Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1186/21.6T8BGC.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
DESPEDIMENTO ABUSIVO
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
É de admitir a junção de documento às alegações cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento do julgamento, como é o caso de uma certidão de decisão posteriormente proferida por autoridade administrativa.
Presume-se abusivo o despedimento que tem lugar até 6 meses após o trabalhador ter recusado o cumprimento de ordens ilegítimas ou em geral pretender exercer direitos ou garantias - 331º CT.
Considera-se que o empregador não afasta a presunção do carácter abusivo do despedimento se, entre o mais, invoca uma outra conduta infractora praticada pela trabalhadora da qual há muito tem conhecimento sem dar início ao processo disciplinar, que só desencadeia precisamente pouco dias após a trabalhadora reclamar das ordens dadas e invocar direitos/garantias.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
Questão prévia: admissão de documento (certidão do processo de contraordenação em que a requerida é arguida)

1- Relatório da questão:

A requerente refere que depois da prolação da sentença nos presentes autos chegou ao seu conhecimento que o processo de contraordenação instaurado contra a Requerida foi objeto de decisão final condenatória por parte da ACT, pela prática de assédio laboral contra a Requerente, o que releva para os presentes autos na parte referente à aplicação de sanção abusiva. Na verdade, a instauração de processo inspectivo foi devido à participação feita pela requerente em 5-07-2021 (por alegada ordem ilegítima de mudança de funções e de local de trabalho), que motivou a ida nesse mesmo dia às instalações da requerida de 3 inspetores, matéria referenciada em vários pontos da matéria de facto, designadamente 23 e 24.
A requerida opôs, referindo que a decisão não transitou em julgado.

2- Fundamentação da questão

Na parte que ora releva, do artigo 651º, CPC, consta” As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º….”
Segundo este último normativo “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recursos, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento” - 425º CPC.
Em 19-01-2022 foi encerrada a audiência de julgamento.
No processo de contraordenação nº ........9, em que a Caixa ..., C.R.L. é arguida, foi proferida decisão datada de 7-02-2022, condenando a requerida pela prática da contraordenação de assédio moral, p. e p. no art. 29º, 5, CT, na coima de 9.180,00€, por factos relacionados com: (i) mudança do local de trabalho e de funções comunicadas pela requerida à requerente em 1-07-2021 para se efectivarem a partir de 5-07-2021, (ii) por violação do dever de informação (sobre extinção de cargo), (iii) por violação do dever e ocupação efectiva, com esvaziamento de funções durante o mês de Julho/2021. A decisão foi alvo de impugnação judicial, não tendo transitado em julgado.
Do exposto decorre que o documento junto tem objectivamente carácter superveniente, o que basta para poder ser junto, nos termos do citado artigo 651º, CPC. Tem manifesto interesse para a causa por se relacionar com a factualidade essencial discutida, relativa à sanção abusiva. O facto de a decisão não ter transitado em julgado não é impeditivo da sua admissão, valendo apenas como documento probatório enquanto tal e não com a força de caso julgado.

3- Decisão da questão:
Admite-se o documento em causa.
***
I – RELATÓRIO

A. L. intentou procedimento cautelar especificado de suspensão de despedimento individual contra CAIXA ..., CRL.

Alega que:
Por comunicação expedida em 25-10-2021 e recebida em 29-10-2021, a Requerente foi notificada da Decisão Final proferida pela Requerida em 25-10-2021, em que lhe comunicou o “despedimento com justa causa, sem indemnização ou compensação, previsto na alínea f), do nº 1, do artigo 328º do Código do Trabalho, e na alínea f), da cláusula 92ª do Acordo Coletivo de Trabalho das Instituições de Crédito … Mutuo”, por factos que considera violadores do dever de obediência, designadamente a recusa reiterada de entrega de um veículo que havia sido entregue pela requerida à requerente. Tal despedimento é totalmente irregular, abusivo, ilegal e ilícito.
A Nota de Culpa, com data de 11-08-2021, foi notificada à Requerente em 12-08-2021, mas nessa data havia já prescrito o direito de exercer o poder disciplinar, bem como se encontrava também já caducado o procedimento disciplinar, uma vez que a requerida tomou conhecimento de todos os factos relevantes que imputa à requerente, pelo menos em 20-07-2020.
Quando a requerente regressou ao trabalho, em 1/7/2021, após um período de baixa médica prolongada, foi confrontada pela requerida com uma transferência de local de trabalho e uma baixa de categoria profissional, que não aceitou, tendo efectuado participação à ACT e, além disso, foi alvo de assédio laboral, de que deu conhecimento à Comissão de Ética da requerida. O que faz crer à Requerente que o verdeiro motivo da instauração do Processo Disciplinar, em 13/7/2021, foi, efetivamente, a sua recusa na transferência do local de trabalho e no exercício das funções de Assistente de Clientes, bem como a participação de tal situação junto da ACT, pelo que o despedimento se presume abusivo.
O despedimento da Requerente pela requerida traduz atuação da Requerida em plena má-fé e um claro e notório exercício ilegítimo do seu pretenso direito, configurando abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que, em 13/7/2021 inexistia qualquer comportamento culposo da Requerente que, pela sua gravidade e consequências, tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Os factos imputados não constituem infracção disciplinar, designadamente desobediência a ordens legítimas, pois a requerente considera que a sua actuação foi e é legítima, não tendo a requerida sofrido qualquer prejuízo.
A requerida apresentou o processo disciplinar. Deduziu oposição. Sustenta a tempestividade, regularidade e licitude do despedimento.
Realizou-se audiência final.

Foi proferida decisão final nos seguintes termos:
“Perante o exposto, julgo procedente, por provado o presente procedimento cautelar e, consequentemente, decreto a suspensão do despedimento da requerente A. L. promovido pela requerida Caixa ..., CRL.
Custas pela requerida.”

A REQUERIDA EMPREGADORA RECORREU – CONCLUSÕES:

1- Na delimitação do objeto do recurso, a discordância da recorrente manifesta-se:
- No incorreto julgamento da matéria de facto; e
- Na decisão de mérito, no que concerne ao decidido “carácter abusivo da sanção de despedimento” e ao decretamento da suspensão do despedimento da requerente.
2- Com efeito, com base na reapreciação da prova gravada, produzida em sede de julgamento, máxime, do que resulta do depoimento da testemunha P. G., Inspector da ACT, prestado em 12/01/2022, gravado através do sistema de gravação digital, constante do ficheiro 20220112102719_1998930_2870628, entre a hora 01:13:17 e 1:15:25, e das declarações de parte do Dr. C. M., membro do Conselho de Administração da requerida, prestadas em 19/01/2022, gravadas através do sistema de gravação digital, constante do ficheiro 20220119150219_1998930_2870628, entre a hora 01:13:33 e 01:16:36, cujo conteúdo ficou registado em sede de alegações, em conjugação com o que resulta da parte final da comunicação a que se reporta o ponto 54 da fundamentação de facto e, também, como consequência do que resulta provado nos pontos 80 e 81 da factualidade assente, de acordo com as regras da experiência, da razoabilidade e do normal acontecer, deveria dar-se como provada a matéria constante dos artigos 89.º, 90.º e 91.º da oposição, com a seguinte redação:
- O processo disciplinar que foi instaurado à requerente, em 13/07/2021, nada teve a ver com a recusa da transferência do seu local de trabalho, o que foi compreendido pela requerida;
- O processo disciplinar teve origem nos factos dados por assentos nesse procedimento, e cuja deliberação de o instaurar, pelo respectivo Conselho de Administração, ocorreu logo no dia seguinte à entrega da sobredita viatura que abusiva e ilicitamente detinha, utilizava e permitia que terceiros a conduzissem; e que,
-Tal procedimento disciplinar não deveria constituir estranheza para a requerente, porquanto, como se extrai da comunicação de 21/08/2020 a que se reporta o ponto 54, a requerida já lhe havia comunicado que, com a sua conduta, incorria em responsabilidade disciplinar.
3- Por outro lado, no ponto 1.2.1 da douta decisão recorrida, a propósito da violação dos deveres da trabalhadora, conclui-se que a sua actuação “é susceptível de integrar a prática de uma infracção disciplinar, traduzida na violação do dever de obediência a uma ordem legítima da empregadora e do dever de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador, estabelecidos no artigo 128º nº 1 als. e) e g) do Código do Trabalho”.
4- E assim tendo concluído, a douta sentença recorrida não apurou se a violação desses deveres pela trabalhadora justificavam a sanção de despedimento que lhe foi aplicada, ao invés, apreciou e concluiu, de seguida, pelo alegado caracter abusivo da sanção de despedimento.
5- Neste particular, socorrendo-nos do douto Acórdão do S.T.J. de 15/04/2015, proferido no âmbito do Processo 44/13.2TTEVR.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt, e que se menciona na douta decisão recorrida, extrai-se o seguinte:
“No entanto (…), não se pode considerar abusiva a sanção aplicada pela entidade empregadora na sequência da prática de factos integrativos de ilícito disciplinar, pois a ilicitude da conduta do trabalhador, demonstrando haver fundamento para a sua punição, afasta a ideia de que subjacente ao exercício do poder disciplinar se encontrava uma medida de retaliação do empregador por aquele ter reclamado contra as condições de trabalho”.
6- E, com interesse para o caso sub judice, pela sua similitude, o mesmo Acórdão prossegue, afirmando que:
“Por isso, o que temos de fazer é apreciar se a materialidade apurada constitui uma violação dos deveres de respeito a que o recorrente está obrigado e se justifica a sanção aplicada. E só se tal não acontecer, é que por força da presunção do nº 2 do artigo 331º, se terá de concluir pelo carácter abusivo da sanção.
No entanto, tendo-se concluído pela legalidade da sanção que foi aplicada, não se pode, por isso, considerar a mesma abusiva, conforme se decidiu”.
7- Aderindo a este raciocínio, e tendo presente a matéria de facto indiciariamente provada, de onde resulta, em síntese, que tendo sido atribuído á requerente a viatura de marca Mercedes, modelo A-180D, com a matrícula ZD, para o exercício das funções de administradora da requerida, manteve-se na posse da mesma e do respectivo Documento Único Automóvel ou Certificado de Matrícula, desde que entrou de baixa médica, em 25 de Maio de 2020, ainda enquanto Vogal do Conselho de Administração da empregadora, depois de ter renunciado a este cargo, a partir de 30 de Junho de 2020, altura em que retomou a categoria profissional de Adjunta de Direção, apesar de continuar de baixa médica, e mesmo depois de ter sido interpelada, por várias vezes, para a entregar à empregadora, ininterruptamente, até 12 de Julho de 2021.
8- Com ela circulando, e permitindo que terceiros a conduzissem, bem sabendo que o fazia manifesta e inequivocamente contra a vontade expressa da empregadora, pelo menos, a partir de 20/07/2020, data em que a deveria entregar, na sequência da primeira interpelação datada de 08/07/2020.
9- No aludido período, a trabalhadora utilizou esse veículo automóvel da empregadora para comparecer nas consultas médicas de que necessitava e as quais tinham lugar na Clínica de Saúde Mental do …, bem como nas Juntas Médicas realizadas em … e ainda noutras deslocações relacionadas com o seu estado de saúde, sendo, nessas ocasiões, conduzida por familiares, normalmente, o seu sobrinho, H. P., ou o seu irmão, M. P..
10- Em virtude de se manter na posse e utilização de tal veículo desde 20/07/2020 até 12/07/2021, a empregadora suportou a título de custos de funcionamento do mesmo, em combustíveis, seguro, manutenção e portagens, sem qualquer contrapartida, a quantia de € 1.146,53; esteve sujeito a desgaste e desvalorização, sendo que, em 20 de Julho 2020 tinha o valor contabilístico de € 25.756,25 e em 12 de julho de 2021, data em que o entregou, na sequência de uma providência cautelar instaurada para o efeito, tinha o valor contabilístico de € 18.386,00; a empregadora suportou despesas com deslocações, pagas a outros funcionários, em viatura própria, que poderiam utilizar o referido veículo de marca Mercedes, o que redundou numa despesa superior à que resultaria da utilização desta viatura; não tendo entregue esse veículo à empregadora, esta teve que comprar outro, no início do mês de Dezembro de 2020, de marca BMW, modelo X1SDRIVE 16D, pelo preço, com desconto frotista, de € 34.722,99, para o disponibilizar à nova Vogal do Conselho de Administração, Dr.ª A. M.; sendo que, não teria necessidade de adquirir este veículo automóvel e de suportar a referida despesa, uma vez que, teria disponibilizado à nova Vogal do Conselho de Administração, o veículo automóvel ligeiro de marca Mercedes Benz, caso a trabalhadora o tivesse entregue à empregadora, após ter sido interpelada para o efeito.
11- Em face de tal factualidade, resulta inequivocamente que o comportamento da trabalhadora requerente integra a prática de uma infracção disciplinar, traduzida na reiterada violação do dever de obediência a uma ordem legítima da empregadora e do dever de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador, estabelecidos no artigo 128.º n.º 1 alíneas e) e g) do Código do Trabalho.
12- Por seu turno, o n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho estabelece que: “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
13- O n.º 2 de tal preceito, exemplificando situações suscetíveis de integrar o conceito de justa causa, para o que aqui interessa postula que: “Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; e
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa”.
14- E para determinar o comportamento culposo e ilícito, as respectivas consequências, e a gravidade que comprometa a subsistência da relação de trabalho, em consonância com o postulado no n.º 3, daquele dispositivo “(…) deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
15- Considerando a apontada factualidade provada, o leque de sanções disciplinares previstas no n.º 1 do artigo 328.º do Código do Trabalho e na cláusula 92.ª do Acordo Coletivo de Trabalho das Instituições de Crédito .., a natureza da Entidade empregadora, enquanto Instituição Bancária que prima pelo rigor e transparência e os deveres por que se rege, a relevância da categoria profissional da trabalhadora e a necessária confiança que deve merecer por parte do Conselho de Administração da empregadora, entendemos que as ilicitudes disciplinares praticadas pela trabalhadora, reiteradas e continuadas, pela sua gravidade, consequências, e porque praticados culposamente, são expressivas de um comportamento que torna inexigível a subsistência da relação de trabalho existente entre esta e a empregadora.
16- Em face do exposto, a conduta da trabalhadora/requerente configura justa causa para o seu despedimento, sem compensação ou retribuição, previsto na alínea f) do n.º 1, do artigo 328.º do Código do Trabalho, e na alínea f) da cláusula 92.º do Acordo Colectivo do Trabalho das Instituições de Crédito ...
17- Daqui se conclui que o despedimento da requerente é lícito, foi proferido no âmbito de processo disciplinar, sem que se demonstrasse a sua invalidade e radica na existência de justa causa.
18- Consequentemente, não se verificam os pressupostos a que se reporta o n.º 1, alíneas a) e b) do artigo 39.º do Código do Trabalho, para que pudesse ser decretada a suspensão do despedimento aplicada à requerente.
19- De resto, de acordo com o raciocínio expendido no aludido acórdão do STJ, e como pugnamos, apurando-se que a materialidade em causa constitui uma violação dos deveres da trabalhadora a que estava obrigada, e que se justifica a sanção de despedimento que lhe foi aplicada, não poderá concluir-se por força da presunção do n.º 2 do artigo 331º, que a mesma foi abusiva.
20- Ademais, no artigo 66.º do douto requerimento inicial, a requerente alega o seguinte: “O que faz crer à Requerente que o verdadeiro motivo de tal Processo Disciplinar foi, efetivamente, a sua recusa na transferência do local de trabalho e no exercício das funções de Assistente de Clientes (que não provou), bem como a participação de tal situação junto da ACT”.
21- Mas não alegou, nem demonstrou que a sanção de despedimento foi motivada pela atuação da trabalhadora em defesa dos seus direitos e que corresponda a uma resposta da empregadora por essas posições manifestadas, como resulta da exigência das alíneas do n.º 1, do artigo 331.º do Código do Trabalho. Apenas conclui, com base naquela alegação, que a sanção de despedimento é abusiva.
22- Porém, a douta sentença recorrida para concluir que a sanção de despedimento é abusiva, louva-se na presunção daquelas posições manifestadas pela trabalhadora, com base no n.º 2 do aludido dipositivo, apesar de a trabalhadora apenas invocar a crença de que o processo disciplinar, e não a sanção, teve como motivo aquelas posições.
23- Sem olvidar que, não basta a verificação das circunstâncias referidas nas alíneas do n.º 1, do artigo 331.º do Código do Trabalho, para que se possa concluir pela sanção abusiva.
24- Competia à trabalhadora provar essas circunstâncias, e que as mesmas têm uma relação direta de causa/efeito entre as suas alegadas reclamações e a sanção de despedimento que lhe foi aplicada, o que não demonstrou.
25- Ainda assim não se entendendo, considera-se que a empregadora requerida logrou ilidir a presunção a que alude o n.º 2 do artigo 331.º do Código do Trabalho, demonstrando que a sanção de despedimento aplicada à requerente não foi motivada pelas circunstâncias previstas nas alíneas do n.º 1, do referido preceito.
26- Com efeito, como resulta da factualidade assente, a requerida deliberou a instauração do processo disciplinar à requerente, pelos motivos constantes do mesmo, em 13/07/2021, seja, logo no dia a seguir à entrega do aludido veículo que mantinha na sua posse e utilização, ilícitas e abusivas, e que coincidiu com a data do transito em julgado da aludida Providencia Cautelar, instaurada no Juízo Local Cível de ....
27- Por seu turno, anota-se que, tal como resulta do item 19 do ponto 3 dos factos provados, e do ponto 54, através de comunicação de 21 de Agosto de 2020, constante de fls. 197 do processo disciplinar, a empregadora já havia transmitido à trabalhadora que, com a sua conduta, decorrente da não entrega do sobredito veículo automóvel incorria em responsabilidade disciplinar.
28- Finalmente, considerando-se provada a matéria constante dos artigos 89.º, 90 e 91 da oposição, com a redação sugerida, como se pugna, afigura-se manifesto que o processo disciplinar instaurado à trabalhadora e a sanção que lhe foi aplicada nada tiveram a ver com as supostas reclamações da requerente.
29- De acordo com as regras da lógica, da experiência e do normal acontecer, como se extrai do referido depoimento da testemunha arrolada pela requerente, Inspetor P. G., em que refere que a requerente lhe referiu que o processo disciplinar teve a ver com a questão do carro e, sobretudo, das declarações de parte do Vogal do Conselho de Administração, Dr.º C. M., quando refere que não o poderiam evitar, sob pena de perderem a autoridade perante os demais funcionários, crê-se categoricamente que a sanção aplicada à requerente apenas teve a ver com os factos em que se louva o processo disciplinar e que não foi valorizada qualquer outra circunstância.
30- Nestes termos, cremos que não é abusiva a sanção aplicada à trabalhadora e, consequentemente, não deverá ser decretada a suspensão do despedimento. Assim não tendo decidido, a douta sentença em apreço, interpretou incorretamente os apontados preceitos legais.
Termos em que, o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida e substituir-se por outra que decrete a manutenção do despedimento da requerente…

