Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6149/20.6T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: PREVPAP
REGULARIZAÇÃO DE VÍNCULO PRECÁRIO
RETRIBUIÇÃO
ANTIGUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I -No âmbito do PREVPAP não podia a UNIVERSIDADE X ter optado por fixar a retribuição da trabalhadora com referência ao valor por aquela auferido em 2017, nele se incluindo os subsídios de férias e de natal, por tal se traduzir numa diminuição da sua retribuição que não é admitida nem pelo art.º 14.º n.3 da lei n.º 112/2017, de 29/12, nem pelos mais elementares princípios de direito laboral que proíbem a diminuição da retribuição, excepto nos casos previstos na lei ou nos instrumentos de regulação colectiva do trabalho, nos termos do art.º 129.º nº1 al. d) do Cód. do Trabalho e que impõe que a retribuição seja acrescida dos subsídios de férias e de natal.
II – Tendo por certo que com a regularização dos vínculos precários o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento da pré existente, é de considerar que a antiguidade da Autora deve retroagir ao início das suas funções, e consequentemente são devidos os subsídios de férias e de natal desde o início da relação contratual, que nunca tendo sido liquidados pela Recorrente terá agora de o fazer.
III – A interpretação e aplicação das normas realizada pelo tribunal a quo não viola o n.º 2 do artigo 47.º da CRP, uma vez a regularização do vínculo da Autora foi efectuada de acordo com o estabelecido no programa PREVPAP (o qual constitui uma excepção à regra da contratação em obediência aos princípios de natureza pública), não impondo este que os critérios de regularização sejam efectuados tendo apenas em conta o período a que alude o art.º 3 da Lei n.º 112/2017, a que acresce o facto do artigo 14.º da referida lei impor que caso se verifiquem os respectivos requisitos se reconheça a existência de contrato de trabalho, que se deverá reportar à data do seu início e não a qualquer outra ficcionada.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTE: UNIVERSIDADE X.
APELADA: M. R.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga -J1

I – RELATÓRIO

M. R., residente na Rua … – n.º …, no Porto, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra UNIVERSIDADE X, com sede no Largo do …, em …, pedindo a condenação da Ré:
a. a reconhecer a existência de um contrato de trabalho com a autora com efeitos a partir do dia 3 de Outubro de 2016 e a antiguidade reportada a esta data;
b. que seja estabelecida a retribuição mensal da autora no montante de € 1.500,00 ou, subsidiariamente, no montante de € 1.201,48, sem prejuízo da progressão salarial que possa vir a ter;
c. a pagar à autora a diferença entre a retribuição mensal que tem vindo a pagar após a celebração do contrato de trabalho e a que venha a ser estabelecida;
d. a pagar à autora a quantia de € 8.958,90, a título de subsídio de férias e de Natal relativo ao período entre os anos de 2016 a 2019;
e. a reconhecer que no ano de 2020 a autora tinha direito a vinte e dois dias de férias e a pagar os dias de férias que não gozou por seu impedimento e a diferença entre o subsídio de férias que pagou e aquele que devia ter pago se tivesse considerado a duração de vinte e dois dias;
f. a pagar os juros de mora sobre estas quantias.

Tal como se fez constar na sentença recorrida, alega a Autora que no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) foi reconhecido que exercia funções que correspondiam a uma necessidade permanente da ré e que o vínculo precário ao abrigo do qual exercia estas funções devia ser regularizado. A regularização do vínculo foi realizada através da celebração de um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado. A ré atribuiu-lhe a retribuição base mensal de €1.028,57 e reconheceu a antiguidade a partir do dia 16 de Janeiro de 2017. Porém, considera que a retribuição que lhe foi atribuída se traduz numa diminuição do montante que auferia, e que a antiguidade devia ter sido reconhecida para uma data anterior (3-10-2016), devendo a Ré proceder ao pagamento dos subsídios de férias e de natal desde essa data, que corresponde à data em que iniciou funções ao serviço da Ré.
A ré contestou alegando que a retribuição base mensal e a antiguidade da autora respeitam os termos do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) e que não ocorreu qualquer diminuição de retribuição, já que o regime em causa não determina que se considere que toda a relação contratual que existiu com o beneficiário da actividade é uma relação laboral. Apenas impõe o reconhecimento, imediatamente e para a frente, da existência de um contrato de trabalho.

