Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4099/17.2T8VCT.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: ALIMENTOS
VIOLAÇÃO GRAVE DO DEVER DE RESPEITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I - De acordo com o disposto no artº 2013º, nº 1, alínea c) do CC, a obrigação de prestar alimentos cessa quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado (artº 2013º, nº 1, alínea c) do CC).

II - A lei utiliza a expressão “cessa” mas tal não significa que este artigo só se aplique aos casos em que a obrigação de alimentos já está a ser prestada. Abrange ainda os casos em que a prestação alimentar não foi ainda fixada.

III - Não exige a lei qualquer condenação penal do requerente de alimentos por factos que constituam violação grave dos seus deveres para com o obrigado, para não atribuir uma prestação de alimentos.

IV -No caso, as expressões utilizadas pelo apelante – “putas” e “filhas da puta” – quando se refere às requeridas perante terceiros, são extremamente injuriosas da honra e reputação das requeridas e violam o dever de respeito a que pais e filhos estão reciprocamente obrigados (artº 1874º, nº 1 do CC).

V - Com a sua conduta incumpridora do dever de respeito para com as requeridas, suas filhas, não será razoável exigir-lhes que providenciem pelo sustento e saúde do requerente, em conformidade com o estabelecido no art. 1880º do C.C. e 2011º, nº 2 do C, por se verificar o preenchimento da previsão do art. 2013, nº 1, al. c), do C.C.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

IRelatório

ANTÓNIO veio requerer nos termos do disposto nos artigos 384° e seguintes do Cód. de Processo Civil, providência cautelar de alimentos provisórios, contra:

MARIA, TERESA e ANA.
Regularmente citadas as requeridas deduziram contestação.
Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou o procedimento cautelar improcedente.

O requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, onde formulou as seguintes conclusões:

I – O presente recurso visa a douta decisão proferida quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito.
II – O recorrente considera incorretamente julgados os itens 65º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º, 79º, 80º, 81º, 95º, 96º, 97º, 98º, 104º, 105º, 106º, 107º, 145º, 146º e 147º dos factos provados e o facto não provado nº 13 e, bem assim, que não foram considerados factos que o deviam ter sido, constando dos autos todos os elementos que permitem a este Tribunal Superior emitir pronúncia quanto a esses factos.
III - O item 65º dos factos provados contém um juízo de valor e um conceito normativo ou de direito, o que é irrelevante em sede de seleção da matéria de facto, pelo que o mesmo deve ser considerado como não escrito e expurgado do elenco dos factos provados.
IV – No item 66º dos factos provados fez-se uso de um juízo conclusivo e, como tal, apenas se pode dar como provado que: Na escritura de justificação e doação referida em 17, foi atribuído ao imóvel doado o valor de € 1.834,29.
V – No item 67º considerou-se como facto aquilo que manifestamente não passa de um juízo conclusivo que, para além do mais, não está suportado nem na prova produzida nos autos (vd., designadamente, os documentos de fls. 126 a 132 dos autos) nem em factos concretos que pudessem integrar esse juízo, pelo que o mesmo deve ter-se por não escrito ou ser dado como não provado.
VI – Não existe qualquer prova que permita dar como provado o item 68º da matéria assente, considerando, desde logo, que requerente e requeridas, nas declarações que lhe foram tomadas em audiência, reconheceram, todos eles (sem exceção), que não se falam nem têm qualquer relação ou convívio entre si desde a data da tentativa do suicídio do pai (que ocorreu em 3.01.2005 – vd. item 10º dos factos provados), conforme resulta dos excertos citados na motivação do recurso (Requerente ANTÓNIO: 06:55/07:25 e 33:26/34:21; Requerida Maria: 18:16/18:24; Requerida Teresa 14:53/15:03 e 17:04/19:10; Requerida Ana: 18:30/18:45), pelo que esse concreto ponto de facto deve ser dado como não provado.
VII – O item 69º dos factos provados comporta matéria conclusiva, que encerra um juízo subjetivo emanado da parte que alegou esse facto (vd. item 15º da douta oposição) e que, para além do mais, remete para um conceito (o da indignidade) eminentemente jurídico, pelo que o mesmo deve ter-se como não escrito e, na sequência, ser expurgado da matéria de facto provada.
VIII – O item 70º dos factos provados está contradição com o que se deu como provado no item 111º, constituindo, por outro lado, uma repetição parcial do que se deu como provado no item 71º, pelo que deve apenas ser dado como provado que: Ao mesmo tempo que o requerente usava em exclusivo a casa doada às requeridas, a sua ex-mulher vivia em casa emprestada.
IX – O item 79º está em contradição manifesta com o item 13º dos factos provados, onde se deu como provado que o requerente, na sequência do evento descrito em 10º, ficou com visibilidade reduzida no olho direito, factualidade esta que está conforme com o documento de fls. 21, 639-verso e 697-verso dos autos e que, como tal, deve manter-se como provado, ao passo que o constante do item 79º, não existindo prova que o permita dar como provado, deve ser considerado como não escrito ou como não provado.
X – Os itens 80º e 81º estão em contradição manifesta com os itens 14º e 15º da matéria assente, onde se deu como provado que as lesões advenientes para o requerente da tentativa de suicídio determinaram uma incapacidade definitiva para o trabalho, tendo-lhe sido atribuída a reforma, por invalidez, em 26.07.2007, e que o requerente, quando se reformou, tinha 53 anos de idade, factualidade esta que está conforme com os documentos de fls. 13 e 624 dos autos, que infirmam, de forma inequívoca, o que se deu como provado em 80º e 81º dos factos provados, os quais, por essa razão, devem ser eliminados da matéria de facto provada ou dados como não provados.
XI – O item 95º comporta um juízo puramente subjetivo, totalmente irrelevante nesta sede, e que, para além disso, está em contradição ostensiva com o item 14º da matéria assente, onde se deu como provado que o requerente está reformado por invalidez desde 26.07.2007 (vd. documento de fls. 624 dos autos), pelo que esse item 95º deve ser eliminado da matéria de facto provada, dando-se como não escrito.
XII – No tocante ao item 96º dos factos provados, para além de existir contradição com o que se deu como provado no item 68º da matéria assente, não foi produzida prova a respeito dessa matéria, considerando que nenhuma das requeridas referiu que tivesse sido agredida, vez que fosse, pelo requerente, fosse antes fosse depois do divórcio, sendo certo que todos reconheceram que não têm qualquer relação ou convivência entre si desde o ano de 2005.
XIII – A testemunha Emília também não referiu, no seu depoimento, que o recorrente se lhe tivesse dirigido, vez que fosse, nos termos que constam do citado item 96º dos factos provados e se é certo que o requerente foi constituído arguido em processo-crime por sequestro em que era ofendida a sua ex-mulher, não é menos certo que, tal como consta da certidão de fls. 148 a 156 dos autos, os factos não assumiram qualquer gravidade, desde logo, para a própria ofendida, que declarou aí não desejar qualquer procedimento criminal contra o António – vd. fls. 153 dos autos.
XIV – Não consta dos autos qualquer documento que permita dar como provados quaisquer maus-tratos, físicos ou verbais, infligidos pelo requerente a qualquer uma das requeridas, nem, sequer, há registo de que as requeridas se tenham queixado desses alegados maus-tratos, razão pela qual, quanto ao item 96º dos factos provados, apenas se pode dar como provado que: O requerente foi constituído arguido no âmbito do processo nº 260/08.9 GBPTL, que correu termos pelo DIAP de Ponte de Lima, por um crime de sequestro praticado sobre Emília, que culminou com a suspensão provisório do inquérito por três meses.
XV – No tocante ao item 97º, não se vê em que concreto meio probatório se suportou o tribunal recorrido para dar essa matéria como provada, sendo certo que essa prova não é, seguramente, o documento para onde aí se remete (o de fls. 126 a 132 dos autos), pelo que o mesmo deve também ser dado como não provado.
XVI – O que o tribunal recorrido deu como provado no item 98º dos factos provados é desmentido pelo teor do documento de fls. 24 a 26 dos autos, do qual decorre que as requeridas fundamentaram o pedido aí formulado de entrega do imóvel no facto de A requerente Ana (ter casado) no final de 2014 e (necessitar) da habitação objeto desta notificação para a sua residência – vd. fls. 26 dos autos.
XVII – As requeridas, em momento algum, justificaram o pedido de entrega judicial do imóvel com o facto de o requerente ameaçar alegadamente pôr fogo a esse imóvel e, muito menos, com o facto desse imóvel estar hipotecado ao banco para pagamento de dívidas do requerente, inexistindo, de igual modo, qualquer documento comprovativo da existência desse alegado ónus predial e/ou de algum empréstimo bancário que tivesse sido concedido, a quem quer que fosse e para que fim fosse.
XVIII – Assim, quanto ao item 98º, apenas deve dar-se como provado que: As requeridas instauraram contra o requerente o processo executivo referido em 23º dos factos provados pelas razões constantes do item 21º dos factos provados e por o requerente não aceitar proceder à entrega voluntária do imóvel.”
XIX – Os itens 104º, 105º, 106º e 107º dos factos provados comportam juízos de valor, puramente subjetivos e conclusivos, e que, para além de não encontrarem suporte nos demais factos provados, são contrariados pela prova produzida nos autos, designadamente, por reporte aos documentos de fls. 624 e 697-verso dos autos, pelo que esses concretos pontos de facto devem ter-se como não escritos e, como tal, expurgados da matéria de facto provada.
XX – O item 145º dos factos provados comporta um conceito de direito (união de facto) que não pode constar da matéria de facto, tratando-se, antes, de uma conclusão a extrair de um conjunto de factos concretos provados no momento de aplicar o direito.
XXI – De todo o modo, os factos provados não evidenciam a comunhão de cama, mesa e habitação e / ou a convivência em condições análogas às dos cônjuges, que são elementos constitutivos da união de facto à luz do disposto na lei nº 7/2009, de 11.05, e, para além do mais, deu-se aí como provado que essa união de facto existe há mais de um ano, quando, nos termos do disposto no artigo 1º, nº 2, da citada lei nº 7/2009, a união de facto só é reconhecida mediante a convivência em condições analogias às dos cônjuges há mais de dois anos.
XXII – Não foi produzida nenhuma prova que habilitasse o tribunal recorrido a dar como provado o que consta do citado item 145º dos factos provados, devendo ser ponderadas as declarações tomadas em audiência ao próprio requerente, na parte em que negou essa união de facto, embora admitindo um relacionamento amoroso com a referida Conceição que situou entre 1988 e 1990, conforme flui do excerto citado no motivação do recurso (minuto 16:00 a minuto 20:34 e minuto 20:35 a minuto 24:20).
XXIII - As requeridas, nas declarações que lhe foram tomadas, não revelaram possuir qualquer razão de ciência minimamente segura e convincente quanto à existência dessa alegada união de facto, tanto mais que, repete-se, não falam para o pai nem têm qualquer relação ou convivência com ele desde, pelo menos, o ano de 2005.
XXIV - Em face do erro de julgamento de que padece, o item 145º dos factos provados deve ser expurgado da matéria de facto provada, considerando-o como não escrito, ou, assim se não entendendo, como não provado.
XXV – Quanto aos itens 146º e 147º dos factos provados, deve dar-se como provado, em face dos documentos de fls. 50, 61 e 65 dos autos, que: 146- As requeridas Maria e Teresa auferem um salário mensal de € 616,00 cada uma, a que acrescem, de forma regular e periódica, outras prestações a título de trabalho noturno, trabalho suplementar e prémios; 147- A requerida Ana está desempregada desde março de 2017, auferindo em dezembro de 2017 um subsídio de desemprego do montante de € 903,90, e tem uma filha de 15 meses de idade.
XXVI – O facto não provado nº 13 deve ser dado como provado em face do que consta do documento de fls. 697 dos autos, nos termos seguintes: O requerente foi operado às cataratas no olho direito no dia 14.02.2018.
XXVII – Em face dos documentos de fls. 82, 88 e 94 dos autos, e por estarem em causa elementos essenciais para a boa decisão da providência, deve aditar-se à matéria de facto provada que: 149- A requerida Maria e marido declararam, no ano de 2016, um rendimento global ilíquido de € 31.618,93, proveniente de trabalho dependente.; 150- A requerida Teresa e marido declararam, no ano de 2016, um rendimento global ilíquido de € 19.279,38, proveniente de trabalho dependente. 151- A requerida Ana e marido declararam, no ano de 2016, um rendimento global ilíquido de € 20.404,12, proveniente de trabalho dependente.
XXVIII – Resulta da matéria de facto provada que a disposição (por doação) do imóvel deixou o recorrente, objetivamente, em pior situação do que aquela em que se encontrava antes da doação, pois que, após ter sido retirado à força desse imóvel, passou a ter uma necessidade que antes estava plenamente assegurada – a necessidade de uma habitação permanente.
XXIX – Para fazer face a essa nova necessidade, não possuindo outros meios ou rendimentos (vd. itens 46º, 47º e 48º dos factos provados), o recorrente teve de canalizar dinheiro próprio para suprir especificamente tal necessidade, o que resultou, objetivamente, num aumento das suas despesas médias mensais do montante de, pelo menos, € 250,00 (vd. item 49º dos factos provados).
XXX - A par dessa nova despesa, provou-se que o recorrente tem despesas mensais do montante de € 456,40 (vd. itens 50º a 54º dos factos provados), não auferindo outros rendimentos, nem possuindo outro património, mobiliário ou imobiliário – vd. itens 46º e 47º dos factos provados –, do que resulta um saldo negativo do montante de € 400,44 mensais a seu desfavor e, concomitantemente, uma necessidade de alimentos da mesma ordem de grandeza.
XXXI – Conforme consta do item 30º dos factos provados, a estadia do recorrente no centro comunitário D. foi-lhe imposta pelos serviços da segurança social e como medida temporária, pelo que não estando em causa uma institucionalização compulsiva, o recorrente não era (não é) obrigado, contra sua vontade, a viver para sempre nesse centro comunitário, onde nunca se sentiu bem e tinha todos os seus movimentos controlados – vd. itens 31º a 35º dos factos provados.
XXXII – De todo o modo, o recorrente nenhum beneficio económico retiraria do facto de se manter nessa instituição, na medida em que, tal como flui do item 36º dos factos provados, tinha de pagar mensalmente por essa estadia o correspondente a 80% da sua reforma, com o que ficaria com um rendimento mensal disponível de apenas € 25,00.
XXXIII – O recorrente nasceu em 12.05.1951 (vd. item 15º dos factos provados e documento de fls. 13 dos autos) e padece de incapacidade definitiva para o trabalho desde 26.07.2007 (vd. item 14º dos factos provados), pelo que é um perfeito disparate concluir que é novo e pode trabalhar.
XXXIV – A indignidade não é fundamento para vedar alimentos a quem deles está carecido.
XXXV – Não está verificado o disposto no artigo 2013º, nº 1, alínea c), do CC (normativo que, de todo o modo, a douta decisão recorrida não cita ou refere), não só porque não pode cessar uma obrigação alimentar que, no caso dos autos, não está, sequer, constituída, mas também porque a matéria de facto provada não revela qualquer violação grave dos deveres do alimentando para com o obrigado a alimentos, antes reportando factos que, a manterem-se como provados, no que não se concede, ocorreram, pelo menos, no ano de 2005, ou seja, em momento muito anterior à constituição da obrigação alimentar.
XXXVI – Não restam dúvidas de que, em face da matéria de facto provada, designadamente, por reporte aos itens 14º, 17º, 18º, 19º, 24º, 25º, 26º, 29º, 30º, 37º, 41º, 43º, 45º a 54º, 56º e 57º dos factos provados, o recorrente está objetivamente colocado numa situação de carência de alimentos, determinada pela disposição (por doação) do bem imóvel referido em 17º dos factos provados, ao contrário do que decidiu o tribunal recorrido.
XXXVII – O tribunal a quo, ao determinar as possibilidades das requeridas em prestar os alimentos, não pode considerar as despesas apresentadas pelo agregado familiar de cada uma delas e, ao mesmo tempo, desconsiderar os rendimentos apresentados pelo mesmo agregado familiar, considerando apenas os rendimentos auferidos pelas requeridas.
XXXVIII – Em face dos itens 146º, 147º, 149º, 150º e 151º dos factos provados, as requeridas vivem bem e aparentemente sem dificuldades, considerando, desde logo, que conseguem suportar, cada uma delas, uma despesa mensal de € 1.440,00 por mês só em alimentação (vd. itens 113º, 124º e 137º dos factos provados) e, apesar disso, cada uma delas ainda consegue pagar seguros variados (vd. itens 110º, 131º e 142º), a manutenção dos carros (vd. itens 120º, 132º e 142º dos factos provados) e créditos bancários (vd. itens 116º, 128º e 139º), o que demonstra que cada uma delas não só tem vários seguros, como vários carros e créditos.
XXXIX – As despesas patenteadas nos itens 113º a 122º, 124º a 135º e 137º a 144º dos factos provados permitem concluir que as requeridas e o seu agregado familiar conseguem gerar rendimentos para fazer face a essas despesas, pois que, se não o conseguissem, estavam em situação de insolvência, do que não há registo.
XL – Não podem restar dúvidas de que as requeridas estão em condições económicas de suportar os alimentos de que o recorrente carece, sendo uma verdadeira afronta e um claro atentado à dignidade humana negar o direito a alimentos por falta de condições económicas para os prestar, quando se provou (itens 115º e 126º) que as requeridas Maria e Teresa têm despesas mensais com alimentação do cão e despesas do veterinário, sendo caso para perguntar se a vida de um cão vale mais do que a vida de um homem.
XLI – O tribunal a quo, para efeitos do disposto no artigo 2011º do CC, deve considerar o valor de mercado do imóvel (€ 50.000,00 – vd. item 62º dos factos provados) ou, pelo menos, o seu valor patrimonial tributário (€ 20.697,07 – vd. item 61º dos factos provados), por referência à data em que os alimentos estão a ser reclamados, e não o valor que as partes atribuíram à doação (€ 1.834,29 – vd. item 66º dos factos provados).
XLII – Em qualquer dos casos, se o imóvel se tivesse mantido na esfera jurídica do recorrente, esse bem era idóneo a assegurar-lhe a subsistência.
XLIII – Se o mesmo imóvel, ao invés de ter sido doado, tivesse sido partilhado após o divórcio, o recorrente ou ficava com o imóvel para si, pagando à ex-mulher as tornas que lhe cabiam, ou abria mão desse imóvel e ficava com direito a receber metade do seu valor (€ 25.000,00 ou, no limite, € 10.348,54), o que, em qualquer dos casos, assegurar-lhe-ia os alimentos que reclama nesta providência.
XLIV – Como ressalta do disposto no artigo 2005º, nº 1, do CC, os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, pelo que se as requeridas permitiram que o recorrente, seu pai, se mantivesse a residir no imóvel após a doação fizeram-no em cumprimento dos deveres filiais de auxílio e assistência, consignados no artigo 1874º do CC, e não no cumprimento de uma obrigação alimentar.
XLV – Os fundamentos de facto e de direito explanados na ação para fixação de alimentos definitivos referida no item 72º dos factos provados (vd. documento de fls. 133 a 145 dos autos) não se confundem com os fundamentos de facto e direito explanados na presente providência.
XLVI – O recorrente, perante a absolvição da instância das requeridas na ação judicial referida no item 72º dos factos provados, não podia fazer uso do disposto no artigo 99º, nº 2, do CPC, em face do disposto no artigo 2010º, nº 1, do CC e do teor do douto acórdão da RL de 13.03.2012 (p. 2275/11.0 TMLSB.L1-1: dgsi.pt), citado na motivação do recurso, que se dá por reproduzido.
XLVII – A factualidade integradora do periculum in mora está perfeitamente evidenciada no facto do requerente auferir, como único rendimento, uma pensão de reforma do montante mensal de € 305,96, tal como se deu como provado no item 45º da matéria assente, sendo que a exiguidade desse valor, que é muito inferior ao salario mínio nacional (sendo que este, como é unanimemente reconhecido, se situa já no estrito limiar de sobrevivência), conjugadas com as despesas que suporta mensalmente (vd. itens 49º a 54º dos factos provados) demonstram, de forma inequívoca, a urgência do requerente na prolação de uma decisão judicial que lhe conceda alimentos provisórios até que ocorra o pagamento da 1ª prestação de alimentos definitivos.
XLVIII – Se o recorrente escreveu demasiado e / ou se pediu demasiado o tribunal a quo tinha boa solução: corte-se o excesso e reduza-se a condenação à medida das necessidades do requerente e das possibilidades das requeridas.
XLIX – O que o tribunal recorrido não podia fazer era negar, em absoluto, o direito a alimentos a quem deles está manifestamente carecido, porque isso é uma chocante afronta aos mais basilares princípios da nossa ordem jurídica, desde logo, o respeito pela dignidade da pessoa humana, constitucionalmente consagrado.
L – A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou, por errada ou má interpretação, o disposto no artigo 2003º, , 2004º, nº 1, 2007º, nº 1, 2011º e 2013º, nº 1, alínea c), do CC.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis, requere-se a V. Exas. se dignem julgar totalmente procedente, por provada, a presente providência cautelar de alimentos provisórios, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por uma outra decisão que condene a primeira, a segunda e a terceira requeridas a pagarem ao requerente, na proporção de 1/3 para cada uma, alimentos provisórios a fixar segundo o prudente arbítrio do Julgador, consignando-se que esses alimentos são devidos desde a propositura da presente providência, nos termos do disposto no artigo 2006º do mesmo diploma.

