Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
390/14.8TBBGC.G1
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
TEMAS DA PROVA
NULIDADES DA SENTENÇA
CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I- A impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos previstos no artº 640º, nº1 do CPC versa sobre concretos pontos de matéria de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e não sobre temas de prova.

II- A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artº 607º, nº 5 do CPC), sendo a credibilidade das testemunhas livremente apreciada pelo tribunal. «A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal» - art. 396º do Código Civil.

III- A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, verifica-se, apenas, quando ocorre um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância da fundamentação adoptada na decisão conduzir logicamente a determinada conclusão e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente.

IV- Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Esta oposição, porém, não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta.

V- A nulidade de omissão de pronúncia, prevista na 1ª parte da alínea d) do nº 1 do artº 615º está directamente relacionada com o comando fixado no nº 2 do artº 608º, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

VI- Só ocorre a causa de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões temáticas centrais e não sobre argumentos, motivos ou razões esgrimidas pelas partes na defesa das respectivas posições.

VII- Mesmo para a hipótese de o credor optar pela resolução do contrato se prevê o direito a indemnização. Trata-se da indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou, por outras palavras, do prejuízo que ele não sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado (cfr. fórmula do artº 908º) que é a indemnização do chamado interesse negativo ou de confiança. (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 104 e ss).

VIII- Tal indemnização visa colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido.

IX- Tendo a Recorrente resolvido o contrato, não pode vir agora invocar a excepção de não cumprimento do contrato – Exceptio non (et non rite) adimpleti contractus – (artº 428º do Código Civil).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

S… – SOCIEDADE DE SANEAMENTO E ABASTACIMENTO DE ÁGUAS, L.DA, com sede na …, em Macedo de Cavaleiros, moveu a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, a
M…, MULTIFUNÇÕES EM CONSTRUÇÃO ENGENHARIAS, S.A., com sede na…, em Bragança.

Alegou, em síntese, como causa de pedir:

No âmbito da sua actividade, foi subcontratada pela R. para execução do saneamento da aldeia de P., tendo para o efeito celebrado, em 09.07.2012, o respectivo contrato acompanhado do anexo descritivo dos trabalhos a serem realizados, no qual estipularam o valor global de € 112.071,12, que acabou por ser fixado em € 81.886,53 em virtude de o dono da obra ter excluído alguns trabalhos; contra o estipulado contratualmente, a execução da obra só se iniciou, por ordem da R., em princípios de Novembro de 2012, tendo as condições climatéricas verificadas determinado a prorrogação do prazo pelo dono da obra para a conclusão dos trabalhos; apesar de a obra estar praticamente terminada em Abril de 2013, a A. parou a execução dos trabalhos por ter a R. deixado de pagar as duas últimas facturas, tendo-os retomado e terminado quando esta prometeu liquidar as facturas em falta; em 13/6/2013, a R. emitiu o auto de medição e, consequentemente, a A. emitiu, na mesma data, a última factura; das três facturas em falta, no montante total de € 36.424,82, a liquidou apenas a importância de € 10.000,00; a R., mensalmente, dava ordens para a execução dos trabalhos, fiscalizava e aprovava os trabalhos executados pela A. através da emissão dos ditos autos de medição; apesar de ter emitido os autos de medição respeitantes aos trabalhos titulados pelas três facturas em falta, a R. não assumiu a totalidade dos respectivos montantes ao abrigo do contrato de factoring que, juntamente com a A., celebrou com o Banco A ao abrigo do contrato de factoring que havia celebrado com aquela instituição bancária, o que acarretou para a A. despesas, encargos e juros nos valores de € 972,60 a título de comissões referentes à renovação do crédito e de € 994,41 a título de juros quanto à factura n.º 20130001 e nos valores de € 301,62 a título de comissões referentes à renovação do crédito e de € 391,68 a título de juros referentes à factura n.º 20130005; a R. reteve em cada pagamento feito à A. 5% do valor facturado para garantia do cumprimento das obrigações contratuais até final do contrato, no valor global de € 4.094,32, montante este que não entregou àquela, apesar de todos os trabalhos terem sido executados de acordo com o contratado e com as indicações feitas pela R. e fiscalizadas pelo dono da obra e pela R.; a A. interpelou por diversas vezes a R. para que esta pagasse as quantias em falta, tendo esta sempre protelado qualquer pagamento.

Conclui com o seguinte pedido:

A condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 26.424,82 acrescida de juros vencidos no valor de € 1.734,99 e vincendos, bem como a quantia de € 2.660,31 a título de despesas, encargos e juros com o contrato de factoring e a importância de € 4.094,32 referente à retenção de 5% no valor facturado, tudo acrescido de juros vincendos.