Prosseguiram os autos os seus regulares termos e por fim foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, decido julgar a presente acção integralmente procedente e, em consequência:

1. Condeno a ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho com a autora com efeitos a partir do dia 3 de Outubro de 2016 e a antiguidade reportada a esta data;
2. Condeno a ré a estabelecer a retribuição mensal ilíquida da autora no montante de € 1.500,00;
3. Condeno a ré a pagar à autora a diferença entre esta retribuição mensal e a que tem vindo a pagar após a celebração do contrato de trabalho;
4. A esta quantia acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data em que devia ter sido paga cada retribuição até integral pagamento;
5. Condeno a ré a pagar à autora os subsídios de férias e de Natal relativos ao período entre os anos de 2016 a 2019, os quais devem ser calculados por referência à quantia que recebia mensalmente enquanto prestadora de serviços em cada um dos anos em que devia ter ocorrido o pagamento, mas sujeita ao tratamento fiscal e para a Segurança Social que é aplicável aos trabalhadores;
6. Condeno a ré a reconhecer que no ano de 2020 a autora tinha direito a vinte e dois dias de férias e a pagar os dias de férias que não gozou por seu impedimento e a diferença entre o subsídio de férias que pagou e aquele que devia ter pago se tivesse considerado a duração de vinte e dois dias;
7. A estas quantias acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data em que deviam ter sido pagos os dias de férias e cada um dos subsídios de férias e de Natal até integral pagamento.
*
Custas a cargo da ré.
*
Registe e notifique.”

Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes:
CONCLUSÕES:

A. A Recorrente, enquanto fundação pública sujeita ao regime de direito privado, está obrigada a observar os princípios constitucionais respeitantes à administração pública, nomeadamente a prossecução do interesse público e os princípios da igualdade, imparcialidade, justiça e proporcionalidade.
B. A Recorrente, não obstante ter poder para celebrar contratos de trabalho sujeitos ao direito privado, nomeadamente ao Código do Trabalho, está obrigada a observar um procedimento público, imparcial e escrutinável de selecção de candidatos a cada posto de trabalho que pretenda preencher.
C. O PREVPAP (criado pela Lei 112/2017, de 29 de Dezembro) permitiu à Recorrente celebrar contratos de trabalho sem observância do procedimento imparcial e escrutinável de selecção de candidatos a cada posto de trabalho que pretenda preencher, desde que observados os limites e requisitos ali vertidos.
D. O PREVPAP destina-se a regularizar os vínculos contratuais existentes, passando a ser qualificados como contratos de trabalho, das pessoas a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro. que exerçam ou tenham exercido as funções em causa no período entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, ou parte dele, e durante pelo menos um ano à data do início do procedimento concursal de regularização;
E. O regime de excepção à exigência de procedimento concursal (ainda que simplificado) a que a Recorrente está sujeita que é o PREVPAP impõe à mesma que a mesma celebre contratos de trabalho de acordo com as circunstâncias levadas a apreciação na CAB e pela mesma qualificadas como contrato de trabalho a regularizar.
F. Por conseguinte, as funções e categoria profissional, e a retribuição a figurar no contrato de trabalho a celebrar no âmbito do PREVPAP devem ter por referência o período temporal avaliado pela CAB, ou seja, o ano de 2017.
G. Nos casos em que o vínculo existente, previamente à regularização via PREVPAP, não é um vínculo laboral, a definição da retribuição deve obedecer ao disposto no artigo 14.º/3 da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro.
H. No caso dos autos, a determinação da retribuição da Recorrida por referência à retribuição anual da mesma no ano de 2017 obedece às normas e princípios vindos de observar,
I. Sendo assim inatacável a fixação de uma retribuição que corresponde à divisão por 14 do incremento patrimonial da Recorrida no ano de 2017 no âmbito do contrato de prestação de serviços.
J. Ao contrário do vertido na douta sentença, tal decisão não corresponde à diminuição da retribuição da Recorrida, uma vez que a mesma não tinha vínculo contratual laboral com a Ré no ano de 2019, sendo antes uma prestadora de serviços. [Caso a Recorrida tivesse sido integrada de forma célere, na sequência do PREVPAP, (admite-se, no ano de 2018), sendo-lhe fixada a retribuição igual ao valor que auferiria enquanto prestadora de serviços, em 2018, a sua progressão para posição retributiva superior apenas poderia ocorrer nos termos do disposto no Despacho n.º 1896/2018, de 21 de fevereiro, ou seja, seis anos após o início do vínculo – em 2022. Considerando-se o antedito, constata-se que a decisão ínsita na douta sentença acarreta desigualdade entre os trabalhadores da Recorrente.
K. Por violar o disposto no artigo 14.º/3 da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, e no artigo no artigo 134.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 62/2007 de 10 de Setembro, requer-se seja revogada a douta sentença de que se apela quanto aos pontos 2, 3 e 4 do dispositivo.

Sem conceder,
a. Caso assim não se entenda, a fixação da retribuição mensal deveria então ser de valor igual ao incremento patrimonial médio mensal da Recorrida, enquanto prestadora de serviços, no ano de 2017, ou seja, de €1.028,57,
b. Pelo que se requer que seja revogada a douta sentença de que se apela quanto ao ponto do dispositivo, e substituída por outra que fixe no montante de €1.028,57 o salário mensal da Recorrida.
L. Não existe equiparação entre a antiguidade reconhecida à Recorrida no âmbito do contrato de trabalho celebrado na sequência do PREVPAP e a existência de um contrato de trabalho desde o início dessa antiguidade.
M. O regime jurídico do PREVPAP não pretende que sejam retiradas tais consequências da regularização do vínculo, pelo contrário:
a. nos casos em que a antiguidade apresenta relevo jurídico, o legislador disse-o, como foi o caso do artigo 13.º da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro.
b. Nos termos da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, a regularização produz efeitos de natureza laboral para diante; havendo a possibilidade do tempo anterior à regularização ter influência na carreira do trabalhador.
N. Entendimento distinto violaria a igualdade entre os trabalhadores da Recorrente: os opositores do PREVAP, sem lei que o preveja claramente, são qualificados como trabalhadores dependentes, sem sujeição a concurso, sem escrutínio, sem comparação com os demais candidatos, em período de tempo não considerado no PREVPAP, com a consequência de receberem subsídios de férias e de Natal.
O. Já os trabalhadores da Recorrente, que foram sujeitos a concurso, que viram os seus salários serem fixados por referência a uma tabela (aplicável face à sua categoria profissional – o que não aconteceu com prestadores de serviços, como é o caso da Recorrida) recebem valores inferiores.
P. Não são assim devidos subsídios de férias e subsídios de Natal respeitantes ao período de tempo em que entre a Recorrente e a Recorrida vigorou um contrato de prestação de serviços (27/09/2016 e 30/11/2019).
Q. Pelo exposto, atenta a violação do artigo 14.º da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, e o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) e o princípio de que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso (artigo 47.º/2 da CRP), requer-se seja revogada a douta sentença a quo, relativamente aos pontos 5 e 6 do dispositivo, e que em consequência seja a Recorrente absolvida do correspondente pedido.
R. O entendimento de que à Recorrida deveria ter sido assegurada uma antiguidade respeitante a um período de tempo que não foi alvo de avaliação por parte da CAB [pois, note-se, no limite, a CAB pôde pronunciar-se sobre a realidade contratual da Recorrida que se encontra em vigor no intervalo de tempo que mediou entre 01/01/2017 e 01/05/2017], cai no vazio jurídico, logo, na violação do artigo 47.º, número 2 da CRP, que prevê que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
S. Por consequência, o mesmo ocorre também no que respeita ao peticionado quanto aos subsídios de férias e de Natal.
T. Assim, por se encontrarem feridos de inconstitucionalidade, atenta a violação do artigo 47.º, número 2 da CRP, sempre deveriam ter disso declarados improcedentes os pedidos deduzidos pela Recorrida.
U. Da mesma inconstitucionalidade padece a decisão respeitante ao valor da retribuição mensal a fixar (ou seja, os €1.500,00).
V. Porquanto à Recorrida apenas foi franqueada, via PREVPAP, a possibilidade de celebração de contratos de trabalho sem concurso prévio nos termos avaliados pela CAB, assumindo-se as condições ali apreciadas – ou seja, as condições respeitantes a categoria profissional e retribuição que se verificavam no intervalo temporal previsto na Lei 112/2017, de 29 de Dezembro (entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017).
W. Assim, a perspectiva adoptada pelo douto Tribunal a quo encerra uma interpretação do artigo 14.º, números 2 e 3 da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro que viola o artigo 47.º, número 2 da CRP, não podendo ser admitida.”
Termina a Recorrente pugnando pela revogação da sentença e da sua substituição por outra que a absolva de todo o peticionado.
A Recorrida respondeu ao recurso, concluindo pela sua total improcedência.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), as questões que se impõe apreciar são as seguintes:

- Da retribuição devida à Autora;
- Do início da relação de natureza laboral para efeitos de pagamentos de subsídio de férias e de natal;
- Da inconstitucionalidade por violação do disposto no art.º 47.º da CRP
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Estão provados os seguintes factos:

1. A ré é uma fundação pública com regime de direito privado;
2. No 3 de Outubro de 2016, a autora começou a desempenhar funções de apoio jurídico na área da contratação pública ao serviço da ré;
3. A autora exerceu estas funções ao serviço da ré ininterruptamente desde o dia 3 de Outubro de 2016 até ao dia 1 de Janeiro de 2020;
4. No período entre o dia 3 de Outubro de 2016 até ao dia 1 de Janeiro de 2020, a autora exerceu as mesmas funções de apoio jurídico na área da contratação pública que continuou a exercer posteriormente, designadamente nas instalações e com instrumentos da ré, estando obrigada a cumprir as orientações que lhe eram transmitidas e a realizar as tarefas que lhe eram atribuídas, com horário de trabalho e tendo que solicitar autorização para se ausentar no período de trabalho e para a marcação das férias;
5. No âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (PREVPAP) foi emitido parecer favorável à regularização do vínculo que a autora mantinha com a ré;
6. Este parecer foi homologado pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Trabalho e da Solidariedade e Segurança Social;
7. No dia 30 de Dezembro de 2019, para a regularização do vínculo, a autora e a ré celebraram o contrato individual de trabalho por tempo indeterminado que consta de fls. 40 e 41 e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. Ficou acordado o seguinte:

O contrato de trabalho tinha início no dia 1 de Janeiro de 2020;
A autora era integrada na categoria de técnico superior;
A autora auferia a retribuição base mensal de € 1.028,57, correspondente entre a 1ª e 2ª posição retributiva da categoria e ao nível retributivo entre 11-A e 15-A da tabela retributiva única constante do anexo III do Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da UNIVERSIDADE X, em conformidade com o art. 37º nº5;
Sobre a retribuição incidiam os descontos legalmente previstos;
Era reconhecida a antiguidade da autora com efeitos a partir do dia 16 de Janeiro de 2017.
9. A retribuição da autora foi calculada nos termos da deliberação do Conselho de Gestão da UNIVERSIDADE X nº17/2019 de 31 de Outubro que consta de fls. 39 e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
10. Esta deliberação estabeleceu a seguinte fórmula de cálculo:
A retribuição base mensal é determinada de acordo com o valor bruto anual relativo a 2017, sem Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nos casos em que era legalmente devido, e corresponderá ao valor mensal que o trabalhador auferia multiplicado por doze, respeitante aos meses de serviço efectivo, e dividido por catorze, respeitante às prestações mensais devidas.
11. Nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 a autora auferia como prestadora de serviços, respectivamente, a quantia mensal de € 1.133,33, € 1.200,00, € 1.500,00 e € 1.500,00.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Antes de mais incumbe, desde já referir, que este Tribunal da Relação de Guimarães já teve a oportunidade de se pronunciar sobre as questões idênticas às suscitadas nos presentes autos, designadamente nos Acórdãos proferidos em 15/06/2021, 21/10/2021 e 4/11/2021, nos processos n.º 1782/20.9T8BRG.G1, n.º 3078/20.7T8BRG.G1 e 3369/20.7T8BRG.G1, disponíveis em www.dgsi.pt, razão pela qual iremos seguir de perto as posições ai assumidas, por se concordar com as mesma, a que acresce ainda dizer que os pressupostos fáticos nesta e naquelas acções são idênticos e a alegação/argumentação da Ré também é praticamente a mesma.