As requeridas contra-alegaram, tendo pugnado pela rejeição do recurso da matéria de facto, por falta de cumprimento do disposto no artº 640º, nº1, alínea b) e nº 2, alínea a) do CPC, pela improcedência do requerido e requereram ainda ampliação do recurso relativamente a concretos pontos da matéria de facto não impugnados pelo recorrente.

II– Objecto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:

Da apelação

. se os pontos 65º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º, 79º, 80º, 81º, 95º, 96º, 97º, 98º, 104º, 105º, 106º, 107º, 145º, 146º e 147º dados como provados e o facto dado como não provado nº 13 devem ser alterados;
. se as requeridas devem prestar alimentos ao requerente.

Ampliação do recurso:

. se os pontos 12, 13, 14, 25, 28, 29, 45, 47, 49, 50, 51, 53, 54, 55, 57, 62 e 63 devem ser julgados não provados.
.se os pontos 25, 49 e 63 devem ser alterados, nos termos sugeridos pelas apeladas.

III – Fundamentação

Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

1.- O requerente contraiu casamento católico, em primeiras núpcias de ambos, com Emília no dia 23.03.1972, sem convenção antenupcial¬. cfr. documento junto com o r.i.
2.- Esse casamento foi dissolvido por divórcio, decretado por douta sentença proferida em 31.10.2008, transitada em julgado em 20.11.2008 - vd. documento n° 1 junto.
3.- Dessa união nasceram três filhas:
MARIA, nascida em 5.1 0.1970, aqui 1.ª requerida;
TERESA, nascida em 1.04.1977, aqui 2.ª requerida;
Ana, nascida em 30.12.1978, aqui 3.ª requerida. cfr. documentos n.º s 2, 3 e 4 juntos com o r.i.
4. - A casa de morada de família estava, como sempre esteve, fixada no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Ponte de Lima.
5. - E foi nessa casa onde cresceram as três filhas do casal.
6. - A casa referida em 4.º foi edificada, de raiz, num terreno doado (pela Junta de Freguesia) ao requerente e ex-mulher na constância do matrimónio.
7. - Essa casa foi sendo construída aos poucos pelo requerente e sua esposa com dinheiro de ambos.
8. - O requerente investiu parte as suas economias e poupanças (o requerente exercia, à data, a profissão de motorista) na construção da casa de morada de família.
9.- Era esse o único bem (imóvel) que compunha o património do extinto casal.
10. - No dia 3.01.2005, por razões que não relevam para o caso, o requerente tentou o suicídio, com arma de fogo.
11.- Nessa ocasião, o requerente foi transportado de urgência para o Hospital de Braga, onde se manteve internado até ao dia 19.01.2005 - cfr. documento n° 5 junto com o requerimento inicial .
12.- O requerente, após 19.01.2005, passou a ser acompanhado pela unidade de neurologia do hospital de Viana do Castelo - cfr. documento n.º 6 junto com o r.i.
13.- O requerente, na sequência do evento descrito em 10°, ficou cego do olho esquerdo e com visibilidade reduzida no olho direito - cfr. documento n° 7 junto com o r.i.
14.- Essas lesões determinaram-lhe uma incapacidade definitiva para o trabalho, tendo-lhe sido atribuída a reforma, por invalidez, em 26.07.2007.
15.- O requerente nasceu em 12.05.1951, pelo que, quando lhe foi dada a reforma, tinha 53 anos de idade - vd. documento n° 1 junto.
16. - O imóvel referido em 4. supra foi construído num terreno dado (pela Junta de Freguesia) ao requerente e ex-mulher de boca, sem qualquer documento que titulasse essa aquisição, por um lado.
17.-Por escritura de justificação e doação outorgada em 2.02.2005 no extinto Cartório Notarial, exarada a fls, 74 a 75 verso do livro de notas para escrituras diversas n° 154-E, o requerente e a sua ex-mulher, para além de terem justificado a aquisição do mencionado prédio por usucapião, declararam doar às três filhas, aqui requeridas, em comum, e por conta da quota disponível, a casa de habitação de rés-do-chão e logradouro, sita no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Ponte de Lima, referida no item 4° supra - cfr. documento n° 8 junto com r.i. .
18.- O requerente manteve-se a residir no imóvel objeto da escritura aludida em 17. supra.
19.- E aí se manteve durante cerca de onze anos e três meses, até ao dia 4.05.2016.
20.- Em 27.01.2015, a primeira, segunda e terceira requeridas requereram a notificação judicial do requerente para proceder à entrega da casa onde vivia (e sempre viveu) - cfr, documento n° 9 junto com o r. i.
21.- Fizeram-no a pretexto da 3.ª requerida M. F. necessitar desse imóvel para sua residência - vd. documento n° 9 junto.
22.- O requerente ignorou essa notificação. Não percebeu, sequer, o que dela constava ou o que com ela as requeridas pretendiam.
23.- Entretanto, as requeridas instauraram contra o requerente o processo executivo n.º 338115.2 T8PTL, que correu seus termos pela Instância Local - Secção Genérica - de Ponte de Lima , com vista a obterem do requerente a entrega coerciva do imóvel em causa.
24. - No dia 4.05.2016, seis agentes da GNR (pelo menos), acompanhados por um agente de execução, advogados, presidente da junta de freguesia e delegado de saúde, deslocaram-se à casa onde o requerente vivia, a fim de o despejarem.
25. - O requerente foi retirado dessa casa à força.
26- O imóvel, na sequência, foi entregue às primeira, segunda e terceira requeridas em 4.05.2016 - cfr, documento n.º 10 junto com o r.i.
27.- O requerente viu-se sozinho e obrigado, aos 65 anos de idade.
28.- O requerente padecia (como padece) de incapacidade definitiva para o trabalho.
29. - O requerente deixou de ter uma casa onde viver.
30.- Por imposição dos serviços da Segurança Social, o requerente foi integrado temporariamente no Centro comunitário D., sito na Rua (…) Viana do Castelo.
31.- O requerente nunca se sentiu bem nessa instituição.
32. - Estava habituado à sua casa, aos seus hábitos e rotinas e, ali, tudo lhe era estranho.
33.- No Centro comunitário D., o requerente tinha os seus movimentos controlados e horas para entrar e sair.
34.- Se quisesse sair tinha de dizer para onde ia e com quem ia.
35.- O requerente não gostava de lá estar.
36. - E foi quando os responsáveis da instituição lhe comunicaram que lhe ia passar a ser cobrada uma mensalidade correspondente a 80% da sua reforma, ficando com um rendimento mensal disponível de cerca de € 25,00, que o requerente consolidou a decisão de abandonar o Centro comunitário D..
37. - Não possuindo casa própria, ao requerente não restou outra hipótese que não fosse a de arrendar casa.
38. - Por contrato de arrendamento outorgado no dia 1.08.2016, com início no mesmo dia, o requerente tomou de arrendamento o 1° andar do prédio urbano sito na Rua (…), na cidade de Viana do Castelo, pelo prazo de um ano - cfr. documento n° 11 junto com o r.i .
39. - A renda mensal convencionada foi de € 200,00 (duzentos euros), que o requerente esforçou-se por cumprir religiosamente - cfr. documentos n° 12, 13 e 14 juntos com o r.i.
40. - Como o montante dessa renda era incomportável para os seus rendimentos, o requerente viu-se obrigado a deixar o referido imóvel no dia 30.06.2017.
41.- A partir daí, uma conhecida do requerente (companheira com a qual manteve uma relação extraconjugal), sabedora da situação em que este se encontrava, aceitou acolhê-lo na casa da mãe, de nome M. D., com autorização prévia desta, sita na Rua (…), freguesia de (...), concelho de Viana do Castelo.
42 - É nessa situação de facto que o requerente se mantém na presente data.
43.- O requerente para satisfazer as suas necessidades de habitação própria e permanente - que se verificaram na sequência da doação do imóvel às requeridas e da sua retirada à força desse imóvel no dia 4.05.2016 -, o requerente passou a suportar despesas que antes não tinha.
44. - O imóvel doado às requeridas possuía um logradouro com urna área de 500 m2,
45. O requerente aufere, uma pensão de invalidez (que, entretanto, atingida a idade legal, foi convolada para uma pensão de velhice), que, nesta data, é do montante mensal de € 305,96 (trezentos e cinco euros e noventa e seis cêntimos) - cfr. documento n° 15 com o r.i.
46. - O requerente não aufere quaisquer outros rendimentos.
47.- Também não tem outro património, imobiliário ou mobiliário.
48. – Parte da poupanças que acumulou ao longo da sua vida ativa gastou-as na construção da casa.
49.- O requerente entrega todos os meses à citada M. D., da sua reforma, o montante de € 250,00 por mês, pelo alojamento e comparticipação nas despesas com renda, água, luz e gás.
50.- O requerente necessita da quantia mensal de € 360,00 (trezentos e sessenta euros) para a sua alimentação, assim discriminada: € 2,00 por dia para pequeno almoço e outro tanto para o lanche; € 4,00 por dia para almoço e igual quantia para o jantar;
51- Em telemóvel, o requerente gasta mensalmente a quantia de € 20,00 - cfr. documento nº 16 que se junta e se dá por reproduzido.
52. - O requerente gasta € 6,40 por mês em medicação (o requerente sofre de problemas na próstata) - cfr. documento n. 17 que se junta e se dá por reproduzido.
53.- O requerente, que tem carro próprio, despende mensalmente em transportes a quantia de € 40,00 (quarenta euros) - cfr. documento n.º 18 junto com o r.i.
54.- O requerente necessita ainda da quantia mensal de, pelo menos, € 15,00 (quinze euros) para vestuário e calçado e de igual quantia para artigos de higiene, aí se incluindo produtos para se barbear e corte do cabelo.
55.- No mês de outubro do corrente ano, foi diagnosticado ao requerente um problema oncológico (suspeita de cancro nos intestinos).
56. - O requerente, atualmente com 66 anos de idade, está num escalão etário em que é maior a probabilidade de surgirem doenças - como infelizmente se veio já a verificar - com a inerente necessidade de recurso a consultas médicas, medicamentos e exames, ainda que com caráter preventivo, o que irá agravar, ainda mais, a sua precária situação económica.
57 - O requerente necessita de alimentos do montante mensal de € 400,00 (quatrocentos euros), montante esse que, para já, é indispensável para lhe assegurar uma existência minimamente condigna.
58- O Imóvel doado tem 121 m2 de área bruta de construção, sendo 40 m2 de área bruta dependente e 81 m2 de área bruta privativa - cfr. documento n° 19 junto com o r.i.
59.- Tal imóvel é composto por uma casa de rés-do-chão e sótão, com quatro quartos, duas casas de banho, um salão grande no sótão, uma sala de jantar, uma salinha e uma cozinha no rés-chão, um garagem, um anexo para arrumas e um curral de animais.
60. - O referido imóvel tem um logradouro de 500 m2 - vd. documento n° 19 junto.
61. - O seu valor patrimonial tributário, determinado no ano de 2014, é de € 20.697,07 - vd. documento n° 19 junto.
62.- Porém, esse imóvel tem um valor de mercado nunca inferior a € 50.000,00.
63.- O referido imóvel mantém-se, ainda hoje, na esfera jurídica da primeira, segunda e terceira requeridas e em proveito exclusivo destas.
64.- Não obstante a doação supra referida, e ressalvados o mês de Junho de 2005 em que o requerente esteve a trabalhar em Andorra, e 7 meses (Julho 2005 a Janeiro de 2006) em que o requerente esteve a trabalhar em Espanha, a casa foi usada em exclusivo, depois da doação (Fevereiro 2005) pelo requerente, até ao dia 04/05/2016, com exclusão das requeridas e da referida Emília, facto reconhecido pelo requerente no art. 27º da p.i.
65.- Ou seja, as requeridas deram ao requerente durante cerca de 11 anos alimentos na modalidade de habitação.
66.- A casa como supra se referiu tinha á data da doação o valor patrimonial de € 1.834,29 e foi esse valor atribuído à doação, ou seja, o requerente deu às requeridas metade desse valor, isto é, €917,00, a dividir pelas três dá €305,60 a cada filha. Em 2014 a casa foi avaliada pelas Finanças em €20.697,00. (vide doc. n.º 19 junto com a petição).
67.- Em 04/05/2016 data em que a casa foi entregue às requerentes, a casa nem isso valia, atento o estado de degradação em que se encontrava, por mau uso por parte do requerente. (Vide docs. n.º 1 a 7 juntos com a contestação)
68.- Sucede que o requerente durante cerca de 11 anos que habitou a casa, maltratou as filhas, aqui requeridas chamando-lhes “putas” e “filhas da puta”, assim se referindo ás mesmas, agrediu a requerida Ana, não cuidou com zelo da casa, ameaçando por lhe fogo, e tinha uma atitude de total desprezo pelas requeridas.
69. - Por esse motivo tornou-se indigno de continuar a habitar a referida casa e de receber das requeridas alimentos em qualquer modalidade.
70.- Ao mesmo tempo que o requerente usava em exclusivo a casa doada às requeridas, a sua ex-mulher desde a data da doação (2005) nunca mais a habitou, vivendo sempre de favor em casas emprestada, bem como as requeridas Teresa e Ana que não têm casa própria.
71.- E as próprias requeridas Teresa e Ana não tem e nunca tiveram casa própria para habitar, situação que se mantém na presente data. A requerida Maria está a pagar empréstimo da casa onde vive.
72. - Em 25/11/2016 o requerente ANTÓNIO intentou na Instância Central – Secção de Família e Menores de Viana do Castelo, ação com processo comum, para fixação de alimentos definitivos contra Emília, MARIA; TERESA e Ana, que correu termos sob o n.º 4131/16.7T8VCT. (Vide doc. n.º 8 junto com a contestação)
73.- Por Douto despacho de 19/01/2017 foi indeferido liminarmente a petição inicial/pedido, formulada contra as aí rés, aqui requeridas, Maria, Teresa e Ana.(Vide doc. n.º 9 junto com a contestação).
74.- A requerida Maria nasceu em Ponte de Lima. (vide doc. n.º 1 junto aos autos pelo requerido com a p.i.)
75.-As requeridas Teresa e Ana nasceram no Hospital de Viana do Castelo.
76.- A casa sita no lugar da (...), freguesia de (…), concelho de Ponte de Lima, referida no art. 20º da p.i., não foi sempre a casa de morada de família, foi construída pelo requerente e pela sua ex-mulher Emília, na pendência do casamento, com o dinheiro que era dos dois.
77.- O requerente sobreveio à tentativa de suicídio e consta, designadamente, do relatório de alta junto aos autos com a Petição Inicial da Providência Cautelar de Alimentos Provisórios sob o n.º 5: “…Visão direita conservada…” “Manteve-se inicialmente queixoso com cefaleias sempre consciente e colaborante. Sem intercorrências neurológicas...” “O nervo óptico esquerdo está aparentemente conservado” (Vide doc. n.º 5 junto com a p.i)
78.- O requerente após o dia 19/01/2005 não passou a ser acompanhado pela unidade de neurologia do hospital de Viana do Castelo. Apenas esteve lá uma vez, no dia 21/04/2005. (vide doc. n.º 6 junto com a p.i).
79.- O requerente na sequência da tentativa de suicídio ficou cego do olho esquerdo, e com a visão direito conservada (Vide doc. n.º 5 junto com a p.i.)
80.- As lesões sofridas com a tentativa de suicídio não lhe determinaram a incapacidade definitiva para o trabalho. (Vide docs. n.º 10 a 14 juntos com a contestação).
81.- O requerente não se reformou aos 53 anos.
82.- A a casa descrita no art. 20º da p.i. foi participado pelo autor às finanças no ano de 1983. (vide doc. n.º 19 junto com a p.i).
83.- Resulta do relatório médico junto com a p.i. sob o doc. 5 (cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido), que o requerente manteve-se sempre consciente e colaborante.
84.- O requerente e a ex-mulher Emília doaram às requeridas a casa de livre vontade e porque assim o quiseram fazer.
85.- A ex-mulher do requerente não abandonou o lar conjugal em 02/02/2005, sendo verdade que no dia 03/05/2005 a mesma foi trabalhar para Andorra.
86.- Em Junho de 2005, o requerente foi também para Andorra trabalhar.
87.- A ex-mulher do requente trabalhou nas limpezas numa joalharia, num laboratório de análises e em casas particulares.
88.- O requerente trabalhou nas obras durante 1 mês (Julho de 2005), como camionista.
89.- Em Julho de 2005 despediram-se o requerente e a sua ex-mulher Emília.
90.- Nesse mesmo mês, foram para Espanha, Província da Catalunha, onde trabalharam no hotel “XX SL”, a Emília nas limpezas e na cozinha, e o requerente como ajudante de cozinha. (Vide doc. n.º 14, 15 e 16 juntos com a contestação).
91.- O requerente manteve-se nesse emprego desde Julho de 2005 até 04/01/2006.
92.-Durante esse período, o requerente beneficiou de “baixa médica com incapacidade temporária para o trabalho” válida por um mês em Portugal! (vide doc. n.º 12 e 13 juntos com a contestação).
93.- O requerente, em Fevereiro de 2006 abandonou o trabalho e regressou a Portugal, à casa que juntamente com a Emília, á data sua mulher, tinha doado às filhas aqui requeridas.
94.- Entre os dias 5 de Maio de 2009 e 24 de Julho de 2009, o requerente prestou serviço comunitário num total de 72 horas, nas instalações da Junta de Freguesia de (...), exercendo trabalhos de pintura e manutenção de espaços públicos, em cumprimentos de ordem do tribunal no âmbito do processo n.º 260/08.9GBPTL, pelo crime de sequestro praticado sobre a Emília. (Vide docs. n.º 10 e 11 juntos com a contestação).
95.- O requerente só não trabalha porque não quer. E não trabalhou mais, durante os últimos 12 anos porque não quis.
96.- O requerente começou a maltratar a ex-mulher Emília e as requeridas, principalmente após o divórcio ano 2008, chamando-lhes “putas” e filhas da puta”, assim as apelidando quando a elas se referia, agredindo-as, e chegou a sequestrar a ex-mulher Emília, tendo corrido neste tribunal o respetivo processo. (Vide doc. n.º 10 com a contestação).
97.- E ameaçava por fogo á casa, que juntamente com a sua ex-mulher doou à filhas, e da qual não cuidava apesar de lá viver durante mais de 10 anos após a referida doação. (Vide doc. n.º 1 a 7 juntos com a contestação).
98.- O que originou que as filhas intentassem a ação executiva para que o requerente lhes entregasse a casa que estava hipotecada a favor do então Banco A, S.A. para a garantia do pagamento do empréstimo contraído pela requerida Ana para pagar dívidas do requerente.
99.- A casa foi entregue às filhas no dia 04/05/2016 através da Agente de Execução Dr. A. S., na presença de várias pessoas, entre as quais a Dr.ª Paula, mandatária judicial do requerente, no processo executivo n.º 338/15.2TBPTL, que correu termos na Instância Local de Ponte de Lima – J1. (Vide Doc. n.º 17 junto com a contestação).
100.- O requerente retirou da casa tudo o que lhe pertencia e ainda o que não lhe pertencia, designadamente arrancou as portas do fogão, o esquentador, a bomba de tirar água do poço, os interruptores e tomadas, em 01/06/2016. (Vide Doc. n.º 18 junto com a contestação).
101.- O requerente foi integrado no dia 05/04/2016 no Centro comunitário D., por tempo indeterminado, onde tinha tudo o que necessitava (habitação, alimentação, cuidados de higiene e limpeza, etc., mantendo a sua pensão de sobrevivência). Vindo a abandoná-lo por sua iniciativa e vontade própria segundo alega.
102.- O doc. n.º 15 junto com a Petição Inicial da Providência Cautelar de Alimentos Provisórios refere-se à pensão por invalidez, no montante de € 305,96, acrescido de € .. de duodécimos de 50% do 13º mês, isto em 02/01/2017, há mais de 1 ano!
103.- A Providência Cautelar de Alimentos Provisórios deu entrada em juízo em 04/12/2017, pelo que o valor da pensão é superior a €305,96/mês.
104.- O requerente se não recebe outro rendimento é porque não quer, pois não sofre de qualquer incapacidade física ou psíquica que o impeçam de trabalhar e de auferir proventos que lhe permitam fazer face à sua subsistência, designadamente na agricultura, em serviços de jardinagem, limpeza de espaços públicos ou privados, ajudante de cozinha, de café ,de padaria, hotel, etc…
105.- O requerente é saudável e autónomo, e só está reformado por velhice porque, como foi motorista beneficia de um prazo especial para a reforma (65 anos). Ao contrário dos atuais 66 anos e 3 meses para a generalidade dos beneficiários do regime geral da Segurança Social.
106.- Nunca beneficiou de incapacidade definitiva para o trabalho, nem sequer no mês seguinte à tentativa de suicídio. (Vide doc. n.º 12 com a contestação ).
107.-Habituou-se a não trabalhar e a viver com a pensão de invalidez. (Vide Doc. n.º 19 junto com a contestação).
108.- O requerente tem o recheio que retirou em 01/06/2016 da casa doada às filhas, (Vide doc. n.º 18 junto com a contestação).
109.- Tem veículo automóvel próprio, marca Volkswagen, matrícula DX, que conduz todos os dias, e cuja seguro paga. (vide doc. n.º 20 junto com a contestação).
110.-Tal veículo automóvel encontra-se registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome de Júlio, rua da (...), n.º 276, pai do requente, falecido há anos que nem carta de condução tinha. (vide doc. n.º 21 junto com a contestação).
111.-A referida Emília viveu de caridade durante vários anos, em casa emprestada e é quem neste momento e desde Abril de 2017 está a habitar a casa por não ter casa própria onde viver.
112.- A requerida Maria tem 47 anos vive com o seu marido, com o seu filho e com o seu sogro que tem 80 anos de idade.
113.-E em raciocínio simétrico ao do requente necessita da quantia mensal de €1.440,00 para alimentação das quatro pessoas (360,00 × 4).