A R. contestou, deduzindo defesa por excepção, invocando a excepção dilatória de ilegitimidade activa da A. quanto ao factoring e por impugnação, contrariando o essencial da versão apresentada pela Autora. E, deduzindo reconvenção, alegou em síntese:

Para a execução do saneamento e construção de ETAR nas Aldeias de P., Gondesende e Terroso empreitada pela Câmara Municipal de Bragança, subcontratou a A. para as aldeias de Terroso e P., tendo para o efeito celebrados os respectivos contratos de subempreitada; por falta de meios humanos a A. protelou o início dos trabalhos; a A. abandonou a obra sem terminar os trabalhos contratualizados e recusou-se a proceder à reparação dos defeitos denunciados e conclusão dos trabalhos; por má execução dos trabalhos que foram executados pela A. a R. não os aceitou e procedeu à resolução dos contratos de subempreitada através de carta de 29/11/2013; tendo procedido à inspecção de todos os colectores de saneamento através de filmagens e à execução de ensaios à estanquicidade da tubagem de abastecimento de água, o dono da obra verificou a existência de diversos defeitos e anomalias, que comunicou à R. por ofício de 17/12/2012 e correio electrónico de 10/12/2012; a A. durante muito tempo não trabalhou de forma regular, bloqueando muitas vezes a realização da facturação da R. ao dono da obra; atrasou, por diversas vezes, os trabalhos de forma propositada; em 21/6/2013 a R. comunicou à A. o incumprimento dos prazos da subempreitada; percebendo que os trabalhos não estavam a ser realizados com a qualidade exigida, a R. começou a exigir que a A. fizesse as correcções que se verificavam ser necessárias para que pudesse proceder a qualquer pagamento; verificaram-se várias anomalias nos colectores, designadamente inclinações incorrectas, colectores obstruídos e colectores picados; quando verificou o abandono da obra pela A., através de e-mails de 30/7/2013 a 6/8/2013, a R. enviou-lhe diversas comunicações para executar os trabalhos em falta e proceder à correcção das anomalias detectadas; também o fez por fax enviados em 10, 14 e 16 de Outubro de 2013 e por cartas de 18 e 31 de Outubro de 2013; no seguimento dessas comunicações, foi realizada em 7/11/2013 uma reunião entre a A. e a R., tendo sido alcançado um entendimento quanto à reparação, limpeza e ensaios dos trabalhos, defeitos e anomalias; porque a situação de incumprimento por parte da A. se mantivesse, a R. interpelou-a por e-mails de 12, 13, 18 e 27 de Novembro de 2013, tendo ainda alertado para a intenção de aplicação de multas pelo dono da obra; na sequência, a A. entrou novamente em obra para iniciar os trabalhos de reparação, limpeza e ensaios dos colectores, acabando por novamente abandonar a obra; os trabalhos nunca foram terminados pela A., tendo a R. emitido os dois últimos autos de medição apenas para aquela poder receber as quantias adiantadas por parte do Banco; a R. contratou a empresa E. e a empresa ... para proceder aos trabalhos de reparação e realizar os trabalhos em falta, tendo suportado os custos com a inspecção e limpeza de condutas de saneamento e testes de estanquicidade da rede de abastecimento de águas efectuados pela primeira no valor de € 21.149,50 e pela segunda no valor de € 76.955,44; a R. emitiu multas contratuais pelos atrasos e má execução dos trabalhos por parte da A. no valor global de € 572.326,43 e sofreu danos emergentes no valor de € 75.000,00 e lucros cessantes no valor de € 16.121,87.

Concluiu pela absolvição do pedido e pela procedência do seu pedido reconvencional, e em consequência, ser a A. condenada a pagar-lhe a importância global de € 250.000,00, acrescida de juros de mora.

A A. replicou, impugnando a reconvenção e reafirmando a sua alegação, e concluiu como na p.i.; pediu ainda a condenação da R., por litigância de má-fé, em multa e indemnização de valor nunca inferior a € 30.000,00.

A convite do Tribunal, a R. apresentou articulado de contestação-recon venção aperfeiçoado, mormente com concretização dos invocados defeitos e inexecuções, nos termos constantes de fls. 431-466, que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.

A A. pronunciou-se sobre o articulado aperfeiçoado, no essencial, nos mesmos termos em que o havia feito na réplica.

Em sede de audiência prévia designada para esse efeito, tentou-se a conciliação das partes, sem sucesso, tendo-se então e com o acordo das partes passado a proferir despacho saneador por escrito, em que se reconheceu a validade e a regularidade do processado, se admitiu a reconvenção, se conheceu da excepção dilatória invocada, julgando-a não verificada, se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova (com uma reclamação parcialmente atendida).

Procedeu-se a Audiência de Julgamento e, a final, foi proferida sentença que decidiu, nestes termos:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedentes a acção e a reconvenção nos termos sobreditos e, consequentemente:

(i) Declaro extintos os contratos de subempreitada celebrados entre Autora e Ré;
(ii) Declaro e condeno Autora e Ré a tal reconhecerem, a compensação parcial entre os créditos supra referidos em 6.2.
(iii) Em consequência condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de 16.977,01€ ,(dezasseis mil novecentos e setenta e sete euros e um cêntimo), acrescida de juros de mora á taxa de 4% sobre as seguintes quantias parcelares e desde as seguintes datas de vencimento:
- a quantia de 8.064,57 € desde 18/5/2013 até integral e efectivo pagamento;
- a quantia de 8.912,44 € desde 14/8/2013 até integral e efectivo pagamento;
(iv) Condeno a Ré a pagar á Autora a quantia de 4.094,84 €, acrescida de juros de mora a 4 % desde a data da presente sentença até integral e efectivo pagamento;
(v) No mais peticionado na acção e na reconvenção, absolvo a Ré e Autora;
(vi) Não considero ter ocorrido litigância de má-fé, pelo que não condeno as partes nem em multa nem e indemnização a tal título.”
Inconformada, apelou a R. M… – Multifunções em Construção e Engenharia, SA.
Na sua alegação de recurso, formulou as seguintes conclusões (transcritas):
......................................................................................................................................................................
Foram colhidos os vistos legais.

Fundamentação de facto

No tribunal de primeira instância foram dados como provados, com relevo para a decisão, os seguintes factos:

1. A A. dedica-se à execução de trabalhos de engenharia civil, movimentos de terras e colocação de tubagens.
2. No âmbito da sua actividade, a A. foi subcontratada pela R. para a execução do saneamento das aldeias de P. e de Terroso.
3. Para o efeito, A. e R. celebraram, relativamente á aldeia de P., em 9/7/2012, o denominado “contrato de subempreitada” que se encontra junto a fls. 18-22 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4. E fizeram incluir no respectivo anexo II, que se encontra junto a fls. 24-28 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a descrição de todos os trabalhos a serem executados pela A. no âmbito da referida obra.
§1 Não obstante o que consta desse anexo, ficou acordado que o fornecimento dos materiais ficaria a cargo da R.
5. Para tais trabalhos ficou inicialmente estipulado o montante de € 112.071,12, mas, e ao abrigo do n.º 6 da cláusula primeira do referido contrato, foram excluídos alguns trabalhos por decisão do dono da obra, razão pela qual o sido pelo montante total dos trabalhos se fixou em € 81.886,53.
6. E celebraram, relativamente á aldeia de Terroso, em 24/5/2012, o denominado “contrato de subempreitada” que se encontra junto a fls. 101-103 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e que em 2-9-2012 foi objecto de um “aditamento”, junto a fls. 117 e que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
7. E fizeram incluir no referido “contrato de subempreitada” e no aditamento os respectivos anexos II, que se encontram juntos a fls. 107-113 e a fls. 118-121, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a descrição de todos os trabalhos a serem executados pela A. no âmbito da referida obra.
8. Para os trabalhos respeitantes ao contrato aludido em 3), foi inicialmente estipulado o montante de € 112.071,12, mas, e ao abrigo do n.º 6 da cláusula primeira do referido contrato, foram excluídos alguns trabalhos por decisão do dono da obra, razão pela qual o montante total dos trabalhos se fixou em € 81.886,53.
9. Apesar de nos contratos aludidos em 3) e 6) (aditamento incluído) se estipular que os trabalhos teriam o seu terminus a 30-10-2012 (contrato aludido em 3) 30-6-2012 (contrato aludido em 6) e 15-9-2012 (aditamento aludido em 6), a A. só iniciou os trabalhos, em acordo com a R., em Agosto (Terroso) e princípios de Novembro (P.), de 2012, tendo a R., por requerimento entrado nos serviços da CMB a 20-3-2013, a prorrogação do prazo, até 31-5-2013, invocando, designadamente, “condições climatéricas”, nos termos constantes do doc. de fls. 359 que se dá por reproduzido.
10. Em resposta, a CMB, a 29-5-2013, informou a R. da prorrogação do prazo até o fim de Junho de 2013, nos termos que constam do doc. de fls. 360 e que se dá por reproduzido.
11. A A. emitiu as facturas nºs 20130001, 20130005 e 20130011, com os montantes, datas de emissão e de vencimento, respectivamente: 18.894,41 €, 25-1-2013, 26-3-2013 (fls. 34); 8.617,97 €, 28-2-2013, 29-4-2013 (fls. 36); 8.912,44 €, 13-6-2013 e 12-8-2013 (fls. 32).
12. Às facturas referidas em 11) correspondem os autos de medição elaborados pela Ré e juntos aos autos a fls. 38-40 (551-553; factura 20130001), 41-43 (555-557; factura 20130005), 29-30 (factura 20130011).
13. Pelo menos as facturas nºs 20130001 e 20130005 foram objecto do denominado “contrato de factoring” (e aditamentos) celebrado pela A. com o Banco A (doravante Banco A), junto a fls. 404-422, que se dá por reproduzido e através do qual, e designadamente, o Banco A tomou para si e a A. cedeu-lhos, os créditos constantes das referidas factura, adiantando à A. os respectivos valores, mediante o pagamento por banda desta, de comissões.
14. A R. foi notificada a 18-3-2013 (factura 20130001) e a 11-2-2013 (factura 20130005) e não se opôs ao referido em 13), conforme fls. 44-46 e 48-50.
15. Da factura 20130001, veio a ser paga pela Ré a quantia de 10.000 €, nada mais tendo pago dessa factura, nem da factura 20130005.
16. Por causa do referido em 15) e no âmbito do contrato referido em 13), a A. teve de devolver ao Banco A os montantes adiantados, o que lhe acarretou despesas acrescidas junto do Banco A, num total de 2.660,31 € (fls. 423).
17. Em final de Abril de 2013, a A. parou a execução dos trabalhos, pedindo à Ré o pagamento integral das facturas aludidas em 13) – na sequência de comunicação do Banco A informando a A. do não pagamento integral das mesmas – acabando por os retomar, após a R. se ter comprometido a efectuar tal pagamento, tendo tais trabalhos dado origem ao já aludido auto de medição de fls. 29-30.
18. Em Julho de 2013, foram detectadas as anomalias constantes do relatório de fls. 950-953, que se dão por reproduzidas e, designadamente, assentamento dos colectores e necessidade de limpezas.
19. Em 14-10-2013, a R., na sequência, comunicou à A. por carta, recebida, as anomalias referidas em 18), designadamente:
“Executar ensaios na rede de abastecimento de água;
Executar reparações nos pavimentos;
Executar reparações/correcções em colectores de saneamento”.
Mais comunicou que não pagaria as facturas da A. pois havia ainda “trabalhos e correcções por fazer”.
20. Em resposta a A. remeteu o fax de fls. 368, que se dá por reproduzido.
21. A R., a 31-10-2013, remeteu (e simultaneamente também por via postal) á Autora, que o recebeu, o mail constante de fls. 760-761, a que anexou o doc. de fls. 762-763 e denominado “auto de trabalhos de reparação para subempreiteiros” datado de 28-10-2013, que se dão por reproduzidos e dos quais consta, designadamente, que:
“De acordo com Fiscalização e, como, é também do V/ conhecimento, existem diversos trabalhos que carecem de reparação e que impedem o Dono de Obra de aceitar a mesma provisoriamente.
Em anexo enviamos um auto de reparação dos trabalhos de encontro às exigências do Dono da Obra e, que teve por base os preços contratuais apresentados pela V/ empresa.”.
Do referido anexo consta a descrição dos trabalhos a efectuar, quer em P., quer em Terroso, perfazendo um total de 37.713,33 €.
22. Em resposta, a A. remeteu à R., que o recebeu a 11-11-2013, o mail de fls. 748, do seguinte teor:
“Vimos por este meio solicitar o projecto (perfis longitudinais), dos colectores que apresentam deficiências. Visto que a S. os executou sem projecto porque o mesmo não foi fornecido”.
23. Em 12-11-2013 a R. remeteu à A., que o recebeu, o mail constante de fls. 769 e o anexo composto pelas fls. 770 e 771, que se dão por reproduzidos.
24. Em 20-11-2013 a R. remeteu à A., que o recebeu, o mail de fls. 774 e anexo composto pelas fls. 775 a 778 (sendo fls. 775 e 776 a repetição das aludidas em 23.), que se dão por reproduzidos.
25. A A. não procedeu aos trabalhos de reparação constantes dos anexos aludidos em 21., 23. e 24.
26. Por carta de 29-11-2013, a R. remeteu à A., que a recebeu, o mais tardar a 3-12-2013, a missiva junta a fls. 154-155, que se dá por reproduzida, e da qual consta, designadamente, que “face á posição assumida ao longo dos últimos tempos pela V/ empresa a qual, apesar de todos os contactos, diligências e advertências efectuadas, adoptou a posição de não cumprir de forma grosseira, com o estabelecido no contrato celebrado e obrigações assumidas, inexiste qualquer alternativa pela nossa parte que não seja a de ser tomada a decisão de proceder à resolução do contrato celebrado com a V/ empresa, o que ora fazemos de forma expressa e com efeitos imediatos. Realçamos que tal resolução não desonera a V/ empresa das responsabilidades decorrentes da má execução dos trabalhos, ou seja, quer sobre os valores que iremos ter de assumir, com uma terceira empresa, para a resolução, limpeza e rectificação dos defeitos existentes nos trabalhos de empreitada executados pela V/ empresa, quer quanto à possibilidade de aplicação de coima pelo dono de obra”.
27. À data da resolução do contrato, a obra apresentava as anomalias cuja reparação a R. havia pedido à A. nos termos constantes de 21., 23. e 24.
28. À data da resolução existiam caixas de saneamento sem cerzite e pintura, outras sem os degraus ou faltando-lhes alguns, com os maciços das tampas mal executados e com falta de armaduras, o que foi objecto da comunicação referida em 19).
29. Posteriormente à data da resolução, a R. verificou a ocorrência de mais anomalias da mesma natureza das referidas em 27.
30. Tais anomalias, ligadas ao afundamento de troços das tubagens e, em consequência, dos pavimentos, à existência de alguns troços em curva e outros com inclinações contrárias ao sentido do escoamento, foram causadas, e designadamente, pelas modificações introduzidas in loco ao projecto, quer quanto à localização dos colectores (mormente caixas), quer quanto às cotas, por ordens da fiscalização da CMB, repercutidas pela R. sobre a A., e pela omissão por banda da fiscalização da CMB e da Ré de entrega do projecto modificado à A. ou do seu depósito no estaleiro, tendo assim a A de executar os trabalhos à vista
31. Os trabalhos de assentamento dos tubos, colectores e caixas, de aterro, de compactação das terras, de pavimentação, foram efectuados pela A com o acordo da fiscalização da CMB e da Ré, que iam-lhe dando instruções.
32. Por ordem da fiscalização da CMB e do director da obra da R., os troços do saneamento, à medida que iam sendo feitos, foram aterrados de imediato, sem que fossem efectuados quaisquer ensaios com a tubagem à vista.
33. Por causa disso, os troços não foram logo limpos.
34. A CMB não aplicou à R. qualquer multa contratual pelo atraso na entrega da obra, a qual ocorreu apenas a 29-8-2014 (conforme auto de recepção provisória de fls. 667, 670 e 671, que se dá por reproduzido).
35. Para a reparação das anomalias supra descritas em 21., 23., 24., 28. e 29. a R. recorreu a terceiro, a quem pagou a quantia de 76.690,00 €.
36. Em filmagens, limpezas necessárias às mesmas e testes de estanquidade (ocorridos nas datas constantes de fls. 209, 212, 215, 218 e 220, que se dão por reproduzidas) a R. recorreu a terceiro, a quem pagou a quantia de 8.507,23 €.
37. Antes de a A. dar entrada na obra de Terroso esteve lá a empresa Viga W, que realizou alguns trabalhos.

E foram dados como não provados, os factos seguintes:

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão, designadamente, não se provou que:

A emissão dos autos de medição equivale ao reconhecimento da boa execução dos trabalhos.
A R. aceitou a obra, antes de fazer cessar os contratos.
A A. muito tempo antes de Abril de 2013 havia deixado de trabalhar de forma regular na obra.
Desde o início houve um problema interpessoal entre a A. e a CMB.
Os trabalhos do P. iniciaram-se tardiamente porque a A. não tinha meios humanos suficientes para os iniciar a tempo.
As anomalias descritas em 21), 23), 24), 28) e 29) deveram-se à má execução dos trabalhos de compactação das valas e à má execução dos pavimentos ao arrepio instruções dadas pela Ré.
O bom nome e o crédito da Ré ficaram prejudicados pelo atraso e má execução da obra.

Delimitação do objecto da Apelação.

De acordo com o disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este Tribunal da Relação adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. Assim, atentas as conclusões da Recorrente, impõe-se tomar posição quanto às seguintes questões:

1. Erro na decisão da matéria de facto
2. Nulidades da sentença
3. A decisão em matéria de direito.

1ª questão – Erro na decisão da matéria de facto

Neste capítulo, considera a recorrente que «o Tribunal a quo andou mal ao dar como provada a matéria de facto constante da matéria de facto dada como provada em 4), 5), 8), 9), 10), 11), 12), 14), 15), 16), 17), 20), 21), 22), 29), 30), 31), 32), 33) e 35) (este apenas na parte que se refere ao 29)), que deveria ter sido dada como não provada.

Por outro lado, o Tribunal a quo também andou mal ao dar como não provada a matéria de facto constante dos parágrafos 3º, 6º e 7º, dos factos não provados, bem como os temas de prova (previstos no despacho saneador) e os art.ºs 1.º a 25.º, 119.º a 156.º, 189.º a 197.º, todos da contestação com reconvenção».

Apreciemos em primeiro lugar a questão da alteração da matéria de facto.

A Recorrente pugna pela alteração da decisão da matéria de facto em termos de se dar como não provada a matéria dos pontos 4), 5), 8), 9), 10), 11), 12), 14), 15), 16), 17), 20), 21), 22), 29), 30), 31), 32), 33) e 35)(este apenas na parte que se refere ao 29)) dos factos provados e ter-se como provada a dos parágrafos 3º, 6º e 7º dos factos não provados. Mais alega a Recorrente, que o Tribunal a quo andou mal ao dar como não provada a matéria dos temas de prova (previstos no despacho saneador) e os art.ºs 1.º a 25.º, 119.º a 156.º, 189.º a 197.º, todos da contestação com reconvenção.
E justifica a sua pretensão de ver alterada a resposta àqueles concretos pontos da matéria de facto, com os seguintes argumentos:

“Nesse sentido, ao contrário da Douta Sentença que suportou-se apenas no depoimento da testemunha Eng.º Armindo..., que salvo o devido respeito, nenhuma intervenção concreta teve na subempreitada, nem sequer tem conhecimento directo dos factos, deveriam, em conjugação com a prova documental, ter sido relevados os depoimentos das testemunhas Eng.º António ..., Eng.º José ... e Eng.º Rui .., bem como das declarações de parte do legal representante da Recorrente”.

Vejamos.

De acordo com o princípio consagrado no art. 607, nº 5, do C.P.C. de 2013, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. As provas são assim valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.
Os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto foram, por seu turno, largamente ampliados e reforçados pelo C.P.C. de 2013, como decorre do seu actual art. 662º, no confronto com o anterior art. 712 do C.P.C. 1961.

No entanto e ao mesmo tempo, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências que surgem agora mais precisas que no anterior C.P.C. de 1961 e cuja observância não pode deixar de ser apreciada à luz de um critério de rigor (Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, págs. 128/129).


Assim, de acordo com o actual art. 640, nº 1, do C.P.C.:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente “sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (art. 640, nº 2, al. a)).
Finalmente, tais regras hão-de compaginar-se com aquela outra já indicada de que as conclusões delimitam o âmbito do recurso (art. 635, nº 4).

Assim, e em síntese, ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e propor, ainda, a decisão alternativa sobre cada um deles. A não observância de tais regras implicará a rejeição imediata do recurso.
Admitindo-se que a apelante cumpre minimamente com as referidas imposições legais, passemos à análise da impugnação feita, com especial enfoque sobre os pontos da matéria de facto, que são objecto de impugnação neste recurso.

Como claramente ressalta da alegação de recurso, a recorrente não compreende que o tribunal tenha valorado o depoimento da testemunha Engº. Armindo ... quando, em seu entender, deveriam, em conjugação com a prova documental ter sido relevados os depoimentos das testemunhas Engº António ..., Engº José ... e Engº Rui ..., bem como das declarações de parte do legal representante da Recorrente.
O Tribunal justificou tais respostas, em conjunto com outras, nos seguintes moldes (fls. 1315 a 1324):
…......................................................................................................................................
Como é sabido, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artº 607º, nº 5 do CPC), sendo a credibilidade das testemunhas livremente apreciada pelo tribunal. «A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal» - art. 396º do Código Civil.

O princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verificam nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artºs 350º, nº1, 358º, 371º e 376º, todos do Código Civil).

Como ensina o Professor Alberto dos Reis (CPC anotado, vol.IV, pág.356 e ss), «no seu critério de livre apreciação o tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ele tenham deposto, em sentido contrário, várias testemunhas. (…) Em face do artº 625º o juiz pode formar a sua convicção através do depoimento de testemunha auricular e em sentido contrário ao depoimento de testemunha ocular. No sistema de prova legal o tribunal tinha de considerar diminuído o valor do depoimento prestado por amigo ou por parente da parte que oferecera a testemunha; no sistema de prova livre nada obsta a que o julgador se determine na formação da sua convicção, precisamente pelo testemunho de parente ou amigo da parte a quem esse testemunho aproveita».

Também para Castro Mendes «O princípio da prova livre, ou de livre apreciação ou avaliação da prova, é aquele segundo o qual a lei não deve fixar as conclusões que o juiz tirará dos diversos meios de prova; a relevância e força probatória destes será aquela que tiverem naturalmente no espírito do julgador» (in Direito Processual Civil III, 1980, pág. 205/206).

No mesmo sentido escrevem Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto: «ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.» (Código de Processo Civil anotado, vol 2º, 2ª ed., pág. 668).

Sobre o sentido e alcance do princípio da livre apreciação da prova, julgamos pertinente o delineamento noticiado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 198/2004 (DR, II, de 2.6.2004, págs. 8545 e ss), embora formulado com referência ao processo penal, mas transponível para o processo civil:

«O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva (….)

Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis). Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo). A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova (…).

A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o tribunal (artigo 96.o do Código de Processo Penal), permite ao tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo. A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão. É pela imediação, também chamada ‘princípio subjectivo’, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova. A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão».

Do quadro conclusivo da alegação de recurso, ressalta com meridiana clareza que a apelante mais não faz que discordar do juízo e da apreciação que o Tribunal a quo fez dos depoimentos produzidos em audiência de julgamento em conjugação com a prova documental junto aos autos, ou seja, reivindica para si o uso da livre apreciação da prova, esquecendo que a mesma, por força do art. 607º., nº.5 do CPC está legalmente reservada ao tribunal.
Ainda assim, procedemos à reapreciação das provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações da recorrente, sem prejuízo de oficiosamente se atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
….......................................................................................................................................
Assim, do conjunto da prova produzida, apreciada à luz das regras de experiência comum e de normalidade, nomeadamente, dos depoimentos das testemunhas, a cuja audição se procedeu, e da sua conjugação entre si e com a restante prova, designadamente com os documentos juntos aos autos, não vemos razões decisivas para alterar a decisão no sentido apontado pela apelante, sobre aqueles concretos pontos da matéria de facto, impondo-se concluir que a decisão proferida sobre a matéria de facto se mostra completamente adequada, quanto aos indicados pontos, reflectindo totalmente o que se passou em audiência.
Na conclusão GGG. da sua alegação de recurso alega a recorrente que o Tribunal a quo também andou mal ao dar como não provada a matéria dos temas de prova (previstos no despacho saneador).

Vejamos.

A fls 712 e ss. dos autos, foi proferido despacho saneador e proferido despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas de prova (refª 18415669).
Por requerimento de fls. 723, a Ré veio apresentar Reclamação quanto à fixação do objecto do litígio e dos temas de prova.
Por despacho de fls. 734 dos autos (Refª 18806138) foi concedido parcial provimento à referida Reclamação.

O novo instituto denominado “temas de prova” tem consagração expressa no artº 410º do CPC, enquanto objecto da instrução e nos artºs 516º, nº1 e 596º, nº1 do CPC.

A enunciação dos temas de prova delimitam o âmbito da instrução, para que ela se efectue dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, assegurando uma livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa.

Enunciar os temas de prova é actividade processual que se dirige primacialmente à fase de produção da prova, enquanto na sentença, ultrapassada que se encontra aquela fase, cabe ao juiz declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados. O que deve considerar-se provado ou não provado são os factos com base nos quais se pode concluir ou não pela conclusão fáctica enunciada nos temas de prova (cfr. Ac. RL de 29.05.2014: Proc. 444/12, dgsi.Net).

A impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos previstos no artº 640º, nº1 do CPC versa sobre concretos pontos de matéria de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e não sobre temas de prova.

Por outro lado, estabelece o artº 596º, nº 2 do CPC que o despacho proferido sobre as reclamações (do despacho que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas da prova) apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final. O que não é o caso.
Assim, sem mais considerações, rejeita-se, nesta parte a impugnação da decisão da matéria de facto.
Em face do exposto, não deve operar-se qualquer modificação, relativamente, à matéria de facto.

2ª questão – Nulidades da sentença

Alega a Recorrente que a sentença sob recurso padece das seguintes nulidades:

· nulidade por omissão de pronúncia (1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC) quanto às questões que a douta sentença não apreciou.
· oposição entre os fundamentos e a decisão (considerando os factos provados e o Direito aplicável) – o que consubstancia a nulidade da sentença fulminada pela 1.ª parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do novo CPC.
· nulidade por ambiguidade e obscuridade da decisão ininteligível, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do CPC.

Vejamos, agora, se a Sentença sob recurso é nula.

As causas de nulidade da Sentença vêm taxativamente enunciadas no artº 615º nº 1 do Código de Processo Civil (antigo artº 668º nº 1), onde se estabelece que a sentença é nula, entre outras situações para aqui irrelevantes, quando:

-Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).
-O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).

A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, verifica-se, apenas, quando ocorre um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância da fundamentação adoptada na decisão conduzir logicamente a determinada conclusão e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente.

A nulidade da decisão judicial por contradição entre os factos e a decisão, prevista no artº 615º, nº1 al. c) do NCPC (2013), verifica-se quando os respectivos fundamentos estejam em oposição com a decisão: trata-se da deficiência em que o silogismo em que se analisa a decisão, contém fundamentos que levam logicamente a um juízo em determinado sentido, mas em que a decisão efectivamente adoptada é a de sentido oposto (Ac. STJ, de 4.2.2014, Proc. 187/04: Sumários, Fev./2014, p.3).