CONTRA-ALEGAÇÕES: o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: sustenta que o recurso seja improcedente.

RESPOSTA AO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: não foram apresentadas respostas.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)): probabilidade de inexistência de justa causa de despedimento.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A - FACTOS PROVADOS
Do requerimento inicial

1- Em 13-07-2021 a Requerida Caixa ..., CRL (CAIXA ...), entidade empregadora, instaurou Processo Disciplinar contra a Requerente, sua trabalhadora, notificando-a da sua intenção de despedimento.
2- Por comunicação expedida em 25-10-2021 e recebida em 29-10-2021, a Requerente foi notificada da Decisão Final proferida pela Requerida em 25-10-2021, em que lhe comunicou o “despedimento com justa causa, sem indemnização ou compensação, previsto na alínea f), do nº 1, do artigo 328º do Código do Trabalho, e na alínea f), da cláusula 92ª do Acordo Coletivo de Trabalho das Instituições de Crédito …”.
3- Tal decisão, cuja cópia consta de fls. 33 a 51 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, é do seguinte teor:
(…)
1- A empregadora é uma Instituição de Crédito que tem por objecto “O exercício de funções de crédito agrícola a favor dos seus associados e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária nos termos da legislação aplicável e, ainda, o exercício da actividade de agente da Caixa Central, nos termos previstos na lei e no contrato de agência que entre ambas venha a ser celebrado. As operações de crédito agrícola são as que, como tal, forem definidas pela lei', conforme informação constante da certidão permanente da respectiva matrícula, disponibilizada através do código de acesso com o n.° ………
2- A trabalhadora foi admitida ao serviço da empregadora em 04/01/1993, na altura designada de Caixa de Crédito .. de ..., CRL, para exercer as funções de Empregada Bancária.
3- Atualmente, e desde 01/10/2016, tem a categoria profissional de Adjunta de Direcção.
4- Tal categoria profissional encontra-se prevista no Acordo Colectivo de Trabalho das Instituições de Crédito .., publicado no BTE n.° 48 de 29/12/2006 e no BTE n.° 2 de 15/01/2011, e integra o respectivo Grupo Profissional I, encontrando-se o respectivo conteúdo funcional definido no Anexo III como sendo: “Adjunto de Direcção - É o trabalhador que nas Caixas de Crédito .., dependendo directamente dos Órgãos Sociais eleitos, colabora na elaboração das políticas e na preparação das decisões, podendo ainda, no âmbito das competências delegadas, assumir poderes de gestão corrente e/ou comercial da Instituição a nível global ou sectorial
5- No dia 31/01/2019 a trabalhadora foi eleita Vogal do Conselho de Administração da empregadora, tendo tomado posse nesse cargo em 30/05/2019.
6- De acordo com a deliberação da Assembleia Geral da empregadora de 30/03/2019, à trabalhadora, oriunda do seu quadro de pessoal, e cujo contrato de trabalho foi suspenso (nos termos do artigo 398°, n.°s 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais, por força do artigo 9.° do Código Cooperativo), foi-lhe atribuído para serviço, em função do cargo a desempenhar e para o qual foi eleita, o veículo automóvel ligeiro de marca Mercedes Benz, modelo A-180D, com a matrícula ZD.
7- Tal veículo automóvel foi adquirido pela empregadora em 29/08/2019, na sequência da deliberação do Conselho de Administração de 03/03/2019, pelo preço, com “desconto frotista”, de € 31.700,00 (trinta e um mil e setecentos euros).
8- A empregadora é a proprietária e legitima possuidora desse veículo automóvel.
9- Efectivamente, de acordo com o item 5.1.iii) da “POLÍTICA DE REMUNERAÇÃO DOS MEMBROS DOS ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO E DE FISCALIZAÇÃO DA CAIXA ..., CRL”, aqui empregadora, aprovada na mesma Assembleia Geral e para o ano de 2020, “Os membros do Conselho de Administração da CAIXA ... beneficiam da utilização dos meios de transporte e de comunicação disponibilizados pela
Instituição para o cabal exercício das suas funções".
10- A trabalhadora entrou de baixa médica em 25 de Maio de 2020, ainda enquanto Administradora da empregadora, e manteve-se ininterruptamente nesta situação até 30 de Junho de 2021.
11- A trabalhadora renunciou ao cargo para que foi eleita, de Vogal do Conselho de Administração da empregadora, com efeitos a partir de 30 de Junho de 2020, data em que retomou a sua categoria profissional de Adjunta de Direção.
12- Tal renúncia e cessão de funções encontra-se averbada pela Ap.1/20200715, na respectiva certidão de registo comercial.
13- De acordo com o item 2.5 da Directiva n.° 2.0, da Caixa …, relativa a “Viaturas de Serviço”/ “Utilização das Viaturas de Serviço por parte dos Colaboradores” da empregadora, a qual é do conhecimento da trabalhadora: “As viaturas deverão ser imediatamente devolvidas após a alteração ou extinção da situação funcional ou contratual que deu lugar à sua afectação (ou sempre que a CAIXA ... o exigir) nas devidas condições de circulação e funcionamento, correspondentes a uma anterior utilização normal e prudente.
14- Porém, a ex-administradora, aqui trabalhadora, não procedeu à entrega da viatura, logo que cessou tais funções de Vogal do Conselho de Administração.
15- Através de carta com registo postal datada de 08 de Julho de 2020, recebida em 10 de Julho de 2020, a empregadora interpelou a trabalhadora para proceder à entrega da sobredita viatura de serviço, no prazo máximo de 10 (dez) dias a contar da receção dessa missiva ou, caso pretendesse, no mesmo prazo, proceder à sua aquisição pelo valor contabilístico de € 25.756,25.
16- Por email de 20 de Julho de 2020, a trabalhadora comunicou-lhe, por intermédio do seu Mandatário, o seguinte:
1. A Sra. Dra. A. L. é trabalhadora ao exercício dessa instituição com a categoria de “Assessora da Administração", que nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável é designada por “Adjunto de Direção”.
2. Desde a sua integração nessa categoria a m/ constituinte beneficiou sempre da atribuição de uma viatura de serviço, em total igualdade com os restantes trabalhadores integrados nessa mesma categoria.
3. Com a sua nomeação para vogal executivo do Conselho de Administração, continuou a beneficiar da atribuição de uma viatura de serviço, da mesma forma que os restantes membros.
4. Tendo renunciado ao cargo de vogal executivo do Conselho de Administração, com efeitos a 30 de junho de 2020, a m/ constituinte regressou àquela sua categoria de origem, de “Assessora da Administração”, com o que continua a beneficiar da atribuição de tal viatura de serviço, da mesma forma que beneficiam os restantes trabalhadores com a mesma categoria.
5. Nestes pressupostos, considera-se que a entrega da viatura de serviço carece de fundamento e é indevida, por configurar, designadamente, uma diminuição injustificada das suas garantias enquanto trabalhadora, e a violação dos princípios da igualdade entre trabalhadores e da irredutibilidade da retribuição.
17- Em 27/07/2020, a empregadora, por intermédio do seu Mandatário, interpelou de novo a trabalhadora para a entrega da aludida viatura da marca Mercedes, em face da extinção da situação funcional que deu origem à sua afectação, conforme, aliás, se encontra previsto na Directiva n.° 2.0/Viaturas de Serviço/ Utilização das Viaturas de Serviço por parte dos Colaboradores, do Conselho de Administração Executivo do CA, em vigor desde 6/11/2013.
18- A essa interpelação respondeu novamente a trabalhadora, através de mail 17/08/2020, referindo entender ter direito, enquanto “Assessora de Administração” à disponibilização uma viatura com o valor máximo de € 30.000,00, propondo que a viatura da marca Mercedes lhe continuasse a ser atribuída ou, em alternativa, que o Conselho de Administração aceitasse a sua aquisição pelo valor de € 6.340,00, correspondente a 20% do valor de aquisição.
19- Através de mail de 21 de Agosto de 2020, a empregadora recusou tal proposta, exigindo a restituição da viatura da marca Mercedes no prazo de 2 dias, sob pena de solicitar a sua apreensão pelas autoridades policiais e sem prejuízo da responsabilidade disciplinar a que ficaria sujeita.
20- De acordo com a sobredita Directiva da empregadora, no Capítulo 2, relativo a VIATURAS PROPRIEDADE DA CAIXA ... DA REGIÃO DE ... E ..., prevê-se o seguinte: “A exigência das funções de alguns quadros médios e superiores da organização acarreta a necessidade de utilização intensiva do uso de viaturas que inviabiliza a contratualização do aluguer operacional com vantagens económicas sobre a opção pela compra. Determina-se assim, que os utilizadores das viaturas propriedade da CAIXA ... observem o seguinte normativo interno”:
2- AFECTAÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE VIATURAS
“Dentro do âmbito da política de desenvolvimento comercial e organizacional da CAIXA ... algumas áreas funcionais poderão ser dotadas de viatura de serviço.
A viatura deve, prioritariamente em cada Serviço, ser um instrumento de apoio ao desenvolvimento da respectiva actividade.
As viaturas poderão ser utilizadas, individualmente ou em grupo.
A viatura é entregue ao colaborador responsável pela mesma (na Sede Administrativa da CAIXA ... ou noutro local designado) pelo Gestor do Património.
Ao ser-lhe entregue, o colaborador deve examinar a viatura com vista a detectar quaisquer anomalias, informando o Gestor do Património sobre as mesmas”.
21- No ponto 2.2. dessa Directiva, aplicável às viaturas atribuídas aos quadros médios e superiores da empregadora “Estabelece-se para a aquisição destas viaturas o plafond máximo de € 30.000,00, não sendo permitida a comparticipação do valor por parte do colaborador para por este meio adquirir
viatura de preço superior. As marcas e modelos das viaturas a adquirir obedecerão a critérios que o Conselho de Administração definirá para o efeito, tendo em consideração factores de custos, da aquisição e manutenção, consumo e ambiente, desgaste e valor da retoma; seja também um factor que contribua para o reforço da imagem de sobriedade da Instituição. ”
22- Prevendo-se no ponto 2.3, quanto à utilização de tais veículos, que “(...) Fora das horas normais de trabalho, coincidentes com os períodos de inactividade das viaturas, continuarão as mesmas confiadas ao responsável, ao qual compete estacionar em boas condições de acessibilidade e segurança. ”
23- Mais prevê a referida Directiva no ponto 2.5 que, “As viaturas deverão ser imediatamente devolvidas após a alteração ou extinção da situação funcional ou contratual que deu origem à sua afectação (ou sempre que a CAIXA ... o exigir) nas devidas condições de circulação e funcionamento, correspondentes a uma anterior utilização normal e prudente. Em caso de devolução, será elaborada pelo Gestor do Património e utilizador um auto de recepção e inspecção sobre o estado de circulação e funcionamento da viatura. A CAIXA ... poderá exigir uma indemnização ao seu utilizador, caso dessa inspecção resulte um estado anormal da viatura que contribua para a sua desvalorização ou que exija reparação não regular / imprevista.
Salvo deliberação em contrário, a vida útil destas viaturas, fixa-se entre os 48 e os 60 meses, podendo afectar-se nova viatura ao colaborador a partir destes prazos.
Findo o período de utilização, o colaborador tem opção de aquisição da viatura que lhe esteve afecta (50% do valor de mercado ou 20% do valor de aquisição, menor dos valores)”.
24- A trabalhadora recusou-se a entregar a sobredita viatura à empregadora, mantendo-se na posse da mesma.
25- Em 31 de Dezembro de 2020, a empregadora e aí requerente, intentou contra a trabalhadora e aí requerida, “Procedimento Cautelar Comum Não Especificado”, que correu seus termos pela Comarca de ..., Juízo Local Cível de ... - Juiz 2, sob o n.° 2/21.3T8BGC, aí peticionando: “(...) que seja ordenada a imediata apreensão do veículo automóvel ligeiro de marca Mercedes Benz, modelo A-180D, com a matrícula ZD, e do respectivo Documento Único Automóvel ou Certificado de Matrícula, que se encontram na posse da Requerida, e sejam entregues à Requerente, com as legais consequências”.
26- Pugnado a trabalhadora e aí requerida pela improcedência dessa Providência Cautelar.
27- Vindo a ser proferida a seguinte decisão, notificada às partes com data de 22/06/2021:
“Pelo exposto, decide o Tribunal:
I. Ordenar a imediata apreensão do veículo automóvel ligeiro da marca Mercedes Benz, modelo A-180D, com a matrícula ZD, bem como do respectivo Documento Único Automóvel ou Certificado de Matrícula, que se encontram na posse da Requerida, A. L., e a sua restituição à Requerente, Caixa ..., C.R.L.
II. Condenar a Requerida em custas, a atender a final (artigo 527° n.° 1 do CPC, bem como 7.° e 30.° do RCP).
Notifique (no caso da Requerida com a advertência prevista no artigo 375° do CPC)”.
28- Na sequência desta decisão, a trabalhadora entregou a aludida viatura Mercedes à empregadora, em 12 de Julho de 2021.
29- Manteve-se na posse da mesma e do respectivo Documento Único Automóvel ou Certificado de Matrícula, desde que entrou de baixa, em 25 de Maio de 2020, ainda enquanto vogal do Conselho de Administração da Empregadora, depois de ter renunciado a este cargo, a partir de 30 de Junho de 2020 e mesmo depois de ter sido interpelada, por várias vezes, para a entregar à empregadora, ininterruptamente, até 12 de Julho de 2021.
30- Com ela circulando, e permitindo que terceiros a conduzissem, bem sabendo que o fazia manifesta e inequivocamente contra a vontade expressa da empregadora, pelo menos, a partir de 20/07/2020, data em que a deveria entregar, na sequência da primeira interpelação datada de 08/07/2020.
31- No aludido período, a trabalhadora utilizou esse veículo automóvel da empregadora, pelo menos, como confessou em tal Procedimento Cautelar, para comparecer nas consultas médicas de que necessitava e as quais tinham lugar na Clínica de Saúde Mental do Porto, bem como nas Juntas Médicas realizadas em ... e ainda noutras deslocações relacionadas com o seu estado de saúde, sendo, nessas ocasiões, conduzida por familiares, normalmente, o seu sobrinho, H. P., ou o seu irmão, M. P..
32- Em virtude de se manter na posse e utilização de tal veículo desde 20/07/2020 até 12/07/2021, a empregadora suportou, a título de custos de funcionamento desse veículo, sem qualquer contrapartida, a quantia de € 1.146,53, em combustíveis, seguro, manutenção e portagens.
33- Neste lapso de tempo, a viatura esteve sujeita a desgaste e desvalorização, sendo que, em 20 de Julho 2020 tinha o valor contabilístico de €25.756,25 e em 12 de julho de 2021, data em que a entregou, tinha o contabilístico de € 18.386,00.
34- A empregadora suportou despesas com deslocações, pagas a outros funcionários, em viatura própria, que poderiam utilizar o referido veículo de marca Mercedes, o que redundou numa despesa superior à que resultaria da utilização desta viatura.
35- Não tendo a trabalhadora entregue esse veículo automóvel à empregadora, esta teve que comprar outro, no início do mês de Dezembro de 2020, da marca BMW, modelo X1SDRIVE 16D, pelo preço, com desconto frotista, de €34.722,99, para o disponibilizar à nova Vogal do Conselho de Administração, Dr.ª A. M..
36- A empregadora não teria necessidade de adquirir este veículo automóvel e de suportar a referida despesa, uma vez que, teria disponibilizado à nova Vogal do Conselho de Administração, o veículo automóvel ligeiro de marca Mercedes Benz, modelo A-180D, com a matrícula ZD, caso a trabalhadora o tivesse entregue à empregadora, após ter sido interpelada para o efeito.
37- Subsequentemente a tal Procedimento Cautelar, a empregadora terá de propor a necessária Acção de Processo Comum.
38- Tendo terminado o período de baixa médica, a trabalhadora apresentou-se ao serviço da empregadora no dia 01 de julho de 2021, tendo comparecido no seu local habitual de trabalho, na Av. ..., ..., em ... e para continuar a desempenhar as funções inerentes à sua categoria profissional de Adjunta de Direção.
39- Nesse mesmo dia, e após reunião com os membros do respetivo Conselho de Administração, a trabalhadora recebeu da entidade empregadora a "Comunicação Interna - .........52” sob o “Assunto: Comunicação de transferência do local de trabalho para VA. / Clausula 30ª do ACT das ICAM”, da qual consta o seguinte:
“A CAIXA ..., CRL, (de ora em diante "Entidade Empregadora") e V. Exa. celebraram um contrato de trabalho sem termo ("Contrato") em 04/01/1993.
Ao abrigo do suprarreferido Contrato, pode a Entidade Empregadora, dentro dos limites da lei e do ACT das ICAM, solicitar que V. Exa. se desloque para qualquer outro local onde aquela detivesse estabelecimentos.
Atendendo a razões de organização interna, associados à distribuição de pessoal às diversas tarefas e funções existentes, torna-se imperioso a transferência para outro local de trabalho na área de actuação desta CAIXA ....
Face ao exposto, pelas razões supra indicadas e que se reputam de sérias e fundamentadas, procede-se à transferência de V. Exa, de local de trabalho para o da Entidade Empregadora, sito em VA. todas as Segundas, Terças e Quintas e V. às Quartas e Sextas.
Esta situação deverá vigorar até que V. Exa. disponha de todas as competências operacionais e regulamentares que lhe permita assegurar sozinha o serviço de Agência. Nessa altura, deverá prestar serviço apenas na agência de V., de 2ª a 6ª feira.
Nos termos do disposto no artigo 196.°, n.° 1 do Código do Trabalho e do disposto no n.° 5 da cláusula 30a do ACT das ICAM, vem a Entidade Empregadora informar que deverá apresentar-se no local de trabalho acima referido no próximo dia 05/07/2021, às 08:30h, conforme oportunamente lhe foi comunicado e por tal transferência não lhe causar qualquer prejuízo. ”
40- Em 05 de Julho de 2021, a trabalhadora comunicou à empregadora que pretendia continuara a exercer as suas funções inerentes à categoria profissional de Adjunta de Direcção no seu local de trabalho, na Avenida ..., ..., em ....
41- Em 5 de julho de 2021, a trabalhadora recebeu da empregadora uma comunicação por correio eletrónico, com conhecimento aos membros do Conselho de Administração, com o seguinte teor:
"Durante o longo período de ausência, em virtude de baixa prolongada, verificaram-se significativas alterações estruturais, bem como das plataformas informáticas e dos normativos em vigor, nomeadamente em resultado da entrada em vigor do aviso n.° 3/20 e que são preponderantes para a normal prestação de trabalho.
Face ao exposto é imperativo que proceda a uma atualização transversal de conhecimentos, de modo a dispor de competências operacionais e regulamentares que lhe permitam assegurar a regular prestação de trabalho.
Por conseguinte, esta preparação passa pela frequência de formação de carácter obrigatório, para as quais já se encontra inscrita, bem como pela autoformação.
Assim, é imprescindível que proceda à preparação / atualização nas seguintes ferramentas e normativos:
• Análise da estrutura orgânica da CAIXA ... e Delegação de Competências atualmente em vigor;
• Análise do Manual de Processos e Processos Simplificados;
• Estudo dos Normativos Vinculativos disponíveis no portal “…”;
• Estudo do Manual de Procedimentos de Balcão e outros Manuais disponíveis no portal “...”;
• Políticas resultantes da entrada em vigor do aviso n.° 3/2020, do Banco de Portugal;
• Explorar as Plataformas disponíveis.
Durante o período de atualização, deve esclarecer todas as questões ou dúvidas que considerar pertinentes, para os objetivos a que se destina”.
42- No período de 2010 a 2012, a trabalhadora foi eleita e exerceu as funções de Vogal do Conselho de Administração da empregadora.
43- No período de 2013 a 2015, a trabalhadora foi eleita de novo para o exercício das funções de Vogal do Conselho de Administração da empregadora, funções essas que perduraram até Setembro de 2016.
44- Para o exercício daquelas funções, em 31/12/2012 foi-lhe afeta uma viatura de serviço, de marca e modelo Audi Q5 2.0 TDI, com a matricula NE.
45- Terminado aquele mandato, a trabalhadora retomou as suas funções como trabalhadora da empregadora, ascendendo, como referido, em 1/10/2016, à categoria profissional de Adjunta da Direcção, cujas funções profissionais exerceu até 30/05/2019.
46- Mantendo a utilização do referido veículo de serviço da Marca Audi que lhe havia sido atribuída inicialmente, enquanto Vogal do Conselho de Administração.
47- Tal utilização foi atribuída no âmbito da “Directiva n° 2.0 / Viaturas de Serviço/Utilização das Viaturas de Serviço por parte dos Colaboradores", emitida em 6/11/2013 pelo Conselho de Administração Executivo da empregadora, Caixa ..., CRL.
48- A trabalhadora esteve de baixa médica entre 22 de março e 01 de junho de 2018, não tendo, na altura, a empregadora solicitado a entrega da viatura de marca Audi que lhe estava afeta.
49- Da mesma forma que a trabalhadora, também os restantes trabalhadores da empregadora com a categoria superior de Adjunto da Direção, seja, J. A. e J. B., mantinham à disposição um veículo de serviço, atribuído também ao abrigo da referida Diretiva n.° 2.0.
51- Tal atribuição de viaturas de serviço, verifica-se também a favor dos Coordenadores de Área, Gestor de Clientes e Empresa, Gestor de Seguros, Responsável pelo Património, alguns Coordenadores de Agência e aos membros do Conselho de Administração da empregadora.
52- Sendo habitual os colaboradores da trabalhadora, com viatura atribuída, se manterem na posse do veículo aos fins-de-semana ou em períodos de férias.
53- Durante mais de 28 anos, ao serviço da empregadora, a trabalhadora empregou sempre profissionalismo, rigor e dedicação, sem que tenha sido alguma vez objeto de qualquer ação ou registo disciplinar.
(…).
Com relevância para a decisão a proferir, não se demonstram provados os seguintes factos:
1- Que os trabalhadores da empregadora que, nos termos do ponto 2 da aludida Directiva, beneficiem de atribuição de carro de serviço e o possam utilizar, de forma exclusiva e ilimitada em tempos de férias ou de baixa prolongada.
2- Que a empregadora nunca atribuiu a um administrador eleito um veículo que não fosse novo, para respetiva utilização.

