Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4408/16.1T8VCT.G1.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: DANO PATRIMONIAL FUTURO
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. O chamado “cálculo dos danos futuros” não é um verdadeiro cálculo, porque assenta em dados futuros não conhecidos nem cognoscíveis, e envolve por isso um elemento inevitável de arbítrio.

2. Assim, estamos a lidar com uma ficção; o montante que importa encontrar é uma previsão feita em abstracto, que apenas está ligada à realidade pelos ténues laços dos factos concretos do presente.

3. Por isso, não se trata de fazer complexos cálculos matemáticos, mas apenas de encontrar um valor que seja equitativo.

4. Considerando que desde o acidente à consolidação das lesões decorreram cerca de 7 meses, o autor ficou a padecer de um défice permanente de integridade físico-psíquica de 3 pontos, compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando esforços suplementares, à data do acidente tinha 52 anos e exercia a profissão de distribuidor postal, e auferia um vencimento mensal de cerca de €1.200,00, é justa a indemnização de €10.000,00 a título de danos futuros.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1. O chamado “cálculo dos danos futuros” não é um verdadeiro cálculo, porque assenta em dados futuros não conhecidos nem cognoscíveis, e envolve por isso um elemento inevitável de arbítrio. 2. Assim, estamos a lidar com uma ficção; o montante que importa encontrar é uma previsão feita em abstracto, que apenas está ligada à realidade pelos ténues laços dos factos concretos do presente. 3. Por isso, não se trata de fazer complexos cálculos matemáticos, mas apenas de encontrar um valor que seja equitativo. 4. Considerando que desde o acidente à consolidação das lesões decorreram cerca de 7 meses, o autor ficou a padecer de um défice permanente de integridade físico-psíquica de 3 pontos, compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando esforços suplementares, à data do acidente tinha 52 anos e exercia a profissão de distribuidor postal, e auferia um vencimento mensal de cerca de €1.200,00, é justa a indemnização de €10.000,00 a título de danos futuros.

I- Relatório

F. F. instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra A. Seguros, S.A., actualmente SEGURADORAS X, S.A., pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 50.491,96 acrescida dos juros legais contados desde a citação, até efectivo e integral pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, a ocorrência de um acidente de viação, que imputa a culpa única e exclusiva da condutora do veículo seguro na Ré.

Do acidente advieram-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais dos quais pretende ser ressarcido.

A Ré contestou nos termos do articulado de fls. 59 e ss, aceitando a responsabilidade pelo acidente, impugnando contudo os factos alegados quanto às consequências do mesmo.

Teve lugar a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, e a final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 20.040,00, sendo € 15.040,00, a título de danos patrimoniais e € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais; a pagar ao autor os juros à taxa de 4% (Portaria 291/03, de 8Abr): de mora desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais; desde a data da sentença até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais.

No mais, julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do restante peticionado.

Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1- O presente recurso, surge como reacção, apenas e tão só, quanto ao montante arbitrado pelo douto Tribunal "a quo" a título de lucro cessante, ajuda de terceira pessoa e dano não patrimonial.
2- O autor em consequência do acidente dos autos, ficou a padecer de uma Incapacidade Geral Permanente Parcial de 3%, tinha 52 anos de idade e auferia o salário de € 1.200,00.
3- Tendo em conta os elementos objectivos em que assenta o cálculo da indemnização e partindo dos critérios utilizados pelo douto Tribunal "a quo", o valor apurado é de 5.000€, ao qual terá de ser reduzida a verba que o recorrido recebeu da sua entidade patronal a título de Incapacidade Parcial Permanente, pelo que o valor a arbitrar será de 2.790€.
4- Não resultou provado que o autor tenha suportado qualquer custo a título de ajuda de terceira pessoa, ou que a sua esposa, pessoa que lhe prestou auxílio tenha tido qualquer perda de rendimento.
5- O dever de assistência é um dever consagrado no nosso ordenamento jurídico, pelo que, não poderá a ora recorrente ser condenada a pagar qualquer montante a este título, quando não se provou a perda de qualquer rendimento por parte da esposa do recorrido.
6- A douta sentença condenou a recorrente a pagar a quantia de 5.000,00 euros a título de dano não patrimonial. No modesto entender da recorrente a Sentença, também aqui pecou por excesso, não atendendo aos reais critérios de justiça e ponderação para onde se dirige este princípio.
7- Por termos de referência, sempre atendíveis, nestes casos, a nossa jurisprudência, mormente a dos tribunais superiores, em casos similares, nos mais variados arestos, fixou quantias muitíssimo inferiores à determinada na douta Sentença, tendo em conta o Quantum Doloris de grau 3 que foi fixado, é entendimento da recorrente que o valor a arbitrar será de 2.500€.
8- Violou a douta sentença o disposto nos artigos 494°, 562°, 563°, 564° e 566° nº 3, todos do Cód. Civil.