1. Da retribuição devida à Autora

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto do tribunal a quo ter fixado a retribuição da autora no valor de €1.500,00, por ser o valor que a autora auferia a quando da regularização e celebração do contrato de trabalho em 30/12/2019, acrescida do respectivo subsídio de férias e de Natal de igual montante, insistindo que o valor da retribuição deve ser o por si fixado tendo por referência o valor auferido pela autora no ano de 2017, com a subsequente multiplicação por 12 e divisão por 14.
Defende assim, a Recorrente que a retribuição da Autora deve ser fixada com referência à importância por aquela auferida em 2017, multiplicada por 12 e dividida por 14, apesar da regularização do contrato só ter ocorrido para produzir efeitos em 2020, altura em que a autora recebia €1.500,00 por mês. Subsidiariamente pede que se atenda ao valor de 1.028,57€ correspondente à média mensal auferida em 2017.
Vejamos.
No âmbito do Programa de Regularização Extraordinária do Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), regulado pela Lei n.º 112/2017 de 29/12 foi reconhecido que a autora exercia há vários anos funções que correspondiam a necessidades permanentes da Ré, tendo por isso o seu vínculo precário sido regularizado.
Ora, o PREVPAP foi o mecanismo criado pelo Estado, para combater a precaridade criada pelo próprio Estado, ao permitir a contratação com vínculo precário para satisfazer necessidades permanentes quer na Administração Central e Local, quer no sector empresarial do Estado. Este programa de regularização dos vínculos precários dos colaboradores do Estado visou a eliminação progressiva do recurso a trabalho precário como forma de colmatar necessidades de longa duração para que os serviços do Estado pudessem funcionar de forma regular.
Tal como a Lei n.º 63/2013, de 27/08 ao instituir a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, visou combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado (sem fazer qualquer distinção entre empresas públicas ou do sector empresarial do Estado e empresas privadas), o PREVPAP foi mais um mecanismo criado pela Estado para combater a precaridade no sector publico (nele se incluindo também sector empresarial do Estado). Ambos os procedimentos foram criados no âmbito da estratégia de combate à precaridade e constituem dois procedimentos distintos - um de cariz administrativo, que tramita de acordo com o programa PREVPAP e outro de cariz judicial - que têm tramitações distintas, mas que visam a obtenção do mesmo resultado jurídico, ou seja o reconhecimento da existência de contrato de trabalho que em ambos os procedimentos é feita mediante o preenchimento dos pressupostos previstos no art.º 12.º do CT, ou seja aqueles que permitem presumir a existência de uma relação laboral.
Importa salientar que o programa PREVPAP [regularização dos vínculos precários na Administração Pública e no Sector Empresarial do Estado], previsto inicialmente na Portaria n.º 150/2017 de 03/05 e posteriormente previsto na Lei n.º 112/2017 de 29.12 mais não veio do que regular a matéria atribuída aos tribunais pela Lei n.º 63/2013, de 27/08 com o objectivo de resolver uma situação de precaridade laboral que se vinha arrastando no tempo no que respeita ao sector publico. Este mecanismo/procedimento não se destinou a criar um novo vínculo, mas sim destinou-se apenas a reconhecer o que já existia.
Assim sendo, tal nunca se poderia traduzir do ponto de vista do trabalhador numa situação pior do que aquela em que estavam investidos antes da regularização.
Tudo isto para concluir que a Autora ao ver reconhecido o seu vínculo laboral não poderia ter passado a auferir uma retribuição inferior aquela que até então tinha auferido, tal como a Recorrente entendeu.
Se por um lado de acordo com o disposto no art.º 14.º n.ºs 1,al. b) e n.º 3 da Lei nº 112/2017, (dos quais resulta que nas situações em que é reconhecida a existência de contrato de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes e que a retribuição será determinada de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis), nos parece correto para efeitos de fixação do valor da retribuição o recurso ao valor/preço que era pago à autora pela prestação do serviço. Por outro lado, o valor a atender para efeitos de fixação da retribuição tem de ser determinado de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis, pretendendo assim o legislador salvaguardar a situação anterior dos trabalhadores, de forma que não ficassem prejudicados ou em situação pior do que a anterior, tendo em mente o respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação, de forma a eliminar qualquer discriminação que pudesse existir entre trabalhadores nas mesmas condições.
Daqui resulta que de forma a acautelar a situação anterior da trabalhadora e respeitando o critério que a recorrente de alguma forma utilizou (atendeu ao montante que recebia mensalmente como prestadora de serviços) a retribuição a atender deverá ser aquela que a autora auferia antes de se ter procedido ao reconhecimento da existência do vínculo e não qualquer outro reportado a um ano cujo valor era substancialmente inferior aquele que auferia em momento imediatamente anterior ao do reconhecimento do vínculo, sob pena de a autora ver a sua retribuição diminuída com o reconhecimento do vínculo.
Por outro lado, o critério encontrado pela recorrente de multiplicar a o valor mensal encontrado, por 12 para posteriormente dividi-lo por 14 para assim apurar e nela fazer incluir o subsídio de férias e de natal desvirtua o sentido da lei e afigura-se-nos até violador do regime imperativo previsto no Código do Trabalho no que respeita a estes subsídios, pois como é consabido os prestadores de serviço em regra não recebem subsídios nem de férias, nem de natal, pelo que a Recorrente ao pretender incluir tais subsídios no montante liquidado à Autora enquanto prestadora de serviços, tentou contornar com tal estratégia o regime imperativo, o que não nos parece aceitável, pois trata-se de uma clara violação aos direitos dos trabalhadores.
Como é consabido das normas de natureza imperativa que constam do Código Trabalho respeitantes à retribuição do trabalhador resulta quer a proibição da diminuição da retribuição, quer a obrigatoriedade do pagamento dos subsídios de férias e de natal, que correspondem a montantes que acrescem a retribuição – cfr. artigos 129.º n.º 1 al. d), 263.º n.º 1 e 264.º n.º 2 todos do CT.
Ora, não tendo a Recorrente antes da regularização do vínculo procedido ao pagamento dos respectivos subsídios ao pretender agora fazê-lo incluir no valor da prestação mensal que liquidou ao longo dos anos à autora iria também por esta via diminuir a prestação que mensalmente a autora recebia.

Não podemos assim deixar de concordar quer com argumentação expendida pelo Tribunal a quo, quer com a argumentação que se fez constar nos Acórdãos deste Tribunal, a propósito de idêntica questão, dos quais destacamos o Acórdão proferido em 15-06-2021, proc. n.º 1782/20.9T8BRG.G1 (relatora Maria Leonor Barroso), no qual a este propósito se refere o seguinte:

“Quanto ao modo de fixar a retribuição, não havendo uma vínculo laboral formal pré-existente Como acontecia com os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a termo resolutivo ou ao abrigo de trabalho temporário-14º, 1, c, d, da referida Lei., sendo a autora uma prestadora de serviços e bolseira, as retribuições seriam “… determinadas de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salarias das convenções colectivas aplicáveis” nº 3, do artigo 14º, da Lei 112/2017, de 29-12.
Considerou-se na decisão recorrida que “a referência às convenções colectivas deve ser interpretada em sentido amplo, por forma a incluir os regulamentos que foram elaborados pelas universidades, como aconteceu com o Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da UNIVERSIDADE X.”
Mas, na verdade não existe controvérsia entre autora e ré quanto ao facto de a base de referência ser a remuneração daquela enquanto bolseira. Não sendo, assim, necessário dissecar, em demasiado, o que se entende por “critérios gerais”. Sempre se dirá que estes serão os previstos no código do trabalho, legislação a que a ré está sujeita, segundo a qual a retribuição é toda a prestação que o trabalhador recebe como contrapartida do trabalho, conforme o acordado, a lei e os usos, abrangendo-se todas as retribuições que sejam regulares e periódicas – 258º CT/09. Naturalmente abrange-se também dentro dos critérios gerais o Regulamento 4095/2017, DR de 12-05-2017, referente, entre o mais, a carreiras e níveis retributivos aprovados pela ré.
A questão é que a recorrente quer socorrer-se de uma remuneração com referência a um período temporal desactualizado e sem qualquer correspondência com a realidade subjacente aquando o da formalização do vínculo laboral. Se a ré só regularizou o vínculo em 2020 e não antes, tal não pode ser imputado à autora e a fixação das condições tem de ter por reporte a actualidade, sob pena de a autora ficar mais prejudicada do que beneficiada, desvirtuando-se o objectivo da lei de combate à precariedade laboral.
Não vemos, assim, como se possa defender que a referência deva ser uma remuneração que já não está em vigor, afigurando-se ser um critério desrazoável e injustificado. Ao contrário do que pretende a recorrente a lei não referencia a remuneração a atribuir ao período de 1-01-017 a 4-05-2017. Este período serve apenas para, juntamente com outros requisitos, balizar o âmbito da regularização extraordinária dos vínculos- artigo 3º Art.3º (Âmbito da regularização extraordinária) 1 — A presente lei abrange as pessoas a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º que exerçam ou tenham exercido as funções em causa: a) No período entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, ou parte dele, e durante pelo menos um ano à data do início do procedimento concursal de regularização; b) Nos casos de exercício de funções no período entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, ao abrigo de contratos emprego -inserção, contratos emprego -inserção+, as que tenham exercido as mesmas funções nas condições referidas no proémio, durante algum tempo nos três anos anteriores à data do início do procedimento concursal de regularização; c) Nos casos de exercício de funções ao abrigo de contratos de estágio celebrados com a exclusiva finalidade de suprir a carência de recursos humanos essenciais para a satisfação de necessidades permanentes, durante algum tempo nos três anos anteriores à data do início do procedimento concursal de regularização. da Lei 112/2017, de 29-12. A posterior regularização do processo e definição dos termos concretos do contrato cabe à ré, segundo a lei do procedimento e não às CABs.
Ademais, há que ter presente, como sublinhado na decisão recorrida, que a formalização do vínculo não representa a criação de uma nova relação contratual, mas um mero reconhecimento da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado por se tratar de necessidades que as CABs já reconheceram como permanentes 14º, 1, b), da referida lei. Tratando-se do reconhecimento de uma situação pré-existente, há que retirar as necessárias consequências de que o montante recebido pela autora tem as garantias legais (excepto se se provasse que o recebia em circunstâncias extraordinárias, o que não é o caso), sob pena de violação do princípio da irredutibilidade da retribuição-129º, 1, d), CT/09.
Concorda-se, também, que a divisão da retribuição por 12, seguida de divisão por 14, obedece a um critério que desvirtua o sentido da lei que é o de dar maior e não menor protecção. Sabe-se que os prestadores de serviços e bolseiros não recebem subsídios de natal e de férias, enquanto os trabalhadores subordinados ao abrigo de contrato de trabalho têm direito aos mesmos. O que a ré fez com esta fórmula de cálculo foi contornar os direitos legais.
A autora como bolseira ganhava 24.000,00€ anuais e líquidos. Com a fórmula de cálculo proposta pela recorrente passaria a auferir anualmente apenas 17.999,94€ e ilíquidos (1.285,71 x 14). O que representaria uma diminuição salarial decorrente do valor que é objectivamente inferior, acrescendo o facto de a quantia passar a ser ilíquida. Realce-se que o valor de 2.000,00 x 14 ilíquidos origina uma retribuição liquida que, após descontos, se situará perto do valor que recebia anualmente enquanto bolseira, pelo que, no fundo, se assegurará não mais que a situação equivalente.”
Com efeito, a recorrente ao fixar a retribuição da Autora em €1.028,57 reportado à prestação que auferia em 2017 (calculada: prestação mensal auferida no ano de 2017 x 12:14), reduziu de forma objectiva e sem que nada o justificasse a retribuição da autora, já que para além da mesma ter sido calculada nela se incluindo os subsídios de férias e de natal (ou seja retirou do valor base mensal o montante referente aos subsídios), à data da regularização do vínculo auferia uma prestação mensal superior que se cifrava em €1.500,00.
Não vislumbramos qualquer razão para alterar a decisão recorrida a este propósito, sendo certo que a alegação da recorrente de que a manutenção do valor da retribuição da autora pode gerar situação de desigualdade relativamente a outros trabalhadores, não é argumento que justifique uma mudança de posição, pois nos autos não foi produzida qualquer prova que nos permitisse concluir nesse sentido, ou seja que que haja trabalhadores que recebam importância diversa, não obstante desempenharem as mesmas funções em termos de quantidade, qualidade e tendo a mesma antiguidade.
Por outro lado, também não releva a invocação do Despacho n.º 1896/2018, de 21 de fevereiro, relativo à gestão das carreiras de pessoal não docente em regime de contrato de trabalho, uma vez que o aqui está em causa não é a mudança de categoria e alteração da posição retributiva por promoção ou progressão, mas sim a fixação inicial da retribuição neste caso específico e extraordinário de reconhecimento de contrato de trabalho de vínculos precários e ao abrigo de um regime próprio, mormente regulado no artigo 14º, da Lei 112/2017, de 29-12.
Em suma, no âmbito do PREVPAP não podia a UNIVERSIDADE X ter optado por fixar a retribuição da trabalhadora com referência ao valor por aquela auferido em 2017, nele se incluindo os subsídios de férias e de natal, por tal se traduzir numa diminuição da sua retribuição que não é admitida nem pelo art.º 14.º n.3 da lei n.º 112/2017, de 29/12, nem pelos mais elementares princípios de direito laboral que proíbem a diminuição da retribuição, excepto nos casos previstos na lei ou nos instrumentos de regulação colectiva do trabalho, nos termos do art.º 129.º nº1 al. d) do Cód. do Trabalho e que impõe que a retribuição seja acrescida dos subsídios de férias e de natal
Tendo presente a finalidade do PREVPAP, bem como o critério estabelecido no art.º 14.º n.º 3 da Lei nº112/2017 de 29 de Dezembro e em concordância com o prescrito na decisão recorrida, é de fixar a retribuição da Autora no valor que a autora recebia mensalmente como prestadora de serviços no ano de 2019 e a este valor devem acrescer os subsídios de férias e de Natal, assim se confirmando nesta parte a sentença recorrida.

2. Do início da relação de natureza laboral para efeitos de pagamentos de subsídio de férias e de natal.

Insurge-se ainda a Recorrente quanto ao facto do Tribunal a quo quanto à antiguidade ter reconhecido o seu início coincidente com o início das funções prestadas pela autora que deram lugar à regularização do vínculo, ou seja, com início em 3 de Outubro de 2016, tendo por isso condenado a recorrente no pagamento dos subsídios de férias e de natal devidos desde essa data, uma vez que os montantes respeitantes a tais subsídios nunca foram liquidados à recorrida.
Conforme já acima deixámos expresso com a criação do programa PREVPAP [regularização dos vínculos precários na Administração Pública e no Sector Empresarial do Estado], não foi intenção do legislador criar uma nova relação contratual de natureza laboral, mas sim teve como finalidade impor à entidade beneficiária do trabalho precário a obrigação de reconhecer a pré existência do vínculo laboral, nas situações em que se verificassem os requisitos para o efeito – cfr art.º 14.º n.º 1 b) da Lei n.º 112/2017. Só se reconhece aquilo que já existe assim partindo do pressuposto que o legislador soube exprimir corretamente o seu pensamento (cfr. artigo 9.º do Código Civil), é manifesto que a sua intenção foi a de que a entidade beneficiária assuma que a relação existente antes da regularização do vínculo precário era já uma relação de natureza laboral, pois, só assim se explica o recurso à figura da presunção do contrato de trabalho e da expressão “reconhecer”.
Tal tem sido entendido em paridade com o que sucede na ARECT relativamente ao sector privado, salvaguardando assim o princípio da unidade do ordenamento jurídico.

Como se sumariou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-06-2019, processo n.º 6132/17.9T8FNC.L1-4, disponível em www.dgsi.pt, a propósito do reconhecimento da antiguidade por força da Lei PREVPAP:

“I- Sendo a ré uma entidade abrangida pelo art.º. 2º-1 da Lei nº 112/2017 de 29/12 (que estabelece o programa de regularização extraordinário dos vínculos precários – PREVPAV), ao celebrar com a autora o contrato de trabalho sem termo, tal implicou, necessariamente e “ope legis”, o reconhecimento de que a relação existente antes da celebração deste contrato, configurava um contrato de trabalho
II- Sendo a Lei PREPAV de carácter imperativo, não podiam autora e ré estipular quaisquer cláusulas limitativas dos seus efeitos, sob pena de nulidade.
III- É nula a parte da cláusula do contrato de trabalho celebrado ao abrigo do PREVPAV de onde conste que “somente” será considerada a antiguidade para efeitos de desenvolvimento de carreira.
IV- Ainda que a cláusula fosse válida e consubstanciasse uma remissão abdicativa a mesma também não seria válida por outro motivo, pois havendo reconhecimento da existência de um contrato de trabalho desde data anterior, por força da Lei PREVPAV, aquando da declaração da renúncia, estava-se em plena vigência de um contrato de trabalho entre autora e ré.”