Assim discriminada:
a) €8,00 por dia para o pequeno almoço (€2,00 × 4) e €8,00 por dia para o lanche (€2,00 × 4);
b) €16,00 para o almoço (€4,00 × 4) e €16,00 por dia para o jantar (€4,00 × 4)
114.- Em medicação e consultas médicas a requerida Maria, o seu marido e o seu filho gastam no ano de 2017 a quantia de €1.750,29, ou seja, em média € 145,85 por mês. (Vide doc. n.º 22 a 54 junto com a contestação)
115.- Com a alimentação do cão e despesas do veterinário, a requerida Maria gasta em média a quantia mensal de € 13,28. (Vide doc. n.º 55 a 57 com a contestação)
116.- Em créditos bancários, a requerida Maria pagou no ano de 2017 a quantia de €5.906,28, ouse seja, € 492,19 por mês. (Vide doc. n.º 58 a 107 juntos com a contestação)
117.- A requerida Maria tem uma despesa anual de € 1.205,15, ou sejam em média € 100,42 por mês, em eletricidade. (Vide doc. n.º 108 a 119 juntos com a contestação)
118.- Em telemóvel, telefone, televisão e internet a requerida Maria, o seu marido e o seu filho têm uma despesa anual de € 1.265,07, ou seja em média € 105,42 por mês. (Vide doc. n.º 120 a 131 juntos com a contestação)
119.- Em seguros variados, a requerida Maria, o seu marido e o seu filho gastam no ano de 2017 a quantia de €1.064,16, ou seja, em média € 88,67 por mês. (Vide doc. n.º 132 a 137 juntos com a contestação)
120.- Para a manutenção dos carros, a requerida Maria, o seu marido e o seu filho gastam no ano de 2017, em média €46,25 por mês. (Vide doc. n.º 138 a 144 juntos com a contestação)
121.- A requerida Maria pagou no ano de 2017 a quantia de € 152,84, relativa ao Imposto Municipal sobre Imóveis, em média €12,73 por mês. (Vide doc. n.º 145 e 146 juntos com a contestação)
122.- Em despesas gerais (eletrodomésticos, vestuário, cabeleiro, produtos de higiene, combustível, etc.) a requerida Maria, o seu marido e o seu filho gastaram no ano de 2017, no mínimo a quantia de €1.604,70, em média € 133,72 por mês. (Vide doc. n.º 147 a 166 juntos com a contestação)
123.- A requerida Teresa vive com o seu marido, com a sua filha estudante, e com os sogros na casa desta, pois não tem casa própria.
124. - E em raciocínio simétrico ao do requente necessita da quantia mensal de €1.800,00 para alimentação das 5 pessoas (360,00 × 5).

Assim descriminada:
a) €10,00 por dia para o pequeno almoço (€2,00 × 5) e €10,00 por dia para o lanche(€2,00 × 5);
b) €20,00 para o almoço (€4,00 × 5) e €20,00 por dia para o jantar (€4,00 × 5);
125.- Em medicação e consultas médicas a requerida Teresa, o seu marido e a sua filha gastaram no ano de 2017 a quantia de €318,08, ou seja, em média € 26,50 por mês, (Vide doc. n.º 167 a 184 juntos com a contestação)
126.- Com a alimentação do cão e despesas do veterinário, a requerida Teresa gasta em média a quantia mensal de € 38,28. (Vide doc. n.º 185 a 194 juntos com a contestação.)
127.- Em propinas e material escolar da sua filha, a requerida Teresa gasta em média a quantia de € 100,00. (Vide doc. n.º 195 a 203 juntos com a contestação)
128.- Em créditos bancários, a requerida Teresa pagou no ano de 2017 a quantia de €3.589,32, ou seja, € 299,11 por mês. (Vide doc. n.º 204 a 215 juntos com a contestação)
129.- Em telemóvel, telefone, televisão e internet a requerida Teresa, o seu marido e a sua filha têm uma despesa anual de € 792,54, ou seja em média € 66,04 por mês. (Vide doc. n.º 216 a 230 juntos com a contestação)
130.- A requerida Teresa tem uma despesa anual de € 505,33, ou seja em média €42,11 por mês, em r (Vide doc. n.º 231 a 236 juntos com a contestação)
131.- Em seguros variados, a requerida Teresa, o seu marido gastam no ano de 2017 a quantia de €1.324,99, ou seja, em média € 110,41 por mês. (Vide doc. n.º 237 a 257 juntos com a contestação)
132.- Para a manutenção dos carros, a requerida Teresa, o seu marido gastam no ano de 2017, em média € 31,18 por mês. (Vide doc. n.º 258 a 259 juntos com a contestação)
133. - A requerida Teresa pagou no ano de 2017 a quantia de € 458,40, relativa ao Impostos, em média €38,20 por mês. (Vide doc. n.º 260 a 262 juntos com a contestação)
1.- Em despesas gerais (eletrodomésticos, vestuário, cabeleiro, produtos de higiene, combustível, etc.) a requerida Teresa e o seu agregado familiar gastaram no ano de 2017, no mínimo a quantia de €1.929,68, em média €160,80 por mês. (Vide doc. n.º 263 a 248 juntos com a contestação).
135.- Resumindo, a requerida Teresa e o seu agregado familiar, tem uma despesa mensal fixa mínima de € 916,66, ao que acresce as despesas de alimentação referida supra.
136.- A requerida Ana está desempregada, vive com o seu marido, com a sua filha de 15 meses, e com a sogra na casa desta, pois não tem casa própria.
137.- E em raciocínio simétrico ao do requente necessita da quantia mensal de €1.440,00 para alimentação das 4 pessoas (360,00 × 4).

Assim descriminada:
a) €8,00 por dia para o pequeno almoço (€2,00 × 4) e €8,00 por dia para o lanche(€2,00 × 4);
b) €16,00 para o almoço (€4,00 × 4) e €16,00 por dia para o jantar (€4,00 × 4);
138.- Em medicação e consultas médicas a requerida Ana, o seu marido e a sua filha gastaram no ano de 2017 a quantia de €2.410,00, ou seja, em média € 200,83 por mês, (Vide doc. n.º 349 a 394 juntos com contestação)
139.- Como crédito bancário, a requerida Ana pagou no ano de 2017 a quantia de €1.823,76, ou seja, € 151,95 por mês. (Vide doc. n.º 395 junto com a contestação)
140. - A requerida Ana tem uma despesa anual de € 961,66, ou seja em média €80,13 por mês, em eletricidade. (Vide doc. n.º 396 a 402 que aqui se junta e dá por integralmente reproduzidos)
141.- Em telemóvel, telefone, televisão e internet, e água a requerida Ana, o seu marido têm uma despesa anual de € 844,05, ou seja em média € 70,33 por mês. (Vide doc. n.º 403 a 418 juntos com a contestação)
142.- Para a manutenção do carro e seguro, a requerida Ana, o seu marido gastam no ano de 2017, em média € 65,561 por mês. (Vide doc. n.º 419 e 420 juntos com a contestação)
143.- Em despesas gerais (fraldas, artigos de puericultura, eletrodomésticos, vestuário, cabeleiro, produtos de higiene, combustível, aquecimento, etc.) a requerida Teresa e o seu agregado familiar gastaram no ano de 2017, no mínimo a quantia de €1.447,96, em média € 120,66 por mês. (Vide doc. n.º 421 a 426 juntos com a contestação)
144.- Daqui resulta que a requerida Ana e o seu agregado familiar, tem uma despesa mensal fixa mínima de € 704,56, ao que acresce as despesas de alimentação referida supra.
145.- O requerente vive em união de facto com Conceição, na casa desta, há mais de um ano, com quem mantém relacionamento amoroso, desde o tempo em que ainda era casado com a referida Emília.
146.- As requeridas Maria e Teresa ganham pouco mais que o salário mínimo nacional atualmente no valor de €580,00, trabalhando por turnos rotativos (3 semanas das 5:30h às 13:30h e 3 semanas das 13:30 ás 21:30h, e assim sucessivamente) e sujeitando-se a trabalho noturno e a trabalho suplementar para fazer face ás despesas fixas mensais a que estão obrigadas, levantando-se as 4.00 horas da manhã para irem trabalhar no turno das 5.30h ás 13.30h.
147. - A requerida Ana está atualmente e desde Maio de 2016 desempregada, tem uma filha ainda bébé, de 15 meses, e o seu marido sujeitou-se a ir trabalhar para a Argélia para sustentar a família.

Factos não provados

- Que em finais do mês de janeiro de 2005, encontrando-se o requerente a recuperar da tentativa de homicídio e das lesões dele advenientes, as requeridas disseram¬-lhe que tinham de legalizar a casa de morada de família nas finanças e na conservatória.
- O requerente foi assim convencido pelas requeridas da necessidade de legalizar esse imóvel, para o que se impunha a outorga da competente escritura pública de justificação notarial.
- O requerente, à data da celebração dessa escritura, em virtude das lesões sofridas na sequência do evento ocorrido trinta dias antes, não se encontrava em condições de entender e querer o que declarou naquele instrumento.
- Não teve consciência de que, por essa escritura, estava a transmitir definitivamente a propriedade do imóvel às filhas.
- Nem nunca isso lhe foi comunicado, antes ou após a celebração da escritura.
- Por isso se compreende que, na doação, nem sequer tenha sido reservado o direito do requerente ao usufruto do imóvel, até à data da sua morte.
- A ex-mulher do requerente, na sequência da outorga da escritura de doação supra aludida, abandonou o lar conjugal e foi trabalhar para Andorra.
- Quando foi despejado o requerente apenas conseguiu levar a roupa que trazia no corpo.
- Que no quintal (rocio) do imóvel doado o requerente cultivava batatas, hortaliças, feijão, tomates, pepinos e alfaces e tinha plantadas diversas árvores de fruto (duas laranjeiras, uma tangerineira, uma figueira, uma cerejeira e um limoeiro).
- O requerente canalizava a totalidade dos frutos dessas colheitas e plantações para a sua própria alimentação, não tendo, assim, de os comprar no mercado.
- No mês de outubro do corrente ano, foi diagnosticado ao requerente um problema oncológico (suspeita de cancro nos intestinos).
- Vai ser submetido a intervenção cirúrgica, em data a designar.
- O requerente tem, ainda, de ser operado às cataratas (olho direito).

Da alteração da matéria de facto:

Alega o apelante que não foram correctamente julgados os factos constantes dos pontos 65º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º, 79º, 80º, 81º, 95º, 96º, 97º, 98º, 104º, 105º, 106º, 107º, 145º, 146º e 147º dados como provados e o facto dado como não provado nº 13.
Nas contra-alegações vieram as apeladas pugnar pela rejeição do recurso pelo não cumprimento pelo apelante do disposto no artº 640º, nº 1, alínea b) e alínea a) do nº 2 do CPC.

Vejamos:

O recorrente que pretende impugnar a matéria de facto tem de cumprir diversos ónus impostos pelo artº 640º do CPC. Com o actual preceito o legislador teve em vista dois objectivos: eliminar dúvidas que o anterior preceito legal suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente que deverá indicar qual a decisão que o Tribunal deveria ter tido.

O sistema que passou a vigorar impõe o seguinte (seguindo-se de perto o referido no Ac. do TRG, proferido no proc. 1120/13.7TBCHV.G1– 1.ª, relatado pelo desembargador José Amaral e no qual interviemos como adjunta, não publicado):

.a) o recorrente deve indicar os concretos pontos da matéria de facto que considere encontrarem-se incorrectamente julgados, tanto na motivação do recurso como nas conclusões, ainda que nestas de modo mais sintético;
.b) quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve indicar aqueles que em seu entender conduzem a uma decisão diversa relativamente a cada um dos factos;
.c) no que concerne aos pontos da matéria de facto cuja impugnação se apoie em prova gravada (no todo ou em parte), para além da especificação dos meios de prova em que se fundamenta, tem que indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes, transcrevendo, se assim o entender, os excertos que considere oportunos;
.d) o recorrente deverá mencionar expressamente qual a decisão que deve ser proferida sobre os pontos concretos da matéria de facto impugnada (cfr. ensinamentos de António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código do Processo Civil, Coimbra: Almedina, 2013, p. 126 e 127).

Todos estes pontos têm de ser observados com rigor (cfr. se defende, entre outros, no Ac.do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-07-2012, proferido no proc. 781/09 que embora proferido no domínio do CPC anterior à Lei 43/2013, mantém actualidade, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte).

O não cumprimento destes mencionados ónus, conduz à rejeição imediata do recurso na parte afectada, não havendo sequer lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento, porquanto esse convite se encontra apenas consagrado no n.º 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil para as conclusões relativas às alegações sobre matéria de direito (em sentido contrário, mas em clara minoria, o , o Acórdão do STJ, de 26-05-2015, processo 1426/08.7TCSNT.L1.S1,que admite também o convite ao aperfeiçoamento das conclusões relativas ao recurso de impugnação da matéria de facto).

A alegação e, em particular, as conclusões devem identificar e localizar com clareza mas de forma sintética, o erro de julgamento em que o tribunal incorreu e que deu causa à impugnação e explicar os concretos motivos da discordância, de modo que a Relação possa reapreciar o percurso decisório levado a cabo pelo tribunal a quo, e decidir a impugnação, pronunciando-se sobre o seu mérito.
Não é pacífico na jurisprudência a questão de saber se os ónus do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto devem constar formalmente das conclusões e se, devendo constar, deverão ser todos ou apenas alguns e quais.

Com base no artº 640º CPC, no sentido de que nada refere, há quem entenda (minoritariamente ao que pensamos) que os requisitos aí referidos não têm de ser incluídos nas conclusões, uma vez que, quanto a estas especificamente, consideram nada se exigir, pois que os nºs 1 e 2, do artº 639º CPC apenas se reportam ao recurso da matéria de direito.

Por outro lado, há quem entenda que todos os requisitos deverão constar das conclusões (v.g. Acórdão da Relação de Coimbra, de 02-03-2011, processo 579/04.8GAALB.C1 ), sob pena de rejeição.
O nº 2 do artº 639º do CPC dirige-se especificamente ao recurso sobre matéria de direito, mencionando quais as especificações que devem conter as conclusões, pelo que, se entende que o subsequente artº 640º, ao impor específicas obrigações, sob pena de rejeição, “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto”, embora o não diga expressamente, parece ter querido mencionar quais as indicações que as conclusões, no caso de recurso da matéria de facto, devem conter (as acima enumeradas e decorrentes das alíneas a), b) e c), do nº 1, e da alínea a) do nº 2) (cfr. se defende no Ac. do STJ, de 04-03-2015, processo 2180/09.0TTLSB.L1.S2 que, embora proferido na vigência do CPC, anterior ao aprovado pelo L 41/2013, também mantém total actualidade).

O Acórdão do STJ, de 19-02-2015 (proferido no processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1) considerou suficiente que nas conclusões se especifiquem os concretos pontos de facto impugnados e a decisão a proferir nesse domínio, enquanto delimitativas do objecto do recurso. A falta destas menções nas conclusões, implicará a rejeição do recurso (cfr. Abrantes Geraldes, , ob. citada, páginas 126 e 127.)

Parte da impugnação feita pelo apelante não é impugnação da matéria de facto. O apelante insurge-se contra a inclusão na matéria de facto do que considera matéria conclusiva ou de direito e aponta contradições. Ora quanto a estes pontos, cujas razões de discordância não se fundam em qualquer meio de prova, não tinha o apelante de cumprir o disposto no artº 640º, nº 1, alínea b) e alínea a) nº 2 do CPC.

O apelante apenas se funda na prova testemunhal ou por declarações relativamente aos pontos 68º e 145º da sentença. E relativamente a estes pontos, o apelante deu cumprimento ao disposto no artº 640º do CPC, na interpretação do citado Ac. do STJ de 19.02.2015, pois que indicou o nome do declarante e delimitou o preciso segmento em que se fundamentou, indicando o seu início e o seu fim.

Também relativamente aos pontos da matéria de facto que impugnou com base em documentos, o apelante indicou os documentos em que se baseou, precisando até a sua localização nos autos, mencionando o nº da página e as razões da discordância.
No que diz respeito aos pontos que a apelante diz que não se provaram por não ter sido produzida prova, não podia o apelante indicar os segmentos em que se fundamenta, pois, na sua perspectiva, as testemunhas nada referiram sobre tais factos.
Não assiste assim razão às apeladas, pelo que se admite a impugnação da matéria de facto.
O apelante como referimos aponta à matéria de facto não apenas erros de julgamento, como também deficiências, contradições e inserção de conclusões de facto e de direito.
Iremos iniciar a análise, começando pelos pontos, relativamente aos quais, o apelante entende que contém conceitos de direito/conclusões e relativamente aos quais são apontadas contradições. No entanto, no caso de terem sido apontadas contradições e ainda outros vícios, carecendo o tribunal para apreciar, de atender a meios de prova, nomeadamente à prova testemunhal, serão apreciados no 2º momento, juntamente com os demais pontos relativamente aos quais o apelante defende ter ocorrido erros de julgamento.

Vejamos:

Da alegada inserção de conclusões e matéria de direito e das contradições

No CPC de 1961 estava expressamente prevista a consideração como não escritas das respostas contendo matéria de direito ou conclusiva (artº 646º, nº 4 ). O CPC actual não contém essa menção expressa, no entanto, face ao que dispõe o artº 607º, nº 4 que estabelece que na sentença o juiz deve declarar os factos provados e os factos não provados, afigura-se-nos claro que a matéria provada e não provada apenas deve conter factos, devendo ser expurgada de tudo o que não o for.
Por vezes não constitui tarefa fácil distinguir entre factos, conclusões de direito e conclusões de facto.

Conforme ensina José Lebre de Freitas (1) “…às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência. Mas nem sempre são nítidos os critérios utilizados e as fronteiras estabelecidas”.

Conforme se refere no Ac. do TRL de 2.11.2009 (2), os factos no domínio processual abrangem as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação das pessoas e das coisas, («(…) Dir-se-á ser matéria de facto a que envolve os acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos, incluindo as actuações dos seres humanos, sem excluir as do foro interno. Neste quadro, pode, grosso modo, considerar-se questão de facto a que visa determinar o que aconteceu, designadamente as ocorrências da vida real, ou seja, os eventos materiais e concretos, as mudanças operadas no mundo exterior. (…)», apud Ac STJ de 23 de Abril de 2009 (Relator Salvador da Costa). Por seu turno «(…)a matéria de direito respeita à aplicação das normas jurídicas aos factos, à valoração feita pelo Tribunal, de acordo com a interpretação ou aplicação da lei, e a qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, ou seja, sempre que, para se chegar a uma solução, haja necessidade de recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate da interpretação de uma simples palavra da lei.(…)», apud Ac STJ de 9 de Junho de 2009 (Relator Helder Roque).

Esclarecido o que se deve entender por factos, conclusões de facto e de direito, vejamos as pretensões do apelante:

Ponto 65 cuja redacção é a seguinte: Ou seja, as requeridas deram ao requerente cerca de 11 anos alimentos na modalidade de habitação.

Alega o apelante que este ponto é conclusivo.

Este ponto surge na sequência do dado como provado no ponto 64, onde consta que a casa doada pelo requerente e sua ex mulher às requeridas (suas filhas) foi usada pelo requerente em exclusivo entre Fevereiro de 2005 e 04.05.2016, com exceção de Junho de 2005 a Janeiro de 2006, altura em que o requerente esteve a trabalhar fora de Portugal.

Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário (artº 2003º, nº 1 do CC). Alimentos é pois um conceito de direito, assistindo razão ao apelante na crrítica feita ao ponto 65, na utilização da expressão “alimentos na modalidade de habitação”, pelo que este ponto da matéria de facto deve ser considerado como não escrito, o que equivale à sua eliminação dos factos assentes. Não entendemos, como defendem as apeladas que a expressão alimentos na modalidade de habitação tenha também um sentido comum, não jurídico.

Ponto 66 – A casa como supra se referiu tinha à data da doação o valor patrimonial de 1.834,29 e foi esse valor atribuído à doação, ou seja, o requerente deu às requeridas metade desse valor , isto é 917,00, a dividir pelas três dá 305,60 a cada filha. Em 2014 a casa foi avaliada pelas Finanças em 20.697,00.

O dado como provado no 2º período do ponto 66 já consta como provado no ponto 61. Deve ser eliminada a referência ao valor doado a cada filha e ao montante de doação, por esses factos serem conclusão dos factos já alegados nos pontos 1 e 17, assim como deve ser eliminado o 2º período do ponto 66 que já consta do ponto 61. Mantêm-se a referência ao valor patrimonial do imóvel e ao valor atribuído na doação que têm suporte na documentação junta - escritura de fls 22 e 23 – e que não constam em qualquer outro ponto dos factos assentes, passando a redação do ponto 66 a ser a seguinte:

A casa tinha à data da doação o valor patrimonial de 1.834,29 e foi esse valor atribuído à doação.
Ponto 69 – “Por esse motivo tornou-se indigno de continuar a habitar a referida casa e de receber das requeridas alimentos em qualquer modalidade”.
Entende o apelante que este ponto encerra um conceito de direito - “indignidade” - e contém conclusões.
O artº 2034º do CC estabelece os casos em que não há capacidade sucessória por indignidade.
Relativamente ao direito a alimentos não está prevista expressamente a cessação da obrigação alimentar por indignidade do credor. Na alínea c) do nº 1 do artº 2013º está prevista a cessação da obrigação de alimentos “quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado”. A indignidade a que se refere o artº 2034º não pode deixar de estar compreendida na previsão mais geral da alínea c) do nº 1 do artº 2013º do CC.
A expressão que é utilizada no ponto 69 trata-se efectivamente de uma conclusão jurídica que não pode permanecer.
O tribunal deve dar como provados os factos e apenas na aplicação do direito aos factos é que irá apreciar se os factos permitem que o Tribunal conclua pelo preenchimento de qualquer das alíneas do artº 2013º, nº 1 do CC .
A fundamentação de facto não pode conter a solução de direito. Por exemplo, se se discute em determinada acção se o A. é o proprietário de um determinado prédio, não se pode dar como provado que o A. é proprietário do mesmo. Terão de ser alegados e alvo de produção de prova, os factos relativos à inscrição do prédio no Registo Predial (se o autor pretender beneficiar da presunção de propriedade) ou os factos necessários para a aquisição por usucapião (se o autor se basear na aquisição originária) e de acordo com os factos dados como provados, o tribunal decidirá se assiste ao autor o invocado direito de propriedade. Deve, assim, esta alínea ser eliminada.
Ponto 70 – “Ao mesmo tempo que o requerente usava em exclusivo a casa doada às requeridas, a sua ex mulher, desde a data da doação (2005) nunca mais a habitou, vivendo sempre de favor em casas emprestadas, bem como as requeridas Teresa e Ana que não têm casa própria”.
Alega o apelante que este ponto está em contradição com o ponto 111, onde foi dado como provado que a ex mulher do requerente habita a casa desde Abril de 2017. As apeladas entendem que não se verifica qualquer contradição.
O ponto 70 reporta-se ao período em que o requerente habitou a casa doada e que perdurou até 2016. Assim, não ocorre qualquer contradição com o ponto 111 ao ser dado como provado que a ex mulher habita a casa desde Abril de 2017, por se reportar a um período posterior. Elimina-se a parte final do ponto 70, por já constar do ponto 71.
Analisamos de seguida os pontos da matéria considerada provada, relativamente aos quais o apelante alega contradições e erro de julgamento ou apenas erro de julgamento.
Procedeu-se à audição da prova gravada.

Prestaram declarações/depoimentos:

Conceição. O apelante vive actualmente na casa da mãe da testemunha juntamente com esta.
Rosa que prestou trabalho doméstico para o apelante, após a entrega da casa doada às requeridas, numa casa que aquele tomou de arrendamento em Viana do Castelo;
Dinis que foi vizinho do apelante durante vários anos;
A. S. que foi a agente de execução incumbida de efectivar a entrega da casa habitada pelo apelante às apeladas;
Emília, mãe das requeridas e ex-mulher do apelante, de quem se divorciou em 2008;
João que foi vizinho e colega do apelante;
Fátima que foi vizinha do apelante;
O requerente, ora apelante; e,
As requeridas, ora apeladas, suas filhas.

Ponto 79 – “O requerente na sequência da tentativa de suicídio ficou cego do olho esquerdo e com a visão direita conservada (Vide doc. nº 5 junto com a p.i.)”.
Entende o apelante que este facto está em contradição com o ponto 13 dos factos provados onde se deu como provado que o requerente na sequência do evento descrito em 10, ficou com a visibilidade reduzida no olho direito, não havendo qualquer documento nos autos que o comprove. Alicerça-se ainda nos documentos de fls 21, 639 v, 697 v. Pede que seja eliminado da matéria de facto assente.
As apeladas defendem o acerto do julgado neste ponto 79 (e nos seguintes), mencionando os meios de prova que, em seu entender, corroboram o entendimento do tribunal a quo.
Os documentos de fls 639 v e 697 v referem que o requerente sofre de cataratas no olho direito e o documento de fls 21 (doc. nº 7) no qual o Mmo Juiz a quo se fundamenta, é uma declaração subscrita por uma optometrista, na qual se menciona que “o paciente no olho direito com a graduação de + 1,25 apresenta uma acuidade visual de 0,7”, elevada a -2.
Por sua vez, as apeladas defendem que não ocorre qualquer contradição e que o que foi dado como provado no ponto 79 está de acordo com o que já foi dado como provado no ponto 77, não impugnado pelo apelante e com o doc. nº 5 (fls 19) junto pelo recorrente.
A utilização da expressão “conservada” é susceptível de gerar contraditoriedade com o ponto 13, onde se lê que ficou com a visão reduzida. No entanto, a contradição deve ser eliminada, mas não nos termos defendidos pelo apelante.
Efectivamente, da leitura dos documentos referidos pelas partes, não se mostra provado que em consequência do acidente sofrido pelo apelante (tentativa de suicídio) o seu olho direito tenha ficado afectado. A referência à diminuição da acuidade visual do apelante no documento nº 7 – fls 21 - junto com o req. inicial, não prova que essa diminuição tenha resultado do acidente. O relatório médico que constitui o doc. nº 5 e que é contemporâneo do acidente, não menciona qualquer redução da visão em consequência do evento. Já o documento de fls 21 é de 02/08/2017, ou seja, 12 anos depois do acidente.

Assim, a fim de evitar contradições e com fundamento na prova documental a que se aludiu, elimina-se a menção a “visibilidade reduzida no olho direito” no ponto 13 e mantém-se o ponto 79.

Pontos 80, 81, 95 e 104 a 107
Ponto 80 – “As lesões sofridas com a tentativa de suicídio não lhe determinaram a incapacidade definitiva para o trabalho” (vide doc.s nºs 10 a 14 juntos com a contestação).
Ponto 81 – O requerente não se reformou aos 53 anos.
Ponto 95 – O requerente só não trabalha porque não quer. E não trabalhou mais durante os últimos 12 anos porque não quis.
Ponto 104.- O requerente se não recebe outro rendimento é porque não quer, pois não sofre de qualquer incapacidade física ou psíquica que o impeçam de trabalhar e de auferir proventos que lhe permitam fazer face à sua subsistência, designadamente na agricultura, em serviços de jardinagem, limpeza de espaços públicos ou privados, ajudante de cozinha, de café ,de padaria, hotel, etc…
Ponto 105.- O requerente é saudável e autónomo, e só está reformado por velhice porque, como foi motorista beneficia de um prazo especial para a reforma (65 anos). Ao contrário dos atuais 66 anos e 3 meses para a generalidade dos beneficiários do regime geral da Segurança Social.
Ponto 106.- Nunca beneficiou de incapacidade definitiva para o trabalho, nem sequer no mês seguinte à tentativa de suicídio. (Vide doc. n.º 12 com a contestação ).
Ponto 107.-Habituou-se a não trabalhar e a viver com a pensão de invalidez. (Vide Doc. n.º 19 junto com a contestação).

Invoca o apelante que os factos constantes dos pontos 80, 81 e 95 estão em contradição com o dado como provado nos pontos 14 e os pontos 80 e 81 também estão em contradição com o dado como provado no ponto 15. Nos referidos pontos consignou-se que as lesões causadas pela tentativa de suicídio causaram ao requerente “uma incapacidade definitiva para o trabalho, tendo-lhe sido atribuída a reforma, por invalidez, em 26.07.2007” (ponto 14) e o “requerente nasceu em 12.05.195, pelo que, quando lhe foi dada a reforma, tinha 53 anos de idade” (ponto 15).
Ora, tendo o apelante nascido em 12.05.1951, conforme certidão do assento de nascimento junto a fls 13 e tendo se reformado em 26.07.2007 (cfr. informação da Segurança Social a fls 624), o ponto 15 da matéria de facto contém um erro ao mencionar que o requerente tinha 53 anos à data da reforma, porquanto tinha 56 anos.
Deve assim ser eliminado do ponto 15 a menção de que à data da reforma o apelante tinha 53 anos de idade e deve ser eliminado o ponto 81 por irrelevante, o qual estava em contradição com o ponto 15.
Quanto à contradição dos pontos 80 e 95 com o ponto 14, a mesma existe, mas apenas poderá ser eliminada com recurso à prova produzida em audiência de julgamento.
Relativamente aos pontos 104 a 107 entende o apelante que esta matéria deve ser considerada não escrita por se situar no campo dos juízos de valor, além de não encontrar suporte nos documentos juntos a fls 624 e 697 v dos autos.
O documento de fls 624 é o ofício da Segurança Social a informar que o apelante está reformado por invalidez desde 26/07/2007 e o documento de fls 697 v é uma declaração subscrita pela Dra. Odete onde se consignou que o apelante sofre de hipertrofia benigna da próstrata, catarata no olho direito, cegueira no olho esquerdo e psoríase (doc. de fls 697).
O apelante ouvido na audiência de discussão e julgamento admitiu ter trabalhado alguns meses após a tentativa de suicídio, em Espanha e em Andorra, o que foi confirmado pela testemunha Emília. Em Andorra tentou trabalhar como motorista durante um mês, mas teve de desistir devido às limitações visuais e em Espanha, trabalhou como ajudante de cozinha num hotel, durante alguns meses. Esses factos foram dados como provados no ponto 64.
O apelante antes da tentativa de suicídio era motorista profissional. Por causa da tentativa de suicídio (em 2005), o apelante ficou cego de um olho.
Ora, esta limitação não pode deixar de ter tido repercussão directa na actividade profissional que exercia. Com a visão limitada que passou a ter, o recorrente ficou impedido de exercer as funções que até então exercia profissionalmente, como motorista. Na declaração recente de fls 639, de 10.11.2017, subscrita por médico especialista em oftalmologia, é feito constar que o apelante não tem condições para poder conduzir, mesmo a um nível não profissional. O facto de ter sido visto a conduzir, já depois do acidente, não significa que possa trabalhar.
As funções que o A. desempenhou em Andorra e Espanha foram realizadas logo a seguir à tentativa de suicídio e antes de ter sido considerado incapaz para o trabalho, em 2007.
A testemunha Fátima e a ex mulher do requerente não têm conhecimentos científicos para suportar a opinião que emitiram e que contraria a opinião dos médicos que observaram o requerente e que concluíram pela sua incapacidade para o trabalho. E actualmente, o apelante tem 67 anos de idade e além da limitação visual, sofre ainda de outras patologias, como atesta fls 697.
A circunstância de ter sido aplicada ao apelante, no âmbito do processo 260/08.9GBPTL, como contrapartida da suspensão do processo, a obrigação de prestar trabalho a favor da comunidade, durante 72 horas (ponto 94) não prova que o apelante esteja em condições de exercer aos 67 anos e com as patologias que tem uma actividade profissional.
Consequentemente, entendemos que não se pode concluir com a necessária segurança no sentido do dado como provado nos pontos 80 e 95 e pelas mesmas razões nos pontos 104, 105 e 107, pelo que se eliminam dos factos provados.
E altera-se ainda o ponto 106 em harmonia com o dado como provado no ponto 64 que passa a ter a seguinte redacção: Após a tentativa de suicídio, o A. trabalhou durante alguns meses.

Ponto 146 e 147
146.- As requeridas Maria e Teresa ganham pouco mais que o salário mínimo nacional, atualmente no valor de €580,00, trabalhando por turnos rotativos (3 semanas das 5:30h às 13:30h e 3 semanas das 13:30 ás 21:30h, e assim sucessivamente) e sujeitando-se a trabalho noturno e a trabalho suplementar para fazer face às despesas fixas mensais a que estão obrigadas, levantando-se as 4.00 horas da manhã para irem trabalhar no turno das 5.30h ás 13.30h.
147 – A requerida Ana está actualmente e desde Maio de 2016 desempregada , tem uma filha, ainda bebé, de 15 meses , e o seu marido sujeitou-se a ir trabalhar para a Argélia para ir sustentar a família.
Reclama o apelante a alteração destes pontos da matéria de facto por conterem conclusões e com base nos documentos de fls 50, 61 e 65 dos autos.
Os referidos documentos obtidos junto da Segurança Social, constituem extractos das remunerações auferidas pelas requeridas.
Da sua consulta constata-se que a requerida Teresa e Maria, em Novembro de 2017, data mais recente do extracto de remunerações, auferiam 616,00 de remuneração base. À remuneração base acresce remuneração por trabalho nocturno, trabalho suplementar e ainda uma remuneração a título de prémios, bónus e outras prestações de carácter não mensal (fls 50).
A requerida Ana encontra-se desempregada, auferindo prestação por desemprego total, que entre Março de 2017 e até Novembro de 2017, variou entre 632,73 e 903,90. O extracto de remunerações não comprova a situação de desemprego desde Maio de 2016 ( fls 68). A fls 717 encontra-se junto um ofício da Segurança Social, onde se refere que foi-lhe atribuído subsídio de desemprego por um período de 480 dias, com início em 10.03.2017, subsídio que foi reduzido em 10% a partir do 181º dia.
Face aos documentos mencionados, impõe-se a correção dos pontos 146 e 147 da matéria de facto, expurgando-os ainda da matéria conclusiva, passando a ter a seguinte redacção:

146.- As requeridas Maria e Teresa trabalham por turnos rotativos (3 semanas das 5:30h às 13:30h e 3 semanas das 13:30 às 21:30h, e assim sucessivamente) e auferem a remuneração base mensal no montante de 616,00 euros, à qual acresce remuneração por trabalho nocturno, que em Novembro de 2017, foi no valor de 29,32 e trabalho suplementar, tendo auferido a esse título, em Outubro de 2017, 58,19 e remuneração a título de prémios, bónus e outras prestações de caracter não mensal, a quantia de 7,11, levantando-se as 4.00 horas da manhã para irem trabalhar no turno das 5.30h às 13.30h.
147 – A requerida Ana está actualmente desempregada, auferindo prestação por desemprego total e foi-lhe atribuído subsídio de desemprego por um período de 480 dias, com início em 10.03.2017, subsídio que foi reduzido em 10% a partir do 181º dia. Tem uma filha de 15 meses e o seu marido está a trabalhar na Argélia para sustentar a família.

Pontos 67, 97 e 98
Ponto 67: Em 04/05/2016 data em que a casa foi entregue às requerentes, a casa nem isso valia, atento o estado de degradação em que se encontrava, por mau uso por parte do requerente (vide docs. Nºs 1 a 7juntos com a contestação).
97.- E ameaçava por fogo á casa, que juntamente com a sua ex-mulher doou à filhas, e da qual não cuidava apesar de lá viver durante mais de 10 anos após a referida doação. (Vide doc. n.º 1 a 7 juntos com a contestação).
98.- O que originou que as filhas intentassem a ação executiva para que o requerente lhes entregasse a casa que estava hipotecada a favor do então Banco A, S.A. para a garantia do pagamento do empréstimo contraído pela requerida Ana para pagar dívidas do requerente.

Defende o apelante, a propósito do ponto de facto 67, que os documentos que se encontram referidos como fundamento dos factos constantes do referido ponto, não permitem que se extraia os factos que foram dados como provados e que apenas poderiam, quanto muito, demonstrar que a casa se encontrava desarrumada. Por outro lado, o ponto 67 padece de ambiguidade porque, ao ser formulado a seguir ao ponto 66 onde constam dois valores do imóvel, desconhece-se a qual dos dois valores se pretendeu fazer referência no ponto 67. Pretenderia dizer-se que a casa não valia 1.834,29 ou pretenderia referir-se que não valia 20.697,00? Defende ainda o apelante que o ponto 67 contém matéria conclusiva. Mais alegou que o dado como provado no ponto 98, é contrariado pelo doc. de fls 24 a 26 dos autos que constitui a notificação judicial avulsa do ora apelante para proceder à entrega da casa às ora apeladas, devendo ser alterado em conformidade com o documento, dando-se como provado que “as requeridas instauraram contra o requerente o processo executivo referido em 23º dos factos provados pelas razões constantes do item 21º dos factos provados e por o requerente não aceitar proceder à entrega voluntária do imóvel”.

Conclui, defendendo que o ponto 67 deve ser considerado não escrito ou não provado na parte em que se refere que “em 4/05/2016 data em que a casa foi entregue às requerentes, a casa nem isso valia”, o ponto 97 deve ser dado como não provado e, relativamente ao ponto 98 apenas se deve dar como provado que “as requeridas instauraram contra o requerente o processo executivo referido em 23º dos factos provados pelas razões constantes do item 21º dos factos provados e por o requerente não aceitar proceder à entrega voluntária do imóvel.

Apreciando:

Não consideramos que o ponto 67 contenha matéria conclusiva.

O Mmo Juiz a quo fez constar o seguinte na fundamentação da matéria de facto, no que diz respeito à prova documental: “Todos os documentos a que se faz referência a cada facto a sublinhado, fizeram prova de tais factos de per si. Na medida em que a sua autenticidade não foi posta em causa e de que no essencial se encontram espelhadas despesas do dia-a-dia do requerente e requeridas”.

Quanto ao ponto 67 o Mmo Juiz fez constar que se fundamentou nos documentos nºs 1 a 7 juntos com a contestação. Os documentos 1 a 7 são fotografias do estado da casa à data da entrega, conforme foi referido pela sra. solicitadora de execução que procedeu à mesma e mostram tacos do soalho de madeira levantados, paredes com manchas resultantes de humidades /infiltrações, e muita desarrumação, sendo visível, numa das assoalhadas, um amontoado de caixas, embalagens, máquinas e materiais diversos.
Nenhuma testemunha depôs com razão de ciência sobre o valor da casa à data da entrega, não tendo sido feita qualquer avaliação do bem. Não obstante a necessidade de obras e os danos provocados pelo apelante (ponto 100), em reacção à sua expulsão da casa, não resultou provado que a casa com a composição referida no ponto 59 - casa de rés-do-chão e sótão, com quatro quartos, duas casas de banho, um salão grande no sótão, uma sala de jantar, uma salinha e uma cozinha no rés-do-chão, um anexo para arrumos e um curral de animais, tivesse, à data da entrega, um valor inferior ao valor matricial, fosse este o constante da escritura de doação – 1.834,29 - fosse o atribuído posteriormente na avaliação fiscal levada a efeito em 2014 – 20.697,07.

Consequentemente, decide-se eliminar o ponto 67 por falta de prova.

Relativamente aos pontos 97 e 98, encontra-se junto aos autos a notificação judicial avulsa requerida pelas oras apeladas contra o ora apelante, solicitando que o mesmo fosse notificado para entregar a casa. Na notificação consta como motivo para reclamar a entrega da casa, a necessidade da casa por parte de uma das donatárias.
Ora, resultou ainda do depoimento da testemunha João que, após a entrega da casa às requeridas em 4.05.2016, esta esteve desabitada até à Páscoa de 2017. A partir dessa data quem foi habitar a casa foi a mãe das requeridas, juntamente com o seu companheiro, o que demonstra que o motivo invocado na notificação não correspondia à verdade.
E igualmente resultou da produção de prova que o requente não queria sair da casa e proceder à sua entrega, tendo sido necessário o recurso às forças policiais, a intervenção de negociadores, só tendo se conseguido a entrega numa 2ª vez agendada para o efeito. A testemunha Dinis, vizinho do requerente, e que acompanhou a saída de casa do apelante, referiu que este tentou manter-se na casa a todo o custo, chegando a propor utilizar apenas um dos quartos da casa e a cozinha que existe no anexo, mas que esta pretensão lhe foi negada. Ameaçou ainda o requerente enforcar-se, se persistissem em retirá-lo da casa (testemunha João).
Se bem que as requeridas e a sua mãe tenham referido que o requerente ameaçava pegar fogo à casa, não se nos afigura que tenha sido esse o motivo para que as apeladas requeressem a entrega da casa, motivo que aliás não consta na notificação.
Dos depoimentos prestados o que resulta é que o apelante ameaçava pegar fogo à casa se lha tirassem. Ou seja, não foi a ameaça de pôr fogo à causa que determinou a entrega. As ameaças surgiram na sequência da tentativa da entrega da casa.
Assim, igualmente se decide eliminar o ponto 98 por falta de prova e alterar o ponto 97 que passa do seguinte modo:

97.- E o requerente ameaçava por fogo à casa se as requeridas persistissem em reivindicar a casa, que juntamente com a sua ex-mulher doou à filhas, a qual carecia da realização de obras de conservação que o apelante não realizou, tendo lá vivido durante mais de 10 anos após a referida doação. (Vide doc. n.º 1 a 7 juntos com a contestação).

Ponto 68 e 96:
68 - Sucede que o requerente durante cerca de 11 anos que habitou a casa, maltratou as filhas, aqui requeridas, chamando-lhes putas e filhas da puta, assim se referindo às mesmas, agredi a requerida Ana, não cuidou com zelo da casa, ameaçando por lhe fogo, e tinha uma atitude de total desprezo pelas requeridas.
96 - O requerente começou a maltratar a ex mulher Emilía e as requeridas, principalmente após o divórcio no ano de 2008, chamando-lhes “putas” e “filhas da puta”, assim as apelidando quando a elas se referia, agredindo-as e chegou a sequestrar a ex-mulher Emília, tendo corrido neste Tribunal o respectivo processo (vide doc. nº 10 com a contestação).
Relativamente, ao ponto 68 e 96 o apelante entende que estes factos, além de se contradizerem, devem ser eliminados por não ter sido produzida prova nesse sentido, pois que nenhuma das requeridas os referiu, todas reconhecendo que não há qualquer relacionamento entre as partes desde 2005, pelo que o ponto 68 deve ser dado como não provado e o 96 deve ser alterado e com fundamento no documento de fls 148 a 156, apenas devendo ser dado como provado que o requerente foi constituído arguido no âmbito do processo 260/08.9 GBPTI que correu termos pelo DIAP de Ponte de Lima, por um crime de sequestro praticado sobre Emília que culminou com a suspensão provisória do inquérito por três meses. Em seu entender, os documentos nos quais o Mmo Juiz a quo se fundamentou e que constituem as fotografias juntas a fls 126 a 132 não provam que o apelante ameaçasse pôr fogo à casa.
Mais alega que ao longo dos anos nunca as requeridas ou a sua mãe fizeram qualquer queixa pelas injúrias ou difamação, pelo que não há qualquer documento que comprove as agressões verbais e físicas.
Ouvida a produção de prova, entendemos que não assiste razão ao apelante na sua pretensão de serem dados como não provados os factos relativos às agressões verbais e físicas. No sentido de que o apelante proferiu as afirmações que constam dos pontos 68 e 96, depuseram a ex mulher do requerente, Emília, as suas filhas, ora requeridas e a testemunha Fátima, que foi vizinha do apelante. A testemunha João referida pelas apeladas como tendo conhecimento dos factos, apenas referiu que se comentava no café que frequentava que o apelante tinha interceptado as requeridas na rua, com o seu veículo, numa tentativa de contacto com as requeridas e como não viu satisfeita a sua retensão, passou a“injuriá-las”, mas não presenciou qualquer ofensa.
Por sua vez a testemunha Emília declarou que o requerente quando estava com a depoente a trabalhar em Espanha, o que ocorreu depois da tentativa de suicídio do requerente, em 2005, referia-se às filhas como “putas” e que saíram “à puta velha” querendo com esta última expressão referir-se à testemunha, na altura, ainda sua mulher.
Também as requeridas depuseram no sentido de que o pai as apelidava de putas e filhas da puta, não perante elas, porque não tinham contacto desde a tentativa de suicídio, mas quando se referia às filhas perante terceiros. Tal foi confirmado pela testemunha Fátima que declarou que, por várias vezes, o requerente se referiu às filhas utilizando as expressões “putas” e “filhas da puta” e “que se as visse na rua lhes passava com um carro por cima”, nunca se referindo às filhas pelos seus nomes, desde o divórcio.

Relativamente à agressão à requerida Ana, foi a mesma relatada por esta que precisou que tal ocorreu quando o requerente, regressado de Espanha, quis voltar a residir na casa doada e encontrando a filha Ana aí a habitar, a expulsou. O requerente é pessoa que contrariado é violento, como decorre dos factos referidos no despacho de suspensão do processo.
Não foi referido que o apelante tivesse uma atitude de total desprezo pelas filhas.
O Mmo. Juiz a quo teve a imediação, pode ver a expressão das requeridas e testemunhas quando estas depuseram sobre estes factos. Referiu na motivação da decisão de facto que as requeridas prestaram um depoimento sofrido. Considerando ainda o clima de rutura existente entre pai e filhas, o temperamento do apelante, pessoa que se encontrava revoltada com a situação familiar, tendo tentado “forçar a mãe das requeridas” a voltar para ele, recorrendo a ameaças com uma faca e tentando forçar as filhas a um diálogo (barrando-lhes o caminho com o veículo que conduzia), não consideramos que a decisão do tribunal a quo quanto ao ponto 68, com exceção do segmento em que se menciona que o apelante tinha uma atitude de total desprezo pelas filhas, por tal não resultar da produção de prova, esteja viciada por erro, tendo fundamento nos depoimentos que referimos. Elimina-se também a menção de que o requerente não cuidou com zelo do objecto da doação, por se tratar de uma conclusão. Corrige-se ainda o ponto 96, de modo a evitar contradições.

Os pontos 68 e 96, passam, consequentemente, a ter a seguinte redacção:

68 - Sucede que o requerente durante cerca de 11 anos que habitou a casa, maltratou as filhas, aqui requeridas, chamando-lhes putas e filhas da puta, assim se referindo às mesmas, agrediu a requerida Ana.
96.- O requerente continuou a maltratar a ex-mulher Emília e as requeridas, após o divórcio ano 2008, chamando-lhes “putas” e filhas da puta”, assim as apelidando quando a elas se referia, e chegou a sequestrar a ex-mulher Emília, tendo corrido neste tribunal o respetivo processo. (Vide doc. n.º 10 com a contestação).

Ponto 145
145. O requerente vive em união de facto com Conceição, na casa desta, há mais de um ano, com quem mantém relacionamento amoroso, desde o tempo em que era casado com a referida Emília.
Defende o apelante que este ponto deve ser considerado não escrito por conter conceitos normativos ou se assim não se entender, ser considerado não provado por falta de prova, porquanto o requerente negou viver com a referida Conceição e as requeridas não revelaram possuir razões de ciência segura sobre estes factos.
Nos presentes autos não constitui objecto da acção a caracterização da situação existente entre o requerente e a Conceição.
Neste circunstancialismo a utilização da expressão “união de facto” não se nos afigura incorrecta, pelo que se mantém, querendo significar que o requerente e a referida Conceição vivem em comunhão de cama, mesa e habitação, sendo hoje uma expressão com uma dimensão não apenas normativa.

Vejamos se não foi produzida prova neste sentido:

A Conceição ouvida em audiência negou manter uma relação amorosa com o requerente. Disse que viviam na mesma casa, juntamente com a sua mãe, mas cada um no seu quarto.
O requerente confirmou apenas viver em casa da mãe da Conceição. Declarou que ainda na pendência do seu casamento tinha tido uma relação amorosa com a Conceição durante cerca de 2 anos, de 1988 a 1990 (o que a Conceição negou) e a partir dessa altura nunca mais a viu até Junho de 2017.
Considerando que foi reconhecido pelo requerente e pela testemunha Conceição que aquele dorme e come na casa onde esta também vive e que pelas testemunhas foi referido terem presenciado o requerente e a referida Conceição várias vezes juntos, a passear de mãos dadas e o requerente a dirigir-lhe como “meu amor” (testemunha Fátima), entende-se que não ocorreu qualquer erro de julgamento. Não nos mereceu credibilidade a testemunha Conceição quando negou a existência de um relacionamento amoroso com o requerente, pois que tal relacionamento foi confirmado pelo requerente em termos que não nos suscitaram dúvidas, nem o requerente quando declara que não mais teve contacto com a testemunha, desde 1990 a Junho de 2017, pois que a testemunha João, cujo depoimento não nos suscitou dúvidas, disse tê-los visto juntos nesse período, pelo que se mantém o ponto 145, no segmento em que se deu como provado que vivem em união de facto. Deve eliminar-se a referência a que mantem um relacionamento amoroso desde o tempo em que era casado com a Emília, por não ter sido produzida prova de que o envolvimento amoroso se tenha mantido desde essa data, nem que a união de facto se verifique há mais de um ano, pois que o requerente só começou a viver em casa da mãe da Conceição, a partir de 30/06/2017, data em que deixou de residir na casa que tomou de arrendamento em Viana do Castelo, não tendo decorrido um ano, desde 30.06.2017 até à data do julgamento.

Ponto 13 dos factos não provados
13. O requerente tem, ainda, de ser operado às cataratas ( olho direito).
O apelante requer a alteração deste ponto com base no doc. de fls 697.
O documento junto aos autos a fls 697 é uma convocatória para cirurgia (oftalmologia). Pela testemunha Conceição foi referido que o requerente foi convocado para uma operação ao olho que manteve a visão após a tentativa de suicídio, pelo que da conjugação do depoimento da referida testemunha com o documento junto a fls 697 e com o doc. 639 v, onde se consignou que o apelante tem cataratas no olho direito, entende-se que ocorreu erro de julgamento, devendo ser dada como provada a matéria constante do ponto 13 dos factos não provados.

Aditamento à matéria de facto
Pretende o apelante que sejam aditados factos relativamente às declarações efectuadas pelas requeridas e seus respectivos maridos para efeitos de IRS em 2016, por entenderem que não só as despesas, mas também os rendimentos terão de ser ponderados na decisão para aferir da capacidade das requeridas para prestar alimentos.
Assiste-lhe razão, pois que tais factos poderão ser relevantes para a decisão da causa e estão provados por documentos.

Finalmente:

O Tribunal da Relação pode conhecer oficiosamente dos vícios da matéria de facto a que se refere a alínea c) do nº 2 do artº 662º do CPC, designadamente as contradições existentes na matéria de facto. Além das contradições invocadas pelo apelante e em parte reconhecidas, constata-se que os factos mencionados no ponto 55 estão em contradição com os constantes no ponto 11 dos factos provados. Tendo o requerente sido ouvido sobre esses factos e não os tendo confirmado, nem tendo sido produzida outra prova nesse sentido, os mesmo terão de ser considerados não provados, eliminando-se consequentemente, o ponto 55 e mantendo-se o ponto 11 dos factos não provados.
Elimina-se também o ponto 57 que contém apenas conclusões. Os factos relevantes constam dos pontos que antecedem (pontos 49 a 56).

A matéria de facto a considerar é pois a seguinte:

1.- O requerente contraiu casamento católico, em primeiras núpcias de ambos, com Emília no dia 23.03.1972, sem convenção antenupcial¬. cfr. documento junto com o r.i.
2.- Esse casamento foi dissolvido por divórcio, decretado por douta sentença proferida em 31.10.2008, transitada em julgado em 20.11.2008 - vd. documento n° 1 junto.
3.- Dessa união nasceram três filhas:
MARIA, nascida em 5.1 0.1970, aqui 1.ª requerida;
TERESA, nascida em 1.04.1977, aqui 2.ª requerida;
Ana, nascida em 30.12.1978, aqui 3.ª requerida. cfr. documentos n.º s 2, 3 e 4 juntos com o r.i.
4. - A casa de morada de família estava, como sempre esteve, fixada no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Ponte de Lima.
5. - E foi nessa casa onde cresceram as três filhas do casal.
6. - A casa referida em 4.º foi edificada, de raiz, num terreno doado (pela Junta de Freguesia) ao requerente e ex-mulher na constância do matrimónio.
7. - Essa casa foi sendo construída aos poucos pelo requerente e sua esposa com dinheiro de ambos.
8. - O requerente investiu parte as suas economias e poupanças (o requerente exercia, à data, a profissão de motorista) na construção da casa de morada de família.
9.- Era esse o único bem (imóvel) que compunha o património do extinto casal.
10. - No dia 3.01.2005, por razões que não relevam para o caso, o requerente tentou o suicídio, com arma de fogo.
11.- Nessa ocasião, o requerente foi transportado de urgência para o Hospital de Braga, onde se manteve internado até ao dia 19.01.2005 - cfr. documento n° 5 junto com o requerimento inicial .
12.- O requerente, após 19.01.2005, passou a ser acompanhado pela unidade de neurologia do hospital de Viana do Castelo - cfr. documento n.º 6 junto com o r.i.
13 – O requerente, na sequência do evento descrito em 10º, ficou cego do olho esquerdo - cfr. documento n° 7 junto com o r.i.
14.- Essas lesões determinaram-lhe uma incapacidade definitiva para o trabalho, tendo-lhe sido atribuída a reforma, por invalidez, em 26.07.2007.
15.- O requerente nasceu em 12.05.1951 - vd. documento n° 1 junto.
16. - O imóvel referido em 4. supra foi construído num terreno dado (pela Junta de Freguesia) ao requerente e ex-mulher de boca, sem qualquer documento que titulasse essa aquisição, por um lado.
17.-Por escritura de justificação e doação outorgada em 2.02.2005 no extinto Cartório Notarial, exarada a fls, 74 a 75 verso do livro de notas para escrituras diversas n° 154-E, o requerente e a sua ex-mulher, para além de terem justificado a aquisição do mencionado prédio por usucapião, declararam doar às três filhas, aqui requeridas, em comum, e por conta da quota disponível, a casa de habitação de rés-do-chão e logradouro, sita no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Ponte de Lima, referida no item 4° supra - cfr. documento n° 8 junto com r.i. .
18.- O requerente manteve-se a residir no imóvel objeto da escritura aludida em 17. supra.
19.- E aí se manteve durante cerca de onze anos e três meses, até ao dia 4.05.2016.
20.- Em 27.01.2015, a primeira, segunda e terceira requeridas requereram a notificação judicial do requerente para proceder à entrega da casa onde vivia (e sempre viveu) - cfr, documento n° 9 junto com o r. i.
21.- Fizeram-no a pretexto da 3.ª requerida M. F. necessitar desse imóvel para sua residência - vd. documento n° 9 junto.
22.- O requerente ignorou essa notificação. Não percebeu, sequer, o que dela constava ou o que com ela as requeridas pretendiam.
23.- Entretanto, as requeridas instauraram contra o requerente o processo executivo n.º 3381/15.2 T8PTL, que correu seus termos pela Instância Local - Secção Genérica - de Ponte de Lima , com vista a obterem do requerente a entrega coerciva do imóvel em causa.
24. - No dia 4.05.2016, seis agentes da GNR (pelo menos), acompanhados por um agente de execução, advogados, presidente da junta de freguesia e delegado de saúde, deslocaram-se à casa onde o requerente vivia, a fim de o despejarem.
25. - O requerente foi retirado dessa casa à força.
26- O imóvel, na sequência, foi entregue às primeira, segunda e terceira requeridas em 4.05.2016 - cfr, documento n.º 10 junto com o r.i.
27.- O requerente viu-se sózinho e obrigado, aos 65 anos de idade.
28.- O requerente padecia (como padece) de incapacidade definitiva para o trabalho.
29. - O requerente deixou de ter uma casa onde viver.
30.- Por imposição dos serviços da Segurança Social, o requerente foi integrado temporariamente no Centro comunitário D., sito na Rua (…) Viana do Castelo.
31.- O requerente nunca se sentiu bem nessa instituição.
32. - Estava habituado à sua casa, aos seus hábitos e rotinas e, ali, tudo lhe era estranho.
33.- No Centro comunitário D., o requerente tinha os seus movimentos controlados e horas para entrar e sair.
34.- Se quisesse sair tinha de dizer para onde ia e com quem ia.
35.- O requerente não gostava de lá estar.
36. - E foi quando os responsáveis da instituição lhe comunicaram que lhe ia passar a ser cobrada uma mensalidade correspondente a 80% da sua reforma, ficando com um rendimento mensal disponível de cerca de € 25,00, que o requerente consolidou a decisão de abandonar o Centro comunitário D..
37. - Não possuindo casa própria, ao requerente não restou outra hipótese que não fosse a de arrendar casa.
38. - Por contrato de arrendamento outorgado no dia 1.08.2016, com início no mesmo dia, o requerente tomou de arrendamento o 1° andar do prédio urbano sito na Rua (…), na cidade de Viana do Castelo, pelo prazo de um ano - cfr. documento n° 11 junto com o r.i . 39. - A renda mensal convencionada foi de € 200,00 (duzentos euros), que o requerente esforçou-se por cumprir religiosamente - cfr. documentos n° 12, 13 e 14 juntos com o r.i.
40. - Como o montante dessa renda era incomportável para os seus rendimentos, o requerente viu-se obrigado a deixar o referido imóvel no dia 30.06.2017.
41.- A partir daí, uma conhecida do requerente (companheira com a qual manteve uma relação extraconjugal), sabedora da situação em que este se encontrava, aceitou acolhê-lo na casa da mãe, de nome M. D., com autorização prévia desta, sita na Rua (…), freguesia de (...), concelho de Viana do Castelo.
42 - É nessa situação de facto que o requerente se mantém na presente data.
43.- O requerente para satisfazer as suas necessidades de habitação própria e permanente - que se verificaram na sequência da doação do imóvel às requeridas e da sua retirada à força desse imóvel no dia 4.05.2016 -, o requerente passou a suportar despesas que antes não tinha.
44. - O imóvel doado às requeridas possuía um logradouro com urna área de 500 m2,
45. O requerente aufere, uma pensão de invalidez (que, entretanto, atingida a idade legal, foi convolada para uma pensão de velhice), que, nesta data, é do montante mensal de € 305,96 (trezentos e cinco euros e noventa e seis cêntimos) - cfr. documento n° 15 com o r.i.
46. - O requerente não aufere quaisquer outros rendimentos.
47.- Também não tem outro património, imobiliário ou mobiliário.
48. – Parte da poupanças que acumulou ao longo da sua vida ativa gastou-as na construção da casa.
49.- O requerente entrega todos os meses à citada M. D., da sua reforma, o montante de € 250,00 por mês, pelo alojamento e comparticipação nas despesas com renda, água, luz e gás.
50.- O requerente necessita da quantia mensal de € 360,00 (trezentos e sessenta euros) para a sua alimentação, assim discriminada: € 2,00 por dia para pequeno almoço e outro tanto para o lanche; € 4,00 por dia para almoço e igual quantia para o jantar;
51- Em telemóvel, o requerente gasta mensalmente a quantia de € 20,00 - cfr. documento n" 16 que se junta e se dá por reproduzido.
52. - O requerente gasta € 6,40 por mês em medicação (o requerente sofre de problemas na próstata) - cfr. documento n. 17 que se junta e se dá por reproduzido.
53.- O requerente, que tem carro próprio, despende mensalmente em transportes a quantia de € 40,00 (quarenta euros) - cfr. documento n.º 18 junto com o r.i.
54.- O requerente necessita ainda da quantia mensal de, pelo menos, € 15,00 (quinze euros) para vestuário e calçado e de igual quantia para artigos de higiene, aí se incluindo produtos para se barbear e corte do cabelo.
55.-Eliminado (oficiosamente).
56. - O requerente, atualmente com 66 anos de idade, está num escalão etário em que é maior a probabilidade de surgirem doenças com a inerente necessidade de recurso a consultas médicas, medicamentos e exames, ainda que com caráter preventivo, o que irá agravar, ainda mais, a sua precária situação económica.
57 – Eliminado (conclusões).
58- O imóvel doado tem 121 m2 de área bruta de construção, sendo 40 m2 de área bruta dependente e 81 m2 de área bruta privativa - cfr. documento n° 19 junto com o r.i.
59.- Tal imóvel é composto por uma casa de rés-do-chão e sótão, com quatro quartos, duas casas de banho, um salão grande no sótão, uma sala de jantar, uma salinha e uma cozinha no rés-chão, um garagem, um anexo para arrumas e um curral de animais.
60. - O referido imóvel tem um logradouro de 500 m2 - vd. documento n° 19 junto.
61. - O seu valor patrimonial tributário, determinado no ano de 2014, é de € 20.697,07 - vd. documento n° 19 junto.
62.- Porém, esse imóvel tem um valor de mercado nunca inferior a € 50.000,00.
63.- O referido imóvel mantém-se, ainda hoje, na esfera jurídica da primeira, segunda e terceira requeridas e em proveito exclusivo destas.
64.- Não obstante a doação supra referida, e ressalvados o mês de Junho de 2005 em que o requerente esteve a trabalhar em Andorra, e 7 meses (Julho 2005 a Janeiro de 2006) em que o requerente esteve a trabalhar em Espanha, a casa foi usada em exclusivo, depois da doação (Fevereiro 2005) pelo requerente, até ao dia 04/05/2016, com exclusão das requeridas e da referida Emília, facto reconhecido pelo requerente no art. 27º da p.i.
65 – eliminado (matéria de direito)
66 - A casa tinha à data da doação o valor patrimonial de 1.834,29 e foi esse valor atribuído à doação.
67 – eliminado (por não provado)
68 – Sucede que o requerente durante cerca de 11 anos que habitou a casa, maltratou as filhas, aqui requeridas, chamando-lhes putas e filhas da puta, assim se referindo às mesmas e agrediu a filha Ana.
69 – eliminado (conclusões)
70.- Ao mesmo tempo que o requerente usava em exclusivo a casa doada às requeridas, a sua ex-mulher desde a data da doação (2005) nunca mais a habitou, vivendo sempre de favor em casas emprestada.
71.- E as próprias requeridas Teresa e Ana não têm e nunca tiveram casa própria para habitar, situação que se mantém na presente data. A requerida Maria está a pagar empréstimo da casa onde vive.
72. - Em 25/11/2016 o requerente ANTÓNIO intentou na Instância Central – Secção de Família e Menores de Viana do Castelo, ação com processo comum, para fixação de alimentos definitivos contra Emília, MARIA; TERESA e Ana, que correu termos sob o n.º 4131/16.7T8VCT. (Vide doc. n.º 8 junto com a contestação)
73.- Por Douto despacho de 19/01/2017 foi indeferido liminarmente a petição inicial/pedido, formulada contra as aí rés, aqui requeridas, Maria, Teresa e Ana.(Vide doc. n.º 9 junto com a contestação).
74.- A requerida Maria nasceu em Ponte de Lima. (vide doc. n.º 1 junto aos autos pelo requerido com a p.i.)
75.-As requeridas Teresa e Ana nasceram no Hospital de Viana do Castelo.
76.- A casa sita no lugar da (...), freguesia de (…), concelho de Ponte de Lima, referida no art. 20º da p.i., não foi sempre a casa de morada de família, foi construída pelo requerente e pela sua ex-mulher Emília, na pendência do casamento, com o dinheiro que era dos dois.
77.- O requerente sobreveio à tentativa de suicídio e consta, designadamente, do relatório de alta junto aos autos com a Petição Inicial da Providência Cautelar de Alimentos Provisórios sob o n.º 5: “…Visão direita conservada…” “Manteve-se inicialmente queixoso com cefaleias sempre consciente e colaborante. Sem intercorrências neurológicas...” “O nervo óptico esquerdo está aparentemente conservado” (Vide doc. n.º 5 junto com a p.i)
78.- O requerente após o dia 19/01/2005 não passou a ser acompanhado pela unidade de neurologia do hospital de Viana do Castelo. Apenas esteve lá uma vez, no dia 21/04/2005. (vide doc. n.º 6 junto com a p.i).
79.- O requerente na sequência da tentativa de suicídio ficou cego do olho esquerdo, e com a visão direito conservada (Vide doc. n.º 5 junto com a p.i.)
80.- Eliminado (não provado)
81.- Eliminado.
82.- A a casa descrita no art. 20º da p.i. foi participado pelo autor às finanças no ano de 1983. (vide doc. n.º 19 junto com a p.i).
83.- Resulta do relatório médico junto com a p.i. sob o doc. 5 (cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido), que o requerente manteve-se sempre consciente e colaborante.
84.- O requerente e a ex-mulher Emília doaram às requeridas a casa de livre vontade e porque assim o quiseram fazer.
85.- A ex-mulher do requerente não abandonou o lar conjugal em 02/02/2005, sendo verdade que no dia 03/05/2005 a mesma foi trabalhar para Andorra.
86.- Em Junho de 2005, o requerente foi também para Andorra trabalhar.
87.- A ex-mulher do requente trabalhou nas limpezas numa joalharia, num laboratório de análises e em casas particulares.
88.- O requerente trabalhou nas obras durante 1 mês (Julho de 2005), como camionista.
89.- Em Julho de 2005 despediram-se o requerente e a sua ex-mulher Emília.
90.- Nesse mesmo mês, foram para Espanha, Província da Catalunha, onde trabalharam no hotel “XX SL”, a Emília nas limpezas e na cozinha, e o requerente como ajudante de cozinha. (Vide doc. n.º 14, 15 e 16 juntos com a contestação).
91.- O requerente manteve-se nesse emprego desde Julho de 2005 até 04/01/2006.
92.-Durante esse período, o requerente beneficiou de “baixa médica com incapacidade temporária para o trabalho” válida por um mês em Portugal! (vide doc. n.º 12 e 13 juntos com a contestação).
93.- O requerente, em Fevereiro de 2006 abandonou o trabalho e regressou a Portugal, à casa que juntamente com a Emília, á data sua mulher, tinha doado às filhas aqui requeridas.
94.- Entre os dias 5 de Maio de 2009 e 24 de Julho de 2009, o requerente prestou serviço comunitário num total de 72 horas, nas instalações da Junta de Freguesia de (...), exercendo trabalhos de pintura e manutenção de espaços públicos, em cumprimentos de ordem do tribunal no âmbito do processo n.º 260/08.9GBPTL, pelo crime de sequestro praticado sobre a Emília. (Vide docs. n.º 10 e 11 juntos com a contestação).
95 – Eliminado (não provado)
96.- O requerente continuou a maltratar a ex-mulher Emília e as requeridas, após o divórcio ano 2008, chamando-lhes “putas” e filhas da puta”, assim as apelidando quando a elas se referia, e chegou a sequestrar a ex-mulher Emília, tendo corrido neste tribunal o respetivo processo. (Vide doc. n.º 10 com a contestação).
97.- E o requerente ameaçava por fogo à casa se as requeridas persistissem em reivindicar a casa, que juntamente com a sua ex-mulher doou à filhas, a qual carecia da realização de obras de conservação que o apelante não realizou, tendo lá vivido durante mais de 10 anos após a referida doação. (Vide doc. n.º 1 a 7 juntos com a contestação).
98 – eliminado (não provado)
99.- A casa foi entregue às filhas no dia 04/05/2016 através da Agente de Execução Dr. A. S., na presença de várias pessoas, entre as quais a Dr.ª Paula, mandatária judicial do requerente, no processo executivo n.º 338/15.2TBPTL, que correu termos na Instância Local de Ponte de Lima – J1. (Vide Doc. n.º 17 junto com a contestação).
100.- O requerente retirou da casa tudo o que lhe pertencia e ainda o que não lhe pertencia, designadamente arrancou as portas do fogão, o esquentador, a bomba de tirar água do poço, os interruptores e tomadas, em 01/06/2016. (Vide Doc. n.º 18 junto com a contestação).
101.- O requerente foi integrado no dia 05/04/2016 no Centro comunitário D., por tempo indeterminado, onde tinha tudo o que necessitava (habitação, alimentação, cuidados de higiene e limpeza, etc., mantendo a sua pensão de sobrevivência). Vindo a abandoná-lo por sua iniciativa e vontade própria segundo alega.
102.- O doc. n.º 15 junto com a Petição Inicial da Providência Cautelar de Alimentos Provisórios refere-se à pensão por invalidez, no montante de € 305,96, acrescido de € .. de duodécimos de 50% do 13º mês, isto em 02/01/2017, há mais de 1 ano!
103.- A Providência Cautelar de Alimentos Provisórios deu entrada em juízo em 04/12/2017, pelo que o valor da pensão é superior a €305,96/mês.
104.- Eliminado (não provado)
105.- Eliminado (não provado)
106.- Após a tentativa de suicídio, o A. trabalhou durante alguns meses (Vide doc. n.º 12 com a contestação ).
107.- Eliminado (não provado)
108.- O requerente tem o recheio que retirou em 01/06/2016 da casa doada às filhas, (Vide doc. n.º 18 junto com a contestação).
109.- Tem veículo automóvel próprio, marca Volkswagen, matrícula DX, que conduz todos os dias, e cuja seguro paga. (vide doc. n.º 20 junto com a contestação).
110.-Tal veículo automóvel encontra-se registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome de Júlio, Rua da (...), n.º 276, pai do requente, falecido há anos que nem carta de condução tinha. (vide doc. n.º 21 junto com a contestação).
111.-A referida Emília viveu de caridade durante vários anos, em casa emprestada e é quem neste momento e desde Abril de 2017 está a habitar a casa por não ter casa própria onde viver.
112.- A requerida Maria tem 47 anos vive com o seu marido, com o seu filho e com o seu sogro que tem 80 anos de idade.
113.-E em raciocínio simétrico ao do requente necessita da quantia mensal de €1.440,00 para alimentação das quatro pessoas (360,00 × 4).
Assim discriminada:

a) €8,00 por dia para o pequeno almoço (€2,00 × 4) e €8,00 por dia para o lanche (€2,00 × 4);
b) €16,00 para o almoço (€4,00 × 4) e €16,00 por dia para o jantar (€4,00 × 4)
114.- Em medicação e consultas médicas a requerida Maria, o seu marido e o seu filho gastam no ano de 2017 a quantia de €1.750,29, ou seja, em média € 145,85 por mês. (Vide doc. n.º 22 a 54 junto com a contestação)
115.- Com a alimentação do cão e despesas do veterinário, a requerida Maria gasta em média a quantia mensal de € 13,28. (Vide doc. n.º 55 a 57 com a contestação)
116.- Em créditos bancários, a requerida Maria pagou no ano de 2017 a quantia de €5.906,28, ouse seja, € 492,19 por mês. (Vide doc. n.º 58 a 107 juntos com a contestação)
117.- A requerida Maria tem uma despesa anual de € 1.205,15, ou sejam em média € 100,42 por mês, em eletricidade. (Vide doc. n.º 108 a 119 juntos com a contestação)
118.- Em telemóvel, telefone, televisão e internet a requerida Maria, o seu marido e o seu filho têm uma despesa anual de € 1.265,07, ou seja em média € 105,42 por mês. (Vide doc. n.º 120 a 131 juntos com a contestação)
119.- Em seguros variados, a requerida Maria, o seu marido e o seu filho gastam no ano de 2017 a quantia de €1.064,16, ou seja, em média € 88,67 por mês. (Vide doc. n.º 132 a 137 juntos com a contestação)
120.- Para a manutenção dos carros, a requerida Maria, o seu marido e o seu filho gastam no ano de 2017, em média €46,25 por mês. (Vide doc. n.º 138 a 144 juntos com a contestação)
121.- A requerida Maria pagou no ano de 2017 a quantia de € 152,84, relativa ao Imposto Municipal sobre Imóveis, em média €12,73 por mês. (Vide doc. n.º 145 e 146 juntos com a contestação)
122.- Em despesas gerais (eletrodomésticos, vestuário, cabeleiro, produtos de higiene, combustível, etc.) a requerida Maria, o seu marido e o seu filho gastaram no ano de 2017, no mínimo a quantia de €1.604,70, em média € 133,72 por mês. (Vide doc. n.º 147 a 166 juntos com a contestação)
123.- A requerida Teresa vive com o seu marido, com a sua filha estudante, e com os sogros na casa desta, pois não tem casa própria.
124. - E em raciocínio simétrico ao do requente necessita da quantia mensal de €1.800,00 para alimentação das 5 pessoas (360,00 × 5).