III- Motivação da matéria de facto assente(…)IV- Apreciação(…)
Considerando a apontada factualidade provada, o descrito comportamento da trabalhadora constitui reiterada e continuada desobediência ilegítima às ordens dadas pela empregadora, na entrega do sobredito veículo, e daí resulta a lesão de interesses patrimoniais sérios da empregadora.
O dever de obediência, a par do dever da lealdade é, naturalmente, dos deveres mais importantes e intensos do trabalhador.

Aqui chegados, importa referir que o n.° 1 do artigo 328.° do Código do Trabalho, prevê as seguintes sanções para os trabalhadores:
a) Repreensão;
b) Repreensão registada;
c) Sanção pecuniária;
d) Perda de dias de férias;
e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade:
f) Despedimento sem indemnização ou compensação.
Igual leque de sanções, prevê a cláusula 92.a do Acordo Coletivo de Trabalho das Instituições de Crédito ...

In casu, tendo presente:
- Aquele leque de sanções disciplinares previstas no n.° 1 do artigo 328.° do Código do Trabalho e na cláusula 92.a do Acordo Coletivo de Trabalho Instituições de Crédito ..;
- A natureza da Entidade empregadora, enquanto Instituição Bancária prima pelo rigor e transparência e os deveres por que se rege;
- O percurso profissional da trabalhadora, a relevância da sua categoria profissional e a necessária confiança que deve merecer por parte do Conselho de Administração da empregadora,
Entendemos que as ilicitudes disciplinares praticadas pela trabalhadora, reiteradas e continuadas, pela sua gravidade, consequências, e porque praticados culposamente, são expressivas de um comportamento que torna inexigível a subsistência da relação de trabalho existente entre esta e a empregadora.
Atento o exposto, ponderada a factualidade em apreço e as expendidas considerações de direito, à trabalhadora deve ser aplicada a sanção de despedimento com justa causa, sem indemnização ou compensação, prevista na alínea f), do n.° 1, do artigo 328.° do Código do Trabalho, e na alínea f), da cláusula 92.ª do Acordo Coletivo de Trabalho das Instituições de Crédito ...

Termos em que, com os fundamentos expostos, a empregadora Caixa ..., CRL, Cooperativa de Responsabilidade Limitada, decide:
1- Considerar improcedentes as exceções de prescrição e caducidade do procedimento disciplinar, e do abuso de direito invocadas pela trabalhadora; e
2- Sancionar as infrações cometidas pela trabalhadora, A. L., com o despedimento com justa causa, sem indemnização ou compensação, previsto na alínea f), do n.° 1, do artigo 328.° do Código do Trabalho, e na alínea f), da cláusula 92.ª do Acordo Coletivo de Trabalho das Instituições de Crédito ...

4- A requerente foi admitida ao serviço da requerida em 04/01/1993, na altura designada de Caixa de Crédito .. de ..., CRL, para exercer as funções de Empregada Bancária, tendo ascendido em 1-10-2016 á categoria profissional de Adjunto da Direção.
5- Em 31-01-2019 a Requerente foi eleita Vogal do Conselho de Administração da Requerida, tendo tomado posse nesse cargo em 30-05-2019.
6- Em 3-9-2019 a Requerida atribuiu à Requerente, para seu uso, o veículo de serviço da marca Mercedes Benz, modelo A-180D, matrícula ZD.
7- A Requerente entrou de baixa médica em 25 de maio de 2020, ainda enquanto administradora da Requerida, que manteve ininterruptamente até 30 de junho de 2021.
8- A Requerente renunciou ao cargo para que foi eleita e deixou de exercer as respetivas funções de Vogal do Conselho de Administração (CA) da Requerida logo a partir de 30 de junho de 2020.
9- Tal renúncia de funções foi do imediato conhecimento da Requerida, que promoveu o respetivo registo comercial de tal cessação de funções, averbado pela Ap. 1/20200715.
10- A Requerente não procedeu à entrega de tal veículo logo que cessou tais funções de Vogal do Conselho de Administração.
11- Por carta datada de 8 de julho de 2020 e recebida pela Requerente em 10-07-2020, a Requerida veio “solicitar que proceda à entrega da viatura de serviço, afeta à referida função, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar da receção desta missiva, podendo se assim o entender, no mesmo prazo proceder à aquisição da referida viatura pelo valor contabilístico que nesta data é de 25.756,25 €”.
12- A Requerente, por intermédio do mandatário subscritor e por e-mail, comunicou em 20-07-2020 à Requerida que:
“1.. A Sra. Dra. A. L. é trabalhadora ao exercício dessa instituição com a categoria de “Assessora da Administração”, que nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável é designada por “Adjunto de Direção”.
2. Desde a sua integração nessa categoria a m/ constituinte beneficiou sempre da atribuição de uma viatura de serviço, em total igualdade com os restantes trabalhadores integrados nessa mesma categoria.
3. Com a sua nomeação para vogal executivo do Conselho de Administração, continuou a beneficiar da atribuição de uma viatura de serviço, da mesma forma que os restantes membros.
4. Tendo renunciado ao cargo de vogal executivo do Conselho de Administração, com efeitos a 30 de junho de 2020, a m/ constituinte regressou àquela sua categoria de origem, de “Assessora da Administração”, com o que continua a beneficiar da atribuição de tal viatura de serviço, da mesma forma que beneficiam os restantes trabalhadores com a mesma categoria.
5. Nestes pressupostos, considera-se que a entrega da viatura de serviço carece de fundamento e é indevida, por configurar, designadamente, uma diminuição injustificada das suas garantias enquanto trabalhadora, e a violação dos princípios da igualdade entre trabalhadores e da irredutibilidade da retribuição.”

13- Em comunicações posteriores, a última com data de 21-08-2020, a Requerente reiterou junto da Requerida a sua intenção de não entrega da viatura.
14- A Requerente só entregou a viatura à Requerida em 12-07-2021.
15- Em 31-12-2020, invocando também prejuízos já sofridos e decorrentes da não entrega do veículo, a Requerente instaurou a Providência Cautelar nº 2/21.3T8BGC, que correu termos no Tribunal da Comarca de ... / Juízo Local Cível – Juiz 2, na qual requereu “a imediata apreensão do veículo automóvel ligeiro de marca Mercedes Benz, modelo A-180D, com a matrícula ZD, e do respectivo Documento Único Automóvel ou Certificado de Matrícula, que se encontram na posse da Requerida, e sejam entregues à Requerente, com as legais consequências”.
16- Em 21/06/2021 foi proferida a seguinte decisão, notificada às partes com data de 22/06/2021:
“Pelo exposto, decide o Tribunal:
I. Ordenar a imediata apreensão do veículo automóvel ligeiro da marca Mercedes Benz, modelo A-180D, com a matrícula ZD, bem como do respectivo Documento Único Automóvel ou Certificado de Matrícula, que se encontram na posse da Requerida, A. L., e a sua restituição à Requerente, Caixa ..., C.R.L.
II. Condenar a Requerida em custas, a atender a final (artigo 527º n.º 1 do CPC, bem como 7.º e 30.º do RCP).
Notifique (no caso da Requerida com a advertência prevista no artigo 375º do CPC)”.
17- A Nota de Culpa (NC), com data de 11-08-2021, foi notificada à Requerente em 12-08-2021.
18- Após aquele período de baixa médica, a Requerente apresentou-se em 1-07-2021 no seu local de trabalho, sito na sede da Requerente, na Avenida ..., em ..., para retomar o exercício das funções de trabalhadora inerentes à sua categoria profissional de Nível I.
19- A Requerente foi então convocada para reunir com os membros do Conselho de Administração da Requerente, que lhe comunicaram que a partir do dia 2-07-2021 iria exercer funções nos balcões de VA. e V., para onde teria de se deslocar diariamente.
20- Para formalizar aquela comunicação verbal, a Requerida remeteu à Requerente nesse mesmo dia 1-07-2021 uma “Comunicação de Alteração de Local de Trabalho para agência de VA. / V.”, acompanhada da “Comunicação Interna – .........52”, com o seguinte teor:
“A CAIXA ..., CRL, (de ora em diante "Entidade Empregadora") e V. Exa. celebraram um contrato de trabalho sem termo ("Contrato") cm 04/01/1993.
Ao abrigo do suprarreferido Contrato, pode a Entidade Empregadora, dentro dos limites da lei e do ACT das ICAM, solicitar que V. Exa. se desloque para qualquer outro local onde aquela detivesse estabelecimentos.
Atendendo a razões de organização interna, associados à distribuição de pessoal às diversas tarefas e funções existentes, torna-se imperioso a transferência para outro local de trabalho na área de actuação desta CAIXA ....
Face ao exposto, pelas razões supra indicadas e que se reputam de sérias e fundamentadas, procede-se à transferência de V. Exa, de local de trabalho para o da Entidade Empregadora, sito em VA. todas as Segundas, Terças e Quintas e V. às Quartas e Sextas.
Esta situação deverá vigorar até que V. Exa. disponha de todas as competências operacionais e regulamentares que lhe permita assegurar sozinha o serviço de Agência. Nessa altura, deverá prestar serviço apenas na agência de V., de 2ª a 6ª feira.
Nos termos do disposto no artigo 196.°, n.° 1 do Código do Trabalho e do disposto no n.° 5 da cláusula 30. do ACT das ICAM, vem a Entidade Empregadora informar que deverá apresentar-se no local de trabalho acima referido no próximo dia 05/07/2021, às 08:30h, conforme oportunamente lhe foi comunicado e por tal transferência não lhe causar qualquer prejuízo.”
21- No dia 2-07-2021, sexta-feira, a Requerente faltou ao serviço para consulta médica, falta que foi considerada justificada.
22- Em 5-07-2021 apresentou-se de novo ao serviço no seu posto de trabalho na sede da Requerida, em ..., tendo comunicado verbalmente a sua discordância aos respetivos membros do Conselho de Administração.
23- A Requerente efetuou, às 11.10 horas desse dia, uma participação junto da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), solicitando a respetiva presença no seu local de trabalho.
24- Pelas 14.00 horas desse mesmo dia 5-07-2021 estiveram presentes na sede da Requerente, na Avenida ..., em ..., três Inspetores da ACT, que reuniram com os membros do CA da Requerida e com a Requerente, tendo-lhe comunicado que iriam atuar em conformidade com a situação e que os mantivesse a par do evoluir da situação.
25- Entretanto, no sentido de manifestar formalmente a sua discordância quanto á transferência de local de trabalho e mudança de categoria profissional, a Requerente remeteu em 8-07-2021 à Requerida a seguinte comunicação:
“V/ Ref: Comunicação Interna – .........52, com data de 01-07-2021
Assunto: Não aceitação da transferência do local de trabalho para VA., todas as Segundas, Terças e Quintas, e V. às Quartas e Sextas.
A. L., residente na Rua …, nº ..., trabalhadora da Caixa ..., CRL com a categoria profissional de Adjunto da Direção desde 1-10-2016, vem, na sequência da v/ comunicação referenciada, comunicar a Vs. Exas o seguinte:
1. Tendo em conta o teor da referida Comunicação Interna, esta parece aludir a uma transferência definitiva do meu local de trabalho, sito na Av. ..., ..., em ..., o que não aceito tendo em conta, designadamente, a seguinte ordem de razões:
2. Desde logo, sublinho, nos termos dos aí invocados artº 196º, nº 1, do Código do Trabalho e nº 5 da Clausula 30ª do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) das Instituições de Crédito .., tal transferência deve ser comunicada ao trabalhador com uma antecedência mínima de trinta dias, pelo que, tendo a referida Comunicação Interna a data de 1-7-2021, é ilegítimo e ilegal o pedido de apresentação no Balcão de VA. no dia 5-7-2021.
3. Por outro lado, quer VA., quer V., situam-se no Distrito de Vila Real e a cerca de 80 km de ..., com uma duração de cerca de uma hora de viagem em veículo automóvel, não se enquadrando na previsão da Clausula 30ª, nº 1, al. b), do referido ACT, quando dispõe que “1 – A Instituição pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, nos termos seguintes: …”b) Para outro município, desde que o novo local de trabalho se situe num raio de 30 Km ou cuja deslocação não obrigue a mais de 45 minutos em transportes públicos, considerados desde o seu anterior local de trabalho;“
4. Acresce que, ao contrário do referido na v/ Comunicação Interna, a pretendida transferência do local de trabalho acarreta-me prejuízo sério, na medida em que, designadamente:
. Como é do v/ conhecimento, estive cerca de um ano impossibilitada de trabalhar por motivos de doença do foro psíquico, cujo tratamento ainda mantenho e durante o qual me foi aconselhada perentoriamente a não condução de veículos automóveis fora da cidade onde resido;
. A condução de veículos automóveis em viagens longas está-me totalmente desaconselhada em termos médicos, por sofrer de tendinite no pé direito e de problemas na coluna / cervical;
. Tenho um filho menor a meu cargo a estudar em ..., na Escola …, de nome V. G., com catorze anos de idade, que necessito de atender e cuidar diariamente na medida em que residimos apenas os dois durante a semana, o que me impossibilita de me ausentar durante todo o dia para aquelas localidades;
. O único veículo de que sou proprietária, Audi Q5 2.0 TDI, matricula NE, é usado durante a semana pela minha filha, I. A., que estuda atualmente em Castelo Branco, onde reside semanalmente e apenas se desloca para ... ao fim de semana.
5. Acresce ainda que, tendo-me sido comunicado por Vs. Exas que as minhas funções a exercer em VA. e V. seriam as de “Assistente de Cliente”, considero que as mesmas não são compatíveis com a minha categoria profissional e conteúdo funcional de Adjunto da Direção, o qual, nos termos do Anexo III do referido ACT, “É o trabalhador que nas Caixas de Crédito .., dependendo directamente dos Órgãos Sociais eleitos, colabora na elaboração das políticas e na preparação das decisões, podendo ainda, no âmbito das competências delegadas, assumir poderes de gestão corrente e/ou comercial da Instituição a nível global ou sectorial.”
6. Desta forma, serve a presente para informar Vs. Exas. que pretendo continuar a desempenhar as funções inerentes à categoria de Adjunto de Direção no meu local de trabalho, sito na Av. ..., ..., em ....”
26- A Requerente continuou no seu local de trabalho, na Avenida ..., em ....
27- Entretanto, em 13-07-2021, 15-07-2021, 16-07-2021, e 19-07-2021 a Requerente efetuou participações à Comissão de Ética da Requerida da situação ocorrida no dia 1-07-2021, relativa à transferência do local de trabalho e à mudança de categoria profissional, bem como da não atribuição de qualquer função por parte da Requerida, o que fez com conhecimento à ACT, na pessoa do Sr. Inspetor P. G..
28- Também com conhecimento da ACT, em 14-07-2021, por e-mail, a requerente informou a requerida de que havia terminado as formações que lhe haviam sido atribuídas até o momento, que estava testar as aplicações a que lhe haviam dado acesso e a ver os manuais disponíveis, que até ao momento não lhe fora atribuída qualquer função e que poderia conciliar tal actividade com a funções compatíveis com a sua categoria profissional, pois sem aplicação prática, pouco ou nada poderia evoluir no processo de actualização de conhecimentos.
29- Posteriormente, como se disse, em 12-08-2021 foi-lhe notificada a Nota de Culpa, com a reiteração da comunicação de suspensão preventiva.
30- Em 15-09-2021 a ACT comunicou á Requerente que “1. Relativamente ao motivo que originou a denúncia inicial, este CLNT/ACT já realizou as visitas inspetivas, analisou documentos e instaurou os procedimentos inspetivos”
31- Em 5 de julho de 2021, a Requerente recebeu também da Requerida uma comunicação por correio eletrónico do seguinte teor:
“Durante o longo período de ausência, em virtude de baixa prolongada, verificaram-se significativas alterações estruturais, bem como das plataformas informáticas e dos normativos em vigor, nomeadamente em resultado da entrada em vigor do aviso n.º 3/20 e que são preponderantes para a normal prestação de trabalho.
Face ao exposto é imperativo que proceda a uma atualização transversal de conhecimentos, de modo a dispor de competências operacionais e regulamentares que lhe permitam assegurar a regular prestação de trabalho.
Por conseguinte, esta preparação passa pela frequência de formação de carácter obrigatório, para as quais já se encontra inscrita, bem como pela autoformação.
Assim, é imprescindível que proceda à preparação / atualização nas seguintes ferramentas e normativos:
• Análise da estrutura orgânica da CAIXA ... e Delegação de Competências atualmente em vigor;
• Análise do Manual de Processos e Processos Simplificados;
• Estudo dos Normativos Vinculativos disponíveis no portal “...”;
• Estudo do Manual de Procedimentos de Balcão e outros Manuais disponíveis no portal “...”;
• Políticas resultantes da entrada em vigor do aviso n.º 3/2020, do Banco de Portugal;
• Explorar as Plataformas disponíveis.
Durante o período de atualização, deve esclarecer todas as questões ou dúvidas que considerar pertinentes, para os objetivos a que se destina”.
O que a requerente efectuou entre os dias 5 e 20/07/2021, data em que foi suspensa das suas funções.
32- A requerente entregou o veículo de matrícula ZD à requerida em 12/07/2021.
33- No período de 2010 a 2012 e 2013 a 2015 a Requerente foi eleita e exerceu as funções de Vogal do Conselho de Administração da Requerida.
34- Em 19-12-2012, em altura em que todos os restantes membros dispunham já de viatura de serviço, o Conselho de Administração da Requerida deliberou a aquisição de uma viatura de serviço para a Requerente, com o valor máximo de € 35.000,00, para seu uso exclusivo e ilimitado, em condições idênticas às dos restantes administradores.
35- Tal viatura de serviço foi adquirida pela Requerida em 31-12-2012 e colocada de imediato à disposição e uso exclusivo e ilimitado da Requerente, sendo, o veículo da marca e modelo Audi Q5 2.0 TDI, matricula NE.
36- A Requerente manteve o exercício das funções de Vogal do Conselho de Administração da Requerida até setembro de 2016.
37- Terminado aquele mandato em setembro de 2016, a Requerente retomou as suas funções como trabalhadora da Requerida, com a categoria profissional de Adjunto da Direção.
38- A partir dessa data de setembro de 2016 a Requerente não teve de entregar e continuou a beneficiar sempre da utilização daquele veículo de serviço da Marca Audi, que lhe havia sido atribuído em 19-12-2012 enquanto Vogal do Conselho de Administração.
39- Tal utilização de tal viatura enquanto trabalhadora de nível superior, com a categoria de Adjunto de Direção, foi-lhe atribuída pela Requerida no âmbito da “Diretiva nº 2.0/Viaturas de Serviço/Utilização das Viaturas de Serviço por parte dos Colaboradores”, emitida em 6-11-2013 pelo Conselho de Administração da Caixa ...
40- Esta Diretiva nº 2.0, cuja cópia consta de fls. 5 vº a 55 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, estabelece o seguinte no “CAPITULO 2 – VIATURAS PROPRIEDADE DA CAIXA ... DA REGIÃO DE ... E ...”:
“A exigência das funções de alguns quadros médios e superiores da organização, acarreta a necessidade de utilização intensiva do uso de viaturas que inviabiliza a contratualização do aluguer operacional com vantagens económicas sobre a opção pela compra.
Determina-se assim, que os utilizadores das viaturas propriedade da CAIXA ..., observem o seguinte normativo interno:
2- AFECTAÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE VIATURAS
 Dentro do âmbito da política de desenvolvimento comercial e organizacional da CAIXA ... algumas áreas funcionais poderão ser dotadas de viatura de serviço.
 A viatura deve, prioritariamente em cada Serviço, ser um instrumento de apoio ao desenvolvimento da respectiva actividade.
 As viaturas poderão ser utilizadas, individualmente ou em grupo.
 A viatura é entregue ao colaborador responsável pela mesma (na Sede Administrativa da CAIXA ... ou noutro local designado) pelo Gestor do Património.
 Ao ser-lhe entregue, o colaborador deve examinar a viatura com vista a detectar quaisquer anomalias, informando o Gestor do Património sobre as mesmas”.
2.2 CARACTERÍSTICAS DAS VIATURAS
 Estabelece-se para a aquisição destas viaturas o plafond máximo de 30 000€, não sendo permitida a comparticipação de valor por parte do colaborador para por este meio adquirir viatura de preço superior.
 As marcas e modelos das viaturas a adquirir obedecerão a critérios que o Conselho de Administração definirá para o efeito, tendo em consideração factores de custos; da aquisição e manutenção; consumo e ambiente, desgaste e valor da retoma; seja também um factor que contribua para o reforço da imagem de sobriedade da Instituição.
2.3 UTILIZAÇÃO E MANUTENÇÃO DAS VIATURAS
(…)
 Fora das horas normais de trabalho, coincidentes com os períodos de inactividade das viaturas, continuarão as mesmas confiadas ao responsável, ao qual compete estacionar em boas condições de acessibilidade e segurança.
(…)
2.5 DEVOLUÇÃO E MUDANÇA DE VIATURA
 As viaturas deverão ser imediatamente devolvidas após a alteração ou extinção da situação funcional ou contratual que deu origem à sua afectação (ou sempre que a CAIXA ... o exigir) nas devidas condições de circulação e funcionamento, correspondentes a uma anterior utilização normal e prudente.
 Em caso de devolução, será elaborada pelo Gestor do Património e utilizador um auto de recepção e inspecção sobre o estado de circulação e funcionamento da viatura.
 A CAIXA ... poderá exigir uma indemnização ao seu utilizador, caso dessa inspecção resulte um estado anormal da viatura que contribua para a sua desvalorização ou que exija reparação não regular/ imprevista.
 Salvo deliberação em contrário, a vida útil destas viaturas, fixa-se entre os 48 e os 60 meses, podendo afectar-se nova viatura ao colaborador a partir destes prazos.
 Findo o período de utilização, o colaborador tem opção de aquisição da viatura que lhe esteve afecta (50% do valor de mercado ou 20% do valor de aquisição, menor dos valores).
(…)”
41- Da mesma forma que a Requerente, também J. A., trabalhador da Requerida com a mesma categoria profissional de Adjunto da Direção, atualmente em situação de pré-reforma, cessou as suas funções de membro do Conselho de Administração na mesma data de setembro de 2016 e continuou a beneficiar da utilização do veículo que lhe havia sido afeto naquela mesma qualidade de administrador, também ao abrigo da mesma Diretiva nº 2.0.
42- Utilização essa de tal viatura que aquele trabalhador ainda hoje mantém.
43- Da mesma forma, também o trabalhador da Requerida J. B., também com a categoria de Adjunto da Direção, manteve afeto a si uma viatura que utilizava em serviço e também na sua vida privada, aos fins de semana, feriados e férias, até que cessou funções como trabalhador, em 30 de Setembro de 2020.
44- É prática dos trabalhadores que têm viaturas de serviço atribuídas não as entregarem aos fins-de-semana e feriados.
45- Tendo estado de baixa médica entre 22 de março de 1 de junho de 2018, enquanto trabalhadora da Requerida, esta não solicitou à Requerente a entrega do veículo de marca Audi que lhe estava afecto.
46- Outros trabalhadores da requerida com funções e responsabilidades e nível superior mantinham ou mantêm à disposição um veículo de serviço, como é o caso, a título de exemplo, de M. M., Coordenador da Área de Empresas, J. P., Coordenador da Área de Seguros, A. P., Coordenador da Área de Suporte; F. R., Coordenador da Área Jurídica e R. E., Coordenador Comercial.
47- Os membros do conselho de Administração da Requerida praticam um uso exclusivo e ilimitado das viaturas de serviço, correspondendo a uma afetação de 24 horas por dia e 365 dias por ano, ao abrigo da “Política de Remuneração dos Membros dos Órgãos de Administração e de Fiscalização da Caixa ...”.
48- Entretanto, em 31 de janeiro de 2019, a Requerente foi eleita para novo mandato como vogal do Conselho de Administração da CAIXA ..., tendo tomado posse no dia 30-5-2019, e continuou a utilizar o referido veículo da Marca Audi, a si afeto até que o mesmo lhe foi vendido pela requerida.
49- Após a renúncia ao cargo de vogal do Conselho de Administração com efeitos a 30/6/2020, a Requerente continuou a usar o veículo da marca e modelo Mercedes A 180 D, de matrícula ZD, invocando a tanto ter direito ao abrigo da referida “Directiva nº 2.0 / Viaturas de Serviço/Utilização das Viaturas de Serviço por parte dos Colaboradores”.
50- Na sequência da comunicação da requerente datada de 20/7/2020 e referida em 12, a Requerida, por intermédio de Ilustre Mandatário invocando poderes para o efeito, em 27-7-2020, dirigiu à requerente a seguinte comunicação:
“- De acordo com a deliberação da Assembleia Geral de 30/03/2019, à Administradora, Drª A. L., oriunda do quadro de pessoal da CAIXA ... ..., e cujo contrato de trabalho foi suspenso (art. 398º, nº 1 e 2 do CSC, ex vi art. 9º do C. Cooperativo), foi-lhe atribuído, em função do cargo a desempenhar e para que foi eleita, um veículo automóvel – Mercedes.
- Ainda de acordo com a “Política de Remuneração dos Membros dos Orgãos de Administração e de Fiscalização da Caixa ...”, aprovada na mesma Assembleia Geral e para o ano de 2020, à remuneração dos membros executivos do Orgão de Administração acresce:
iii) Os membros do Conselho de Administração da CAIXA ... beneficiam da utilização dos meios de transporte e de comunicação disponibilizados pela Instituição para o cabal exercício das suas funções.”
- Com a renúncia ao cargo de Administradora executiva, a Srª Drª A. L. deixou de auferir a remuneração correspondente e que compreende um montante fixo mensal, prémio de desempenho, bem como outros benefícios e/ou compensações, onde se inclui o meio de transporte/viatura.
- Assim, atenta a extinção da situação funcional que deu origem à afectação da sobredita viatura automóvel, deverá a Srª Drª A. L. devolver a mesma à Instituição, conforme, aliás, se encontra previsto na Directiva nº 2.0/Viaturas de Serviço/Utilização das Viaturas de Serviço por parte dos Colaboradores, do Conselho de Administração Executivo do CA, em vigor desde 06/11/2013.
- Quando a Srª Drª A. L. reiniciar funções no âmbito do quadro de pessoal da CAIXA ... ..., ser-lhe-á afecta e disponibilizada viatura, de acordo com o que se encontra previsto na sobredita Directiva nº 2.0 do CA Executivo.”
51- Por intermédio do mandatário subscritor, a Requerente solicitou então à Requerida em 13-08-2020, que “Tendo em vista a melhor apreciação e ponderação da situação em apreço, permito-me solicitar ao Ilustre Colega que me faculte a infra mencionada “Directiva nº 2.0/Viaturas de Serviço/Utilização das Viaturas de Serviço por parte dos Colaboradores”, do Conselho de Administração Executivo do CA, em vigor desde 06/11/2013”
52- Logo em 14-8-2020 a Requerida disponibilizou a referida “Directiva nº 2.0/Viaturas de Serviço/Utilização das Viaturas de Serviço por parte dos Colaboradores.
53- A Requerente, de novo por intermédio do mandatário subscritor, remeteu em 17-08-2020 à Requerida, por intermédio do mesmo Ilustre Mandatário que a representava, a seguinte comunicação:
“Tendo por referência a “Directiva nº 2.0/Viaturas de Serviço/Utilização das Viaturas de Serviço por parte dos Colaboradores, do Conselho de Administração Executivo do CA”, de 06/11/2013, a m/ constituinte propõe o seguinte:
Considerando que a viatura que lhe estava afeta enquanto administradora (Mercedes A 180 D, matricula ZD) tem o valor atual contabilístico de 25.756,25 € (de acordo com a comunicação de 8-7-2020, do Conselho de Administração da CAIXA ... do ..., CRL) e que, enquanto “Assessora da Administração” terá direito à afetação e disponibilização de uma viatura com o valor máximo de 30.000,00 €, nos termos do ponto 2.2 daquela Diretiva, a m/constituinte propõe que tal viatura lhe continue afeta.
Em alternativa, propõe-se adquirir tal viatura pelo valor de 6.340,00 €, correspondente a 20% do valor de aquisição (que foi de 31.700,00 €, em 3-9-2019), nos termos do ponto 2.5 da mesma Diretiva.”
54- Em 21-8-2020, pela mesma forma e via, a Requerida veio informar a Requerente que:
“Submetido à apreciação do Ex.mo Conselho de Administração o teor do mail de 17 de Agosto último e a proposta nele inserta, foi decidido o seguinte:
- Não considerar a proposta de aquisição, em virtude de manifestamente se não enquadrar no dispositivo 2.5 da Directiva, mantendo-se, contudo, a sugestão inicial do CA: aquisição pelo valor contabilístico.
- Assim, e uma vez que se mantém a obrigação de entrega da viatura, por extinção da situação funcional da Srª. Drª. A. L., o CA irá, de imediato, solicitar a apreensão da mesma pelas autoridades policiais.
- Voluntariamente poderá, ainda, nos próximos dois dias, indicar dia e hora para a respectiva entrega.
- Tudo isto sem prejuízo da responsabilidade disciplinar a que a colaboradora está incursa por não cumprimento voluntário e culposo de Directivas e instruções da sua entidade empregadora.”
55- Pelo que, nesse mesmo dia 21-8-2020, a Requerente, pelo mandatário subscritor, remeteu à Requerida, de novo pelo seu Ilustre Mandatário, a seguinte comunicação final:
“Os parágrafos 1º e 5º do ponto 2.5 da “Diretiva nº 2.0/Viaturas de Serviço/Utilização das Viaturas de Serviço por parte dos Colaboradores” estabelecem que: “• As viaturas deverão ser imediatamente devolvidas após a alteração ou extinção da situação funcional ou contratual que deu origem à sua afectação (ou sempre que a CAIXA ... o exigir), nas devidas condições de circulação e funcionamento, correspondentes a uma anterior utilização normal e prudente “ e “•Findo o período de utilização, o colaborador tem opção de aquisição da viatura que lhe esteve afecta.(50% do valor de mercado ou 20% do valor de aquisição, menor dos valores).”
Por comunicação 8-7-2020, o Conselho de Administração da CAIXA ... do ..., CRL solicitou à m/ constituinte a entrega da viatura em questão, dando assim por findo o respetivo período de utilização, o que integra a previsão daquele 1º parágrafo daquela Diretiva.
Desta forma, e salvo melhor fundamentação e esclarecimento, não se vê como é que a situação em apreço pode deixar de ser enquadrada no dispositivo 2.5 da Diretiva.
Neste pressuposto, e não tendo sido aceite a primeira das propostas apresentadas em 17-08-2020, serve a presente para reiterar a proposta aí apresentada em alternativa, ou seja, a aquisição de tal viatura por parte da m/constituinte pelo valor de 6.340,00 €, correspondente a 20% do valor de aquisição (que teve o valor de 31.700,00 €, em 3-9-2019), direito que pretende exercer, exatamente, nos termos do 5º parágrafo do ponto 2.5 da mesma Diretiva.”
56- A Requerida deslocou-se no referido veículo para comparecer nas consultas médicas que necessitou de realizar, que tiveram lugar na Clinica de Saúde Mental do ..., na cidade do Porto, respetivas Juntas Médicas, em ..., e outras deslocações relacionadas com o seu estado de saúde, alturas em que o mesmo era conduzido por familiares, normalmente o seu sobrinho, H. P., ou o seu irmão, M. P..
57- A Requerida suporta os custos de funcionamento, designadamente combustíveis, seguro, manutenção e portagens, das viaturas de serviço afectas aos seus trabalhadores.
58- Aos trabalhadores que utilizam viaturas próprias para as deslocações ao serviço da Requerida, esta paga-lhes as despesas de deslocação, o que já fazia antes de 1/7/2020 e continuou a fazer após essa data e após 12/07/2021.
59- Assim sucede com a trabalhadora da requerida, C. A., a qual nunca utilizou qualquer viatura de serviço afeta pela Requerida, nem antes de 1-07-2020, nem no período subsequente, nem após 12-07-2021, data em que o veículo foi entregue pela Requerente à Requerida.
60- A única utilização que a Requerida tem dado ao veículo entregue pela Requerente após 12-07-2021 tem sido para transporte dos membros do seu Conselho de Administração a Lisboa.
61- Cada um deles tem a si afeto um veículo próprio de alta gama.

Da oposição

62- A requerida é uma Instituição de Crédito que tem por objecto “O exercício de funções de crédito agrícola a favor dos seus associados e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária nos termos da legislação aplicável e, ainda, o exercício da actividade de agente da Caixa Central, nos termos previstos na lei e no contrato de agência que entre ambas venha a ser celebrado. As operações de crédito agrícola são as que, como tal, forem definidas pela lei”.
63- O veículo automóvel ligeiro de marca Mercedes Benz, modelo A-180D, com a matrícula ZD foi adquirido pela requerida, no estado de novo, em 29/08/2019, pelo preço, com “desconto frotista”, de € 31.700,00 (trinta e um mil e setecentos euros)
64- De acordo com o item 5.1.iii) da “POLITICA DE REMUNERAÇÃO DOS MEMBROS DOS ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO E DE FISCALIZAÇÃO DA CAIXA ..., CRL”,
“Os membros do Conselho de Administração da CAIXA ... beneficiam da utilização dos meios de transporte e de comunicação disponibilizados pela Instituição para o cabal exercício das suas funções”.
65- A afectação de uma viatura a um colaborador não impede, como tem acontecido, que seja objecto de utilização por outros colaboradores.
66- A requerente recusou-se a entregar a sobredita viatura à requerida, mantendo-se na posse e utilização da mesma até 12/7/2021, data em que a entregou à requerida, na sequência da decisão proferida no procedimento cautelar.
67- Com ela circulando, e permitindo que terceiros a conduzissem, neste lapso de tempo, bem sabendo que o fazia manifesta e inequivocamente contra a vontade expressa da requerida, pelo menos, a partir de 20/07/2020, data em que a deveria entregar, na sequência da primeira interpelação datada de 08/07/2020.
68- Em virtude de se manter na posse e utilização de tal veículo desde 20/07/2020 até 12/07/2021, a requerida suportou a título de custos de funcionamento desse veículo, sem qualquer contrapartida, a quantia de € 1.146,53, em combustíveis, seguro, manutenção e portagens.
69- Neste lapso de tempo, a viatura esteve sujeita a desgaste e desvalorização, sendo que, em 20 de Julho 2020 tinha o valor contabilístico de € 25.756,25 e em 12 de Julho de 2021, data em que a entregou, tinha o valor contabilístico de € 18.386,00.
70- A requerida suportou despesas com deslocações, pagas a outros funcionários, em viatura própria, que poderiam utilizar o referido veículo de marca Mercedes.
71- Por outro lado, não tendo a requerente entregue esse veículo automóvel à requerida, esta teve que comprar outro, no início do mês de Dezembro de 2020, de marca BMW, modelo X1SDRIVE 16D, pelo preço, com desconto frotista, de € 34.722,99, para o disponibilizar à nova Vogal do Conselho de Administração, Dr.ª A. M..
72- A requerida já afectou um veículo utilizado por um seu administrador a outro administrador.
73- Subsequentemente a tal Procedimento Cautelar, a requerida teve de propor a necessária Acção de Processo Comum, que corre seus termos pelo Juízo Local Cível de ... - Juiz 1, sob o n.º 856/21.3T8BGC, da qual a requerente já foi citada e apresentou contestação.
74- Na reunião referida no item 19, na qual estiveram presentes a requerente, os membros do Conselho de Administração Dr. C. M. e Dra. A. M. e a Gestora dos Recursos Humanos, Eng.ª A. M., e o Coordenador Comercial, Eng.º R. E., a requerente foi informada de que as funções de Assessor do Conselho de Administração tinham sido extintas.
75- Em 24/06/2020 foi deliberado pelo Conselho de Administração da Requerida extinguir a função de assessor do conselho de administração, com a justificação de “se tratar de uma função que não encontra fundamento funcional para a sua existência e manutenção” e na sequência das indicações, para o efeito, da Direcção de Acompanhamento e Supervisão da Caixa Central, de 09 de Dezembro de 2019, em cumprimento das orientações do Banco de Portugal.
76- Outrossim, informaram a requerente de que a requerida não tinha disponível qualquer cargo de Direcção, de Coordenação ou outro equiparável às funções de Adjunto de Direcção, uma vez que, todos se encontravam preenchidos.
77- A agência da requerida sita em V., concelho de VA. pertence à sua área geográfica de intervenção e apenas se encontra aberta ao público às Quartas e Sextas-feiras, sob a Direcção do Coordenador da agência de VA..
78- O Conselho de Administração da requerida comunicou à requerente que exercesse funções na agência de VA., durante as Segundas, Terças e Quintas-feiras, e Quartas e Sextas-feiras na agência de V., durante o período que considerasse necessário, em virtude da sua prolongada baixa médica, para dispor de competências operacionais necessárias para assumir sozinha o serviço da agência de V. durante cinco dias por semana.
79- A requerente nesse dia não se opôs a tal comunicação.
80- Na Segunda-feira seguinte, seja, em 05 de Julho de 2021, a requerente apresentou-se na sede da requerida e comunicou-lhe que pretendia continuar a exercer as funções inerentes à categoria profissional de Adjunta de Direcção, no seu local de trabalho, na Avenida ..., ..., em ..., formalizando tal pretensão por escrito através de email de 08 de Julho de 2021 referido em 25.
81- A requerida, face à posição da requerente, decidiu mantê-la na sede, num gabinete como os que estão afectos aos quadros superiores da requerida, no piso dos Coordenadores de Área e, no período da tarde, remeteu-lhe o e-mail referido em 31.
82- Os acessos da requerente às suas aplicações informáticas tinham caducado, em virtude da sua ausência prolongada, e tinham de ser solicitadas novas passwords, para o efeito.
83- Mas tinha acesso às pastas físicas que a requerida lhe pôde dispor, de imediato.
84- A suspensão preventiva das suas funções foi comunicada à requerente com data de 16 de Julho de 2021, com o envio de uma primeira nota de culpa, recebida pela requerida em 20/7/2021 e renovada com data de 11 de Agosto de 2021.
85- A requerente apresentou-se ao trabalho em 01/07/2021, depois de um longo período de ausência por baixa médica, sem que para tal tivesse informado previamente a requerida.
86- A viatura de marca Audi Q5 2.0 TDI, matricula NE que estava afecta à requerente foi-lhe vendida através de deliberação do Conselho de Administração da requerida no início do ano de 2019, pelo valor de € 7.000,00.
87- O colaborador J. A. encontra-se em situação de pré-reforma e beneficia da atribuição de uma viatura, em virtude de um acordo celebrado com a requerida, que prevê tal utilização, motivo pelo qual, no período compreendido entre 01/07/2020 e 12/07/2021, não lhe foi solicitada.
88- A viatura que estava afecta ao Administrador P. M. tinha atingido o designado período de vida útil e, por isso, foi deliberado adquirir outra, que foi entregue à requerida em Agosto de 2018.
89- Todavia, não foi possível deliberar a venda da anterior em virtude de, na ocasião, o Conselho de Administração ser composto por dois membros e o então vogal P. M. não poder participar nessa votação.
90- A afectação de viaturas atribuídas aos membros do Conselho de Administração da requerida rege-se pela aludida “Politica de Remuneração dos Membros dos Órgãos de Administração e Fiscalização da Caixa ..., CRL”.
91- E a afectação de viaturas atribuídas aos seus colaboradores rege-se pela aludida Directiva 2.0.
92- Pela comunicação de 08/07/2020, quando a requerida solicitou a entrega dessa viatura de marca Mercedes, ou a sua aquisição pelo valor contabilístico de € 25.756,25 não invocou a aludida Directiva 2.0., nem em tal comunicação, a requerida deu por findo o respectivo período de utilização.
93- Até, porque, quando a requerente cessou as funções de Vogal do Conselho de Administração, em 30/06/2020, tal viatura havia sido adquirida pela requerida há 10 meses.
94 - No processo de contraordenação nº ........9, em que a Caixa ..., C.R.L. é arguida, foi proferida decisão datada de 7-02-2022, condenando a requerida pela prática da contra-ordenção de assédio moral, p. e p. no art. 29º, 5, CT, na coima de 9.180,00€, por factos relacionados com: (i) mudança do local de trabalho e de funções comunicadas pela requerida à requerente em 1-07-2021 para se efectivarem a partir de 5-07-2021, (ii) por violação do dever de informação (sobre extinção de cargo), (iii) por violação do dever e ocupação efectiva, com esvaziamento de funções durante o mês de Julho/2021, reproduzindo-se a decisão, a qual foi alvo de impugnação judicial, não tendo transitado em julgado - - aditado.
Factos não provados: todos os demais alegados pelas partes nos seus articulados, designadamente, que todos os colaboradores a quem a requerida atribui viaturas de serviço façam delas uso exclusivo e ilimitado, designadamente em períodos de fins de semana, férias e ausências ao trabalho por doença, que a requerida tivesse comunicado à requerente, em 1/7/2021, que iria exercer funções de assistente de cliente para V. e que, na mesma data, a requerida tivesse comunicado à requerente que iria exercer funções de coordenação da agência de V. e que o Conselho de Administração tivesse decidido estabelecer uma Coordenação na agência de V..

B - RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

O tribunal da relação deve modificar a decisão de facto se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC.

Alega a recorrente que deveria dar-se como provada a matéria constante dos artigos 89.º, 90.º e 91.º da oposição, com a seguinte redação:
- O processo disciplinar que foi instaurado à requerente, em 13/07/2021, nada teve a ver com a recusa da transferência do seu local de trabalho, o que foi compreendido pela requerida;
- O processo disciplinar teve origem nos factos dados por assentos nesse procedimento, e cuja deliberação de o instaurar, pelo respectivo Conselho de Administração, ocorreu logo no dia seguinte à entrega da sobredita viatura que abusiva e ilicitamente detinha, utilizava e permitia que terceiros a conduzissem; e que,
-Tal procedimento disciplinar não deveria constituir estranheza para a requerente, porquanto, como se extrai da comunicação de 21/08/2020 a que se reporta o ponto 54, a requerida já lhe havia comunicado que, com a sua conduta, incorria em responsabilidade disciplinar.
Mas, a matéria em causa não pode constar dos factos.
Primeiro, porque é essencialmente conclusiva (as comunicações feitas já constam dos factos provados). Segundo, porque encerra em si mesma a resposta a uma das questões centrais do processo disciplinar, que é a de saber se a sanção de despedimento é abusiva. Trata-se de matéria conclusiva sobre um tema essencial de prova. As ilações que a recorrente pretende aditar terão de se extrair de factos que tenham sido alegados e provados.
Note-se que nem todas as alegações que as partes produzem nos articulados devem ser levadas à matéria proada ou não provada. Tal só deve acontecer se: (i) a matéria se reportar a factos e (ii) se os mesmos adquirirem relevância face às várias soluções plausíveis de direito.
Factos são realidades ou eventos naturalísticos e não ilações, conclusões, juízos de valor, argumentação, etc…
A sentença é uma peça com separação entre a parte de facto e a de direito. Na fundamentação de facto, apenas devem constar os factos provados e não provados. O CPC contém vários normativos apontando para a necessidade desta distinção, mormente no momento da sentença - artigo 607º, nº 4, CPC.
A matéria que a recorrente se refere deve ser ignorada por encerrar, em si mesma, resposta a uma questão essencial de direito que constitui precisamente parte do objecto do litígio. Se é aceitável certa condescendência no uso de certas expressões com conteúdo simultaneamente fáctico e conclusivo, caso estas não integrem a principal questão controvertida, a mesma postura não é admissível quando tais expressões constituam a questão central a decidir.
Aliás, a lei processual anterior (646º, 4, CPC/1961) previa que a matéria de direito, incorrectamente inserida, fosse considerada não escrita, o que também se estendia às expressões vagas/conclusivas respeitantes ao tema essencial a decidir, conforme entendimento jurisprudencial na altura firmado (2). A lei processual actual (CPC/2013), ao contrário da anterior, não contém idêntica previsão. Contudo, têm-se continuado a entender que, estando em causa este tipo de matéria (conclusiva, irrelevante ou de direito), o tribunal a ela não deverá responder. Portanto, mantêm-se a anterior solução da lei e o entendimento jurisprudencial que estendia analogicamente a solução a este tipo de expressões genéricas como as que estão em causa (3).
É de indeferir a reclamação.

Do mesmo passo, atenta a prova documental, cujo conteúdo não é contestado, determina-se o aditamento do artigo 94 com a seguinte redacção:
94 - No processo de contraordenação nº ........9, em que a Caixa ..., C.R.L. é arguida, foi proferida decisão datada de 7-02-2022, condenando a requerida pela prática da contra-ordenção de assédio moral, p. e p. no art. 29º, 5, CT, na coima de 9.180,00€, por factos relacionados com: (i) mudança do local de trabalho e de funções comunicadas pela requerida à requerente em 1-07-2021 para se efectivarem a partir de 5-07-2021, (ii) por violação do dever de informação (sobre extinção de cargo), (iii) por violação do dever e ocupação efectiva, com esvaziamento de funções durante o mês de Julho/2021, reproduzindo-se a decisão, a qual foi alvo de impugnação judicial, não tendo transitado em julgado.

C – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente (4).
É esta a questão que subsiste: a probabilidade de inexistência de justa causa para despedir (39º, 1, b), CPT).
A recorrente sustenta que os factos que pretendia ver provados conduzem à procedência do recurso. Mas, a impugnação da matéria de facto foi julgada improcedente. Logo, com base neste argumento, o recurso necessariamente improcede.
A recorrente sustenta ainda que o tribunal a quo não decidiu bem de Direito porque, ao considerar que o comportamento da trabalhadora é integrador de infracção disciplinar (recusa ilegítima em entregar a viatura automóvel), consequentemente deveria ter afastado o carácter abusivo da sanção disciplinar. Cita em abono um acórdão do STJ, aliás mencionado também na decisão recorrida.
Lida a sentença, por facilidade de compreensão, resumimos as suas traves mestras do seguinte modo:

. Apesar do tempo decorrido até ao início do processo disciplinar, não há prescrição do direito de exercer o poder disciplinar, nem caducidade do procedimento disciplinar, por estar em causa infracção permanente (a trabalhadora persistiu em ficar com a viatura atribuída, entendendo que tem sobre ela direito de uso);
. Ao trabalhador cabe provar a probabilidade de inexistência de justa causa, tratando-se, porém, de um juízo de mera aparência ou verosimilhança sobre a ilicitude do despedimento;
. O conceito de justa causa exige três elementos: a) Comportamento do trabalhador, culposo - elemento subjectivo; b) Uma situação de impossibilidade prática de a relação de trabalho subsistir - elemento objectivo e c) -Uma relação causal - nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
. É imputado à requerente a recusa em entregar uma viatura que lhe havia sido entregue para o exercício das funções de vogal do Conselho de Administração após a cessação voluntária de tal estatuto, persistindo na sua atitude após a insistência da sua empregadora na ordem de entrega.
. A requerente pese embora alegue que, sendo adjunta de direcção, tinha direito ao uso da viatura nos termos da Directiva interna de serviço e disso estava convencida, carecia de razão nesse ponto, conforme foi decidido na providência cautelar cível que a requerida intentou para reaver a viatura. Ali se concluiu que a sua atribuição não integrava o conceito de retribuição por, na altura, a requerente já não ocupar cargo de administradora, retomando as funções de assessora de direcção. Mantém-se a fundamentação da decisão cível, porque a requerente nada alegou e provou de novo que leve a alterar o raciocínio expresso nessa sentença.
. A recusa da requerente em entregar à requerida um veículo de serviço é susceptível de integrar a prática de uma infracção disciplinar, traduzida na violação do dever de obediência a uma ordem legítima da empregadora e do dever de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador.
. Contudo, foram provados outros factos que integram a base da presunção de abuso na aplicação sanção de despedimento prevista no art. 331º, 1, b), d), 2, a), do CT. A sanção foi aplicada antes de decorridos 6 meses e logo após a trabalhadora se ter oposto a ordem ilegal de transferência para outras agências do banco (inobservância de limites temporais e substanciais) e de modificação de funções (adjunta de direcção para a de assistente de cliente), pelo que o despedimento se presume abusivo. Assim se transferindo para a requerida o ónus de prova do contrário. Acontece que os factos apurados não são suficientes para se concluir que a empregadora ilidiu a presunção. Ao invés, apurou-se que a recente reclamação da autora contra as novas condições de trabalho era legítima e que a requerida há muito estava ciente da desobediência da requerente não havendo motivo compreensível para só naquela altura exercer a acção disciplinar. Está assim demonstrada a probabilidade séria da inexistência de justa causa de despedimento.

Feita a súmula, transcrevemos as passagens mais elucidativas da sentença:

…“Ora, no caso vertente está sumariamente provado que no dia 1/7/2021, data em que a A. se apresentou ao serviço após o termo da baixa por doença, a R. comunicou-lhe, primeiro verbalmente e com efeitos a 2/7/2021 e, depois, por escrito, com efeitos a 5/7/2021, a transferência de local de trabalho para os balcões de VA. e V., alegando reorganização dos serviços e não causar a mesma prejuízo à trabalhadora. Mais se provou que a trabalhadora recusou tal transferência, apresentando-se ao serviço no dia 5/7/2020, no seu posto de trabalho na sede da Requerida, em ..., tendo comunicado verbalmente a sua discordância aos respetivos membros do Conselho de Administração, o que reiterou por escrito no dia 8/7/2021, alegando, em síntese, que a ordem não foi comunicada com a antecedência prevista na cláusula 30ª do ACT das ICAM, que a transferência não se enquadrava na previsão da alínea b) do nº 1 da mesma disposição convencional, que a mesma lhe causava prejuízo considerável e que implicava o exercício de funções incompatíveis com a sua categoria profissional de adjunta de direcção. Provou-se, ainda, que a trabalhadora requerente efetuou, às 11.10 horas desse dia, uma participação junto da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), solicitando a respetiva presença no seu local de trabalho, o que originou uma visita de inspectores da ACT, ainda nesse dia, às instalações da requerida.
Ora, a requerente foi alvo de procedimento disciplinar iniciado em 13/7/2021, sendo notificada de uma primeira nota de culpa e suspensa preventivamente de funções em 20/07/2021, vindo a ser novamente notificada da nota de culpa em 12/8/2021 e da decisão de aplicação da sanção de despedimento em 29/10/2021.
Os factos descritos integram a base factual da presunção de abuso na aplicação da dita sanção de despedimento que resulta do disposto nas alíneas b) e d) do nº 1 e a) do nº 2 do artigo 331º do Código do Trabalho. Com efeito, os factos apurados indiciam que a ordem de transferência dada pela Requerida à trabalhadora não obedeceu aos condicionalismos formais e substanciais estabelecidos na cláusula 30ª do ACT das ICAM e no art. 194º e 196º do Código do Trabalho, seja quanto aos pressupostos substanciais, seja quanto à antecedência da comunicação, pelo que a recusa da trabalhadora em acatar tal ordem se prefigura como legítima. Por outro lado, tendo sido ordenado á trabalhadora a prestação de funções nas agências de V. e VA. até que a mesma adquirisse competência para assegurar sozinha o serviço da agência, mostra-se igualmente indiciada uma modificação funcional que pode ser incompatível com o núcleo das funções inerentes à categoria profissional da trabalhadora que é de “adjunta de direcção” e com o nível hierárquico que a mesma pressupõe na organização, o que implica uma violação das suas garantia legais, designadamente do disposto no artigo 118º e 120º do Código do Trabalho.
Assim, tendo a requerida aplicado à trabalhadora a sanção de despedimento dentro dos seis meses posteriores à ocorrência dos factos descritos, presume-se tal despedimento como abusivo, pelo que se transferiu para a requerida o ónus da prova do contrário.
Ora, analisados os factos apurados conclui-se não serem os mesmos suficientes para se considerar ilidida a presunção. É certo que, como supra se explicitou, a requerente praticou uma infracção disciplinar. Contudo, tal não basta para a afastar o carácter abusivo da sanção aplicada a pretexto da prática de tal infracção. Os factos que a requerida alegou para contrariar a tese do carácter abusivo reportam-se à tentativa de justificação da legalidade da ordem de transferência da requerente para as agências de V. e VA. e da legitimidade do seu comportamento adoptado na sequência da recusa dessa ordem pela trabalhadora, no sentido de demonstrar que não ocorreu violação dos direitos e garantias legais e convencionais da mesma. Ora, como supra se referiu, os factos indiciam o contrário, isto é, que a ordem de transferência e as funções que a requerida pretendeu impor à requerente contrariam as suas garantias legais e convencionais, tornando legítimas a recusa de obediência e a reclamação apresentada pela requerente. A circunstância, provada, de ter sido extinta a função de assessor do Conselho de Administração que a requerente vinha desempenhando antes de ter sido eleita para o cargo de vogal de administração também não justifica a ordem de transferência, nos termos em que foi emitida pela requerida, pois que a dita extinção aconteceu em Junho de 2020, mais de um ano antes da apresentação da requerente ao serviço, o que teria permitido à requerida encontrar uma solução adequada à categoria profissional da trabalhadora. Por outro lado, sendo certo que, como alega a requerida, o procedimento disciplinar foi instaurado no dia seguinte à entrega pela requerente do veículo que mantinha em sua posse, não é menos certo que o poderia ter feito muito antes, sem embargo do que se decidiu a propósito do prazo de prescrição da infracção. Com efeito, há muito que a requerida estava ciente da atitude de desobediência da requerente relativamente á entrega do veículo que lhe havia sido afecto para exercício do cargo de vogal do conselho de administração e dos prejuízos que a privação do uso de tal veículo lhe acarretava ou acarretaria, pelo que não se encontra justificação razoável para ter protelado o exercício da acção disciplinar até à efectiva entrega da viatura.
Vale tanto por dizer que a requerida não logrou ilidir a presunção do carácter abusivo da sanção de despedimento, o que acarreta a ilicitude do mesmo.
Em conclusão, está demonstrada a probabilidade séria da inexistência de justa causa de despedimento, resultante do carácter abusivo do mesmo, o que torna desnecessária a apreciação das demais questões suscitadas pela requerente.”

A nossa apreciação:

Concordamos com a avaliação de Direito feita pelo tribunal a quo.
Há probabilidade séria de inexistência de justa causa porque o desencadear do processo disciplinar e a sanção de despedimento aplicada à requerente sucedem imediatamente a factos que consubstanciam recusa em cumprimento de ordens ilegítimas e exercício de direitos/garantias (331º, 1, b), d), 2, a), CT). Estes factos estão temporal e logicamente mais ligados à sanção aplicada do que os referentes à recusa em entregar a viatura automóvel.
Disso é comprovativo o facto de a requerente, após baixa prolongada, se apresentar ao trabalho em 1-07-2021 e, nesse dia, em reunião, receber ordem para a partir de 2-7-2021 passar a trabalhar definitivamente em duas outas agências fora de ... (VA. e V., sitas a cerca de 80KM) e para desempenhar funções de assistente de cliente que nitidamente se situam abaixo e fora da sua categoria de adjunta de Direcção. A requerente não acatou as ordens, permaneceu no mesmo local. Participou a situação à ACT, que em 5-07-02021 se deslocou à agência, tendo sido instaurado processo de contraordenação e sucedendo-se as vicissitudes que constam dos factos provados.
Ora, o processo disciplinar foi instaurado precisamente em 13-07-2021, a requerente foi suspensa de funções em 16-07-2021, recebeu a 1ª nota de culpa em 20-07-2021 renovada em 11-08-2021 e foi notificada do despedimento em 29-10-2021 - vg. factos 1, 2, 84. O exercício da acção disciplinar “cola-se” claramente a este quadro factual, não há como negá-lo, o que faz presumir de abusiva a sanção de despedimento.
A requerida sustenta que o despedimento se alicerça nos factos invocados na nota de culpa que se relacionam com a recusa reiterada da trabalhadora entregar a viatura automóvel. Sucede que estes factos remontam a um ano atrás. Supostamente a viatura deveria ser entregue em 30-06-2020 (data de renúncia ao cargo de vogal) e a requerida desde 8-07-2020 que solicita à requerente a devolução da viatura, tendo inclusive em 31-12-2020 intentado uma providência cautelar para reaver a viatura - factos 8, 10, 11, 15. Assim, não há como negar que a requerida, quando inicia o processo disciplinar, tinha conhecimento da infração há cerca de um ano. Ora, independentemente da bondade da decisão que julgou improcedente a caducidade do procedimento disciplinar que se conta desde o conhecimento da infracção (não foi alvo de recurso), esta falta de reacção inculca que a requerida “normalizou” a conduta da requerente, quiçá embrenhada em vicissitudes, práticas, e questões jurídicas ligadas a benefícios atribuídos a cargos de topo.
A factualidade, no mínimo, comprova que a conduta não é de tal modo chocante que leve à ruptura do vínculo laboral, caso contrário a empregadora não demoraria um ano a iniciar o processo disciplinar, precisamente quando a trabalhadora acaba por entregar a viatura e no contexto da sua oposição a mudanças essenciais de local de trabalho e de funções.
Concorda-se, pois, que, atenta a aplicação de uma sanção subsequente a um quadro de recusa de ordens ilegítima e de exercício de direitos, aquela se deve presumir de abusiva, cabendo ao empregador o ónus de afastar a presunção. O que a requerida não logrou, conforme logo indicia a distância temporal decorrida desde a recusa na entrega do veículo e a sua demora em reagir.
Na verdade, o tempo assume relevância crucial no procedimento disciplinar, porque exprime o grau de relevância que o empregador atribui à conduta do trabalhador. Se o empregador não reage tempestivamente, se é lento no desencadear do processo, é legítimo que se conclua que tolera a situação (5).
Retomando os elementos da noção de justa causa, perante o exposto, afigura-se que não está minimamente indiciado “uma situação de impossibilidade prática de a relação de trabalho subsistir” e, muito menos, “a relação causal - nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade”.
Uma palavra final referente ao acórdão citado pela recorrente (STJ, ac. de 15/04/2015, processo 44/13.2TTEVR.E1.S1), para dizer que os respectivos pressupostos fácticos são totalmente diferentes. Trata-se de um trabalhador, técnico superior, alvo de sanção disciplinar de suspensão com perda de retribuição, que teve na base uma comunicação (e-mail) por aquele endereçada a responsáveis de um departamento da empregadora, reclamando sobre um espaço de trabalho. Considerou a empresa - e o tribunal- que os termos empregues na comunicação eram violadores de deveres de urbanidade e respeito para com a hierarquia (a quem na comunicação se acusava de manipular e beneficiar grosseiramente ex-estagiários). Considerou-se que a carta em que se pretensamente se reclamam direitos era, ela mesma, demonstrativa de infracção disciplinar, pelo que era de afastar o regime de sanção abusiva.
Facilmente se alcança que a situação dos autos é completamente diferente. No caso, temos duas condutas distintas por parte da trabalhadora, distanciadas no tempo, uma integradora de infracção disciplinar, outra referente a exercício legítimo de direitos. É a esta situação que se aplica o regime de sanção abusiva, que a requerida não logrou afastar face ao quadro fáctico supra referido: ordens ilegítimas da requerida quanto a mudança de local de trabalho e de funções, recusa da requerida em obedecer, subsequente instauração de processo disciplinar (dias), invocação no processo disciplinar de uma infracção de que a entidade empregadora tem conhecimento antigo (cerca de um ano) e, consequentemente, parecendo não lhe reconhecer gravidade de maior.
É de confirmar a decisão recorrida.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida - 87º, CPT e 663, CPC
Custas a cargo da recorrente
Notifique.
*
30-06-2022

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins



1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
2. Ac. STJ de 29-04-2015, p. 306/12.6TTCVL.C1.S1, in www.dgsi.pt.
3. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, 2~V., 4º ed., p. 707.
4. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
5. Paulo Sousa Pinheiro, O Procedimento Disciplinar no Âmbito do Direito do Trabalho Português, Almedina, 2020, p. 213.