O recorrido contra-alegou, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrição):

Por douta sentença proferida a 17/01/2018 foi a acção intentada pelo Autor julgada parcialmente procedente e a Ré condenada no pagamento da quantia global de €20.040,00 ao Autor.
Inconformada com a decisão supra mencionada, veio a Ré apresentar o presente recurso jurisdicional, sem qualquer fundamento.
O presente recurso não deverá ser admitido porquanto o mesmo não foi interposto correctamente.
Estatui o artigo 637º do NCPC, no tocante ao modo de interposição do recurso, que os recursos se interpõem por meio de requerimento dirigido ao Tribunal “a quo”, no qual se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto.
Não sendo este normativo respeitado, está o Tribunal impedido de apreciar qual a intenção manifestada pelo recorrente e ainda que seja inteligível o seu pedido, está também a parte contrária impedida de contra-alegar devidamente por não se saber em concreto qual o objecto do recurso apresentado.
Nestes termos e uma vez que a Recorrente/Ré não indicou a espécie, o efeito nem o modo de subida do recurso devem as alegações por si apresentadas ser não admitidas pelo Tribunal ou caso assim não se entenda ser a Ré convidada a aperfeiçoar as mesmas, sob pena de nulidade por violação do disposto no artigo 637º, nº 1 do NCPC.
Nas suas alegações de recurso a Ré fundamenta a sua reacção contra a douta
sentença proferida, no que respeita aos valores arbitrados a título de lucros cessantes, a ajuda de terceira pessoa e ao dano não patrimonial.
A Ré sustenta que o valor de € 10.000,00 arbitrado pelo Tribunal não se encontra correcto, defendendo que face aos elementos objectivos que resultaram provados nos autos, a indemnização deveria ter sido fixada em € 5.000,00.
Pelo exposto, facilmente se alcança a fundamentação explanada pelo Tribunal, sendo que a mesma utilizou os critérios meramente objectivos e sempre utilizados pelas Rés Companhias de Seguros, mas também se pautou por critérios orientadores e fixadores dos montantes indemnizatórios, há muito utilizados pelos tribunais superiores.
10ª Neste sentido deverá este segmento da decisão ser mantido por concreta e
correctamente apurado, tendo por base os princípios da equidade e da justiça material.
11ª Quanto à questão invocada pela Ré/Recorrente atinente ao valor arbitrado na douta sentença recorrida, a título de ajuda de terceira pessoa, pelo facto de não ter resultado provado que o A. tenha suportado qualquer custo a este título ou que a sua esposa, pessoa que lhe prestou auxílio tenha tido qualquer perda de rendimento.
12ª No tocante a este ponto em particular, está plasmado na douta sentença recorrida quer nos factos dados como provados sob os itens nºs 30 e 31, quer na motivação nos parágrafos §5 e §6 ter o Tribunal formado a sua convicção na prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, prova essa gravada.
13ª Pelo que, obriga o artigo 640º do NCPC, sob pena de rejeição que, caso seja
invocado erro na apreciação da prova, que é o que resulta das alegações da Recorrente ao afirmar que não resultou provado que o A. tenha suportado qualquer custo com terceira pessoa nem a sua esposa tenha tido perda de rendimento; deve o recorrente designar quais os meios de prova que infirmam as suas conclusões.
14ª Estes factos foram sujeitos a prova testemunhal e encontram-se registados/gravados; como bem se comprova pela sua importância e utilidade no segmento da decisão que a considera como meio de prova, prestado com clareza, isenção, objectividade, tendo sido convincente por sincera e esclarecedora dos factos.
15ª Por conseguinte e uma vez que a Recorrente/Ré não deu cumprimento ao disposto no artigo 640º do NCPC, devem as alegações por si apresentadas ser rejeitadas pelo Tribunal ou caso assim não se entenda ser a Ré convidada a aperfeiçoar as mesmas, sob pena de nulidade por violação do disposto no artigo 640º, nº 1 e nº 2 do NCPC.
16ª Caso assim não venha a ser entendido, deverá este segmento da decisão ser mantido por concreta e correctamente apurado, tendo por base os princípios da equidade e da justiça material.
17ª Finalmente, e quanto à quantificação dos danos não patrimoniais, entendeu a Ré/Recorrente ter o Tribunal na douta sentença recorrida, pecado por excesso ao arbitrar a quantia de €5.000,00; devendo no seu entender ter sido arbitrada a quantia de €2.500,00.
18ª Como de resto já foi referido, é entendimento do A./Recorrido não ser de apontar qualquer erro, falha ou condenação em excesso em toda a sentença, nomeadamente também no tocante à fixação do montante a título de danos não patrimoniais.
19ª Facilmente se comprova que o Tribunal não atendeu apenas ao “quantum doloris” fixado no grau 3 ao A., como quer fazer crer a Recorrente; mas antes formou a sua convicção tendo por base o somatório das dores, natureza das lesões, o “quantum doloris”, o lapso de tempo até à consolidação, o dano estético que o A. ficou portador, os incómodos e tratamentos a que se submeteu.
20ª Pois sempre se diga que o dano, ou os danos não patrimoniais são todos aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
21ª Sendo ainda certo que, no dano não patrimonial a fixar equitativamente pelo Tribunal, não poderá deixar de atender-se, nomeadamente, o (pretium doloris) ou compensação das dores físicas e angústias, que compreendem não só a valorização da dor física resultante dos ferimentos sofridos e dos tratamentos que implicaram, como a dor vivenciada do ponto de vista psicológico, o dano estético caracterizado por cicatrizes, deformações, dissimetrias e mutilações, com diminuição ou reflexo na beleza ou harmonia física do lesado; o dano da distracção ou passatempo, correspondente à privação de actividades extra-profissionais de carácter lúdico e o dano existencial ou de afirmação pessoal – vide Ac. STJ de 06/10/2016, Processo nº 1043/12.7TBPTL.G1.S1 * Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (diário da república, I série A, de 27 de Junho de 2002).
22ª Por tudo quanto foi alegado, não devem as alegações da Recorrente ser admitidas por falta de cumprimento do disposto nos artigos 637º, 640º, nºs 1 e 2 do NCPC, bem assim, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por carecer de total fundamento, mantendo-se a sentença proferida incólume.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em determinar os valores correctos a título de lucro cessante, ajuda de terceira pessoa e dano não patrimonial, sendo que quanto às referências formais feitas pelo recorrido, sobre o não recebimento do recurso, as mesmas estão já postergadas, pois o recurso de apelação foi, e bem recebido, sendo-lhe fixado o efeito, modo de subida e tempo de subida correctos. Resta assim, apenas conhecer da substância, que é justamente o fim do processo civil, sendo as questões de mera forma um escolho desnecessário.

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. No dia 16 de Janeiro de 2014, pelas 12:25 na Avenida …, Viana do Castelo, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo automóvel de matrícula FS e o veículo motorizado de matrícula EU, conduzido pelo Autor.
2. O veículo automóvel FS, conduzido por L. C., circulava na Avenida …, Areosa, no sentido norte/sul, quando na entrada para o parque de estacionamento do estabelecimento Auto R”, sem nada que o fizesse prever, mudou de direcção, virando à sua esquerda com o intuito de aceder a dito parque de estacionamento.
3. O Autor que conduzia o motociclo de matrícula EU, circulava na mesma
Avenida ..., Areosa, no sentido sul/norte, quando foi abalroado pelo veículo da 2ª Ré no momento em que esta realiza a manobra descrita em 1.2., embatendo com a sua parte frontal no vértice posterior direito daquele veículo.
4. A Ré suportou os custos da reparação do motociclo do A.
5. O local onde se deu o acidente de viação, a Avenida ..., Areosa, é composto por uma recta, de pavimento betuminoso, com boa visibilidade, com dois sentidos de trânsito e uma via em cada sentido, separada por uma linha descontínua (M2) e ladeada por bermas, tendo a do lado direito no sentido norte/sul, cerca de 2,30m e a do lado esquerdo, 1,60m.
6. A dita via detém piso em excelente estado de conservação e sem qualquer inclinação.
7. No dia e hora do acidente, a visibilidade era boa.
8. Ao chegar ao entroncamento próximo do estabelecimento denominado “Auto R”, a Ré L. C. mudou de direcção sem atentar ao facto de, na via de sentido contrário, circular o Autor, tendo ocorrido o embate entre a parte lateral direita traseira do veículo FS e a frente do referido motociclo EU, pertença do A.
9. A 2ª Ré conduzia distraída e sem prestar atenção aos demais utilizadores da via, pois sabia não poder mudar de direcção sem que da sua realização, não resultasse perigo ou embaraço para o trânsito.
10. Por essa razão, a Ré L. C., não se apercebeu do veículo EU, conduzido pelo A., embatendo no mesmo.
11. Do referido choque, o A. foi projectado para fora do assento do motociclo EU que conduzia sentado.
12. Estatelou-se no solo, sobre o pavimento da metade direita da faixa de rodagem da Avenida ..., tendo em conta o sentido Sul/Norte, ou seja Viana-Carreço.
13. Como consequência do acidente dos autos, por sentença transitada em julgado a condutora do veículo FS, a referida L. C., foi condenada pelo crime de ofensa à integridade física por negligência.
14. Como consequência directa e necessária do acidente supra descrito, o Autor sofreu várias lesões, tendo inclusivamente que se deslocar ao CHAM, para receber tratamento médico, por não suportar as dores que sentia na bacia e no joelho e perna direitos - cfr. doc. nº 6 junto com a p.i. (fls. 39 e ss).
15. Por via das lesões sofridas o Autor fracturou o 8º arco costal direito, teve uma contusão e do joelho direito, e foi obrigado a colocar uma «tala», tendo sido ainda submetido a uma intervenção cirúrgica a 14/04/2014 com internamento hospitalar, para drenagem do derrame articular do joelho direito e correcção da costela partida.
16. Foi obrigado a deslocar-se de canadianas.
17. Teve de fazer tratamento de reabilitação, fisiatria e fisioterapia – cfr. docs. nºs 7 e 8 juntos com a p.i. (cf. fls. 34 a 36 v) – e medicamentoso.
18. Em consequência do acidente e das lesões sofridas o A. ficou a padecer de gonalgia residual, cicatriz interna oblíqua de 8 cm e cicatriz bilateral de 1 cm cada. Sem derrame articular, atrofia da coxa de 1 cm comparativamente à contralateral e de dores ligeiras na face anterior do joelho.
19. Ficou assim a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 (dois) pontos: joelho doloroso.
20. Tais sequelas são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicam esforços suplementares nomeadamente agravamento ligeiro das dores ao subir e descer escadas frequentemente.
21. Ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 2, numa escala de
sete graus de gravidade crescente.
22. E de 1 ponto como repercussão nas actividades de lazer na prática de futsal.
23. A consolidação médico-legal das lesões sofridas ocorreu 25/8/2014.
24. Sofreu um período de défice funcional temporário total de 5 dias; temporário parcial de 217 dias.
25. O A. suportou um quantum doloris de grau 3, numa escala de sete graus de
gravidade crescente.
26. Toda esta situação constrange, aborrece e transtorna o Autor.
27. Antes do acidente o Autor era um homem cheio de saúde e pleno de vigor físico.
28. À data do acidente o Autor exercia a actividade de carteiro/distribuidor postal, auferindo o vencimento mensal médio de € 1.200 (mil e duzentos euros) e tinha 52 anos de idade.
29. O Autor esteve incapacitado para o trabalho, pelo período de cerca de sete meses (ITA) de 16-01-2014 até 25-8-2014, tendo recebido a título de perdas salariais os montantes adiantados pela sua entidade patronal.
30. No entanto, durante todo o período em que o A. esteve incapacitado, precisou que a sua mulher o lavasse, ajudasse a deslocar-se, fazer a sua higiene diária, auxiliá-lo nas refeições, não tendo a mesma conseguido trabalhar nesse período.
31. A 14/04/2014 o Autor foi submetido a uma cirurgia ao joelho direito, o que fez com que não se levantasse da cama e como tal, ficasse completamente dependente e em exclusivo da sua esposa.
32. A entidade patronal do A. reembolsou-o das despesas medicamentosas suportadas em consequência do acidente.
33. O A. suportou despesas de deslocação em viatura própria para os tratamentos das lesões sofridas, de valor não concretamente apurado.
34. À data do acidente, a responsabilidade civil emergente de acidente de viação com circulação do veículo FS encontrava-se transferida para a Ré, mediante contrato de seguro válido e eficaz titulado pela apólice nº 90.....
35. O A., devido à sequela de que ficou a padecer, tem de recorrer a medicação e pomadas para tratamento das dores, gastando em média € 14,00/ mês.
36. O acidente em causa foi considerado simultaneamente como acidente de trabalho do A., tendo-lhe sido pago pela sua entidade patronal o montante de € 2.210,00 a título de incapacidade parcial permanente – cf. ofício de fls. 81 dos autos.

2. Factos Não Provados.

1. As despesas suportadas pelo A., nomeadamente com a perda de dois impermeáveis, umas calças e uma camisola, ascenderam a € 200,00.

IV
Conhecendo do recurso.

A matéria de facto supra descrita está definitivamente assente, porque a recorrente não a coloca em causa.

Em causa está só a determinação do valor da indemnização a atribuir ao autor.

1. Vamos começar pelo mais simples. A recorrente insurge-se contra a parcela da indemnização que a sentença fixou em € 3.000,00, a título de perda de rendimentos do trabalho para o casal.

A argumentação da sentença recorrida é esta: tendo ficado provado que o autor necessitou do auxílio da esposa em todo o período de incapacidade e pelo menos até à data da consolidação médico-legal; que esta não pode trabalhar no referido período, no que se traduziu em perda de rendimentos do trabalho para o casal, sendo certo que auferia o salário mínimo nacional em vigor à data, entende-se ser de indemnizar tal dano / prejuízo com a necessidade de recurso a terceira pessoa, que, com recurso a regras de equidade de acordo com os factos apurados, e respectiva motivação, se fixa em €3.000,00.

Os factos provados, com relevo, são apenas estes: durante todo o período em que o autor esteve incapacitado, precisou que a sua mulher o lavasse, ajudasse a deslocar-se, fazer a sua higiene diária, auxiliá-lo nas refeições, não tendo a mesma conseguido trabalhar nesse período (222 dias).
Ora, colocada a questão nestes termos, temos de dar razão à recorrente.
Em primeiro lugar, o lucro cessante aqui em causa teria sido sofrido não pelo autor, mas pela esposa deste. Donde, por uma questão de legitimidade, deveria ter sido esta a formular o pedido, e não o autor.
Mas, como bem nota a recorrente, “não resultou provado que o autor tenha suportado qualquer custo a título de ajuda de terceira pessoa, ou que a sua esposa, pessoa que lhe prestou auxílio tenha tido qualquer perda de rendimento”.
Com efeito, nada se provou acerca da actividade laboral da esposa do autor, nem sobre o salário eventualmente auferido.
E não podemos deixar de reconhecer razão à recorrente quando chama a atenção para que o apoio prestado pela esposa do autor enquadra-se no âmbito dos deveres conjugais, concretamente os deveres de cooperação e assistência (arts. 1674º e 1675º CC).

Assim, consideramos que não há fundamento legal para este valor de € 3.000,00, pelo que nesta parte o recurso procede.

Mas no mais não assiste razão à recorrente.

Quase poderíamos limitar-nos a dar por reproduzida a fundamentação da sentença recorrida, que é extensa, com citações jurisprudenciais oportunas, e que merece a nossa total concordância.

2. Vejamos em primeiro lugar como a sentença recorrida justifica os valores que encontrou para os danos patrimoniais:

O A. peticiona uma indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais. Pela importância que assume no caso concreto, entende-se começar desde logo por apreciar o pedido relativo ao défice permanente da integridade físico-psíquica de que o A. ficou portador de 2 pontos.

Neste âmbito ficou provado que: em consequência do acidente e das lesões sofridas o A. ficou a padecer de gonalgia residual, cicatriz interna oblíqua de 8 cm e cicatriz bilateral de 1 cm cada. Sem derrame articular, atrofia da coxa de 1 cm comparativamente à contralateral e de dores ligeiras na face anterior do joelho. Ficou assim a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 (dois) pontos: joelho doloroso, sendo que tais sequelas são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicam esforços suplementares nomeadamente agravamento ligeiro das dores ao subir e descer escadas frequentemente. Neste âmbito seguir-se-á o recente Ac. STJ proferido no processo nº 2028/12.9TBVCT deste Juízo Central: “Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 28/01/2016 (proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1), in www.dgsi.pt, retomadas nos acórdãos de 07/04/2016 (proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1), e de 14/12/2016 (proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1), in www.dgsi.pt, “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)”.

Afirma-se, mais à frente, no acórdão de 28/01/2016, que vimos citando: “Para além dos danos patrimoniais consistentes em perda de rendimentos laborais da profissão habitual, segue-se a orientação deste Supremo Tribunal, supra referida, de procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Trata-se das consequências patrimoniais do denominado “dano biológico”, expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Na verdade, a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (cfr. tratamento mais desenvolvido pela relatora do presente acórdão, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, 2015, págs. 69 e segs.). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: “a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.”

Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.

“A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais” (acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.).

Nestes termos, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual. Estamos no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º, nº 3, do Código Civil). Ora, como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt), em princípio, “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade e do caso concreto «sub iudicio»”. Para além disso, a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. (…)

Nos termos do art. 566º, nº 3, do Código Civil, a indemnização por danos patrimoniais indetermináveis deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados. Não existindo, no caso sub judice, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou completar o resultado obtido pela aplicação de fórmula financeira criada em função da verificação de situação de incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual que aqui não tem aplicação (no mesmo sentido, cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 14/12/2016, proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1, e de 16/03/2017, proc. nº 294/07.0TBPCV.C1.S1, in www.dgsi.pt).

Vejamos.

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. acórdãos de 20/10/2011, proc. nº
428/07.5TBFAF.G1.S1, de 10/10/2012, proc. nº 632/2001.G1.S1, de 07/05/2014, proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1, de 19/02/2015, proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 04/06/2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 07/04/2016, proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1, de 14/12/2016, proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1, e de 16/03/2017, proc. nº 294/07.0TBPCV.C1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt), a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão -, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A que acresce um outro factor: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tem do em conta as qualificações e competências do lesado)”.

Tendo presentes estes critérios gerais, passemos a apreciar o caso dos autos. O A. sofreu o acidente de viação em 16/1/2014, obteve a consolidação médico-legal das lesões em 25/8/2014 e a final ficou a padecer de um défice permanente de integridade físico-psíquica de 3 pontos, compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando esforços suplementares. À data do acidente o A. tinha 52 anos e exercia a profissão de distribuidor postal, auferindo um vencimento mensal de cerca de €1.200,00.

Considerando a idade do A; os seus proventos mensais; a data da consolidação médico-legal das lesões; ainda que com muita variação, de acordo com as regras do mercado e face à concorrência interbancária, tendo como referência a taxa anual líquida de juros de 3% e considerando um limite da vida activa entre os 65-70 anos e uma esperança de vida entre os 75-80 anos (AcsSTJ 4Fev93 cit, STJ 5Mai94 cit. e STJ 4Jun98, BMJ 478º p. 344), certo como é que, como tem vindo a ser admitido pela maioria da jurisprudência, a capacidade de ganho se mantém mesmo para além da idade da reforma, ainda que porventura de forma menos acentuada. Correctivamente, há que ter em conta que, no fim de vida activa presumível do lesado, deve estar excutido o próprio capital (ainda que esteja muito distante essa data) e que este irá receber o montante total duma só vez. Nestes termos, conjugados todos factos supra enunciados, e apelando adequadamente à equidade, temos por justa a indemnização de €10.000,00 (dez mil euros). A tal montante deverá ser deduzida a quantia recebida pelo A. de € 2.210,00, paga pela sua entidade patronal, a título de incapacidade parcial permanente, uma vez que o acidente dos autos foi considerado simultaneamente acidente de trabalho – cf. fls. 81. Pelo que a este título assiste ao A. o direito de receber da Ré € 7.790,00”.

Este raciocínio, que aqui ficou reproduzido, não enferma de nenhum erro jurídico, e logo não merece ser alterado.

E, apenas por dever de ofício, vamos acrescentar algo mais.

A lei refere-se ao conceito de dano futuro no art. 564º CC, nos seguintes termos:

1) O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão;
2) Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

Em matéria de danos patrimoniais rege, em primeiro lugar, o princípio da reconstituição natural expresso no art. 562º do CC e, quando esta não for possível, bastante ou idónea (art. 566º,1 CC) vale a indemnização em dinheiro a fixar de acordo com a teoria da diferença nos termos do art. 566º,2 do mesmo diploma, segundo a qual a indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (encerramento da discussão em 1ª instância) e a situação hipotética que teria nessa data se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano.

Assim, a chave, em matéria de ressarcibilidade dos danos futuros, como bem se compreende, é a sua previsibilidade.

E não estamos a falar de um conceito de danos futuros em geral: interessam-nos apenas os danos futuros previsíveis decorrentes da afectação da capacidade laboral do lesado. O conceito de dano biológico surgiu na Portaria nº 377/2008 de 26/05 em cujo preâmbulo se diz “ (…) ainda que não tenha direito a indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”. E o art. 3º b) do diploma considera indemnizável o dano biológico, resulte dele ou não, perda da capacidade de ganho.

A Jurisprudência, como se retira das citações constantes da sentença recorrida, para as quais remetemos, tem aceite maioritariamente este dano.

A Portaria 377/08 de 26/05/08, alterada pela Portaria 679/2009 de 25/06, prevê os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados de acidente de viação de proposta razoável para indemnização do dano corporal, mas não vincula os tribunais: o que se tem entendido é que tais tabelas se destinam a ser aplicadas na esfera extrajudicial, não sendo lícita a sua sobreposição aos critérios legais e de equidade a adoptar pelo Julgador.

E reafirmando o que se escreve na sentença recorrida, a jurisprudência tem-se orientado para considerar que a referida indemnização deve ser fixada segundo critérios de equidade nos termos do art. 566º,3 CC, em função dos seguintes factores: idade do lesado, tempo provável de vida activa (nos últimos tempos a jurisprudência do Supremo, face às recentes alterações legislativas, tem-se afastado dos 65 anos e aproximado dos 70 anos), esperança média de vida (segundo os últimos dados do INE 77 anos para os homens e 83 para as mulheres), grau de incapacidade geral permanente e salário auferido.

Veja-se ainda o seguinte: “a fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566º,2 do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566º,3 do CC). Para tanto, relevam: (i) a idade do lesado à data do sinistro; (ii) a sua esperança média de vida (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (iii) a percentagem de incapacidade geral permanente; e (iv) a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com a formação/preparação técnica do lesado” (Acórdão do STJ de 1/3/2018 – Relatora: Maria da Graça Trigo).

Quanto à questão de saber se tal dano deve ser indemnizado em sede de danos patrimoniais ou de danos não patrimoniais -que acaba por surgir secundarizada- como já resulta das citações jurisprudenciais feitas supra, vamos considerar que tal dano biológico, por uma questão de coerência conceptual, deve ser visto como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, por se traduzir sempre numa situação de incapacidade funcional, mesmo que esta, como é o caso destes autos, não impeça o lesado de exercer a sua actividade habitual, embora com esforços suplementares. Como bem se refere no último Acórdão do Supremo citado, “a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido”. E, acrescentamos nós, é previsível que com o passar do tempo, e com a erosão do vigor físico e intelectual que decorre inexoravelmente do avanço da idade, esse esforço suplementar comece a tornar-se cada vez mais difícil para o lesado, até se tornar mesmo insustentável, ponto em que se traduzirá necessariamente em diminuição de rendimentos.

A questão seguinte é como quantificar esse dano patrimonial.

Decidiu bem a sentença recorrida, por recurso à equidade.

Partindo dos variados casos decididos pela jurisprudência, é possível obter uma concretização dos conceitos abstractos usados na lei e supra identificados, de forma a conseguir uma uniformização de julgados, mas sem esquecer nunca que o que se busca aqui é a decisão que faça a Justiça do caso concreto, e que cada caso tem particularidades singulares que o tornam diferente de todos os outros, e merecedor de tratamento individualizado.

Recordemos agora: em consequência do acidente, o autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, sendo que as sequelas sofridas são compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicam esforços suplementares nomeadamente agravamento ligeiro das dores ao subir e descer escadas frequentemente. À data do acidente o Autor exercia a actividade de carteiro/distribuidor postal, auferindo o vencimento mensal médio de € 1.200 (mil e duzentos euros) e tinha 52 anos de idade.

Julgamos importante ter a noção que o que se costuma chamar de “cálculo dos danos futuros” não é um verdadeiro cálculo, porque, apesar de envolver alguns elementos concretos e determinados, envolve acima de tudo realidades futuras não conhecidas e não cognoscíveis. É um adquirido que o direito positivo não contém regras precisas destinadas à fixação da indemnização pelo dano futuro, em casos como o que agora nos ocupa, de incapacidade permanente de vítimas de acidentes de viação. Os traços distintivos desta situação são, por um lado, a previsibilidade da existência de danos patrimoniais futuros, mas por outro a impossibilidade de quantificação dos mesmos no presente.

A determinação do valor desse dano é sempre uma operação delicada, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica a previsão pouco segura, sobre danos verificáveis no futuro. É por isso que tais danos se devem calcular segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal, e se mesmo assim não puder apurar-se o seu valor exacto, deverá o Tribunal julgar segundo a equidade, em obediência ao critério enunciado no art. 566º,3 do CC (neste sentido, cfr. Vaz Serra, RLJ,112º, 339 e 114º, 287 e seguintes; Dario Martins de Almeida, Manual de acidentes de viação, pág. 114 e Acórdão do STJ de 10.2.1998, CJSTJ, Tomo I, pág. 67) (1).

Dizendo de outra forma, a fixação destes danos envolve sempre um elemento inevitável de arbítrio.

O arbítrio está em que não é possível no dia de hoje prever qual o montante monetário que certa pessoa vai deixar de receber nos próximos 2, 3, 5 ou 10 anos (!) em consequência de determinado evento lesivo. Desde logo por não sabermos se a pessoa em causa estará viva daqui a 1, 5 ou 15 anos. É evidente que se o autor falecer daqui a 1 ano por causas que nada tenham a ver com o acidente destes autos, verificar-se-á um enriquecimento do seu património à custa da entidade obrigada à indemnização. E mesmo que ele sobreviva até ao final do período de vida útil previsível, ainda assim os imponderáveis a que a situação está sujeita são esmagadores: não é possível adivinhar qual seria a evolução da situação laboral do falecido, não é possível prever se ele não seria despedido ao fim de 5 anos, não é possível saber se a empresa não iria à falência ao fim de 2 anos, não é possível calcular o seu percurso profissional dentro daquela empresa em termos de saber se ele seria promovido ou despromovido, quando, em que termos, com que ganho patrimonial, não é possível antever se ele continuaria a exercer aquelas funções, ou seria reconvertido para outras totalmente diferentes, etc; e ainda por cima há situações como a presente, em que as lesões decorrentes do acidente geram uma indiscutível perda de capacidade de ganho, mas não o impedem de continuar a exercer a profissão actual, embora com esforços suplementares. E não podemos adivinhar quanto tempo o autor conseguirá continuar a exercer estas funções, com a penosidade acrescida decorrente do acidente: 1 ano ? 5 anos ? 10 anos ? Nem as consequências dessa realidade: despedimento ? Mudança de funções ? Reconversão profissional dentro da mesma empresa ? Mudança de empregador ?

Em resumo, estamos a lidar com uma ficção. O montante que importa encontrar é uma pura ficção, uma previsão feita em abstracto, que apenas está ligada à realidade pelos ténues laços dos factos concretos do presente. Mas é a essa ficção que o sistema jurídico impõe que se recorra, a fim de determinar o quantum indemnizatório devido ao lesado pelos danos futuros.

Assim, e tendo presente que não se trata de fazer complexos cálculos matemáticos, mas apenas de encontrar um valor que seja equitativo, com base nos exemplos jurisprudenciais acima citados, concluímos que o valor encontrado, de € 10.000,00 se nos afigura correcto.

Com efeito, supomos ser razoável e legítimo prever que os esforços suplementares que o autor terá de suportar derivados das sequelas do acidente, irão, mais tarde ou mais cedo, interferir com a sua produtividade, e, logo, colocar em causa a manutenção das próprias funções, num mundo cada vez mais obcecado não só com o conceito de produtividade, como com a introdução de sistemas para a medir com cada vez maior detalhe e rigor, a que nem os Tribunais e os Magistrados escapam (2).

Donde, o défice funcional referido, apesar de não representar incapacidade para o exercício da actividade profissional habitual do autor, não pode deixar de traduzir redução na sua capacidade económica geral, na medida em que representa, para além das dificuldades acrescidas no exercício dessa actividade específica, limitações para o desempenho de outras actividades económicas, concomitantes ou alternativas, que lhe pudessem entretanto surgir, na área da sua formação profissional, bem como na realização de tarefas pessoais quotidianas. Nessa medida, tal défice não pode deixar de relevar em sede do chamado dano biológico patrimonial, susceptível, portanto, de indemnização reparatória daquela redução do rendimento económico potencial, como vem sendo seguido pela jurisprudência (citado Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2017). E o valor encontrado não tem nada de exagerado nem de irrealista. Pelo contrário, considerando o período temporal (futuro) que o mesmo pressupõe, de quase 20 anos de vida activa, parece-nos prudente e sensato.

3. Quanto aos danos não patrimoniais, a recorrente considera que também aqui a sentença pecou por excesso, não atendendo aos reais critérios de justiça e ponderação para onde se dirige este princípio. Considera que, por termos de referência, sempre atendíveis, nestes casos, a nossa jurisprudência, mormente a dos tribunais superiores, em casos similares, nos mais variados arestos, fixou quantias muitíssimo inferiores à determinada na douta Sentença, tendo em conta o Quantum Doloris de grau 3 que foi fixado, pelo que é seu entendimento que o valor a arbitrar será de 2.500€.

Pois bem.

Menciona a sentença recorrida as dores e os incómodos apurados, os tratamentos a que o autor se submeteu, tendo em atenção o período de tempo desde o acidente até à consolidação, e bem assim que no exame médico-legal foi fixado o quantum doloris no grau 3, um dano estético permanente no grau 2.

E pode ler-se esta fundamentação: “o art. 496º-3 CC prescreve que o montante de indemnização desta espécie de danos é calculado segundo critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias indicadas no art. 494º CC. Tendo em conta as dores, desgostos sofridos, quantum doloris atribuído, a natureza das lesões e o período de tempo até à consolidação médico-legal (222 dias) e dano estético permanente, entende-se por justa e adequada a compensação de € 5.000,00 (cinco mil euros).

É sabido que a nossa lei consagra a indemnização por danos não patrimoniais, nos termos e com as condições resultantes do art. 496º,1,4 CC. A indemnização por danos morais não visa reconstituir a situação que existiria se o dano não tivesse ocorrido, mas simplesmente e, de alguma forma, compensar o lesado pelos abalos e sofrimentos sentidos e igualmente sancionar a conduta do lesante. Na verdade, trata-se de prejuízos de natureza infungível, pelo que não é possível uma reintegração por equivalente, susceptível de indemnização, mas apenas um quantitativo que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro (Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. RL de 5.05.95 in CJ Ano XX, tomo 3, pg. 95; Ac. STJ de 11.10.94 in CJ Ano II, tomo 3, pg. 89; Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. STJ de 15.12.98 in CJ Ano VI, tomo 3, pg. 155; Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. STJ de 25.11.2009 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 397/03.0GEBNV.S1. Esta compensação deve ser proporcionada à gravidade do dano e deverá ter um alcance significativo e não meramente simbólico; por outro lado, a sua valoração é actual, motivo pelo qual não há lugar à sua actualização nem deverão ser estipulados juros a partir da citação.

É um adquirido que as circunstâncias a ponderar prendem-se com o quantum doloris, o período de doença, situação anterior e posterior do lesado em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima, alegria de viver, idade, esperança de vida, perspectivas para o futuro, etc.

Os factos provados traduzem sem dúvida a existência de sofrimento, angústia e preocupação, por parte do autor, que justifica a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais.

Importa ponderar as circunstâncias do caso, tendo sempre presente que nesta matéria não há qualquer rigor científico ou matemático na escolha de um valor, nem há qualquer hipótese de demonstrar cientificamente que o valor fixado pela primeira instância está objectivamente certo ou errado; estamos mais uma vez perante um juízo de equidade, ancorado às várias circunstâncias concretas acabadas de referir.

Assim, importa ponderar todas as circunstâncias do caso, nomeadamente, que o autor não teve culpa alguma no acidente, pois a culpa grave foi exclusiva da segurada da ré; as lesões que sofreu, tendo inclusivamente que se deslocar ao CHAM, para receber tratamento médico, por não suportar as dores que sentia na bacia e no joelho e perna direitos, ter fracturado o 8º arco costal direito, teve uma contusão e do joelho direito, e foi obrigado a colocar uma «tala», tendo sido ainda submetido a uma intervenção cirúrgica a 14/04/2014 com internamento hospitalar, para drenagem do derrame articular do joelho direito e correcção da costela partida. Foi obrigado a deslocar-se de canadianas. Teve de fazer tratamento de reabilitação, fisiatria e fisioterapia. Ficou a padecer de gonalgia residual, cicatriz interna oblíqua de 8 cm e cicatriz bilateral de 1 cm cada. Ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente. Suportou um quantum doloris de grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente. Toda esta situação constrange, aborrece e transtorna o Autor. Antes do acidente o Autor era um homem cheio de saúde e pleno de vigor físico. E estamos a falar de um homem com 51 anos, pelo que temos de ponderar ainda a angústia que toda esta situação necessariamente causou, não sendo difícil de imaginar a permanente interrogação sobre o que o futuro lhe traria, ainda com tantos anos de vida útil pela frente, com as limitações supra descritas.

Ora, como ensina Antunes Varela, e como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só reparar, de algum modo, o dano, mas também reprovar a conduta lesiva. Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir de sancionamento da conduta do agente. Todavia, no critério a adoptar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o nº 3 do artigo 8º do CC. E temos de ter presente que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem acentuando a ideia de que tais compensações devem ter um alcance significativo, e não meramente simbólico nem miserabilista.

Assim, podemos afirmar com segurança que o valor encontrado pela primeira instância, se peca, não é certamente por excesso.

Com o que improcede também esta argumentação da recorrente.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso parcialmente procedente, e em consequência decide condenar a ré/recorrente a pagar ao autor a quantia de € 17.040,00 (dezassete mil e quarenta euros), confirmando no mais a sentença recorrida.

Custas pela recorrente e recorrido, na proporção de ¾ para aquela e ¼ para este (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 8/11/2018

Relator

(Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto
(Alcides Rodrigues)

2º Adjunto
(Joaquim Boavida)
1. Amélia Ameixoeira, revista do CEJ, 1º semestre de 2007, nº 6, pág. 37 e seguintes.
2. Esquecendo por vezes os ensinamentos do “Princípio da incerteza de Heisenberg”, aplicável ao mundo da Física mas sugestivo ao ponto de o citar aqui, com alguma liberdade gramatical, segundo o qual a observação minuciosa de uma realidade altera a realidade que é observada.