Assim descriminada:

a) €10,00 por dia para o pequeno almoço (€2,00 × 5) e €10,00 por dia para o lanche(€2,00 × 5);
b) €20,00 para o almoço (€4,00 × 5) e €20,00 por dia para o jantar (€4,00 × 5);
125.- Em medicação e consultas médicas a requerida Teresa, o seu marido e a sua filha gastaram no ano de 2017 a quantia de €318,08, ou seja, em média € 26,50 por mês, (Vide doc. n.º 167 a 184 juntos com a contestação)
126.- Com a alimentação do cão e despesas do veterinário, a requerida Teresa gasta em média a quantia mensal de € 38,28. (Vide doc. n.º 185 a 194 juntos com a contestação.)
127.- Em propinas e material escolar da sua filha, a requerida Teresa gasta em média a quantia de € 100,00. (Vide doc. n.º 195 a 203 juntos com a contestação)
128.- Em créditos bancários, a requerida Teresa pagou no ano de 2017 a quantia de €3.589,32, ou seja, € 299,11 por mês. (Vide doc. n.º 204 a 215 juntos com a contestação)
129.- Em telemóvel, telefone, televisão e internet a requerida Teresa, o seu marido e a sua filha têm uma despesa anual de € 792,54, ou seja em média € 66,04 por mês. (Vide doc. n.º 216 a 230 juntos com a contestação)
130.- A requerida Teresa tem uma despesa anual de € 505,33, ou seja em média €42,11 por mês, em r (Vide doc. n.º 231 a 236 juntos com a contestação)
131.- Em seguros variados, a requerida Teresa, o seu marido gastam no ano de 2017 a quantia de €1.324,99, ou seja, em média € 110,41 por mês. (Vide doc. n.º 237 a 257 juntos com a contestação)
132.- Para a manutenção dos carros, a requerida Teresa, o seu marido gastam no ano de 2017, em média € 31,18 por mês. (Vide doc. n.º 258 a 259 juntos com a contestação)
133. - A requerida Teresa pagou no ano de 2017 a quantia de € 458,40, relativa ao Impostos, em média €38,20 por mês. (Vide doc. n.º 260 a 262 juntos com a contestação)
134.- Em despesas gerais (eletrodomésticos, vestuário, cabeleiro, produtos de higiene, combustível, etc.) a requerida Teresa e o seu agregado familiar gastaram no ano de 2017, no mínimo a quantia de €1.929,68, em média €160,80 por mês. (Vide doc. n.º 263 a 248 juntos com a contestação).
135.- Resumindo, a requerida Teresa e o seu agregado familiar, tem uma despesa mensal fixa mínima de € 916,66, ao que acresce as despesas de alimentação referida supra.
136.- A requerida Ana está desempregada, vive com o seu marido, com a sua filha de 15 meses, e com a sogra na casa desta, pois não tem casa própria.
137.- E em raciocínio simétrico ao do requente necessita da quantia mensal de €1.440,00 para alimentação das 4 pessoas (360,00 × 4).
Assim descriminada:

a) €8,00 por dia para o pequeno almoço (€2,00 × 4) e €8,00 por dia para o lanche(€2,00 × 4);
b) €16,00 para o almoço (€4,00 × 4) e €16,00 por dia para o jantar (€4,00 × 4);
138.- Em medicação e consultas médicas a requerida Ana, o seu marido e a sua filha gastaram no ano de 2017 a quantia de €2.410,00, ou seja, em média € 200,83 por mês, (Vide doc. n.º 349 a 394 juntos com contestação)
139.- Como crédito bancário, a requerida Ana pagou no ano de 2017 a quantia de €1.823,76, ou seja, € 151,95 por mês. (Vide doc. n.º 395 junto com a contestação)
140. - A requerida Ana tem uma despesa anual de € 961,66, ou seja em média €80,13 por mês, em eletricidade. (Vide doc. n.º 396 a 402 que aqui se junta e dá por integralmente reproduzidos)
141.- Em telemóvel, telefone, televisão e internet, e água a requerida Ana, o seu marido têm uma despesa anual de € 844,05, ou seja em média € 70,33 por mês. (Vide doc. n.º 403 a 418 juntos com a contestação)
142.- Para a manutenção do carro e seguro, a requerida Ana, o seu marido gastam no ano de 2017, em média € 65,561 por mês. (Vide doc. n.º 419 e 420 juntos com a contestação)
143.- Em despesas gerais (fraldas, artigos de puericultura, eletrodomésticos, vestuário, cabeleiro, produtos de higiene, combustível, aquecimento, etc.) a requerida Teresa e o seu agregado familiar gastaram no ano de 2017, no mínimo a quantia de €1.447,96, em média € 120,66 por mês. (Vide doc. n.º 421 a 426 juntos com a contestação)
144.- Daqui resulta que a requerida Ana e o seu agregado familiar, tem uma despesa mensal fixa mínima de € 704,56, ao que acresce as despesas de alimentação referida supra.
145.- O requerente vive em união de facto com Conceição, na casa desta, com quem já tinha tido um relacionamento amoroso, no tempo em que ainda era casado com a referida Emília.
146.- As requeridas Maria e Teresa trabalham por turnos rotativos (3 semanas das 5:30h às 13:30h e 3 semanas das 13:30 ás 21:30h, e assim sucessivamente) e auferem a remuneração base mensal no montante de 616,00 euros, à qual acresce remuneração por trabalho nocturno, que em Novembro de 2017, foi no valor de 29,32 e trabalho suplementar, tendo auferido a esse título, em Outubro de 2017, 58,19 e remuneração a título de prémios, bónus e outras prestações de caracter não mensal, a quantia de 7,11, levantando-se as 4.00 horas da manhã para irem trabalhar no turno das 5.30h ás 13.30h.
147 – A requerida Ana está actualmente desempregada, auferindo prestação por desemprego total e foi-lhe atribuído subsídio de desemprego por um período de 480 dias, com início em 10.03.2017, subsídio que foi reduzido em 10% a partir do 181º dia. Tem uma filha de 15 meses e o seu marido está a trabalhar na Argélia para sustentar a família.
- O requerente tem, ainda, de ser operado às cataratas (olho direito).

Factos aditados:

- A requerida Maria e o seu marido declararam para efeitos de IRS, relativamente ao ano de 2016, a requerida o rendimento de 8.764,06 e o seu marido, 22.854,87 (fls 81 a 82).
- A requerida Teresa e marido, declararam para efeitos de IRS, relativo ao ano de 2016, respectivamente, 8.671,39 e 9.100,00 (fls 87 e 88).
- A requerida Ana e marido, declararam para efeitos de IRS, relativo ao ano de 2016, respectivamente, 2.336,55 e 18.067,56(fls 93 e 94).

Factos não provados

.1) - Que em finais do mês de janeiro de 2005, encontrando-se o requerente a recuperar da tentativa de homicídio e das lesões dele advenientes, as requeridas disseram¬-lhe que tinham de legalizar a casa de morada de família nas finanças e na conservatória.
.2) - O requerente foi assim convencido pelas requeridas da necessidade de legalizar esse imóvel, para o que se impunha a outorga da competente escritura pública de justificação notarial.
.3) - O requerente, à data da celebração dessa escritura, em virtude das lesões sofridas na sequência do evento ocorrido trinta dias antes, não se encontrava em condições de entender e querer o que declarou naquele instrumento.
.4) - Não teve consciência de que, por essa escritura, estava a transmitir definitivamente a propriedade do imóvel às filhas.
.5) - Nem nunca isso lhe foi comunicado, antes ou após a celebração da escritura.
.6) - Por isso se compreende que, na doação, nem sequer tenha sido reservado o direito do requerente ao usufruto do imóvel, até à data da sua morte.
.7) - A ex-mulher do requerente, na sequência da outorga da escritura de doação supra aludida, abandonou o lar conjugal e foi trabalhar para Andorra.
.8) - Quando foi despejado o requerente apenas conseguiu levar a roupa que trazia no corpo.
.9) - Que no quintal (rocio) do imóvel doado o requerente cultivava batatas, hortaliças, feijão, tomates, pepinos e alfaces e tinha plantadas diversas árvores de fruto (duas laranjeiras, uma tangerineira, uma figueira, uma cerejeira e um limoeiro).
.10) - O requerente canalizava a totalidade dos frutos dessas colheitas e plantações para a sua própria alimentação, não tendo, assim, de os comprar no mercado.
.11) - No mês de outubro do corrente ano, foi diagnosticado ao requerente um problema oncológico (suspeita de cancro nos intestinos).
.12) - Vai ser submetido a intervenção cirúrgica, em data a designar.
- e ainda todos os factos que constavam dos factos provados e que foram eliminados por terem sido considerados não provados.

As apeladas ampliaram o objecto do recurso. Nos termos do artº 636º, nº 2, pode o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.

A ampliação relativamente à impugnação da matéria de facto apenas é admissível a título subsidiário. Assim o tribunal só deverá proceder à sua apreciação, se for caso de alterar a decisão final, face à matéria de facto decorrente da impugnação parcialmente procedente do apelante, o que não é o caso, como infra se demonstrará.

Do Direito

Nos termos do disposto no artº 384º do CPC o titular de alimentos pode requerer a fixação da quantia mensal que deva receber, a título de alimentos provisórios, enquanto não houver pagamento da primeira prestação definitiva.

No caso presente, embora o requerente seja o pai das requeridas, não fundou o presente procedimento na relação familiar existente, porquanto os descendentes estão vinculados à prestação de alimentos - artº 2009º, nº1, alínea b) do CC – mas sim no artº 2011º do C.C. que estabelece, no seu nº 1 que “se o alimentando tiver disposto de bens por doação, as pessoas designadas nos artigos anteriores não são obrigadas à prestação de alimentos, na medida em que os bens doados pudessem assegurar ao doador meios de subsistência”, sendo que “neste caso, a obrigação alimentar recai, no todo ou em parte, sobre o donatário ou donatários, segundo a proporção do valor dos bens doados (…)” (nº 2).


Mencionam, a propósito, P. de Lima e A. Varela “É uma obrigação acidental que só existe no caso de o necessitado ter disposto de bens por doação e de os bens doados terem podido assegurar ao doador meios de subsistência, embora não seja necessário que a situação de necessidade (lo stato bisognoso) do doador tenha resultado imediatamente da liberalidade em causa.” Tal obrigação radica na “simples circunstância de ele ter enriquecido gratuitamente o seu património à custa de quem, entretanto, caiu em desgraça ou miséria económica” constituindo “um dever especial de gratidão imposto ao beneficiário da liberalidade, ou dever de restituição inspirado na velha ideia romanista de que nemi liberalis nisi liberatus est”. E acrescentam “(…) o donatário só responde pela obrigação alimentícia dentro do limite do valor dos bens doados pelo alimentando. (…) Se os vinculados à prestação legal só deixam de ser obrigados, na medida em que os bens doados pudessem assegurar ao doador meios de subsistência e os antigos bens do doador só poderiam surtir esse efeito através dos seus rendimentos ou do produto da sua alienação, é evidente que o montante global das pensões mensais postas a cargo do donatário não pode exceder o limite do rendimento dos bens nem o produto da sua alienação.” (Código Civil Anotado, vol. V, p. 598/599).

Entende-se por alimentos tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário (artº 2003º do CC). Na expressão sustento está compreendido tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida.
Os alimentos devem ser proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, havendo ainda na sua fixação que atender-se à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência (artº 2004º do C.C.)

No caso do artº 2011º CC a obrigação de prestar alimentos é condicional e limitada, não nasce duma relação familiar, mas sim do dever de justiça que a lei impõe ao beneficiário da liberalidade, dentro das forças próprias desta.


Ou seja, aqui a lei parte do princípio que, em caso de necessidade da doadora, o bem doado responde pela satisfação dessas necessidades (cfr. se defende no Ac.do TRE, de 12.02.2015, proc.744/14). E como se refere no Ac. do STJ de 09/06/1992, proc. 082014, “No caso de doação, o fundamento da obrigação de alimentos, radica-se em considerações de natureza patrimonial, dado que, beneficiando os donatários de bens subtraídos, no futuro, à titularidade dos parentes, não há razão para que sejam estes a suportar os encargos com a satisfação das necessidades da doadora, alimentanda, respondendo, no entanto, os donatários pelas forças dos bens doados.”


No caso, dúvidas não há que o bem doado pode garantir meios de subsistência, desde logo porque proporcionava habitação ao requerente. Ainda que assim não fosse, tais meios sempre poderiam ser alcançados através da sua venda.
No entanto, não há que analisar sequer se o apelante tem necessidade de alimentos, se as requeridas têm capacidade económica para os prestar e se a obrigação alimentar ´não é devida, porque as requeridas já prestaram alimentos na proporção do valor dos bens doados.
É que, de acordo com o disposto no artº 2013º, nº 1, alínea c) do CC, a obrigação de prestar alimentos cessa quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado (artº 2013º, nº 1, alínea c) do CC).
A lei utiliza a expressão “cessa” mas tal não significa que este artigo só se aplica a casos em que a obrigação de alimentos já está a ser prestada. Abrange ainda os casos em que a prestação alimentar não foi ainda fixada.

Conforme se refere no Ac. TRE de 22.03.2007, proc. 86/07, “o legislador de 1977, acompanhando a generalizada tendência legislativa de retirar efeitos secundários ou acessórios civis directos às condenações penais, tal como claramente exprimiu, pretendeu, manifestamente, abandonar os efeitos taxativos directos de uma condenação penal, para introduzir uma ideia mais vasta e genérica de violação grave e genérica dos deveres (éticos) para com o obrigado. Significa isto, tendo em conta os argumentos de interpretação quer histórica, quer teleológica, que na actual redacção da alínea c) do nº 1 do artigo 2013º CC da condenação penal do credor de alimentos (no enquadramento do artigo 2166º nº 1 alínea a)) não decorre necessariamente a cessação da prestação alimentar, bem como (hipótese inversa) de uma não condenação não decorre necessariamente a impossibilidade legal dessa cessação (2) .

Com esta alteração o legislador retirou definitivamente a cessação da obrigação alimentar do campo dos efeitos acessórios civis automáticos das decisões penais e alargou o seu âmbito de aplicação a outros comportamentos a apreciar casuisticamente pelo Tribunal, no quadro concreto em que se desenvolveu e desenvolve a vida familiar
.”
Não exige assim a lei qualquer condenação penal do requerente de alimentos por factos que constituam violação grave dos seus deveres para com o obrigado, para não atribuir uma prestação de alimentos.
No caso, as expressões utilizadas pelo apelante são extremamente injuriosas da honra e reputação das requeridas e violam o dever de respeito a que pais e filhos estão reciprocamente obrigados (artº 1874º, nº 1 do CC).
Ainda que o apelante se possa sentir ferido com o comportamento das requeridas (desconhecendo-se quais as razões que determinaram a ruptura e quem contribuiu para a mesma ou em que medida contribuiu), tal não pode justificar a atitude ofensiva do apelante.

Consequentemente, tendo o requerente, com a sua conduta, incumprido o dever de respeito para com as requeridas, suas filhas, não será razoável exigir-lhes que providenciem pelo seu sustento e saúde, em conformidade com o estabelecido no art. 1880º do C.C. e 2011º, nº 2 do C, por se verificar o preenchimento da previsão do art. 2013, nº 1, al. c), do C.C. (ver a propósito o Ac. do TRG de 04-03-2010, proc.115/09, onde foi negado o direito a alimentos a um filho que apelidou o pai de “palhaço”, em mais de uma ocasião e lhe desferiu uma bofetada).

Ficam assim prejudicadas as demais questões de direito suscitadas, assim como o conhecimento da ampliação do recurso.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Guimarães, 20 de Setembro de 2017

Helena Melo
Pedro Damião e Cunha
Maria João Matos


1. Código de Processo Civil Anotado, vol.3, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p.605.
2. Proferido no processo 373/1998, disponível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte.