Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1128/17.3GAFAF.G1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: CRIME DE FURTO
QUEIXA
FALTA DE PODERES DE REPRESENTAÇÃO
RATIFICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – A falta de comprovação, no processo, pelo apresentante da queixa-crime, de que dispunha de poderes conferidos pela sociedade ofendida para apresentar tal queixa em seu nome, não implica necessariamente que deles não dispusesse.
II - Efectivamente, essa queixa, apresentada no prazo de seis meses a que alude o Artº 115º, nº 1, do Código Penal, consubstancia o exercício tempestivo e válido do respectivo direito, embora não seja plenamente eficaz.
III - Nessas circunstâncias, não pode o juiz de instrução criminal, em sede de decisão instrutória, concluir, sem mais, pela falta de queixa processualmente válida e, concomitantemente, julgar extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido, sem que antes conceda à ofendida a possibilidade de ratificar tal queixa.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Inquérito nº 1128/17.3GAFAF, que correu termos pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, Secção de Fafe, da Procuradoria da República da Comarca de Braga, o Ministério Público, no momento processual a que alude o Artº 276º do C.P.Penal (1), deduziu acusação contra o arguido R. M., para julgamento, e perante tribunal singular, nos seguintes termos (2) (transcrição (3)):

“II – O Ministério Público deduz acusação, nos termos dos artigos 16º, nº 1 e nº 2, alin. b) e artigo 283º, ambos do Código de Processo Penal, para JULGAMENTO EM PROCESSO COMUM E PERANTE TRIBUNAL SINGULAR, de:

- R. M., casado, nascido em -.01.1980, filho de J. C. e de P. C., natural de …, portador do CC nº ......., residente na Rua …, Fafe.

Porquanto indiciam suficientemente os autos que:

1. Pelo menos desde 26.08.2004 e até 18.01.2019 (data em que prestou TIR nos presentes autos), o arguido residiu no … da Rua ... (em muitas situações indicada como sendo na Rua ... porquanto o bloco … confronta com ambas as ruas), nesta freguesia e concelho de Fafe, fracção que é propriedade do seu pai J. C..
2. Foi celebrado um contrato de fornecimento de energia com a “X Distribuição – Energia SA”, para a aludida fracção, com efeitos a partir de 01.05.1989, o qual cessou em 20.04.2011 por falta de pagamento, tendo a X procedido ao corte do fornecimento de energia eléctrica.
3. Desde 20.04.2011 não existiu qualquer outro contrato de fornecimento activo para a instalação da fracção indicada em 1.
4. A “X Distribuição – Energia SA” é operadora de redes de distribuição de electricidade, estando-lhe acometidos o estabelecimento e exploração daquelas redes, em regime de serviço público e em exclusivo, tendo as mesmas redes declaração de utilidade pública.
5. Assim, em data não concretamente apurada, mas depois do dia 20.04.2011, o arguido por si ou com a ajuda de outrem, desselou o contador, manipulando-o e efectuou uma ligação directa da rede pública de distribuição à instalação particular de que usufrui, apropriando-se ilegitimamente da energia eléctrica que consumiu em seu proveito e do seu agregado familiar.
6. O que veio a ser constatado pela X em 19.06.2017 na sequência de uma inspecção técnica ao local.
7. O arguido, entre a data da rescisão do contrato (20.04.2011) e a data da inspecção técnica (19.06.2017), animado pelo êxito de consumir energia eléctrica sem ter de a pagar mensalmente, foi-se apropriando de uma soma total de pelo menos 9.963 KWh, no valor de € 1.645,89 (Mil, seiscentos e quarenta e cinco euros e oitenta e nove cêntimos).
8. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, no propósito concretizado de utilizar em seu proveito a energia eléctrica em causa, bem sabendo que teria de efectuar o pagamento para usufruir desse serviço e que assim actuava contra a vontade da X.
9. Bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se abstendo de a praticar.

Pela prática dos factos expostos, incorreu o arguido na prática de um crime de furto, na forma continuada, previsto e punível pelo artigo 203º, nº 1 e 30º do Código Penal.

PROVA:
(...)”.
*
2. Notificado daquele despacho de acusação, e inconformado com o mesmo, veio o arguido requerer abertura da instrução, nos termos constantes de fls. 103/107, que ora se transcrevem, na parte que interessa considerar:

“(...)
R. M., casado, portador do Cartão de Cidadão nº ......., residente na Rua ... BL … Fafe, freguesia e concelho de Fafe, nos autos à margem melhor identificado, notificado do despacho de acusação não se conformando com o mesmo vem apresentar o requerimento de
ABERTURA DA INSTRUÇÃO,

Pelos seguintes factos,

1º· Os factos foram, alegadamente, praticados entre 20.04.2011 e até em 19.06.2017, sendo eu tal só se admite para efeitos de argumentação.
2º· O direito a apresentar queixa é sabidamente de 6 meses. Artigo 115º do Código Penal.
3º· Atento a data em que terá sido feita inspeção técnica ao local e foi desligada a ligação existente no contador sito na fração em que a acusação considera como a habitação do arguido, correspondente à data do conhecimento da lesada a queixa validamente apresentada por quem tivesse legitimidade para o efeito, deveria ter dado entrada até ao dia 19 de dezembro de 2017.
4º· Acontece que o crime a que se subsumem os alegados factos referem-se ao crime de furto e ao artigo 203º, nº 1, sendo que o número 3 desse artigo faz depender o procedimento criminal da apresentação de queixa.
5º· Nos autos consta uma participação criminal contra desconhecidos, registada e autuada em 13 de dezembro de 2017, a fls 3.
6º· Para que uma queixa tenha validade além de indicar os factos a que se refere tem, contudo, de ser apresentada por quem tenha legitimidade.
7º· Essa legitimidade está estabelecida no nº 3º do artigo 49º do Código do Processo Penal.
8º· Segundo este número "A queixa pode ser apresentada pelo titular do direito respectivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais."
9º- Visualizando o que consta do documento de fls 3 não é o titular do direito que se apresenta a assinar a participação, uma vez que a assinatura não seja totalmente legível e o carimbo também não se apresente totalmente percetível, consegue-se verificar que o primeiro nome é P..
10º· Apresentando-se esse P. como "Direção Redes e Clientes Norte Assistência Comercial O Responsável".
11º. Segundo consulta da designação dos representantes da Firma: X Distribuição - ENERGIA S.A. Natureza Jurídica: SOCIEDADE ANÓNIMA Sede: Rua …, nº … Distrito: Lisboa Concelho: Lisboa Freguesia: … Lisboa entre 2015-05-26 e 2018-07 -10 os membros do Conselho de Administração registados pela Insc. 13 -AP, 73/20150522 12:29:23 UTC - DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ORGÃO(S) SOCIAL(AIS) DESIGNADO(S): CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO: Nome/Firma: J. J. NIF/NIPC: ……… Cargo: Presidente Nome/Firma: A. M. NIF/NIPC: ……. Cargo: Vogal Nome/Firma: C. P. NIF/NIPC: ……. Cargo: Vogal, nenhum dos que pelo processo se arrogam de representantes da "queixosa" são seu representante legal, Sendo que os que foram designados e feito o registo comercial em 2018-07-10 também não são, como se pode constatar pelos documentos extraídos do Portal da Justiça - Publicação On-Line de Acto Societário e de outras entidades. Doc 1, 2 e 3
12º· Para não ser exaustivo a apresentação da queixa também o não foi por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais, até porque neste processo não consta qualquer procuração a favor de quem quer que seja e passada a quem for.
13º. A única procuração que é indicada em rodapé do requerimento apresentado em 13 de junho de 2018, já muito para lá dos 6 meses de prazo para a apresentação da queixa, aproximadamente mais 6 meses após esse prazo e um ano menos 6/7 dias após o conhecimento dos factos pela lesada.
14º. Tal menção consta a fls 49 vs indicando uma chave de acesso …………, a qual consultada hoje, dia 24 de novembro de 2020 dá "O prazo de validade encontra-se ultrapassado." Vide doc 4
15º. Contudo mesma a ser uma procuração forense válida a mesma não tem a virtualidade de ao ser apresentada em 13 de junho de 2018 por uma advogada que nem sequer requer a sua junção aos autos para se constituir mandatária, nem o requerimento de resposta à notificação do despacho que a antecede, se consubstancia numa ratificação da "Participação Criminal" de fls 3 e sgts, ratificação essa que, aliás, não é legalmente admissível.
16º. Até porque à data referida já o direito a apresentar queixa se tinha extinguido.
17º. Ainda mais porque até à presente data não foi apresentada queixa válida.
18º. Porque o documento de fls 3 não é uma queixa válida.
19º. E mesmo que tenha sido tomado por tal não cumpre os requisitos legais para o efeito.
20º. Primeiro porque nem identifica devidamente quem subscreve o documento.
21º. Depois refere P. como "Direção Redes e Clientes Norte Assistência Comercial O Responsável". "mas nem indica em concreto quem é o representante ou mandatário.
22º. Não existe nos autos, a não ser que tenha escapado ao aqui subscritor, qualquer documento que mostre que o titular do direito, um seu mandatário judicial ou mandatário munido de poderes especiais tenha apresentado queixa.
23º. Por forma a respeitar-se o previsto no nº 3 do artº 49º, do Código de Processo Penal.
24º. Situação semelhante a esta foi levantada pelo aqui mandatário subscritor quer na instrução intentada em 24 de janeiro de 2018 e posteriormente em sede de contestação só tendo sido decidida já na sentença posterior ao julgamento em 19 de novembro de 2019, após a pratica de uma quantidade enorme de atas inúteis quer pelo tribunal de instrução quer pelo de julgamento e 22 meses tempo perdido, no processo nº 120/14.4EALSB, Processo Comum (Tribunal Singular), Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Guimarães - Juiz 2, de que se junta cópia porque pública Doc 5
25º· Nessa sentença é transcrita a seguinte frase, "A apresentação de queixa em nome de sociedade comercial, deve ser feita por mandatário munido de poderes especiais, conferidos pela administração/gerência. No caso de ter sido apresentada por mandatário não judicial sem referência aos poderes especiais, deve ser ratificada pelo titular do direito ou mandatário judicial, mas dentro do prazo previsto no artº 115º ,º do CP (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, pág, 149, UCE, 2ª".
26º· Assim sendo verifica-se uma nulidade prevista na primeira parte da alínea b), do art.º 119 do CPP.

Ali com aqui é
27º· "Incontornável é que quando o Ministério Público deduziu acusação não tinha sido apresentada queixa e nos termos das disposições legais citadas carecia de legitimidade para acusar.
28º· Temos por líquido e incontestável que a falta desse pressuposto processual não é sanável por apresentação de queixa posterior ainda em tempo e mesmo que fora aplicável o regime de ratificação à queixa, apenas legitimaria o Ministério Público a deduzir acusação posteriormente à verificação desse pressuposto de processibilidade. Ou seja, a falta de legitimidade do Ministério Público não é passível de ratificação por acto posterior à acusação porque assim se não encontra legalmente previsto.
29º- O artigo 119º, alínea b) do Código de Processo Penal preceitua que "constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48º ( ... )".
30º· Numa primeira análise do preceito seríamos tentados a interpretá-lo no sentido de que apenas contempla situações omissivas do despacho acusatório por parte do Ministério Público quando é este que tem legitimidade para o efeito. Mas melhor analisado esse conteúdo normativo que se refere a "falta de promoção nos termos do artigo 48º" verificamos que igualmente cabe na letra do preceito a situação em que o Ministério Público acusa sem legitimidade, ou seja fora da previsão do artigo 48º que remete por sua vez para os artigos 49º a 52º, definindo o artigo 49º a legitimidade em crime dependente de queixa.
31º· Nestes termos, o tribunal declara a ilegitimidade do Ministério Público para promover o presente procedimento criminal contra os arguidos acima identificados pela prática, dos crimes de ( ... ), julgando extinto, por essa razão, o procedimento criminal contra os arguidos ( ... )."
32º. Pelo que mesmo que se pretenda e tente qualquer forma de ratificação da queixa, como tanto se tentou no processo referido, em vão seja na instrução seja na fase de julgamento,
33º. Assim sendo verifica-se uma nulidade prevista na primeira parte da alínea o), do art.º 119 do CPP que segundo o Ac. TRC de 19-02-2014 : "I. A ratificação da queixa-crime pressupõe que alguém, sem poderes de representação, actue em nome de outrem; não é juridicamente aplicável quando alguém age em nome próprio no exercício de um direito meramente aparente.

II. O segmento normativo da parte inicial da alínea b) do artigo 119º do CPP - do seguinte teor: «A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48º" - contempla não só situações omissivas do despacho acusatório quando a lei confere àquele legitimidade para o efeito, mas também os casos em que o MP acusa sem legitimidade, ou seja, fora da previsão do artigo 48.º do compêndio legislativo referido.
III. Consequentemente, tendo o MP deduzido acusação em momento anterior ao da apresentação de queixa juridicamente válida, verifica-se a nulidade insanável prevista naquele normativo, que contamina tudo o que foi processado posteriormente - com excepção da queixa -, em consonância com o disposto no artigo 122º do CPP."
34º. Embora qui já não ponha a questão a ratificação da queixa-crime, até porque, como já foi alegado, nem sequer existe queixa válida, porque o documento de fls. 3 não consubstancia uma queixa.
35º. Nulidades que se invocam e requer sejam conhecidas.
36º. Compulsados os autos, verifica-se que a fls 29 o MP se apercebeu de que não tinha legitimidade para prosseguir o inquérito por falta de legitimidade porque os crimes em causa sendo semipúblicos dependiam de queixa válida.

Por tudo o que se vem de dizer, requer-se a ABERTURA DA INSTRUÇÃO e que a final o arguido seja não pronunciado por se ter verificado a extinção do direito à queixa, por se ter verificado não haver queixa válida apresentada no processo e o documento que aparentemente foi tomado por queixa não ser apresentado pelo titular do direito, um seu mandatário judicial ou mandatário munido de poderes especiais tenha apresentado queixa, o que constitui nulidades insanáveis e viola o previsto no artigo 115º do Código Penal, artigos 48º, 49º e 119º do CPP.
(...)”.
*
3. Distribuídos os autos como “instrução” ao Juízo de Instrução Criminal de Guimarães, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, o Mmº Juiz declarou aberta a fase de instrução e, posteriormente, no âmbito do debate instrutório que teve lugar no dia 12/05/2021, proferiu a seguinte decisão instrutória, que se encontra exarada na respectiva acta, a fls. 224/228, a qual se transcreve, na parte que ora interessa considerar:
DECISÃO INSTRUTÓRIA
1.
O Tribunal é competente.
O processo próprio.
*
2. Questão prévia:

Da nulidade do direito de queixa invocado pelo arguido nos termos do artº 115º do Código Penal.

Inconformado com a acusação pública, na qual se imputa ao arguido a prática de um crime de furto na forma continuada, previsto e punido pelo art.º 203º, nº 1 e 30º, do Código Penal, veio o arguido nos termos de fls. 186 e ss, requer a abertura de instrução, alegando, sumariamente, que se verifica nulidade, uma vez que o direito de queixa apresentado a fls. 3 e ss não foi apresentado por que detinha legitimidade para tal, sendo que o subscritor da participação apresentada nos autos não consta do pacto social da ofendida e, como tal, não tinha poderes para apresentar queixa.

Apreciando o que consta dos autos, temos uma participação criminal a fls. 3 a 5 subscrita por alguém que se identifica como o responsável da Direcção Redes e Clientes Norte, Assistente Comercial, da X Distribuição de Energia, S.A. Compulsado o registo comercial da ofendida de fls. 189 verso e ss, verifica-se que o mesmo não consta como membro do conselho de administração, sendo que a forma de obrigar a ofendida é composto por 2 a 7 membros.
Nos autos não existe qualquer procuração outorgada pelos representantes legais da ofendida a favor do responsável da Direcção da Redes e Clientes do Norte.
Apreciando o invocado pelo arguido no requerimento de abertura de instrução, desde logo se diga que a apresentação do direito de queixa deve obedecer ao estatuído no artº 49º do Código de Processo Penal, sendo que a apresentação de queixa em nome de sociedade comercial deve ser feita por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais conferidos pela administração. No caso de ter sido apresentada por mandatário não judicial, sem referência aos poderes especiais, deve ser ratificada pelo titular do direito ou mandatário judicial e sempre dentro do prazo previsto no artº 115º do Código Penal.
No caso de mandatário judicial, basta estar munido de simples procuração forense.
No caso dos autos verifica-se que a X Distribuição de Energia, S.A. apresentou participação criminal por alguém que assinou como sendo P. A., da Direcção Redes e Clientes Norte, Assistência Comercial, o responsável.
Analisando tal participação, verificamos que não se consegue aferir se o mesmo é mero funcionário ou administrador e se, ainda assim, tem poderes para representar tal sociedade, razão pela qual a aludida queixa, desacompanhada de procuração com poderes especiais, e sem indicação de qual a qualidade em que o mesmo a subescrever, e se tem poderes para tal, não cumpriu os requisitos legais, prejudicando a legitimidade do Ministério Público em promover o processo penal, pelo que, faltando um requisito de procibilidade, se impõe a extinção do procedimento criminal instaurado contra o arguido por verificação de uma nulidade insanável prevista no art.º 119.º do Código de Processo Penal.

Face ao exposto e sem quaisquer outros considerandos, por falta de queixa processualmente válida, carecendo por conseguinte o Ministério Público de legitimidade, julgo extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido R. M..
Assim, declaro verificada a nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea b), do Código de Processo Penal e consequentemente, nos termos do 308º, nº 1, do Código de Processo Penal, não pronuncio o arguido R. M. e determino o arquivamento dos autos.
*
Sem custas.
*
Notifique.
(...)”.
*
4. Inconformado com essa decisão judicial, dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso (que consta de fls. 231/238), extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

“1- A queixa efetuada nos presentes autos é válida, conferindo a mesma legitimidade ao Ministério Público para acusar;
2- Não existindo nos autos elementos conducentes à prova dos poderes do subscritor da queixa em representar a ofendida no exercício desse direito, impunha-se que o Mmº JIC diligenciasse junto da ofendida pela junção desses elementos;
3- Na verdade, o juiz de instrução pratica todos os atos necessários à realização das finalidades referidas no nº 1 do artigo 286º, ordenando oficiosamente aqueles atos que considerar úteis – artºs 290º, nº 1 e 291º, nº 1, do CPP.
4- Ainda que fosse entendido que a queixa foi apresentada por quem não tinha poderes de representação para tal, deveria considerar-se que no decurso do inquérito tal queixa foi ratificada pela ofendida;
5- Deverá, pois, a decisão sob recurso ser revogada e substituída por outra que pronuncie o arguido pela prática do crime de furto que lhe é imputado na acusação pública;
5- Ao decidir como decidiu violou o Mmº JIC o disposto nos artigos 48º, 49º, 119, al. b), 283º, nº 2, 286º, n.º1, 307º, n.ºs 1 e 2, 308º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.
V.ªs Ex.ªs, todavia, decidirão conforme for de justiça.”.
*
5. Cumprido o disposto no Artº 413º, nº 1, não se apresentou o arguido a responder ao recurso.
*
6. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal da Relação emitiu o parecer que consta de fls. 249 / 249 Vº, expressando o entendimento de que deve ser dado provimento ao recurso, e que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que pronuncie o arguido R. M. pela prática do crime de furto que lhe está imputado.
*
7. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, não foi apresentada qualquer resposta.
*
8. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (4).

Assim sendo, no caso vertente, a questão que basicamente importa decidir é a de saber se, aquando da dedução da acusação pública contra o arguido, pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo Artº 213º, nº 1, do Código Penal, o Ministério Público tinha efectiva legitimidade para o fazer (Artº 49º do C.P.Penal), por haver nos autos queixa válida ou oportunamente ratificada pelo legítimo titular do direito de queixa.
*
2. Porém, antes de mais, para termos uma visão exacta do que está em causa e, concomitantemente, para uma correcta apreciação do presente recurso, há que atentar ainda (para além do que já consta do antecedente relatório) nas seguintes incidências processuais que os autos nos revelam:

a) Com data de 07/12/2017 foi remetida ao Posto Territorial de Fafe da GNR a carta constante de fls. 3 / 4 Vº, a qual foi registada e à qual foi atribuído o NUIPC 1128/17.3GAFAF, na sequência do despacho de 13/12/2017;
b) Tal carta consubstancia uma participação criminal contra desconhecidos por banda da “X Distribuição - Energia, S.A.”, por factos corridos entre 20/04/2011 e 19/06/2017, que integram um crime de furto (de energia eléctrica) na morada correspondente à Rua ..., …, concelho de Fafe, tendo sido elaborada em papel com o timbre da “X Distribuição”, e que estando subscrita por “P. .... A.”, que se identifica como o responsável da Direcção Redes e Clientes Norte, Assistente Comercial, daquela empresa;
c) Do registo comercial da ofendida aquele indivíduo não consta como fazendo parte do respectivo conselho de administração.
*
3. Isto posto.

Como se extrai do antecedente relatório, constata-se que o Ministério Público proferiu despacho de acusação contra o arguido R. M., imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de furto, na forma continuada, p. e p. pelos Artºs. 203º e 30º, do Código Penal, em virtude de, em sínese, no período compreendido entre 20/04/2011 e 19/06/2017, se ter apropriado ilicitamente de pelo menos 9.963 KWh de energia eléctrica fornecida pela “X Distribuição – Energia SA”, no valor global de € 1.645,89 (mil, seiscentos e quarenta e cinco euros e oitenta e nove cêntimos).
Mais se verificando que, inconformado com esse despacho de acusação, requereu o arguido a abertura da instrução, nos termos supra descritos, em cujo âmbito defende seja proferido despacho de não pronúncia em virtude de, em síntese, se ter verificado a extinção do direito à queixa, dado não haver queixa válida apresentada no processo, e o documento que aparentemente foi tomado por queixa não ser apresentado pelo titular do direito, um seu mandatário judicial ou mandatário munido de poderes especiais, “o que constitui nulidades insanáveis”.
Tese que genericamente veio a ser acolhida pelo tribunal a quo no despacho recorrido, mas que o Ministério Público refuta por via do presente recurso.
Sustentando, com efeito, o recorrente: que a queixa efectuada nos presentes autos é válida, conferindo a mesma legitimidade ao Ministério Público para acusar; que, não existindo nos autos elementos conducentes à prova dos poderes do subscritor da queixa em representar a ofendida no exercício desse direito, impunha-se que o Mmº JIC diligenciasse junto da ofendida pela junção desses elementos (pois o juiz de instrução pratica todos os actos necessários à realização das finalidades referidas no nº 1 do artigo 286º, ordenando oficiosamente aqueles actos que considerar úteis – artºs 290º, nº 1 e 291º, nº 1, do CPP); e que, ainda que fosse entendido que a queixa foi apresentada por quem não tinha poderes de representação para tal, deveria considerar-se que no decurso do inquérito tal queixa foi ratificada pela ofendida.

Apreciando e decidindo.
Desde já adiantamos assistir razão ao recorrente, embora não se subscrevam todos os argumentos invocados, maxime na parte em que defende que a queixa apresentada nos autos foi ratificada pela ofendida no decurso do inquérito.
Vejamos.
Trazendo à colação, antes de mais, as pertinentes normas legais aplicáveis ao caso.

Desde logo o Artº 113º, do Código Penal, que sob a epígrafe “Titulares do direito de queixa”, estatui:

“1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.”.

Depois, o Artº 49º do C.P.Penal, que sob a epígrafe “Legitimidade em procedimento dependente de queixa” prescreve:

“1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.
2 - Para o efeito do número anterior, considera-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele.
3 - A queixa pode ser apresentada pelo titular do direito respectivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais.
4 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depender da participação de qualquer autoridade.”.

Em terceiro lugar o Artº 115º do Código Penal, que sob a epígrafe “Extinção do direito de queixa” prescreve:

“1 - O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz.
(...)”.

E, finalmente, o Artº 268º, do Código Civil, que regulamenta a “Representação sem poderes”, nos seguintes termos:

“1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.
2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro.
3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito.
4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante.”.

No caso sub-judice, dúvidas não há de que os factos indiciariamente perpetrados pelo arguido, que lhe são imputados na acusação pública deduzida pelo Ministério Público, são susceptíveis de integrar a prática, em autoria material, de um crime de furto simples, p. e p. pelo Artº 203º, 1, do Código Penal, o qual tem a natureza de crime semi-público, como claramente se alcança do nº 3 do mesmo preceito legal.
E estando em causa a eventual prática, pelo arguido, de um crime de furto simples, a necessidade de existência de queixa válida e tempestiva para efeitos de legitimidade do Ministério Público para o respectivo procedimento decorre da conjugação dos Artºs. 203º, nº 3, e 115º, nº 1, do Código Penal e do Artº 49º, nº 1, do C.P.Penal.
Tratando-se, como bem relembra o Ministério Público na sua resposta ao recurso, de uma condição de procedimento, verdadeiro pressuposto de admissibilidade do exercício da acção penal.
Ora, na situação em apreço, dúvidas não há de que a carta que consta de fls. 3 / 4 Vº, consubstancia claramente uma participação criminal demostrativa da pretensão por banda da “X Distribuição - Energia, S.A.” do exercício de acção penal contra o utilizador da instalação eléctrica sita na Rua ..., …, concelho de Fafe, tendo sido expressa dentro do prazo de seis meses estabelecido no Artº 115º, nº 1, do Código Penal.
É, portanto, inquestionável que o direito de queixa foi, efectivamente, exercido, havendo apenas que indagar da sua regularidade formal.
Na verdade, quem subscreveu tal queixa, em nome da “X Distribuição - Energia, S.A.”, foi um tal P. .... A.”, que se identificou como o responsável da Direcção Redes e Clientes Norte, Assistente Comercial, daquela empresa, mas que, não sendo mandatário judicial, não comprovou estar munido de poderes especiais para o efeito.
Sucede que, salvo o devido respeito, a circunstância de o subscritor da aludida queixa não ter feito a comprovação de que dispunha de poderes conferidos pela “X Distribuição - Energia, S.A.” para apresentar queixa em nome desta sociedade (como é admissível, atento o disposto no Artº 49º, nº 3, do C.P.Penal), tal omissão não implica necessariamente que deles não dispusesse, podendo dar-se o caso, que não foi averiguado, de os ter e apenas não ter feito a respectiva comprovação nos autos.
Sendo certo que, mesmo que deles não dispusesse, não estava excluída a possibilidade de, posteriormente, a sociedade ofendida vir ratificar o acto praticado em seu nome, retroagindo os efeitos desse acto à data em que foi praticado.
Efectivamente, já em 1994 o Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/94, de 27 de Setembro, in Diário da República nº 255/1994, Série I-A, de 04/11/1994, considerou que a irregularidade da representação não torna o acto (a queixa) juridicamente inexistente ou inválido, mas apenas ineficaz, ineficácia que pode ser suprida através de ratificação, mesmo que apresentada para além do prazo de seis meses estipulado no Artº 112º do Código Penal (então em vigor, norma correspondente ao actual Artº 115º do mesmo diploma legal).
Ali se expendendo expressamente, em sustentação da tese contrária àquela que assentava no entendimento de que “o decurso do prazo de caducidade fixado pelo artigo 112.º do Código Penal constitui obstáculo inultrapassável ao exercício do direito de queixa”, os seguintes argumentos:
“Se o legislador não incluiu, no ora vigente Código de Processo Penal, uma disposição semelhante à contida na segunda parte do § 2.º do artigo 101.º do Código de Processo Penal de 1929, tal circunstância não poderá afastar a conclusão de isso unicamente ser verificar por se ter entendido que seria de aplicar in casu o regime do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal;
O afirmar-se ter de considerar-se extinto o direito de queixa se a ratificação não tiver sido feita antes do decurso do prazo referido no artigo 112.º do Código Penal corresponderia ao entendimento de que «a ratificação» não tem efeito retroactivo em todos os casos, operando ex tunc;
O acto praticado por quem não possui os necessários poderes para o fazer não é um acto inválido, mas apenas inquinado de simples ineficácia, sanável através de «ratificação», daí que, não se tratando de «acto juridicamente inexistente» nem ferido de «nulidade absoluta», sendo ratificado pelo titular do direito ofendido, adquira toda a sua eficácia, uma vez ser aceite uniformemente que «a ratificação» opera retroactivamente ab initio, garantida assim ficando a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal.”.
Jurisprudência esta que foi reafirmada pelo mesmo Alto Tribunal no acórdão nº 1/97, de 19/12/1996, publicado no DR Série I-A nº 8, de 10/01/1997, aliás trazido à liça pelo recorrente, que fixou jurisprudência no sentido de que ««Apresentada a queixa por crime semipúblico, por mandatário sem poderes especiais, o Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal se a queixa for ratificada pelo titular do direito respectivo — mesmo que após o prazo previsto no artigo 112º, nº 1, do Código Penal de 1982.».
Ora, como bem aduz o recorrente, o então Artº 112º, nº 1, do Código Penal, corresponde ao actual Artº 115º, nº 1, do mesmo diploma legal, sem modificações de relevo, pelo que aquela orientação jurisprudencial permanece actual, devendo, pois, reiterar-se que o prazo de caducidade em questão deverá abranger apenas a queixa, e já não a sua ratificação, sendo totalmente aplicável ao caso vertente, dado que, na falta de regime diverso contido na lei penal, a própria lei regula a representação sem poderes no supra transcrito Artº 268º, do Código Civil.
Pelo que, como se afirmou no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/10/2016, proferido no âmbito do Proc. nº 253/14.7GBPFR-A.P1, disponível in www.dgsi.pt, “A queixa apresentada por uma pessoa sem poderes de representação doutra apenas é ineficaz em relação a ela se não for ratificada no prazo que for assinalado para o efeito”.
E, como se viu, na situação em apreço defende o recorrente que tal ratificação ocorreu efectivamente, como se pode constatar dos diversos actos que surgiram no decurso dos autos que, só por si, já traduzem o conhecimento e vontade da ofendida no exercício da acção penal pelos factos denunciados, ou seja, a ratificação da queixa, quais sejam o facto de A. C., em declarações que prestou como legal representante da X Distribuição, na área de Departamento de Assistência Comercial, ter confirmado a queixa apresentada, e manifestado e renovado o desejo de procedimento criminal pelos factos denunciados, na pessoa de quem foi cumprido a notificação para eventual dedução de pedido cível, e a circunstância de a ofendida se fazer representar por mandatária, prestando esclarecimentos dos factos a solicitação do Ministério Público no decurso do inquérito.
Porém, cremos que, neste aspecto, não assiste razão ao recorrente.
Na verdade, se é certo que, como resulta do auto que consta de fls. 18, em 17/01/2018 foram tomadas declarações a A. C., que afirmou apresentar-se “como legal representante da X Distribuição SA na área de departamento de assistência comercial”, confirmando “o auto apresentado, por todo o seu conteúdo corresponder à verdade”, e dizendo “que a empresa que representa se encontra lesada em 1.892,44 euros e continua a desejar procedimento criminal”, não menos certo é que tal declarante não comprovou minimamente a invocada qualidade de representante da sociedade ofendida, não constando dos autos qualquer instrumento a conferir-lhe esses poderes, tal como se exige no citado Artº 268º do Código Civil.
E o mesmo sucede relativamente às intervenções da Sra. Dra. A. D., a fls. 43/44 e a fls. 49, ocorridas em 24/05/2018 e 13/06/2018, respectivamente, que na qualidade de Advogada da sociedade ofendida veio ao processo prestar informações acerca do contrato de fornecimento de energia eléctrica em causa nos autos, e acerca do valor do prejuízo decorrente da conduta denunciada, não se vislumbrando, porém, qualquer instrumento jurídico a conceder-lhe poderes ratificativos por banda da sociedade em nome da qual se apresentou.
Não obstante isso, dado que, claramente, a queixa foi apresentada dentro do prazo de seis meses a que alude o Artº 115º, nº 1, do Código Penal, e na esteira da linha de pensamento que vimos expressando, concordamos com o Digno Magistrado do Ministério Público quando afirma que, na situação em apreço, “(...) em vez de concluir pela falta de legitimidade para o exercício da queixa, o Mmº JIC podia e devia diligenciar junto da ofendida pela informação e eventual comprovação dos poderes de representação no exercício de tal direito por parte do subscritor da mesma”, sendo certo que “o juiz de instrução pratica todos os atos necessários à realização das finalidades referidas no nº 1 do artigo 286º, ordenando oficiosamente aqueles atos que considerar úteis – artºs 290º, nº 1 e 291º, nº 1, do CPP.”.
Pelo que, “(...) debatendo-se com a questão da dúvida sobre a legitimidade da ofendida na queixa apresentada devido à não comprovação dos poderes de representação do seu subscritor, o Mmº JIC, em obediência aos referidos princípios legais, deveria ter ordenado a notificação da ofendida para comprovar a legalidade da representação.”.
Nestas circunstâncias, afigura-se-nos ser prematura a declaração de extinção do procedimento criminal contra o arguido, por falta de legitimidade do Ministério Público, nos moldes consignados no despacho recorrido, sem que antes o Mmº JIC, no âmbito dos seus poderes, providenciasse no sentido de a queixa apresentada nos autos a fls. 3/4 poder ser ratificada pela sociedade ofendida.
Consequentemente, e embora por razões não totalmente coincidentes com as invocadas pelo recorrente, impõe-se a revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que determine a notificação da sociedade ofendida para, querendo, no prazo que lhe for concedido, vir aos autos ratificar a queixa apresentada em seu nome, após o que deverá o tribunal a quo, caso seja satisfeita essa formalidade, pronunciar o arguido pela prática do crime de furto que lhe é imputado, nos exactos termos constantes da acusação pública [dado que, no seu requerimento de abertura de instrução o arguido não aduziu quaisquer outras razões para além da invocada extinção do direito de queixa].

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogam o despacho recorrido e determinam que o mesmo seja substituído por outro que ordene a notificação da sociedade ofendida para, querendo, no prazo que lhe for concedido, vir aos autos ratificar a queixa apresentada em seu nome, após o que, caso seja satisfeita essa formalidade, deverá o tribunal a quo pronunciar o arguido pela prática do crime de furto que lhe é imputado, nos exactos termos constantes da acusação pública, seguindo-se os ulteriores termos processuais.

Sem custas (Artº 522º, nº 1, do C.P.Penal).
(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
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Guimarães, 10 de Janeiro de 2022

António Teixeira (Juiz Desembargador Relator)
Paulo Correia Serafim (Juiz Desembargador Adjunto)


1. Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem.
2. Cfr. fls. 159/160.
3. Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
4. Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.