamento dos serviços de segurança que a primeira ré prestava”.
A prova efetivamente produzida em audiência de julgamento permite aferir de mudanças significativas ocorridas no serviço de segurança prestado pelas duas empresas, contrariando a conclusão plasmada no referido artigo, as quais não foram equacionadas pelo Mm.º Juiz do Tribunal.
É insofismável que se comprovou nos presentes autos uma real redução de ativos, no tocante ao número dos trabalhadores, quando comparados com os que a primeira ré tinha alocado à Estação Ferroviária..., como decorre do facto provado n.º 24.
A testemunha R. M. foi perentória a explanar a descontinuidade da carga horária vigente aquando da prestação de serviços da primeira ré, tendo, de forma coesa e isenta, clarificado que a manutenção do número de vigilantes alocado ao posto pela 1.ª ré se revelava despropositado, face o objeto do contrato firmado pela ora recorrente e a cliente.
Para além das alterações respeitantes à carga horária, aos horários praticados e, bem assim, ao número de trabalhadores alocados ao posto, foi igualmente asseverado em sede de audiência de julgamento, mediante depoimentos que não mereceram crítica por parte do douto Tribunal a quo, demais alterações procedimentais.
A recorrente nunca poderia manter o funcionamento da ré recorrida, pois não existiu qualquer troca de informação entre as duas empresas, como foi comprovado, uma vez que os contactos foram apenas em relação ao diferendo jurídico relacionado com a questão da transmissão de estabelecimento.
Conforme alegado pela aqui recorrente, logrou-se efetivamente comprovar que a mesma iniciou serviços com recurso a equipamentos de sua propriedade.
É clarividente, pelo testemunho de R. M., que não existiu a transmissão de qualquer elemento corpóreo, pelo que todo este material – rádios, lanternas, pontos de picagem – é novo, tendo sido introduzido pela recorrente, bem como que existiu um pedido, por parte da cliente, para se afetar ao posto novos meios, i.e., um número de telefone e respetivo aparelho.
Sendo igualmente seguro firmar que nenhum dos instrumentos de trabalho manuseados a partir de 1 de janeiro de 2020 - estranhos à propriedade da cliente - foram transmitidos pela anterior prestadora de serviços, não só na senda do depoimento de R. M., mas também pelo testemunho credível de L. G..
A co-ré nunca pretendeu transmitir quaisquer elementos à ora recorrente, tendo diligenciado no sentido de recolher todos os elementos que existiam na Estação Ferroviária... antes do início da prestação de serviços da recorrente.
Resulta da prova produzida em audiência de julgamento que, ao contrário da ré recorrida, a recorrente decidiu colocar no posto telemóveis e não rádios.
O trabalhador R. A. afirma que foi alocado um computador no posto referente aos serviços administrativos, no qual, face às ordens da recorrente, preenche os relatórios de entrada e saída, o que antes, quando do contrato com a ré recorrida, era feito unicamente em papel.
Da prova produzida nos autos resulta que a recorrente operou mudanças no posto em querela, introduzindo ao serviço elementos novos, nomeadamente meios corpóreos, bem como existiu uma redução do número de trabalhadores, o que altera a forma de execução do serviço e ainda implementou procedimentos diversos, no que tange a procedimentos internos.
ao dar como assente o ponto 25 da sentença em recurso, a sentença em recurso incorre em erro de julgamento, devendo tal facto ser considerado como não provado e aditado à factualidade não provada.
é manifesto, pela apreciação crítica dos meios probatórios, que não existiu transmissão de elementos corpóreos entre as sociedades rés, matéria que não se revela sequer controvertida nos presentes autos, pelo que não se tem por justificável o descuido da sua não inserção por parte do Tribunal a quo na sentença em questão, padecendo a mesma de insuficiência quanto à matéria de facto provada.
O alegado pela recorrente nos artigos da sua douta contestação lograram efetivamente ser comprovados em sede de audiência de julgamento, tendo ficado assente a não transmissão de elementos entre as sociedades visadas, pelo que a factualidade em querela, pela sua essencialidade e premência, deve ser aditada aos factos provados o facto alegado pela recorrente, nos seguintes termos: “Não existiu transmissão de elementos corpóreos entre as sociedades rés (instalações, imobiliário, fardas, equipamentos, alvarás, etc.), tendo a segunda ré alocado ao posto, enquanto instrumentos de trabalho, rádios, lanternas, pontos de rondas, telemóvel e livro de relatório de serviço.”
O Mm. º Juiz do Tribunal a quo considerou provado que os trabalhadores da primeira ré exerciam as suas funções, com autonomia, sendo visitados por um responsável e sendo supervisionados pela INFRAESTRUTURAS ....
...Os trabalhadores recebiam ordens e instruções da sua entidade empregadora, não tendo qualquer autonomia para alterar a forma como prestavam as suas funções, dependendo sempre das ordens e do escrutínio superior para a mínima alteração.
A questão organizativa do modo de prestação de serviços incumbia à sociedade prestadora de serviços, cabendo a esta a determinação dos horários e demais procedimentos inerentes, os quais eram implementados pela estrutura organizativa da sociedade ré.
Qualquer alteração inerente ao procedimento implementado tinha, forçosamente, que ser comunicado, autorizado e operado pela sociedade prestadora de serviços, não podendo os vigilantes alocados ao posto adotar alterações sem consentimento do seu superior hierárquico, precisamente porque não existia autonomia.
Decorre manifesto do depoimento da testemunha F. C., trabalhador da 1.ª ré, que os trabalhadores não tinham qualquer autonomia para tomar decisões, necessitando de confirmações da cliente quanto às pessoas cuja presença era permitida no posto, bem como da necessidade de comunicar à entidade empregadora todas as situações anómalas.
A factualidade tida como provada no ponto 29.º - que retrata uma conjugação dos factos provados número 25.º e 28.º, objeto de refutação no presente recurso - não detém pilar numa exposição cabal, revelando-se impossível aferir como o Mm. Juiz formou a sua convicção.
…Da prova produzida em audiência de julgamento, temos que o posto nunca teve autonomia e que a recorrente alocou novos elementos corpóreos ao posto, bem como que tem procedimentos distintos, pelo que nunca poderia a factualidade em questão ser dada como assente.
Sobre a falta ou verificação de autonomia do posto em questão, nada foi apurado quanto a realidade atual, tendo a prova incidido, maioritariamente, na situação anterior, isto é, quando era a primeira ré que prestava serviços no local, a qual é conducente a ilação diversa da inserta nos factos em questão.
…In casu, da prova produzida - documental e, bem assim, testemunhal -, resulta que os trabalhadores alocados ao posto, por qualquer uma das rés, veiculavam o exercício das suas funções por referência ao contrato firmado com a sociedade prestadora de serviços.
O exercício das funções para a quais os trabalhadores se encontram formados ocorria, indubitavelmente, por subordinação à gestão organizativa da empresa prestadora de serviços, enquanto estrutura hierarquizada.
…..O facto de os trabalhadores alocados darem cumprimento ao convencionado no caderno de encargos respondido pela entidade empregadora não demonstra qualquer autonomia daqueles face a sociedade prestadora de serviços, mas sim, contrariamente, a sua total subordinação.
Resulta, da prova produzida, que o exercício das funções pelos vigilantes naquele posto alocados, é assegurada mediante a estrutura organizativa da sociedade prestadora de serviços, podendo, naturalmente, ser colocados noutro local de trabalho, por ordem e no interesse da entidade empregadora, sem que a cliente ou o trabalhador a tal se possam opor.
É inegável que a factualidade assente nos pontos 28.º e 29.º dos factos tidos por provados resulta de uma qualificação errónea da prova produzida e, bem assim, de uma qualificação jurídica totalmente desconforme com as mais basilares práticas no âmbito laboral, carecendo, como tal, irremediavelmente, de verem alteradas a sua qualificação, dando-se os mesmos como não provados.
A sentença da qual ora se recorre padece ainda de erro na qualificação jurídica dos factos e Errada interpretação e aplicação da lei.
….No sector da segurança privada, atenta as finalidades que neste sector se prosseguem - as quais foram absolutamente negligenciadas pelo Tribunal a quo -, a entidade empregadora tem de ter profunda confiança nos seus trabalhadores.
A admitir-se que se venha a reconhecer que a adjudicação de um posto a um outro operador económico - com a consequente perda da exploração do local de trabalho por parte da entidade que antes ali prestava seus serviços -, implica que o trabalhador é automaticamente transmitido para a nova adquirente, estar-se-ia a desvirtuar por completo o pilar da relação entre entidade empregadora e trabalhador e a relação de confiança inerente, bem como o direito de liberdade contratual.
Não se pode considerar que o regime de transmissão de estabelecimento consagrado no código de trabalho opera de forma automática, desatendendo-se à realidade material da atividade em causa, impedindo-se, por essa via, às empresas de segurança privada adotar métodos e técnicas de seleção, por forma a definir o perfil inerente ao exercício da atividade desejada pela sociedade empregadora.
…..O tribunal a quo interpretou erroneamente os conceitos inerentes a figura da transmissão de estabelecimento, bem como o conteúdo da Diretiva 2001/23/CE do Conselho de 12 de março de 2001, incorrendo, consequentemente, numa aplicação inadequada do artigo 285.º do Código de Trabalho ao caso concreto.
Em momento prévio à transposição da Diretiva, o ordenamento jurídico português já previa a manutenção dos contratos de trabalho, sendo uma preocupação constante do legislador português a garantia da durabilidade das relações laborais, não sendo esta uma inovação no âmbito do direito nacional.
Ao transpor a Diretiva, o legislador nacional utilizou o conceito de «unidade económica», como decorre do artigo 285.º do CT, tanto na sua redação original, como nas alterações operadas pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março.
No presente caso, apenas ocorreu uma alteração na empresa fornecedora do serviço de segurança privada, o que é irrelevante para os efeitos do artigo 285.º CT.
Para a apreciação sobre a transmissão da entidade económica há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, com especial relevo, por terem sido os únicos elementos efetivamente referidos pelo tribunal a quo, a transferência ou não de elementos corpóreos e a integração ou não do essencial dos efetivos.
Não se apurou nos autos quais os métodos organizativos das rés, sendo por isso impossível afirmar que existiu uma manutenção dos mesmos por parte da recorrente, o que releva para a aferição dos requisitos da transmissão de estabelecimento.
Também não ficou demonstrado que tenham passado para a titularidade da recorrente quaisquer instrumentos de trabalho ou qualquer formação.
No caso em apreço, não se verifica uma transmissão de elementos incorpóreos, designadamente do método de organização de trabalho e do know-how, o que, aliás, não resulta da factualidade provada ou não provada.
Da prova testemunhal produzida resulta, de forma inequívoca, que a aqui recorrente forneceu equipamentos da sua propriedade aos trabalhadores, tais como rádios, formulários e lanternas, não tendo adquirido ou recebido nenhum daqueles por parte da ré recorrida, o que evidencia e assevera a não ocorrência de transmissão de elementos.
É contraditório que o tribunal a quo tenha considerado que por apenas 3 (três) trabalhadores da ré recorrida terem celebraram novo contrato de trabalho com a recorrente, existiu uma verdadeira transmissão do conjunto de trabalhadores que exerciam suas funções naquele posto, pois tal número não pode ser considerado o “essencial dos efetivos”, quando nem da metade se trata.
Transpondo o entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia, quanto aos setores em que a atividade assente essencialmente na mão-de-obra, ao caso concreto, nunca seria possível afirmar que existiu uma transmissão de uma unidade económica, se o “essencial” dos trabalhadores da ré recorrida não celebraram contrato de trabalho com a recorrente e não permanecerem a exercer suas funções no posto em querela.
A questão da manutenção dum conjunto de trabalhadores apenas releva para efeitos de subsunção ao artigo 285.º do Código de Trabalho quando é executada de forma durável uma atividade comum, que pode – ou não - corresponder a uma unidade económica – sendo também este o entendimento da jurisprudência europeia.
….Os trabalhadores afetos à Estação Ferroviária..., especificamente o trabalhador recorrido, não eram um conjunto de vigilantes, organizado de forma própria e autonomizado, que exerciam, de forma durável, as suas funções naquele local.
…Os trabalhadores, tanto os que antes de 1 de janeiro prestavam funções na Estação Ferroviária..., como os atuais trabalhadores da recorrente, não têm autonomia, estando sujeitos e necessitando das ordens e direções da sua entidade empregadora para o exercício das funções que foram adjudicadas pela cliente.
….Apenas ficou demonstrada a verificação de uma mera sucessão no exercício de uma atividade, pelo que não se pode considerar estar face uma transmissão de estabelecimento ou de parte deste….
Nestes termos … deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença prolatada pelo tribunal a quo, proferindo-se nova decisão que absolva a recorrente nos termos ora peticionados.

CONTRA-ALEGAÇÕES DA PRIMEIRA RÉ: defende a manutenção da decisão recorrida por entender que ocorreu “transmissão de estabelecimento ou unidade económica” para os efeitos do artigo 285º do CT.

CONTRA-ALEGAÇÕES DO AUTOR- Inexistentes.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO- é no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
Ambas as rés responderam ao parecer, mantendo a posição anteriormente sustentada. O autor nada disse.
O recurso foi apreciado em conferência – art.659º, CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso(1)):

1- Da nulidade da sentença;
2- Impugnação da matéria de facto;
3- Da “transmissão de estabelecimento ou de exploração de unidade económica” da primeira para a segunda ré.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A- FACTOS

Factos provados:

1. A primeira e a segunda rés dedicam-se à actividade de segurança privada;
2. No dia 1 de Abril de 2011, o autor foi admitido ao serviço da primeira ré como seu trabalhador, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, para exercer as funções de vigilante, com a retribuição base mensal de € 729,11;
3. O autor exercia as suas funções na Estação Ferroviária...;
4. No dia 17 de Dezembro de 2019, através de carta, a primeira ré comunicou ao autor a transmissão para a segunda ré do local de trabalho correspondente à Estação Ferroviária..., com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 2020, e que a partir desta data passava a ser trabalhador da segunda ré por aplicação do regime da transmissão de empresa ou estabelecimento;
5. No dia 17 de Janeiro de 2020, através de carta, a segunda ré confirmou ao autor e aos restantes trabalhadores que estavam na mesma situação que passou a ser a responsável pela prestação de serviços de segurança na Estação Ferroviária..., mas que considerava que não era obrigada a manter os contratos de trabalho haviam celebrado com a primeira ré, uma vez que não tinha existido qualquer transmissão de empresa ou estabelecimento, pelo que não iria reconhecer os direitos dos adquiridos durante os anos em que trabalharam para a primeira ré;
6. No dia 2 de Janeiro de 2020, o autor e os restantes trabalhadores que estavam na mesma situação apresentaram-se ao trabalho na Estação Ferroviária...;
7. O autor e os restantes trabalhadores constataram que a primeira ré já não exercia ali qualquer actividade e que as mesmas funções estavam a ser exercidas pela segunda ré;
8. A segunda ré não permitiu que o autor e os restantes trabalhadores entrassem nas instalações;
9. Atendendo às posições contraditórias da primeira e da segunda rés, no dia 2 Janeiro de 2020, através de carta, o autor comunicou à primeira ré que considerava que tinha sido despedido;
10. No dia 1 de Julho de 2016, a primeira ré celebrou com a INFRAESTRUTURAS ... um contrato de prestação de serviços de segurança que incluía a Estação Ferroviária...;
11. No âmbito deste contrato, a primeira ré prestava os seguintes serviços:
 Realizar o controlo de acessos às instalações no que se refere a pessoas, viaturas e mercadorias, bem como controlar o acesso e/ou permanência de pessoas não autorizadas a áreas restritas ou reservadas;
 Proceder ao registo de todas as pessoas e viaturas que tenham acesso às instalações conforme os procedimentos em vigor e/ou aprovados pela INFRAESTRUTURAS ...;
 Intervir em situações de emergência, incluindo aquelas em que possa ser requerida a evacuação total ou parcial dos ocupantes das instalações, bem como prestação de primeiros socorros e aplicação de desfibrilhação automática externa, nos locais em que este recurso exista e esteja identificado;
 Monitorizar localmente os sistemas de controlo e segurança das instalações, designadamente a deteção de intrusão, deteção de incêndios, controlo de acessos, videovigilância, entre outros, comunicando de imediato à INFRAESTRUTURAS ... qualquer anomalia detetada no funcionamento destes equipamentos;
 Vigiar as instalações de forma a prevenir a ocorrência de conflitos ou outros incidentes capazes de impedirem o normal funcionamento das instalações;
 Cumprir e fazer cumprir os regulamentos e outros normativos das instalações;
 Desencadear as ações preliminares de correção de anomalias, de acordo com as instruções em vigor em cada instalação, nomeadamente de prevenção de furtos, incêndios, inundações, explosões, solicitando a intervenção dos meios de apoio adequados;
 Proceder aos cortes de energia elétrica e gás, conforme as instruções em vigor e/ou plano de emergência;
 Inspecionar regularmente o estado dos equipamentos de primeira intervenção em caso de incêndio (em especial extintores, carretéis e bocas de serviço), comunicando de imediato à INFRAESTRUTURAS ... qualquer anomalia detetada nestes equipamentos;
 Informar, por escrito, a Central de Segurança da INFRAESTRUTURAS ..., de quaisquer situações anómalas que ocorram durante o período de serviço;
 Realizar, no início e no final do horário, a ronda de serviço no interior da instalação, bem como as rondas periódicas que venham a ser estabelecidas para cada posto de trabalho em específico;
 Realizar a abertura e o encerramento das instalações;
 Realizar as normas técnicas de serviço para o seu pessoal, submetendo-as previamente a aprovação da entidade adquirente;
 Equipar todo o seu pessoal com emissores-recetores rádio nas instalações onde seja contratado mais do que um posto de vigilância em simultâneo;
 Disponibilizar, a pedido da INFRAESTRUTURAS ..., vigilantes para a prestação de serviços extra, a satisfazer no prazo máximo de sessenta minutos.
12-Os serviços de segurança que a primeira ré prestava eram acompanhados pela INFRAESTRUTURAS ..., a qual tinha conhecimento das ocorrências - alterado em conformidade com a decisão do recurso sobre a matéria de facto.
13. Na Estação Ferroviária..., os serviços de segurança que a primeira ré prestava incluíam a plataforma ferroviária e os serviços administrativos;
14. A primeira ré prestava os serviços de segurança na Estação Ferroviária... com os seguintes trabalhadores:
 P. B. (autor);
 A. G.;
 L. M.;
 F. C.;
 A. L.;
 J. B.;
 R. A.;
 N. M.;
 R. C..
15. A INFRAESTRUTURAS ... realizou um concurso público que foi ganho pela segunda ré, tendo-lhe sido adjudicada a prestação de serviços de segurança em diversos locais, incluindo a Estação Ferroviária...;
16. A prestação de serviços de segurança foi adjudicada à segunda ré com efeitos a partir das 00.00 horas do dia 1 de Janeiro de 2020;
17. Os serviços de segurança que foram adjudicados à segunda ré foram os seguintes:
 Realizar o controlo de acessos às instalações no que se refere a pessoas, viaturas e mercadorias, bem como controlar o acesso e/ou permanência de pessoas não autorizadas a áreas restritas ou reservadas;
 Proceder ao registo de todas as pessoas e viaturas que tenham acesso às instalações conforme os procedimentos em vigor e/ou aprovados pela INFRAESTRUTURAS ...;
 Intervir em situações de emergência, incluindo aquelas em que possa ser requerida a evacuação total ou parcial dos ocupantes das instalações, bem como prestação de primeiros socorros e aplicação de desfibrilhação automática externa, nos locais em que este recurso exista e esteja identificado;
 Monitorizar localmente os sistemas de controlo e segurança das instalações, designadamente a deteção de intrusão, deteção de incêndios, controlo de acessos, videovigilância, entre outros, comunicando de imediato à INFRAESTRUTURAS ... qualquer anomalia detetada no funcionamento destes equipamentos;
 Vigiar as instalações de forma a prevenir a ocorrência de conflitos ou outros incidentes capazes de impedirem o normal funcionamento das instalações;
 Cumprir e fazer cumprir os regulamentos e outros normativos das instalações;
 Desencadear as ações preliminares de correção de anomalias, de acordo com as instruções em vigor em cada instalação, nomeadamente de prevenção de furtos, incêndios, inundações, explosões, solicitando a intervenção dos meios de apoio adequados;
 Proceder aos cortes de energia elétrica e gás, conforme as instruções em vigor e/ou plano de emergência;
 Inspecionar regularmente o estado dos equipamentos de primeira intervenção em caso de incêndio (em especial extintores, carretéis e bocas de serviço), comunicando de imediato à INFRAESTRUTURAS ... qualquer anomalia detetada nestes equipamentos;
 Informar, por escrito, a Central de Segurança da INFRAESTRUTURAS ..., de quaisquer situações anómalas que ocorram durante o período de serviço;
 Realizar, no início e no final do horário, a ronda de serviço no interior da instalação, bem como as rondas periódicas que venham a ser estabelecidas para cada posto de trabalho em específico;
 Realizar a abertura e o encerramento das instalações.
 Realizar as normas técnicas de serviço para o seu pessoal, submetendo-as previamente a aprovação da entidade adquirente;
 Equipar todo o seu pessoal com emissores-recetores rádio nas instalações onde seja contratado mais do que um posto de vigilância em simultâneo;
 Disponibilizar, a pedido da INFRAESTRUTURAS ..., vigilantes para a prestação de serviços extra, a satisfazer no prazo máximo de sessenta minutos.
18. No dia 18 de Dezembro de 2019, a segunda ré deslocou-se à Estação Ferroviária... e propôs a todos os trabalhadores da primeira ré que ali exerciam funções que passassem a ser seus trabalhadores, mantendo-se no mesmo local de trabalho, mas com um novo contrato de trabalho;
19. Dos trabalhadores da primeira ré que exerciam funções na Estação Ferroviária..., passaram a ser trabalhadores da segunda ré, mantendo o mesmo local de trabalho, os seguintes:
 A. G.;
 L. M.;
 R. A..
20. A primeira ré prestou os serviços de segurança na Estação Ferroviária... até às 24.00 horas do dia 31 de Dezembro de 2019;
21. A segunda ré iniciou a prestação dos serviços de segurança a partir das 00.00 horas do dia 1 de Janeiro de 2020;
22. A segunda ré assumiu integralmente os mesmos serviços de segurança que eram prestados pela primeira ré;
23. A segunda ré reduziu para oito o número de trabalhadores que exerciam funções na Estação Ferroviária... - alterado em conformidade com a decisão do recurso sobre a matéria de facto;
24. A INFRAESTRUTURAS ... reduziu os serviços de segurança no período nocturno, o que levou a uma redução do número de trabalhadores pela segunda ré - alterado em conformidade com a decisão do recurso sobre a matéria de facto.
25. eliminado em conformidade com a decisão do recurso sobre a matéria de facto.
26. Na prestação dos serviços de segurança, a primeira ré utilizava um conjunto de equipamentos que pertenciam à INFRAESTRUTURAS ... e que incluía câmaras de vigilância, monitores para a visualização das imagens, um computador, telefones, secretárias e cadeiras, endereços de correio electrónico e uma ligação à central de segurança da INFRAESTRUTURAS ...;
27. A segunda ré passou a utilizar integralmente este conjunto de equipamentos;
28. Os trabalhadores da primeira ré no exercício das suas funções eram visitados com regularidade por um responsável e superior hierárquico pertencente à ora primeira ré - alterado em conformidade com a decisão do recurso sobre a matéria de facto.
29. Os trabalhadores da segunda ré continuaram a exercer as suas funções da forma acima descrita em 12º - alterado em conformidade com a decisão do recurso sobre a matéria de facto.
30. O autor está sem qualquer rendimento desde o dia 1 de Janeiro de 2020 e sentiu desgosto, desânimo e revolta com a conduta da primeira e da segunda rés.
31- A primeira ré não transmitiu para a segunda ré quaisquer bens ou equipamento próprios utilizados no serviço de vigilância, nem imobiliário, nem mobiliário, mormente rádios, telemóveis, sistema de picagem ou fardas - aditado em conformidade com a decisão do recurso sobre a matéria de facto.
32- A segunda ré alocou, enquanto instrumentos de trabalho, rádios, lanternas, pontos de rondas, telemóvel, livro de relatório de serviço e fardas, tal como a primeira ré o fazia - aditado em conformidade com a decisão do recurso sobre a matéria de facto.

2. Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente o seguinte:
1. O autor trabalhou ao serviço da primeira ré nos dias 8 e 25 de Dezembro de 2019, os quais eram feriado.

B – NULIDADES DA SENTENÇA

Sustenta a recorrente, em suma, que não se percebe o percurso cognitivo valorativo seguido pelo juiz a quo, que terá ditado a materialidade provada e não provada. Ademais, a fundamentação é pouco clara e deficiente, ou até mesmo omissa, para além de lhe faltar respaldo na prova produzida. Há factos que não foram sequer considerados e respeitantes à inexistência de transmissão entre as rés de elementos corpóreos e não corpóreos.

Segundo o artigo 615º, 1, CPC, a sentença é nula quando:

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
….
A ambiguidade ou obscuridade a que alude a alínea c) são casos de ininteligibilidade que se reportam unicamente à parte decisória da sentença e não se estendem à fundamentação e que relevam quando um declaratário normal não consiga alcançar um sentido inequívoco, ainda que por recurso à fundamentação da decisão (2). Ocorre obscuridade quando a decisão é ininteligível e se presta a dúvidas. Ocorre ambiguidade quando alguma passagem da decisão não é clara por comportar vários sentidos ou diferentes interpretações (3).
No caso, a parte decisória da sentença não padece destes vícios. Sabe-se que a segunda ré foi condenada por despedimento ilícito do autor e na correspondente indemnização e demais créditos. É o que basta. Não há duvida na decisão.
Já a omissão de pronúncia a que alude a alínea d) sobre “questões” refere-se somente aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções, conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência (4) e acolhido pela doutrina. Esta acepção de “questões” não se confunde com toda a argumentação e relato exarado nas peças processuais em que as partes alicerçarem a sua pretensão (5).
No caso, na acepção referida não houve qualquer omissão. O pedido era o de declaração de ilicitude do despedimento e condenação em créditos laborais por “despedimento irregular” pela primeira ré ou, subsidiariamente, pela segunda ré, consoante se aderisse ou não à transmissão de estabelecimento. O tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão, aliás de modo extenso e aprofundado, como decorre da sentença.
Na verdade, a previsão que, em abstracto, mais de perto daria cobertura à nulidade invocado seria a referente a falta de motivação da factualidade provada e não provada, conforme artigo 615º, 1, b), CPC (a sentença é nula quando “…b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Relaciona-se este preceito com outro, a saber o artigo 607º/3/4, CPC, que exige que na sentença, por um lado, se discriminem os factos provados que suportam a decisão tomada e, por outro lado, se declarem os factos provados e não provados e se motive esta decisão.
A exigência de fundamentação comporta a análise valorativa e conjugada da prova e a revelação dos aspectos que foram decisivos. Terá de se perceber o raciocínio seguido pelo juiz para chegar aquele resultado probatório com enfâse nos factos essenciais ao julgamento da causa de pedir e das excepções. A exposição tem dupla função. Destina-se a convencer o destinatário do bem fundado da decisão probatória reforçando a objectividade do julgador e, por outro lado, permite o seu escrutínio pelas partes e tribunal superior, em caso de recurso.
Contudo, só a absoluta ausência de fundamentação de facto gera nulidade e justifica a devolução à primeira instância para que esta fundamente a decisão – 666º/2/d, CPC. A simples deficiência ou uma fundamentação mais pobre apenas afecta a autoridade da sentença, fragilizando-a em caso de recurso.
Será, ainda, irrelevante a falta de fundamentação de um facto, provado ou não provado, quando aquele facto não se mostra em concreto essencial à decisão (6). Igual destino merecem as considerações conclusivas exaradas nas peças processuais.
São exemplos típicos de nulidade a falta de descriminação dos factos provados, ou o uso de uma fórmula justificativa completamente abstracta que nada permite apreender.
Ora, esse não é seguramente o caso.
Lida a motivação da sentença, para a qual remetemos, constatamos que na mesma se encontra a linha de raciocínio essencial que foi seguida. A motivação é visível.
O senhor juiz discriminou os factos provados. Considerou não provados os demais, não sendo exigível uma menção negativa, artigo a artigo, sobretudo com articulados exuberantes.
Mencionou depoimentos. Fez um pequeno resumo das respectivas declarações que suportam, em seu entender, a materialidade provada e não provada (o bem ou eventual mal fundado desta apreciação não é vício de sentença, mas tão só erro de julgamento). Indicou a respectiva razão de ciência. Fez alusão ao facto de as testemunhas serem trabalhadores (F. C., A. G. e R. A.), alguns deles, inclusive, continuaram a trabalhar na segunda ré, tendo conhecimento de causa, antes e depois da transmissão. Outros detinham também cargos que lhes permitia o conhecimento da matéria, designadamente A. E., gestor operacional da primeira ré na estação ferroviária e superior hierárquico dos trabalhadores, R. M., director de segurança da segunda ré na estação ferroviária e L. G., responsável pela filial norte da segunda ré e pela prestação dos serviços de segurança na estação.
Da leitura da fundamentação, para a qual se remete, percebe-se em que meios de prova se alicerçou o tribunal e porquê, aliás depreende-se da fundamentação não ter havido sequer lugar a grande discrepância de prova no que se refere a factos essenciais. A controvérsia principal é matéria de direito.
Se os factos foram bem ou mal julgados, é matéria respeitante a impugnação da matéria de facto e não a vício de sentença. Se há factos que deveriam constar como provados e não foram como tal mencionados, essa também é matéria distinta que respeita ao recurso da matéria de facto.
A arguição de nulidade é, pois, infundada.

C – IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O tribunal da relação deve modificar a decisão de facto quando os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente imponham decisão diferente – art. 662º do CPC (negrito nosso). O verbo impor é indicativo de um grau de exigência superior. Significa que há lugar à alteração da matéria se a prova for inequívoca de que a materialidade deve ser outra.
A recorrente impugna os factos provados 12º, 24º, 25º 28º e 29º. Diz que o facto 24º deve ser reformulado e os demais devem ser não provados.

Os pontos provados 12º, 28º e 29º (que agrupamos por respeitarem à mesma matéria) têm a seguinte redacção:
“12. Os serviços de segurança que a primeira ré prestava eram supervisionados pela INFRAESTRUTURAS ... ou por um supervisor que esta indicava;
28. Os trabalhadores da primeira ré exerciam as suas funções com autonomia, sendo visitados com regularidade por um responsável e sendo os serviços de segurança supervisionados pela INFRAESTRUTURAS ...;
29. Os trabalhadores da segunda ré continuaram a exercer as suas funções da mesma forma, com autonomia, sendo visitados com regularidade por um responsável e sendo os serviços de segurança supervisionados pela INFRAESTRUTURAS ...;”
A audição da prova não confirma que esta materialidade seja rigorosa.
Dela resulta que os trabalhadores da primeira ré tinham um superior hierárquico, A. E., gestor operacional e elo de ligação entre os trabalhadores no terreno e a empregadora. Este confirmou que se deslocava com regularidade, de 15 em dias, ao local. No dia a dia, as ocorrências eram transmitidas pelos vigilantes ao cliente e era dado conhecimento à empregadora, X.
Em igual direcção vai o depoimento de F. C., colega do autor que trabalhava no local. Afirmou que tinham de comunicar ocorrências à central de segurança da W em Lisboa e que, por parte da X, A. E. era o supervisor, o “chefe”, “tudo aquilo que importa alteração sobre “modus operandi” ele tinha que ser consultado” e “sempre que surgisse situações mais graves no serviço tinham que informá-lo”.
R. A., vigilante que transitou para a segunda ré, confirmou no mesmo sentido. O supervisor era o Sr. A. E. que geria o serviço e que se deslocava com regularidade ao local. Precisou ainda que havia duas centrais para a comunicação de ocorrências conforme a gravidade, a da W e a da X. Que o cliente tem acesso aos relatórios de turno automaticamente através do sistema informático e que tinham contacto diário com a central da X, com documentos de entradas e saídas. Mais referiu que existiam as NEP´s (normas de execução permanente) e que quem as lê percebe o que se faz no posto. Estas mantiveram-se em vigor com a passagem de uma empresa para outra e o tipo de serviço prestado manteve-se, pese embora com algumas alterações na introdução dos dados antes em papel, agora em computador.
A. G., vigilante que transitou para a segunda ré, confirmou no mesmo sentido.
Resulta do exposto, que à cliente era dado conhecimento de ocorrências para efeitos de acompanhamento do contrato de adjudicação e que os trabalhadores reportavam hierarquicamente à empregadora na pessoa do superior hierárquico, a quem tinham de consultar quando tal se justificasse.

Assim, os pontos passam a ter a seguinte redação, o que fica a constar no lugar próprio:
12-“ Os serviços de segurança que a primeira ré prestava eram acompanhados pela INFRAESTRUTURAS ..., a qual tinha conhecimento das ocorrências;
28. Os trabalhadores da primeira ré no exercício das suas funções eram visitados com regularidade por um responsável e superior hierárquico pertencente à ora primeira ré;
29. Os trabalhadores da segunda ré continuaram a exercer as suas funções da forma acima descrita em 12º;”

O ponto 25 tem a seguinte redacção:
25. A segunda ré manteve as mesmas características e a mesma forma de funcionamento dos serviços de segurança que a primeira ré prestava;
Este ponto não contém factos. É meramente conclusivo. Tal dedução só pode ser extraída (ou não) da restante matéria factual, se a houver.
A sentença é uma peça com separação entre a parte de facto e a de direito. Na fundamentação de facto, apenas devem constar os factos provados e não provados. O CPC contém vários normativos apontando para a necessidade desta distinção, mormente o artigo 607º, nº 4, CPC.
Assim, tal matéria deve ser ignorada por encerrar em si mesma, pelo menos parcialmente, resposta sugestiva a uma questão de direito que faz parte precisamente do objecto do litígio.
A lei processual actual (CPC/2013), ao contrário da anterior (646º, 4, CPC/1961), não prevê que a matéria de direito seja considerada não escrita, o que também se estendia às expressões vagas/conclusivas respeitantes ao tema essencial a decidir, conforme entendimento jurisprudencial ao abrigo daquela formulação legal (7). Contudo, têm-se continuado a entender que, estando em causa este tipo de matéria (conclusiva, irrelevante ou de direito), o tribunal a ela não deverá responder.
Mantêm-se, portanto, na actualidade, a anterior solução de lei e entendimento jurisprudencial que estendia analogicamente a solução a este tipo de expressões genéricas (8).
Assim é de eliminar este ponto. A alteração ficou a contar em lugar próprio.

Ponto provado 24º tem a seguinte redacção:
24. A partir do dia 6 de Janeiro de 2020, a INFRAESTRUTURAS ... reduziu os serviços de segurança no período nocturno, o que levou a uma redução do número de trabalhadores pela segunda ré;

A recorrente propõe a seguinte redacção:
24- “A INFRAESTRUTURAS ... reduziu os serviços de segurança no período nocturno, o que levou a uma redução do número de trabalhadores pela segunda ré”.
Está em causa saber se a supressão de um turno (da noite) aconteceu logo no momento em que a segunda ré iniciou os serviços de vigilância (dia 1), ou se apenas no dia 6 de Janeiro.
Dá-se razão à recorrente. A data de dia 6 não foi apontada por nenhuma testemunha.
L. G., director da filial Norte da 2ª ré, confirmou a supressão do turno das 00h às 6h, logo no início da adjudicação e por indicação do cliente. No concurso de adjudicação já nem constava esse horário, pelo que a redução do posto “terá sido dia 1 de Janeiro”.
A. G., vigilante que transitou para a segunda ré, confirmou que a Y “fez redução do turno dos serviços administrativos quando houve a passagem” e que “foi implementada logo quado a Y assumiu”.
R. A., vigilante que transitou para a segunda ré, afirmou que o “turno da noite deixou de existir com a Y” e que aconteceu ” para aí dia 4”.
Assim sendo, adere-se ao teor proposto pela recorrente para o ponto 24, pois a essência da prova aponta para a redução logo no início dos serviços da segunda ré, alteração que fica a constar em lugar próprio.

Este facto alterado contende com o ponto provado nº 23 que se lhe opõe parcialmente e que tem a seguinte redacção:
23. A segunda ré manteve o mesmo número de trabalhadores que exerciam funções na Estação Ferroviária...;
Em consequência este ponto ficará com a seguinte redacção:
23. A segunda ré reduziu para oito o número de trabalhadores que exerciam funções na Estação Ferroviária...;

Factos não provados:
A recorrente pretende o adiamento seguinte:
“Não existiu transmissão de elementos corpóreos entre as sociedades rés (instalações, imobiliário, fardas, equipamentos, alvarás, etc.), tendo a segunda ré alocado ao posto, enquanto instrumentos de trabalho, rádios, lanternas, pontos de rondas, telemóvel e livro de relatório de serviço.”
Dá-se razão à recorrente. Esta havia alegado na contestação que não houve passagem de instrumentos de trabalho entre a primeira e a segunda ré, facto que releva na apreciação do caso (art. 60 a 62).
Tal matéria foi confirmada, sem qualquer contestação, designadamente por R. M., L. G. e pelo vigilante R. A.. Sobressaiu que a X fornecia equipamento próprio em pequena monta (A. E., depoimento a acrescer). Resultou dos mesmos depoimentos que a segunda ré alocou também, de igual modo, como a primeira o fazia, material similar de pequena monta como telemóveis, rádio, lanterna, pontos de rondas, livros, fardas, etc… F. C. também ajudou a identificar o tipo de equipamento utilizado pela primeira ré (rádios, sistema de picagem).

Determina-se assim o aditamento dos pontos 31 e 32 que ficam a constar no lugar próprio:
31- A primeira ré não transmitiu para a segunda ré quaisquer bens ou equipamento próprios utilizados no serviço de vigilância, nem imobiliário, nem mobiliário, mormente rádios, telemóveis, sistema de picagem ou fardas.
32- A segunda ré alocou, enquanto instrumentos de trabalho, rádios, lanternas, pontos de rondas, telemóvel, livro de relatório de serviço e fardas, tal como a primeira ré o fazia.

D- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

O litígio

Importa saber se ocorreu uma “transmissão de exploração de unidade económica” da primeira ré X para a segunda ré Y e, consequentemente, se o autor deverá ser considerado ainda trabalhador da antecessora ou, ao invés, da empresa adquirente dos serviços de vigilância, para os efeitos do artigo 285º CT/09.
A primeira instância respondeu afirmativamente. A Y empresa adquirente recorreu alegando que não há uma unidade económica que seja transmissível e que não tem obrigação de readmitir os trabalhadores. A Ré cedente X contrapõe que ocorreu uma transmissão e que os trabalhadores passaram para a empresa que assumiu a vigilância no local do cliente. Em recurso o autor nada disse.

O enquadramento da questão
A transmissão de empresa, estabelecimento ou de exploração económica é questão há muito tratada no domínio comercial e laboral, pese embora sob diferentes prismas. O primeiro ocupa-se, sobretudo, da transmissão de créditos e dívidas e protecção de credores, o segundo com a protecção dos trabalhadores e estabilidade no emprego.
No que à temática laboral respeita, o direito comunitário europeu desempenhou papel primordial e muito influenciador dos direitos nacionais dos Estados-Membros da União Europeia. Motivo pelo qual, a respectiva legislação e os contributos jurisprudenciais do Tribunal de Justiça europeu (doravante, TJ), terão de ser convocados em primeira linha na apreciação do caso, face ao principio da interpretação conforme e ao primado do direito europeu – 8º, CRP.

Quadro normativo
A legislação europeia remonta à Diretiva 77/187/CEE, de 14 de fevereiro de 1977, que visava a aproximação das legislações nacionais dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores nas transferências de empresas/estabelecimentos, a qual foi posteriormente alterada, até se chegar à actual Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12-03 (doravante, a Directiva).
Esta Directiva acolheu a linha interpretativa jurisprudencial do TJ que vinha densificando a controvertida noção de “transferência de unidade económica”, em resultado de frequentes reenvios prejudicais por parte dos Estados-Membros.
Dos “Considerandos” da Directiva resulta que o seu objectivo foi a codificação e a clarificação de conceitos, sem alteração do âmbito da anterior Directiva. No que se refere a este último escopo, face à vulgaridade de vicissitudes modificativas das estruturas das empresas, almejava-se esbater as diferenças de interpretação subsistentes entre os Estados-Membros. Sublinhando-se serem necessários normas com o objectivo de proteger os trabalhadores e assegurar a manutenção dos seus direitos em caso de mudança de empresário (vd. Considerandos 1 a 4 da Directiva).

Interessa-nos, particularmente, o artigo 1º da Directiva onde se define o âmbito de aplicação nos seguintes termos:

a) A presente directiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.
b) Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.
c) A presente directiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma actividade económica, com ou sem fins lucrativas….”

No artigo 3º, nº 1, parágrafo 1, estabelece-se, ainda, o principio da manutenção dos direitos dos trabalhadores (1. Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.”).
A legislação portuguesa adaptou-se à legislação comunitária, logo com o CT/03. Regulando em termos diferentes e mais conformes ao entendimento do TJ o conceito “da transmissão de empresa ou estabelecimento”, transpondo o sentido da Diretiva para o ordenamento interno (9).

Aos autos aplica-se o CT/09 (10) (artigos 285º a 287º). Os segmentos que nos interessem referem (art. 285º):

(Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento)

1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.os 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 - …
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.”

Interpretação do quadro normativo
Nos termos acima referidos os conceitos de transmissão de estabelecimento ou de exploração de unidade económica, serão interpretados em conformidade com o artigo 1º, b, da Directiva, densificado pela jurisprudência do TJ.
Tirando os casos mais evidentes de transferência de propriedade do estabelecimento ou empresa através de título, a “unidade económica” é a categoria fundamental para aferir da transmissão. Se for transmitida a unidade económica, opera o regime de protecção da transmissão - 1, b, Directiva e nº 5 do artigo 285º, 1, 2 e 5, CT/09.
Para existir unidade económica basta “…que seja possível identificar um conjunto de meios - corpóreos ou incorpóreos, humanos ou não- aptos ao exercício de uma actividade económica” -Milena Silva Rouxinol, “Transmissão da unidade económica”, in Direito do Trabalho, João Leal Amado e outros, Almedina, 2019, p. 852.
Interessa-nos particularmente os casos mais complexos de cessão de exploração de unidades económicas, sem negócio translativo directo entre cedente e cessionário, que resultam de adjudicação ou “outsourcing” de serviços por parte da empresa intermediária pública ou privada (o “cliente”) que contrata os serviços sucessivamente a empresas diversas (cessionários).
Dentro deste complexo, são ainda mais problemáticos os casos em que o “negócio” é esmagadoramente constituído apenas por capital humano (trabalhadores), sendo diminuto o peso dos bens corpóreos (instalações, equipamento, instrumentos de trabalho).
Por excelência isso acontece nas actividades de vigilância, de limpeza, refeitórios e cantinas, que, uma rápida leitura da jurisprudência, logo evidencia como sendo as áreas mais litigiosas.
Num quadro perfeito da transmissão de empresa ou de exploração um empresário receberia de outro um conjunto de bens materiais (edifícios, mobiliário, máquinas, utensílios, outros equipamentos) e imateriais (clientela, know-how, etc).
Ora, nas “explorações desmaterializadas”, como na vigilância que ora nos ocupa, estes auxiliares não funcionam.
Em face da variabilidade de situações, o TJ tem utilizado o chamado método indiciário para aferir da manutenção da identidade económica. Recorre a diversos elementos capazes de identificar uma hipotética transferência de unidade económica.
São indícios sistematicamente referidos para caracterizar a operação em causa: o tipo de empresa de que se trata; a similitude entre a actividade antes e depois exercida; a transferência ou não do activo corpóreo (edifícios, móveis, equipamentos) e não corpóreo (em especial know-how, métodos de exploração ou organização), ou de, pelo menos, parte dele e o respectivo valor; a manutenção ou não da clientela; a readmissão pelo novo empresário dos trabalhadores; a operação subjacente à transmissão, que pode decorrer de negócio directo entre cedente e cessionário em que é mais evidente a transmissão, ou se apresenta com intermediação de terceiro, vg por adjudicação; a transmissão imediata ou com interrupção de actividade por tempo relevante (veja-se na jurisprudência do TJ, o distante caso “Suzen”, proc. C-13/95, ac. de 11-03-1997, em que estes indicadores já eram utilizados, até ao mais recente caso “Securitas”, proc. C-200/16, ac. de 19-10-2017 (11) e outros tantos por estes referidos, designadamente o caso ADIF, proc. C-509/14, ac. de 26-11-15; ver ainda resumo de Milena Silva Rouxinol, ob, cit., p. 855 a 858).
É também consensual que os elementos são avaliados no conjunto do caso concreto. O peso de cada indicador não é fixo e varia conforme o valor que se atribuiu aos demais, em função do tipo de actividade em causa. Tendencialmente, no caso da transmissão de uma fábrica o peso dos elementos corpóreos assumirá um peso maior. Já numa actividade de mera prestação de serviços o elemento pessoal será crucial.
No caso particular das empresas cujo capital é sobretudo humano, como é o caso de serviços de vigilância e limpezas, o TJ tem declarado que, nestes sectores que assentam essencialmente na mão-de-obra, a identidade de uma unidade económica não pode ser mantida se o essencial dos seus efectivos não for integrado pelo cessionário.
Considera-se que a identidade não se resume à própria actividade, sendo indissociável do elemento pessoal que a compõe, dos seus métodos de exploração e, eventualmente, se for caso disso, dos meios de exploração à sua disposição (caso “CLECE”, proc. C-463/09, ac. TJ de 20-01-2011, em que um município espanhol pôs termo à prestação externa de serviços de limpeza pela empresa CLESE, serviços que ela própria passa a assumir, recrutando novo pessoal, sem retomar o antigo. Considerou-se não estar revelada a existência de transferência).
A circunstância de a simples perda de um contrato de prestação de serviços a favor de uma empresa concorrente, só por si, não revelar uma transferência na acepção da Directiva, tem sido também enfatizado pelo TJ em vários arestos. A empresa perdedora não deixa de existir mesma que perca um cliente, não se considerando, sem mais, que a “parte que perdeu” foi cedida a outrem.
Ao invés, haverá transferência quando “…o novo empresário não se limita a prosseguir a actividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efectivos que o seu predecessor afectava parcialmente a essa missão…nessa hipótese…a nova entidade patronal adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que (lhe) permitem a prossecução, de modo estável, das actividades ou de parte das actividades da empresa cedente” (caso “Suzen”, proc. C-13/95, ac. de 11-03-1997, em que foram contratadas sucessivamente duas empresas (a Zehnacker que perdeu os serviços e a “Lefarth” que os ganhou) para a prestação de limpeza de um estabelecimento escolar, sem que a segunda readmitisse as antigas trabalhadoras entre elas a “Suzen”).
No caso particular de serviços de vigilância, o TJ vem reiterando que a mera sucessão de empresas concorrentes decorrentes de adjudicação do serviço à empresa vencedora do concurso não exclui, nem inclui automaticamente o caso no âmbito da transmissão de empresa para efeitos da Directiva. Não é necessário que existem relações contratuais directas entre cedente e cessionário. Mas a aplicabilidade da figura, tal como nos outros casos, está sujeita à condição de que a transferência tenha por objecto uma entidade económica que mantenha a sua identidade, enquanto conjunto organizados de meios capazes de prosseguir autonomamente a actividade em causa. A aferir pelos indicadores concretos. Voltando-se a frisar, num caso específico de serviços de vigilância, que “…num sector em que a actividade assente essencialmente na mão-de-obra, a identidade de uma entidade económica não pode ser mantida se o essencial dos seus efectivos não for integrado pelo presumido cessionário” (caso “Securitas”/ICTS Portugal, típica sucessão de empresas na prestação de serviços de vigilância e segurança decorrente de adjudicação pela cliente “Porto dos Açores”. Fez-se depender o sentido da decisão final da ponderação que o órgão jurisdicional de reenvio faça dos indicadores. O resultado está expresso no ac. STJ de 6-12-2107, que foi no sentido de inexistência de transmissão, o que infra retomaremos).
O peso do indicador “elemento corpóreo” nas actividades de prestação de serviços “desmaterializados”
O TJ tem também abordado o peso do indicador ligado aos elementos corpóreos em particular nas explorações de serviços mais fundadas no factor humano, com enfoque na circunstância de os elementos corpóreos indispensáveis ao exercício da actividade retomados pelo novo empresário não pertencerem ao antecessor, sendo antes propriedade ou disponibilizados pela entidade contratante (cliente). Respondendo-se que tal não exclui automaticamente a existência de transferência, devendo, contudo, apenas serem valorados os equipamentos efectivamente utilizados no serviço, com exclusão das instalações (caso “Securitas”).
A este propósito descobre-se uma subdistinção dentro do universo das ditas “empresas desmaterializadas”, entre aquelas que verdadeiramente assentam essencialmente na mão-de-obra e as demais actividades que não podem ser consideradas enquanto tal, na medida em que exigem equipamentos importantes. Nestes casos, considera-se que a actividade se baseia essencialmente em equipamentos, não sendo decisivo o indicador da falta de integração pelo novo empresário dos efectivos empregues pelo seu antecessor (caso ADIF versus Pascual, proc. C-509/14, ac. de 26-11-2105, que versou sobre um serviço de manutenção de unidades de transporte intermodal no terminal de Bilbao, que havia sido externalizado à “Algeposa” e que a empresa pública “ADIF” denunciou, assumindo o serviço com pessoal próprio, continuando a utilizar material, designadamente gruas, por ela anteriormente fornecido ao antigo prestador).
Igual abordagem tem sido utilizada em actividades de restauração colectiva (cozinheiros, ajudante e outros), em que o “cliente” disponibiliza, além de instalações, elementos importantes de activos corpóreo utilizados pelas várias empresas prestadoras que se sucedem na actividade.
A pedra de toque reside na consideração de que o tipo de actividade não se pode considerar essencialmente dependente da mão-de-obra, porquanto requer equipamentos importantes, como material de cozinha, tal como fogões, máquinas de lavar, utensílios (panelas, tachos, pratos, talheres) etc… (caso ”Abler versus Sodexho”, proc. C-340/01, ac. TJ de 20-11-2003, em que a instituição gestora de um hospital na Áustria rescindiu o contrato de serviços de restauração preparada nas instalações do hospital e fornecido aos doentes e pessoal, adjudicando-a a outra empresa (Sodexho), que não reintegrou o pessoal, mas utilizava o dito equipamento essencial e disponibilizado pelo hospital às prestadoras).

O caso dos autos
A actividade em causa assenta fundamentalmente na mão-de-obra.
O indicador de similitude de actividade (vigilância/segurança) funciona a favor. A prestação contratada pelo cliente é igual (pontos provados 11 e 17), pese embora algumas diferenças acessórias como a supressão de um turno.

O indicador principal para aferir de transmissão ligado à “readmissão do essencial de pessoal” por parte da nova prestadora não funciona, na medida em que a Y só admitir três de nove trabalhadores.
O que não é suficiente para a composição de uma “unidade económica autónoma”, quer do ponto de vista quantitativo, quer qualitativo.
Quantitativamente, o número readmitido é uma terça parte. O que não se pode chamar de essencial ao não chegar sequer a metade do todo. Nos termos acima exarados, não basta um “número relevante”, como se diz na sentença.
Qualitativamente nada se deduz dos factos provados. Desconhece-se se os três elementos transmitidos eram infungíveis, se tinham mais competências, se eram mais qualificados, se eram dos mais especializados, se tinham conhecimentos mais relevantes que os trabalhadores não transmitidos, de modo a conferir-lhe uma especial valia profissional.
Aliás, atento o tipo de actividade, no que se refere aos vigilantes temos dificuldade em fazer este tipo de subdivisões. Sempre se anota que o supervisor, supostamente “mais valioso”, não fez parte da equipa transmitida.
Ademais, não resulta da matéria provada especiais modos de organização no trabalho relativamente a outras equipas de vigilância, pelo contrário dos depoimentos das testemunhas resultou uma transição sem formação ou ensino, sendo a passagem uma tarefa extremamente “fácil de entrar” (palavras da testemunha, o vigilante A. G.). Não há elementos de facto para presumir que houvesse um Know-how que tivesse sido transmitido.
Nos termos interpretativos supra expostos, tratando-se de serviços nuclearmente dependente do elemento humano a reabsorção dos antigos trabalhadores ou de uma parte essencial, em termos de número e de competências, constituiu uma peça chave para aferir da transmissão. Que não ocorre no caso.
Já se objectou que o raciocínio é vicioso ou falacioso, pois querer-se-á saber se há transmissão precisamente porque os trabalhadores não foram readmitidos. A objeção não colhe. Se a exploração não tem outro corpo senão praticamente os próprios trabalhadores, estes são a sua essência. O elemento humano, em número e competência, especialização e know-how, fungibilidade ou infungibilidade, será assim o core business, aquilo que a individualiza, para além do tipo de actividade.
Há também que olhar sob outra perspectiva o indicador de readmissão pelo novo empresário da totalidade ou essencialidade do pessoal. Se isso acontecer há uma apropriação do core business da empresa, no caso das actividades baseadas no factor humano. Portanto, o novo empresário reconhece implicitamente a aptidão dos trabalhares para o desenvolvimento do negócio, calculando-se que um empresário diligente ausculte o cliente sobre o grau de satisfação com a anterior prestação dos efectivos. Já se não recebe essa essência, outros valores entram em jogo, como a iniciativa privada e livre e sadia concorrência, sob pena de defendermos situações incompreensíveis em que, porventura, o contrato de prestação de serviços haja sido rescindo por insatisfação com o pessoal, que depois vem a transitar obrigatoriamente para a empresa subsequente - Milena da Silva Rouxinol, citando comentário de Júlio Gomes, ob. cit. P. 861.
O peso do indicador ligado à transmissão de meios corpóreos é diminuto. Desde logo, a actividade assente essencialmente no pessoal, ao contrário dos exemplos acima citados. Não é relevante que as instalações fornecidas pelo cliente sejam as mesmas. Os meios por este posto à disposição sucessivamente da primeira e da segunda ré descritos no ponto 28 dos factos provados não atingem o valor de “equipamento importante”, não têm peso acrescido, como acontece comos casos supracitados, mormente os ligados à restauração.
A primeira ré não transmitiu para a segunda ré quaisquer bens móveis da sua pertença. Estes, já de si, eram pouco relevantes em termos de valor, resumindo-se a pouco mais do que rádios, telemóveis, fardas ou sistemas de ronda. A segunda ré, igualmente como a primeira ré o fazia, forneceu ela própria tais bens.
Balanço
Em suma, a mera readmissão de 3 de 9 elementos numa actividade que se baeia essencialmente no factor humano, desacompanhado de outros elementos, não é suficiente para ser subsumível da noção de “transmissão de unidade económica”.
Na jurisprudência nacional enfatizando estes aspectos essenciais, veja-se:
Ac. STJ de 6-12-2017, proc. 357/13.3TTPDL.L1.S1, precedido de pedido de reenvio prejudicial ao TJUC (caso “Securitas” supra referido), em cujo sumário consta:
“I – Para se verificar a transmissão de uma empresa ou estabelecimento e, consequentemente, ter aplicação o regime jurídico previsto no art. 285.º, do Código do Trabalho de 2009, quanto aos seus efeitos, importa verificar se a transmissão operada tem por objecto uma unidade económica, organizada de modo estável, que mantenha a sua identidade e seja dotada de autonomia, com vista à prossecução de uma actividade económica, ou individualizada, na empresa transmissária.
II – Não ocorre uma situação de transmissão de estabelecimento quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços de vigilância a outra empresa, sem que se tivesse verificado a assunção de qualquer trabalhador da anterior empresa e tão pouco qualquer transferência de bens ou equipamentos de prossecução da actividade susceptível de consubstanciar uma “unidade económica” do estabelecimento.”

Ac. STJ de 5-11-08, proc. 08S1332, em cujo sumário consta:
II – Tratando-se de uma actividade que assenta essencialmente na mão-de-obra – como é o caso da actividade de prestação de serviços de limpeza –, o factor determinante para se considerar a existência da mesma unidade económica é saber se houve manutenção do pessoal ou do essencial deste, na medida em que é esse complexo humano organizado que confere individualidade à empresa, e não tanto se se transmitiram, ou não, activos corpóreos.” (12)

A repercussão da última alteração legislativa do artigo 285º do CT/09, se entendida como lei interpretativa:

Embora não aplicável ao caso porque a adjudicação em análise é anterior a 2021, sempre faremos breve referência à já aludida alteração ao artigo 285 CPC (13), que, no que ao caso releva, aditou matéria com o seguinte teor:
10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.
Este segmento parcial integra-se no todo do instituto que se mantém incólume, mormente a noção da identidade de unidade económica, a que se referem os nºs 1, 2 e 5, do art. 285º, CT.
Não se dispensa, portanto, a prévia tarefa de verificação da aplicabilidade da figura de transferência de “unidade económica” que mantenha a sua identidade, entendida como conjunto organizado de meios capazes de prosseguir por si uma actividade económica. Sempre assim foi entendido ao nível do TJ (caso Securitas e caso Suzen).
Tal decorre da noção do instituto, da ratio, da inserção sistemática e do todo do sistema jurídico (9º CC). De resto, não faria sentido um “funcionamento automático” só para os casos que são precisamente os mais duvidosos.
A igual conclusão se chega pelos trabalhos preparatórios. A alteração resultou da fusão de projectos individuais apresentados por três partidos políticos (o BE, PS e PSD) (14) que redundaram num texto conjunto, aprovado na reunião plenária de 25-09-2021. Da leitura das propostas e da discussão que precedeu a votação na AR ocorrida em 25-09-2020 (15) não resulta qualquer intenção de inovar
Nos projectos de lei é uma constante a alusão à Directiva e, portanto, às suas premissas.
Dos referimos elementos ressalta que apenas se pretendeu clarificar o sentido da lei e a possibilidade da sua aplicação a todas as potenciais situações (16), pese embora anteriormente já se contemplasse a subsunção virtual da figura a todos os casos (17). Face às controvérsias jurisprudenciais – acima elencadas- teve-se em mira clarificar que a figura se aplica, não só em casos de contratação privada externa (outsourcing), mas também aos casos de adjudicação por concurso público e, bem assim, que estão potencialmente incluídos todos os sectores, designadamente os que mais litígios originam nos tribunais, a saber os mencionados exemplificativamente na norma aditada - vigilância, alimentação, limpeza ou transportes.
Em suma, continua a exigir-se a prévia interpretação dos indicadores para saber se ocorreu a transferência de um estabelecimento ou unidade económica. Donde, ainda que a referida norma fosse aplicável ao caso, o sentido da decisão não sairia alterado.

Finalizando

Não tendo havido transmissão de unidade económica, a primeira ré continuou a deter a posição de empregadora do autor. A recusa em mantê-lo ao serviço equivale a despedimento, sendo responsável pelas quantias em que havia sido condenada na primeira instância a segunda ré.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em dar provimento ao recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida, condenando-se a primeira ré “X-Soluções de Segurança, Sa” nos mesmos termos em que a segunda ré “Y-Segurança Privada, Sa” havia sido condenada, absolvendo-se esta do pedido - 87º, CPT e 663º, CPC.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
13-07-2021

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins



1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
2. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, volume 2, 4ª ed., p. 734-5.
3. António Santos Abrantes Geraldes, CPC Anotado, vol. I, p. 738.
4. Por exemplo, vd STJ de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.
5. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 437.
6. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, 4ª ed., p. 708 e 736.
7. Ac. STJ de 29-04-2015, p. 306/12.6TTCVL.C1.S1, in www.dgsi.pt.
8. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, 2~V., 4º ed., p. 707.
9. No artigo 318º do CT de 2003, que sucedeu ao art 37º da LCT, acolhendo aquela norma já uma concepção mais lata de “transmissão” que incluía a reversão da exploração e as cessões de exploração sucessivas sem negócio translativo directo.
10. CT, aprovado pela Lei 7-2009, de 12-02, com as subsequentes alterações, até à redacção dada pela Lei 14/2018, de 19-03. A posterior redacção da Lei 18/2021, de 8-04, entrou em vigor em 9-04-2021 e os factos dos autos são anteriores. Ademais, apenas se aplica a adjudicação a partir de 2021 (art. 3º, do diploma, disposição transitória: “3 As alterações introduzidas pela presente lei aplicam-se, igualmente, aos concursos públicos ou outros meios de seleção, no setor público e privado, em curso durante o ano de 2021, incluindo aqueles cujo ato de adjudicação se encontre concretizado”. Mais à frente faremos especial referência a esta alteração.
11. Todos consultáveis em https://euro-lex.europa.eu/legal-contente/PT/TXT, site ao qual se recorreu no caso de todos os acórdãos do TJUE doravante citados.
12. No mesmo sentido ac.s do STJ, de 27-05-2009, proc. 08S3256 (área de limpeza) e de 24-03-2011, proc. 1493/07-0TTLSB.L1. S1 (área da envelopagem); da RG ac. de 8-04-2012, proc. 1028/19.2T8VRL.G1 (área de vigilância); da RL ac. de 24-05-2006, proc. 867/2006-4 (área de vigilância) e 7-06-2006, proc. 4181/2006-4 (área de vigilância); da RP ac. da 21-10-2020, proc. 4094/19.78PRT.P1 (área de vigilância).
13. Redacção da Lei 18/2021, de 8-04.
14. Projetos Lei 414/XIV/1, 448/XIV e Projeto de Lei n.º 503/XIV/1, todos aprovados em sessão plenária de 25-09-2020, consultável em www.parlamento.pt.
15. Audível em www.parlamento,pt, 25-09-2020, minuto 15.40 ao minuto 23.43.
16. Em especial atentar no projecto do BE e nas intervenções orais dos deputados do BE e PCP na discussão e votação na especialidade.
17. Decorria já da redacção do artigo 285º, nºs 1 e 2, CT/09, que a transmissão podia ocorrer “a qualquer título”.