E como se refere também a este propósito no citado Acórdão deste Tribunal de 15-06-2021, processo n.º 1782/20.9T8BRG.G1, que temos seguido de perto:

“Ademais, há que ter presente, como sublinhado na decisão recorrida, que a formalização do vínculo não representa a criação de uma nova relação contratual, mas um mero reconhecimento da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado por se tratar de necessidades que as CABs já reconheceram como permanentes 14º, 1, b), da referida lei. Tratando-se do reconhecimento de uma situação pré-existente (…)”.

Em suma, tendo por certo que com a regularização dos vínculos precários o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento da pré existente, é de considerar que a antiguidade da Autora deve retroagir ao início das suas funções, e consequentemente são devidos os subsídios de férias e de natal desde o início da relação contratual, que nunca tendo sido liquidados pela Recorrente terá agora de o fazer.
Acresce dizer que não vislumbramos que com esta decisão se viole o princípio da igualdade, conforme é defendido pela recorrente, sem concretizar tal violação, pois que os trabalhadores que foram admitidos ao seu serviço que não os precários, por força das normas imperativas a este respeito terão decerto auferido os respectivos subsídios de férias e de natal.

3. Da inconstitucionalidade por violação do disposto no art.º 47.º da CRP

Por último uma pequena referência à invocada inconstitucionalidade da interpretação e aplicação das normas que constam da sentença recorrida, já que a recorrente defende que por força da Lei PREVPAP só estava autorizada a regularizar a relação contratual que mantinha com a recorrida, que se encontrava em vigor no intervalo de tempo que mediou entre 01.01.2017 e 01.05.2017, pelo que, ao fazer-se reportar a antiguidade da Autora a 3 de Outubro de 2016, e ao estabelecer-se que a mesma tinha direito a receber os valores dos subsídios de férias e de natal respeitantes ao período entre 2016 e 2019, está-se a atuar fora do regime jurídico do PREVPAP e, consequentemente, em violação do disposto no artigo 47.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que, não foi aberto qualquer procedimento concursal.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não podemos concordar com a Recorrente, pois a posição assumida na sentença recorrida a propósito quer da antiguidade, quer do direito a receber os subsídios de férias e de natal desde o início da relação contratual estabelecida entre as partes tem acolhimentos na Lei n.º 112/2017, de 29-12.
Na verdade, da Lei do PREVPAP não é possível concluir que a CAB só pôde pronunciar-se sobre a realidade contratual da recorrida que se encontrava em vigor entre 01.01.2017 e 01.05.2017, já que aquele período temporal apenas serve para determinar quais são os vínculos que estão abrangidos por este programa. Tal resulta também da análise de funções levada a cabo pelo CAB que não se cingiu apenas aquele período de tempo tal como podemos constatar do teor do documento 12 junto com a p.i.

Por último remetemos mais uma vez para o Acórdão deste Tribunal de 15-06-2021, cuja posição subscrevemos e no qual se refere o seguinte a propósito do período compreendido entre 01-01-2017 e 01-05-2017:

“serve apenas para, juntamente com outros requisitos, balizar o âmbito da regularização extraordinária dos vínculos- artigo 3º5 da Lei 112/2017, de 29-12. A posterior regularização do processo e definição dos termos concretos do contrato cabe à ré, segundo a lei do procedimento e não às CABs.”

A interpretação e aplicação das normas realizada pelo tribunal a quo não viola o n.º 2 do artigo 47.º da CRP, uma vez a regularização do vínculo da Autora foi efectuada de acordo com o estabelecido no programa PREVPAP (o qual constitui uma excepção à regra da contratação em obediência aos princípios de natureza pública), não impondo este que os critérios de regularização sejam efectuados tendo apenas em conta o período a que alude o art.º 3 da Lei n.º 112/2017, a que acresce o facto do artigo 14.º da referida lei impor que caso se verifiquem os respectivos requisitos se reconheça a existência de contrato de trabalho, que se deverá reportar à data do seu início e não a qualquer outra ficcionada.
Por fim, acresce dizer que nesta parte a pretensão da recorrente sempre seria de improceder, pois tal como se escreveu a propósito de questão idêntica, no Acórdão deste Tribunal de 7/10/2021, proferido no processo n.º 1782/20.9T8BRG.G1, em que a ora Ré também foi Apelante “[n]ão suscita adequadamente a inconstitucionalidade a parte que discorda da decisão por esta alegadamente violar princípios constitucionais, sem questionar e pedir a desaplicação da norma (ou aplicação com uma determinada interpretação) que supostamente viola a Constituição.”
É de confirmar a sentença recorrida a qual não é merecedora de reparo e improcede o recurso.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em negar provimento à apelação, assim confirmando a decisão recorrida
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga