Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
140/15.1T8VCT.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PARTILHA
ACTO GRATUITO
TORNAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I-No fenómeno sucessório, a universitas iuris, constituída pelo conjunto das relações jurídicas do de cujus, destina-se a ser atribuída aos sucessores chamados, por forma a ficarem titulares das mesmas, e em consequência, a devolver-lhes os bens que a integram (cfr. art. 2024.ºCC).

II-A divisão e atribuição de bens, em consequência da sucessão hereditária ou de separação de meações, não configura uma atribuição patrimonial vantajosa à qual corresponde uma contraprestação equivalente.

III-As tornas não podem qualificar-se como uma contraprestação correspectiva do recebido mas apenas como forma de igualar a composição dos quinhões de acordo com o título, lei, testamento ou contrato.

IV-Na acção de impugnação pauliana, em que o acto impugnado é uma partilha, por ter natureza gratuita, não é exigível a alegação e prova da má fé para ser procedente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

O “Banco A” intentou a presente acção declarativa de condenação contra Jorge e mulher, Maria, M. C. e D. P., peticionando que se declare a simulação e consequente nulidade do negócio de partilha, celebrado entre os Réus, por escritura pública de 26 de Janeiro de 2012, da herança aberta por óbito de A. J., ordenando-se, em consequência, o cancelamento dos registos realizados com base naquele título, ou, subsidiariamente, a ineficácia desse negócio, e, neste caso, ordenada a restituição dos prédios aí adjudicados à Ré, D. P. e do direito de usufruto adjudicado à Ré, M. C., na medida do seu interesse, podendo executá-los no património dessas Rés.

Alega, para o efeito e em síntese, que detém créditos sobre os Réus Jorge e Maria no valor global de € 368.911,39 e que o negócio de partilha supra referido não correspondeu à vontade real das partes tendo sido celebrado formalmente apenas para ludibriar a Autora, impossibilitando que esta se fizesse pagar pelos bens e direitos da herança que caberiam ao Réu Jorge, uma vez que, em resultado da mesma, os bens e direitos mais valiosos foram transmitidos às Rés, M. C. e D. P.. Mais alegam que as Rés M. C. e D. P. sabiam, à data da celebração da escritura pública em causa, que os Réus, Jorge e Maria passavam por dificuldades financeiras, tendo todos a consciência que, com a celebração da partilha pelo modo como foi feita, causavam prejuízo à Autora.

Regularmente citados, contestaram os Réus defendendo-se por impugnação e alegando que, aquando da celebração da escritura pública de partilha, inexistia incumprimento das sociedades “A– Materiais de Construção, Lda.”, “A II – Estúdios de Cozinha, Lda.”, “A III – Estúdios de Cozinha B, Lda.” e “A IV–Estúdios de Cozinha P, Lda.”, relativamente aos contratos que originaram os créditos invocados pela Autora, com excepção dos valores de € 297,64 e de € 171,26 relativos a dois contratos de leasing celebrados entre a Autora e as sociedades A II e A IV.
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Proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, consequentemente:

-Absolveu a Ré Maria dos pedidos contra si deduzidos;
-Declarou ineficaz em relação à Autora a partilha de bens descrita nas alíneas k) a r) do ponto II.1., celebrada por escritura pública em 26 de Janeiro de 2012, relativamente aos bens descritos nesses títulos;
-Reconheceu à Autora, em relação a esses bens, o direito de praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e de executar aqueles até ao montante do crédito emergente dos contratos celebrados em 7 de Outubro de 2008 (excluindo-se os créditos proveniente dos contratos celebrados em 28 de Setembro e 1 de Novembro de 2012), mas sempre até ao limite do valor do quinhão hereditário do Réu Jorge, ou seja, até ao limite de € 56.583,19;
-Julgou improcedentes, por não provados os restantes pedidos deduzidos, absolvendo dos mesmos os Réus.
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Inconformado com a sentença, o Réu, Jorge, interpôs recurso, formulando as seguintes

Conclusões

1.º -A, aliás, douta decisão de que ora se recorre violou o disposto nos art.610º e 612º do Código Civil porquanto não se mostram verificados integralmente os requisitos de que depende a procedência da presente acção relativamente à invocada impugnação pauliana e consequente ineficácia do contrato de partilha celebrado entre os Réus, por escritura pública de 26 de Janeiro de 2012, da herança aberta por óbito de A. J..
2.º-Com efeito, na partilha notarial ora impugnada, ao contrário do que defende o M.mo Juiz “a quo”, não estamos perante um “negócio gratuito” mas, pelo contrário, em face de um “negócio oneroso”, circunstância esta que, por si só, determina a improcedência da presente acção, pelo que na decisão recorrida se verifica uma errada subsunção dos factos provados aos citados normativos legais.
3.º -Desde logo, in casu, ao invés do que refere o M.mo Juiz recorrido a fls.21 da decisão impugnada, não estamos perante um “acto misto” no mesmo instrumento contratual, de partilha extrajudicial por óbito de A. J. e de partilha em vida, da viúva e meeira do respectivo património, a Ré M. C., mas UNICAMENTE perante a partilha extrajudicial por óbito do referido A. J. como, de resto, melhor resulta daquela escritura notarial junta à PI como doc.34, cujo conteúdo aqui se dá reproduzido, por economia processual, o qual igualmente se mostra plasmado na alínea K) dos Factos Provados.
4.º-Tanto assim que à viúva e meeira nos bens comuns, a Ré M. C., coube tornas no valor de 143.366,11 Euros (cfr. alínea r) dos Factos Provados), que delas não prescindiu, nao as dividiu, nem tão pouco as doou pelos seus filhos, nessa escritura, sendo que ficou usufrutária do património partilhado (Alínea n) dos Factos Provados).
5.º-Consequentemente, in casu estamos apenas perante uma partilha extrajudicial por óbito de A. J. e da respectiva meação dos bens comums que integravam o património comum do casal que foi constituído por si e pela Ré M. C., com quem foi casado em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral de bens (alínea k) dos Factos Provados).
6.º-Por outro lado, pese embora o M.mo Juiz recorrido faça alusão aos acórdãos do Tribunal do STJ de 16.04.2013 e de 08.11.2007 e ainda ao Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2012, para sustentar a sua tese de que, in casu, estamos perante um negócio gratuito, certo é que quer a Doutrina, quer a Jurisprudência largamente maioritária considera a partilha extrajudicial decorrente de óbito e consequente divisão de património, com pagamento de tornas, como negócio oneroso !
7.º -Na Doutrina, como defensores da partilha como negócio oneroso, pode salientar-se, entre outros, o Prof.Vaz Serra, no seu trabalho titulado “Responsabilidade Patrimonial”, in BMJ nº75, pag. 248; e RLJ, Ano 102º, pag. 7 e 8; o actual Senhor Juiz do Tribunal Constitucional João Cura Mariano, na sua obra “Impugnação Pauliana”, 2ª edição, revista e aumentada, Almedina, 2008, pag. 222; o Prof.Andrea Mora, na obra “ Il Contratto Divisione”, pag.238 a 241 e 403 a 406, citada, de resto, no douto acórdão do STJ de 09.02.2012 e ainda Prof.Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição.
8.º-Enquanto que a jurisprudência largamente maioritária nesse domínio é constituída pelos acórdãos não só citados pelo M.mo Juiz “a quo”, a saber, o acórdão desta Relação de Guimarães de 09.10.2014, os acórdãos do STJ de 09.02.2012 e de 27.03.2001, como também pelo acórdão do STJ de 05.06.2003, proferido no processo n.º03B1579, e pelo acórdão igualmente do STJ de 21.04.2005, proferido no processo n.º05B725, todos acessíveis em www.dgsi.pt
9.º -Cujo entendimento comum se estriba no facto de considerarem que “ … a partilha, envolvendo para cada um dos interessados a cedência do direito indiviso sobre a totalidade dos bens, em troca do direito exclusivo àqueles que lhe são adjudicados, quando acompanhada da declaração formal da obrigatoriedade do pagamento de tornas pelo excesso recebido, por parte de um dos interessados, a favor do outro ou outros, reveste a natureza de acto oneroso. As tornas a receber constituem a contraprestação em dinheiro da parte dos bens que um dos interessados podia exigir, mas a que renuncia a favor de outro, não podendo o acto de partilha considerar-se acto gratuito quando as haja”: excerto extraído do douto acórdão desta Relação de 09.10.2014, no citado Proc.391/09.8TBPTL.G2.
10.º-E o facto de in casu não ter ocorrido o pagamento das tornas devidas à viúva e co-Ré M. C., pela filha e co-Ré D. P. (Facto Provado sob a alínea s), certo é que na alínea q) dos Factos Provados consta que, naquela escritura, ficou declarado que o co-Réu Jorge daquela sua irmã recebeu o montante de 5.392,36 Euros a título de tornas, o que, de resto, se mostra provado documentalmente nos presentes autos !
11.º -Sendo que tal questão de pagamento efectivo, ou não, de tornas, se torna irrelevante para a caracterização da partilha notarial como acto oneroso, como bem se decidiu no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em 21.04.2005, no `âmbito do processo n.º 05B725, relatado pelo Excelentíssimo Conselheiro Oliveira Barros, que expressamente resume tal questão do modo seguinte: “Não pode, por conseguinte, considerar-se acto gratuito uma partilha em que - tal como celebrada pela forma solene que a lei exigia - houve lugar a tornas, sendo indiferente para o efeito da classificação desse acto como oneroso o facto de, em contrário do declarado, não terem sido efectivamente recebidas”.
12.º-Pelo que a, aliás, douta decisão recorrida, ao aderir à interpretação de que a partilha extrajudicial em causa constitui negócio gratuito, fez uma errada interpretação e aplicação das normas constantes dos art.610º e 612º do Código Civil.
13.º -Ao invés, a partilha de bens, com pagamento de tornas, constitui negócio oneroso, pelo que a procedência da impugnação pauliana depende da prova da má-fé dos intervenientes.
14.º -Essa má-fé não está comprovada nos autos.
15.º-Como, de resto, o M.mo Juiz recorrido reconhece na Motivação da Matério de Facto quando expressamente afirma que “ … as testemunhas inquiridas nada sabiam sobre as circunstâncias familiares que levaram à outorga da partilha e, por outro lado, à data do acto impugnado, nem os primeiros Réus, nem as sociedades comerciais de estes eram sócios denotavam encontrarem-se numa situação económica difícil. E se não denotavam, mais difícil seria que tal circunstância fosse do conhecimento das Rés M. C. e D. P.. Repare-se que à data do acto impugnado as sociedades que vieram a ser declaradas insolventes não levantavam receios às instituições de crédito que com elas trabalhavam, como foi documentalmente demonstrado (cfr. fls. 116 a 125), e que o vencimento das dívidas da Autora só veio a ocorrer cerca de um ano depois da celebração do acto impugnado. E se não havia esse conhecimento, não se pode dizer que houvesse, de igual modo, um qualquer conhecimento sobre um eventual prejuízo para a Autora com a celebração do acto impugnado ou uma intenção de a prejudicar…”
16.º-Consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada, por violação das citadas normas dos arts. 610º e 612º do Código Civil e substituída por douta decisão de Vossas Excelências que julgue a presente acção improcedente, por não provada, com as legais consequências.
17.º - SEM PRESCINDIR: todavia, caso assim se não entenda – o que se não concebe, nem concede – certo é que o valor global actualizado do acervo hereditário não é de 339.499,17 €uros, ao contrário do que afirma, in fine, o M.mo Juiz recorrido na, aliás, douta decisão que ora se impugna, pois aquele montante do património comum há que descontar-se a quantia de 61.570,00 €uros dada como assente na alínea y) dos Factos Provados resultante do ónus que provém do usufruto em benefício da viúva e meeira nos bens comums, a co-Ré M. C., sobre os prédios descritos nas alíneas u), v), w) e x) dos Factos Provados.
18.º -Pelo que o valor global actualizado do acervo hereditário, para efeitos da presente acção de impugnação pauliana, apenas poderá ser o montante de 277.929,17 €uros (339.499,17 € - 61.570,00 €) : 2 = 138.964,58 € : 3 = 46.321,26 €uros.
19.º-Será este o montante de 46.321,26 €uros, e não o de 56.583,19 €uros, que constitui o quinhão do Réu Jorge na herança aberta por óbito de seu pai A. J. e pelo qual responderá, na eventual improcedência do presente recurso, o que humildemente dizemos não esperar!
20.º-Por outro lado, ainda para a eventual procedência da presente acção – o que se não concebe – certo é que a Apelada Banco X, crl, instaurou contra o aqui Réu Jorge a acção declarativa com o n.º200/14.6 T8VLN, que corre termos no Juízo Local Cível - Juiz 2, nesta comarca, por via da qual peticiona, relacionado com os créditos aludidos nas alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i) e j) dos Factos Assentes, o seguinte:

- declarar-se nulo por simulado o negócio de compra e venda, com data de 18 de Abril de 2013, transcrito no ponto 109.º desta petição
-Determinar-se o cancelamento do registo de aquisição a favor da ré sociedade, a que se refere a apresentação n.º 2902 de 2013.04.29, que incide sobre a fracção descrita sob o n.º73-CZ, freguesia de Valença.

CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA

- Julgar-se procedente a impugnação pauliana do negócio de compra e venda ojecto dessa escritura de 18 de Abril de 2013, reconhecendo-se à autora o direito à restituição da raiz da fracção autónoma na medida do seu interesse, podendo executá-la no património da ré sociedade”Cfr.doc.1, cuja junção ao presente recurso se requer ao abrigo do disposto no art.423º, n.º3, do CPC, uma vez que o mesmo se torna necessário para prova do ora alegado, em virtude do teor da decisão de que ora se recorre
21.º -Tal acção tem como causa de pedir a transmissão que o co-Réu Jorge efecuou em 18.04.2013 do prédio descrito na verba n.º1 da escritura pública de partilha e que se mostra identificado na alínea u) dos Factos Provados: estabelecimento comercial no 1º andar do prédio urbano sito na Avenida …, na freguesia e concelho de …, inscrito na matriz urbana respectiva sob o art. ... Cfr.doc.1
22.º -Nesse processo foi proferida sentença em 05.07.2016, que julgou a acção procedente, todavia, pelo douto acórdão desta Relação de 09.03.2017, foi “anulada a sentença recorrida e determinado, ao abrigo do disposto no art.662º, n.º2, al. d) do CPC, a remessa aos autos à 1ª instância a fim de o tribunal recorrido fundamentar a decisão de facto nos termos atrás referidos, referente à materialidade constante dos factos vertidos nos pontos 3.74, 3.75, 3.76, 3.77, 3.80, 3.81 e 3.84 dos Factos Provados, tendo em conta a prova produzida, ou repetindo a produção da prova se necessário, especificando em que concretos meios probatórios baseou a sua convicção e respectivas razões, bem como, sanar a assinalada contradição entre o facto vertido no ponto 3.75 dos Factos Provados e a motivação.”Cfr.doc.2 e 3, cuja junção ao presente recurso se requer ao abrigo do disposto no art.423º, n.º3, do CPC, uma vez que o mesmo se torna necessário para prova do ora alegado, em virtude do teor da decisão de que ora se recorre
23.º-Nesta data, encontra-se tal processo a aguardar que a M.ma Juiz dele titular se pronuncie nos termos determinados pela Relação.
24.º -A julgar-se procedente aquela acção, tal como esta – o que se não espera - a respectiva decisão colidirá com o objecto parcial desta, pois nesta encontra-se englobado o valor do prédio identificado na alínea u) dos Factos Provados - de 8.600,00 €uros, para a raiz, e de 2.150,00 €, para o usufruto, no total de 10.750 €uros – obteria a A. e aqui Apelada uma dupla garantia de pagamento, de forma indevida e ilegítima, sobre o mesmo bem, porquanto receberia o valor dessa loja como integrante no montante do acervo hereditário e consequente quinhão do Apelante Jorge na herança de seu pai, por via da presente acção, e pela outra, o respectivo valor patrimonial !
25.º -Pelo que, para a eventualidade da presente acção ser julgada procedente - o que se não concebe - deverão Vossas Excelências excluir do âmbito da garantia do pagamento peticionado, o valor da loja identificada na alínea u) dos Factos Provados, acima mencionado, ou, em alternativa, a impossibilidade da aqui Apelada, naquela acção com o n.º200/14.6 T8VLN, que corre termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo - Juiz 2, em caso de igual procedência do pedido nela formulado, de se fazer pagar pelo produto da venda da mesma.
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A Autora contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

1.ª -O recorrente não concretiza nem prova qualquer situação que pudesse justificar a junção às suas alegações dos 3 documentos que junta e, por isso, esses documentos não podem ser admitidos, nem considerados na decisão a proferir - vd. art.s.º 423.º, 425.º e n.º 1, 651.º CPC.
2.ª -A partilha efetuada pelos réus é um negócio gratuito, dispensando-se, por isso, para efeitos de impugnação pauliana, a verificação do requisito da má-fé dos réus- vd. arts.º 610.º e 612.º C e entre outros, ac. STJ de 16.04.2013, processo n.º 1744/05.6TBAMT, in www.dgsi.pt
3.ª -O valor dos bens dos imóveis resulta do teor do relatório pericial de fls. 166 a 173, sendo, de resto, esse o valor que consta dos factos provados nas alíneas u) a x) e, por isso, ascendendo o valor global do acervo hereditário à quantia de € 339 499,17 será este o valor a atender para efeito de apuramento do valor do quinhão do réu/recorrente.
4.ª -O recorrente em momento algum invocou que na eventual procedência desta ação e da ação n.º 200/14.6T8VLN, a autora obteria uma indevida dupla garantia de pagamento do mesmo crédito, não podendo, agora, em sede de recurso, submeter ao tribunal a apreciação dessa questão nova- vd. n.º 2 art.º 608.º do CPC.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II—Delimitação do Objecto do Recurso

A questão decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste essencialmente em saber se estão verificados os requisitos da impugnação pauliana nomeadamente no que se refere à natureza gratuita ou onerosa do acto de partilha.
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III—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS (elencados na sentença)

a) Em 4 de Junho de 2013, a Autora intentou no Tribunal Judicial de Viana do Castelo a execução comum nº 1579/13.2TBVCT contra a sociedade A – Materiais de Construção, Lda. e os Réus Jorge e Maria;
b) Essa execução tem por objecto os seguintes três contratos, celebrados com a sociedade indicada na alínea a) e avalizados pessoalmente em livranças pelos Réus Jorge e Maria, nas datas da celebração de cada um dos contratos, pelos réus aí também referidos:
. Contrato nº …, de crédito em conta-corrente, celebrado em 7 de Outubro de 2008, por montantes de € 12.500,00, ou múltiplos desse valor, até ao limite de € 125.000,00, cujo vencimento se verificou em 7 de Janeiro de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, o montante de € 130.776,43;
. Contrato nº …7, de empréstimo, celebrado em 1 de Novembro de 2012, no valor de € 9.500,00, com reembolso do capital em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, com juros remuneratórios à taxa líquida de 9,3900%, a pagar em conjunto com as prestações e na proporção devida, e cujo vencimento se verificou em 1 de Fevereiro de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, a quantia de € 9.621,34;
. Contrato nº …4, de crédito por descoberto em conta, celebrado em 28 de Setembro e 2012, até ao limite máximo de € 9.500,00, cujo vencimento se verificou em 31 de Janeiro de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, a quantia de € 217,79;
c) Em 4 de Junho de 2013, a Autora propôs no Tribunal Judicial de Viana do Castelo a execução comum nº 1583/13.0TBVCT contra a sociedade A II – Estúdios de Cozinha, Lda. e contra os Réus Jorge e Maria;
d) Essa execução tem por objecto os seguintes três contratos de empréstimo, celebrados com a sociedade supra indicada e avalizados pessoalmente em livranças pelos Réus Jorge e Maria, nas datas da celebração de cada um dos contratos, pelos réus aí também referidos:

. Contrato nº …7, de empréstimo em conta-corrente, celebrado em 7 de Outubro de 2008, por montantes de € 5.000,00, ou múltiplos desse valor, até ao limite de € 50.000,00, cujo vencimento se verificou em 7 de Janeiro de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, o montante de € 52.329,29;
. Contrato nº …3, de empréstimo, celebrado em 1 de Novembro de 2012, no valor de € 9.500,00, com reembolso do capital em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, com juros remuneratórios à taxa líquida de 9,3900%, a pagar em conjunto com as prestações e na proporção devida, e cujo vencimento se verificou em 1 de Fevereiro de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, a quantia de € 9.621,34; . Contrato nº …0, de crédito por descoberto em conta, celebrado em 28 de Setembro de 2012, até ao limite máximo de € 9.500,00, cujo vencimento se verificou em 27 de Abril de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, a quantia de € 3.223,73;
e) Em 4 de Junho de 2013, a Autora propôs no Tribunal Judicial de Viana do Castelo a execução comum nº 1580/13.6TBVCT contra a sociedade A III – Estúdios de Cozinha B, Lda. e contra os Réus Jorge e Maria;
f) Essa execução tem por objecto os seguintes três contratos de empréstimo, celebrados com a sociedade supra indicada e avalizados pessoalmente em livranças pelos Réus Jorge e Maria, nas datas da celebração de cada um dos contratos, pelos réus aí também referidos:

. Contrato nº …2, de empréstimo em conta-corrente, celebrado em 7 de Outubro de 2008, por montantes de € 5.000,00, ou múltiplos desse valor, até ao limite de € 50.000,00, cujo vencimento se verificou em 7 de Janeiro de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, o montante de € 52.327,74;
. Contrato nº …5, de empréstimo, celebrado em 1 de Novembro de 2012, no valor de € 9.500,00, com reembolso do capital em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, com juros remuneratórios à taxa líquida de 9,3900%, a pagar em conjunto com as prestações e na proporção devida, e cujo vencimento se verificou em 1 de Fevereiro de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, a quantia de € 9.621,34;
. Contrato nº ...82, de crédito por descoberto em conta, celebrado em 28 de Setembro de 2012, até ao limite máximo de € 9.500,00, cujo vencimento se verificou em 27 de Abril de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, a quantia de € 10.117,22;
g) Em 4 de Junho de 2013, a Autora propôs no Tribunal Judicial de Viana do Castelo a execução comum nº 1582/13.2TBVCT contra a sociedade A IV – Estúdios de Cozinha B, Lda. e contra os Réus Jorge e Maria;
h) Essa execução tem por objecto os seguintes três contratos de empréstimo, celebrados com a sociedade supra indicada e avalizados pessoalmente em livranças pelos Réus Jorge e Maria, nas datas da celebração de cada um dos contratos, pelos réus aí também referidos:
. Contrato nº …03, de empréstimo em conta-corrente, celebrado em 7 de Outubro de 2008, por montantes de € 5.000,00, ou múltiplos desse valor, até ao limite de € 50.000,00, cujo vencimento se verificou em 7 de Janeiro de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, o montante de € 52.327,74;
. Contrato nº …80, de empréstimo, celebrado em 1 de Novembro de 2012, no valor de € 9.500,00, com reembolso do capital em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, com juros remuneratórios à taxa líquida de 9,3900%, a pagar em conjunto com as prestações e na proporção devida, e cujo vencimento se verificou em 1 de Fevereiro de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, a quantia de € 9.621,34;
. Contrato nº …51, de crédito por descoberto em conta, celebrado em 28 de Setembro de 2012, até ao limite máximo de € 9.500,00, cujo vencimento se verificou em 27 de Abril de 2013, encontrando-se em dívida, na data da propositura da acção executiva, a quantia de € 3.526,59;
i) Em 4 de Junho de 2013, o total em dívida pelos primeiros Réus à Autora ascendia a € 343.372,27;
j) Desde então, e até 12.01.2015, venceram-se juros de mora no valor de € 25.539,12;
k) No dia 26 de Janeiro de 2012, no Cartório Notarial de António, sito na Alameda …, em Viana do Castelo, M. C., D. P. e Jorge, casado com M. M. declararam proceder à partilha dos bens pertencentes à herança aberta por óbito de A. J., falecido no dia 8 de Janeiro de 2010, no estado de casado em primeira núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral de bens com M. C., sem ter deixado testamento, nem qualquer outra manifestação de última vontade, conforme se retira de fls. 86 a 90 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
l) Nos termos da supra referida escritura pública de partilha foram partilhados quatro prédios, a saber, (i) uma fracção autónoma designada pelas letras “CZ”, correspondente a um estabelecimento comercial, situada na Avenida …, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº … (verba nº 1), (ii) prédio urbano composto de rés-do-chão, primeiro andar, anexos e logradouro, situado no lugar …, Rua …, freguesia de …, Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … (verba nº 2), (iii) fracção autónoma designada pela letra “O”, correspondente à loja nº 15, no rés-do-chão, lado norte, a qual faz parte do prédio urbano situado em …, Edifício …, Rua …, freguesia de …, Viana do Castelo, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº … (verba nº 3), e (iv) um prédio urbano composto de rés-do-chão e logradouro situado no lugar de …, Rua …, Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … (verba nº 4);
m) E ainda (i) uma sepultura perpétua, no valor de € 100,00 (verba nº 5), (ii) veículo automóvel de marca Volkswagen, modelo Polo, de matrícula OV, no valor de € 5.000,00 (verba nº 6), (iii) veículo automóvel de marca Volkswagen, modelo Golf, de matrícula XB, no valor de € 7.000,00 (verba nº 7), (iv) conta bancária no Banco T, S.A., no valor de € 1.785,37 (verba nº 8), (v) 687 acções no valor nominal de € 3,18 cêntimos cada, na empresa, Energias de Portugal, S.A., com o valor total de € 2.184,66 (verba nº 9), (vi) 1351 acções no valor nominal de 0,92 cada, na empresa Banco C, S.A., com o valor total de € 1.242,92 (verba nº 10), (vii) 300 acções no valor nominal de € 1,35 cada, na empresa SG – Soluções Automóvel Globais SGPS, S.A., com o valor total de € 405,00 (verba nº 11); (viii) 3215 acções no valor nominal de € 0,94 cada, na empresa SN – SGPS, S.A., com o valor total de € 3.022,10 (verba nº 12), (ix) 218 acções no valor nominal de € 2,75 cada, na empresa SN Indústria – SGPS, S.A., com o valor total de € 599,50 (verba nº 13), (x) 402 acções no valor de € 0,83 cada, na empresa SN Capital SGPS, S.A., com o valor total de € 333,66 (verba nº 14), (xi) 997596 títulos no valor de 0,01 cada, na conta 00003163177800, no Banco T, S.A., com o valor total de € 9.975,96;
n) Nos termos do referido instrumento, à primeira outorgante, M. C. foi adjudicado o usufruto dos prédios das verbas nºs. 1, 2, 3 e 4;
o) À segunda outorgante, D. P., foi adjudicada a raiz ou nua propriedade dos prédios das verbas nºs. 2, 3 e 4 e a verba nº 5;
p)Ao terceiro outorgante, Jorge, foi adjudicada a raiz ou nua propriedade do prédio da verba nº 1 e as verbas nºs. 6 a 15;
q) No referido instrumento, o terceiro outorgante declarou ter recebido da segunda outorgante, a título de tornas, a quantia de dinheiro no valor de € 5.392,36;
r) No referido instrumento, a primeira outorgante declarou ter recebido da segunda outorgante, a título de tornas, a quantia de dinheiro no valor de € 143.366,11;
s) A Ré D. P. não entregou à Ré sua mãe o valor de € 143.366,11 que esta declarou ter recebido na escritura pública supra mencionada;
t) A Ré D. P. é médica, auferindo um vencimento mensal superior a € 4.000,00;
u) O prédio descrito na verba nº 1 da escritura pública de partilha mencionada nas alíneas k) a m) tem o valor, sem ónus, de € 10.750,00 (raiz: € 8.600,00);
v) O prédio descrito na verba nº 2 da escritura pública de partilha mencionada nas alíneas k) a m) tem o valor, sem ónus, de € 166.900,00 (raiz: € 133.520,000);
w) O prédio descrito na verba nº 3 da escritura pública de partilha mencionada nas alíneas k) a m) tem o valor, sem ónus, de € 61.600,00 (raiz: € 49.280,00);
x) O prédio descrito na verba nº 4 da escritura pública de partilha mencionada nas alíneas k) a m) tem o valor, sem ónus, de € 51.450,00 (raiz: € 54.880,00);
y) O direito de usufruto incidente sobre os prédios descritos nas supra referidas verbas tem o valor de € 61.570,00 (€ 2.150,00 + € 33.380,00 + € 12.320,00 + € 13.720,00);
z) No processo executivo nº 1579/13.2TBVCT, instaurado pela aqui Autora contra A – Materiais de Construção, Lda., Jorge e M. M., foi penhorado 1/3 do vencimento que a executada Maria aufere no Agrupamento de Escolas no valor de € 2.231,37, o saldo bancário de € 715,55 na conta de depósitos à ordem com o nº … do Banco Y, S.A., titulada pela executada Maria, e o quinhão hereditário desta executada na herança indivisa aberta por óbito de M. C.;
aa) No processo executivo nº 1580/13.6TBVCT, instaurado pela aqui Autora contra A III – Estúdio de Cozinhas B., Lda., Jorge e M. M., foi penhorado 1/3 do vencimento que a executada Maria aufere no Agrupamento de Escolas no valor, à data da penhora, de € 677,43, e o quinhão hereditário desta executada na herança indivisa aberta por óbito de M. C.;
bb) No processo executivo nº 1582/13.2TBVCT, instaurado pela aqui Autora contra A IV – Estúdio de Cozinhas P, Lda., Jorge, M. M. e João, foi penhorado um crédito do executado João no valor de € 263,48, bens móveis pertencentes a este executado no valor global de € 2.350,00, a fracção AC, destinada a habitação, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, pertencente ao executado João e o quinhão hereditário da executada Maria na herança indivisa aberta por óbito de M. C.;
cc) No processo executivo nº 1583/13.0TBVCT, instaurado pela aqui Autora contra A II–Estúdios de Cozinhas, Lda., Jorge e M. M., foi penhorado o quinhão hereditário da executada Maria na herança indivisa aberta por óbito de M. C.;
dd) A sociedade A – Materiais de Construção, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 25 de Outubro de 2013, transitada em julgado em 20 de Novembro do mesmo ano, no âmbito do processo nº 1240/13.8TBVCT, que correu termos no extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo;
ee) A sociedade A II–Estúdios de Cozinha, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 17 de Outubro de 2013, transitada em julgado em 11 de Novembro do mesmo ano, no âmbito do processo nº 1152/13.TBEPS que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende;
ff) A sociedade A IV – Estúdios de Cozinha P, Lda. encontra-se sob um Plano Especial de Revitalização decidido pela sentença homologatória proferida em 24 de Novembro de 2014, transitada em julgado no dia 26 de Fevereiro de 2016, no âmbito do processo nº 800/13.1TYVNG, que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia.

2 – Factos não provados

Da petição inicial: artigos 113º, 117º, 119º, 120º a 132º, 133º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea s), 134º a 136º, 137º a 140º, 145º a 147º.
Da contestação: artigo 26º.
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Questão prévia : admissibilidade de junção de documentos

A Recorrida suscitou a questão da inadmissibilidade da junção de documentos pelo Recorrente, nesta fase de recurso.
Entende que o Recorrente não concretiza nem prova qualquer situação que pudesse justificar a junção às suas alegações dos 3 documentos que junta.
Os documentos destinados a comprovar os factos controvertidos essenciais devem ser apresentados com o articulado do qual conste a respectiva alegação, ou, até 20 dias antes da data marcada para a realização da audiência final, mas com pagamento de multa (art. 423.º, n.º 1 e 2 do CPCivil.)
Após este limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior—n.º 3 do citado art. 423.º.
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento (art. 425.º do CPC).
Em sede de recurso, as partes podem juntar documentos nas referidas situações excepcionais previstas no artigo 425.º do CPCivil, ou seja, nos casos de superveniência subjectiva ou objectiva, o que não foi invocado pela recorrente, ou então, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância-cfr. art. 651.º do C.P.Civil.
No caso concreto, a junção de três documentos (cópia de escritura notarial e duas decisões judiciais) teve como propósito comprovar a pendência de outra acção, a qual, na opinião do Recorrente, a ser julgada procedente irá colidir com o objecto parcial desta, por se encontrar englobado o valor do prédio identificado na alínea u) dos Factos Provados - de 8.600,00 €uros, para a raiz, e de 2.150,00 €, para o usufruto, no total de 10.750 €uros, obtendo a Recorrida uma dupla garantia de pagamento.

Pede, em consequência, que, para a eventualidade da presente acção ser julgada procedente a exclusão do âmbito da garantia do pagamento peticionado, o valor da loja identificada na alínea u) dos Factos Provados, acima mencionado, ou, em alternativa, a impossibilidade da aqui Apelada, naquela acção com o n.º200/14.6 T8VLN, que corre termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo - Juiz 2, em caso de igual procedência do pedido nela formulado, de se fazer pagar pelo produto da venda da mesma.

Portanto, os documentos não se destinaram a provar qualquer facto alegado na presente acção mas apenas demonstrar a pendência de outra acção judicial que contende, parcialmente, com o objecto desta.

Por outras palavras, não se trata de documentos destinados a provar factos que integram o objecto da presente acção mas apenas para confirmar as alegadas peças processuais, daí serem admissíveis.
Porém, o pedido agora formulado nesta fase de recurso consubstancia uma questão nova, cujo conhecimento está vedado ao tribunal de recurso.

Como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 04/05/2017 (Processo n.º 109/14.3TBALJ.G1), à excepção das questões de conhecimento oficioso, tem vindo a ser pacificamente entendido, no sistema jurídico português os recursos ordinários são de reponderação, visando a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal a quo quando a proferiu. E por isso é que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados.

Neste sentido, o Acórdão do Supremo do Tribunal de Justiça, de 02/11/2017 (1), reitera este entendimento consignando que “No nosso direito processual, os recursos ordinários, por regra, são recursos de ponderação, não podendo o tribunal superior ser chamado a decidir questões de facto ou de direito que não tenham sido colocadas na instância recorrida mas apenas reapreciar a decisão proferida pelo tribunal hirerarquicamente inferior, a não ser que se trate de matéria de conhecimento oficioso.” (2)
Não tendo sido apreciada esta questão pelo tribunal a quo, logicamente que estamos perante um pedido e fundamentos novos, razão pela qual é legalmente inadmissível o seu conhecimento.
Concluindo, admite-se a junção dos mencionados “documentos” uma vez que se justifica a apresentação dos mesmos apenas para comprovar peças processuais de uma outra acção judicial e não se conhece do mencionado pedido.
*
IV—DIREITO

A discordância do Recorrente prende-se apenas com a questão de saber se a partilha celebrada, por escritura notarial, do acervo hereditário de A. J. e da meação da viúva, é um negócio oneroso uma vez que não ficou demonstrada a má-fé dos Réus.

A impugnação pauliana apresenta-se como uma forma de garantia geral das obrigações, salvaguardando a garantia consagrada no art. 601º do C. Civil, que, segundo Almeida Costa (3), consagra o princípio geral da responsabilidade patrimonial ilimitada do devedor.

Nos termos do art. 610.º do C. Civil, os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.

São, assim, requisitos gerais da impugnação:

A) Prejuízo causado pelo acto impugnado, à garantia patrimonial;
B) Anterioridade do crédito em relação ao dito acto.
C) Para os actos que tenham sido realizados a título oneroso, o art. 612º do CCivil exige um terceiro requisito, o da má-fé dos contraentes, considerando-se má-fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.

Incumbe ao credor, nos termos do art. 611º do citado Código, a prova do montante das dívidas e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

No dia 26 de Janeiro de 2012, no Cartório Notarial, identificado nos autos, o Recorrente, M. C., D. P., respectivamente mãe e irmã daquele, declararam proceder à partilha dos bens pertencentes à herança aberta por óbito de A. J., falecido no dia 8 de Janeiro de 2010, no estado de casado em primeira núpcias e sob o regime da comunhão geral de bens com M. C., sem ter deixado testamento.
No caso em apreciação, como acima se referiu, apenas está em causa saber se a partilha de bens realizada, por escritura notarial, entre o Recorrente, a mãe e irmã, é um acto a título oneroso, hipótese em que é exigida a má-fé dos intervenientes, o que não se provou, ou gratuito.

Por conseguinte, para decidir esta questão, é fundamental recordar as noções de onerosidade e gratuitidade do acto.

Segundo A. Varela (4), oneroso é “o contrato em que a atribuição patrimonial efectuada por cada um dos contraentes tem por correspectivo, compensação ou equivalente a atribuição da mesma natureza proveniente do outro. É gratuito o contrato em que, segundo a comum intenção dos contraentes, um deles proporciona uma vantagem patrimonial ao outro, sem qualquer correspectivo ou contraprestação.
A herança, nos termos do art. 2025.º do C.Civil, constitui uma universalidade de direito que integra situações jurídicas activas e passivas, em que a responsabilidade dos herdeiros não ultrapassa o valor dos bens que recebem. (5)
Havendo acordo entre os interessados, a partilha da herança é realizada nas conservatórias ou por via notarial e, em qualquer outro caso, por meio de inventário, nos termos previsto na lei especial (art. 2102.ºCC).
A composição dos quinhões dos herdeiros, através da distribuição dos bens pelos herdeiros, de forma, sempre que possível, igualitária, consubstancia um acto de partilha dos bens que compõem o acervo hereditário.

Através do fenómeno sucessório, a universitas iuris, constituída pelo conjunto das relações jurídicas do de cujus, destina-se a ser atribuída aos sucessores chamados, por forma a ficarem titulares das mesmas, e em consequência, a devolver-lhes os bens que a integram (cfr. art. 2024.ºCC)
Por conseguinte, tendo presente a noção de onerosidade do acto, conclui-se que a divisão de bens pelos herdeiros, em consequência da sucessão hereditária ou de separação de meações, não pode ser considerada uma atribuição patrimonial vantajosa à qual corresponde uma contraprestação equivalente.

Como explica, de forma muito elucidativa Lopes Cardoso (6), na transmissão inter vivos a transferência opera-se, de um modo geral, por vontade do proprietário (compra e venda, doação, transacção), a título gratuito ou oneroso, enquanto que, nas transmissões mortis causa, resulta do falecimento do respectivo titular e é sempre sem contrapartida, isto é, gratuitamente.

Acompanhamos, nesta conformidade, a sentença recorrida e o Acórdão do STJ de 16/04/2013, ali citado, sobre a natureza da partilha em vida quando se refere que “quanto ao negócio da partilha em vida (art.º 2029.º do CC) cabe referir que a doutrina e jurisprudência são praticamente unânimes (…) no que toca à sua qualificação como um contrato de doação (art.º 940.º, n.º 1 do CC) e, portanto, como um negócio gratuito, ou seja, um negócio em que não existe nenhuma contrapartida pecuniária em relação à transmissão dos bens, já que importa sacrifícios económicos apenas para uma das partes - o doador”.

Portanto, não tem relevância a obrigação de pagamento de tornas e o efectivo recebimento pelo credor, quer na transmissão mortis causa quer na partilha em vida, na medida em que essa obrigação resulta da adjudicação de bens cujo valor total excede o quinhão do herdeiro em causa, logrando-se, dessa forma, o respeito pelo princípio da igualação da partilha (cfr. art. 60.º RJPI).

Assim, concorda-se com o raciocínio exposto na sentença no sentido de que as tornas não podem qualificar-se como uma contraprestação correspectiva do recebido mas apenas como forma de igualar a composição dos quinhões de acordo com o título, lei, testamento ou contrato.

Nos termos do art. 616º, nº 1, do C. Civil, julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

Acrescenta-se no n.º 4, do mesmo preceito, que os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.
Ao pressupor a validade do acto impugnado, a acção de impugnação pauliana tem natureza meramente obrigacional (7), permitindo ao credor prejudicado pelo acto, a execução dos bens no património do obrigado à sua restituição.

No caso concreto, e em termos práticos, a Recorrida pode executar, nas execuções pendentes, os bens que nomeou à penhora.
O Recorrente manifestou ainda a sua discordância sobre o valor total actualizado do acervo hereditário por considerar que se deve descontar a quantia de 61.570,00 €uros, dada como assente na alínea y) dos Factos Provados, resultante do ónus que provém do usufruto em benefício da viúva e meeira nos bens comums, a co-Ré M. C., sobre os prédios descritos nas alíneas u), v), w) e x) dos Factos Provados.

Sobre esta questão entendeu-se, na sentença, que o valor da responsabilidade do Réu Jorge, tendo em conta os valores que resultaram da avaliação pericial realizada nos autos (alíneas u) a x)), tem como limite o valor do seu quinhão hereditário (€ 339.499,17).

E, na verdade, está correcto o cálculo efectuado na sentença que seguiu as regras plasmadas no artigo 59.º, n.º 2 do RJPI, ou seja, apurou a importância total do activo, somando o valor dos bens conforme a avaliação.
Apenas as dívidas, legados e encargos, que devam ser abatidos, podem ser deduzidos àquele valor.
Os encargos da herança estão expressamente previstos no artigo 2068.º do C.Civil : a herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido e pelo cumprimento dos legados.
O usufruto é um direito real que possibilita o gozo temporário e pleno de uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância (cfr. art. 1439.º e segs do C.C.). Não é qualificado como encargo ou ónus.
Pelas razões aduzidas, deve ser julgado improcedente o recurso e mantida a sentença.
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V- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso, e em consequência, confirmam a sentença.
Custas pelo Apelante.
Notifique e registe.
*
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Guimarães, 24 de Maio de 2018


(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)


1. Disponível em www.dgsi.pt
2. V. ainda Geraldes, António Santos Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.º edição, Almedina, pág. 27.
3. Direito das Obrigações, pág. 588.
4. Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, Almedina, pág. 352.
5. Cfr. Augusto Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. I, 6.ª edição, pág. 81.
6. Ob. cit., pág. 84.
7. Neste sentido v. Lima, Pires de, Varela, Antunes, Código Civil Anotado, I, p. 633, nota 1.