A verdade é que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Esta oposição, porém, não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta. Isto é, quando embora mal, o Juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.

No caso vertente, não se verifica contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão nela proferida, uma vez que os factos provados, valorados pelo Juiz, conduzem logicamente à decisão constante da sentença. Nem a recorrente especifica em que parte da sentença vislumbra contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por outro lado, não se vislumbra que a decisão padeça de obscuridade ou ambiguidade.

A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Ora, a sentença recorrida é perfeitamente inteligível, permitindo claramente alcançar-se o seu sentido exacto.

Afirma ainda a recorrente que a Sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia (artº 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, sem, no entanto, especificar quais as questões suscitadas que não foram objecto de apreciação.

Como é sabido, a nulidade de omissão de pronúncia, prevista na 1ª parte da alínea d) do nº 1 do artº 615º está directamente relacionada com o comando fixado no nº 2 do artº 608º, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

As questões a que se reporta o artº 615º, nº1 al. d), 1ª parte do C.P. Civil, são os pontos de facto e ou o direito relativos a causa de pedir e ao pedido, em que as partes centram o objecto do litígio e não a argumentação em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos (Ac. STJ, de 5.2.2004: Proc. 03B3809, dgsi. Net).

Ora, como salienta o Prof. Alberto dos Reis (in “CPC Anotado”, Vol.V, pg. 143) :

“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artº 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida ; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (artº 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”.

Só ocorre a causa de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões temáticas centrais e não sobre argumentos, motivos ou razões esgrimidas pelas partes na defesa das respectivas posições.
No caso vertente, o Tribunal pronunciou-se sobre as questões que foram submetidas à sua apreciação, que tinha que apreciar, não ocorrendo a apontada nulidade da sentença.
Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso, quanto às invocadas nulidades da sentença.

3ª questão - Julgamento da Matéria de Direito

Em sede de mérito, o êxito do recurso passava pela procedência da impugnação da matéria de facto. Tendo o recurso nessa parte improcedido, terá de ser mantida a decisão recorrida que faz uma correcta interpretação e aplicação do Direito aos factos julgados provados.

Ora, sob o item Impugnação da matéria de Direito, vem a recorrente alegar nas Conclusões RRRRR. e SSSSS., respectivamente, do quadro conclusivo:

A douta sentença declarou extintos os contratos de subempreitada e antes havia referido que desde a resolução dos contratos pela Recorrente em 29-11-2013 e que, portanto, apenas podem ser indemnizados os defeitos reclamados até então, ou seja, os defeitos até ali reclamados (RRRRR).

Quando antes de 29-11-2013 já a Recorrente havia denunciado todos os defeitos a título de “qualidades” o que apenas se viria a alterar em “quantidades”, após a resolução, após a verificação e relatórios/filmagens posteriores, não tendo a Recorrente, com aquela resolução, prescindido do direito de ser indemnizada por todos os trabalhos mal executados pela Recorrida (SSSSS).

Ainda neste conspecto, acrescenta a Recorrente, sob os pontos YYYYY., ZZZZZ., AAAAAA., BBBBBB e CCCCCC. do acervo conclusivo:

YYYYY. Assim, os trabalhos nunca foram terminados pela Recorrida, conforme previsto contratualmente, não tendo sido realizada a recepção provisória da obra pela Recorrente e Recorrida, tal como previsto no contrato de Subempreitada, logo nunca considerou a obra concluída, pelos mesmos motivos que o Dono da Obra não recebeu a obra à Recorrente.
ZZZZZ. Pelo que, acresceriam os custos incorridos com a inspecção e limpeza de condutas de saneamento efectuados e pela execução de trabalhos em falta, pela empresa E., referente a testes de estanquicidade, trabalhos cuja realização eram da responsabilidade da Recorrida, que se acabaram por fixar em 8.507,23€ (sem contabilizar G.) - cfr. Documento n.º 17.
AAAAAA. E, acresceriam os os custos incorridos com a reparação dos trabalhos mal executados e pela execução de trabalhos em falta, nas aldeias de P. e Terroso, trabalhos cuja realização eram da responsabilidade da Recorrida, no valor global de 76.955,44€ - cfr. Documento n.º 18.
BBBBBB. Pelo que, ainda que houvesse o decaimento por suposta falta de prova quanto aos danos emergentes no valor de 75.000,00€, aos lucros cessantes no valor de 16.121,87€ e quanto à aplicação das multas contratuais no valor de 60.000,00€ (caindo por terra o valor global de 151.121,87€),
CCCCCC. Sempre teria a Recorrida de ser condenada nos sobrecustos da E. no valor de 8.507,23€ (apenas em relação a P. e Terroso) e da ... no valor de 76.955,44€, ou seja, no valor global de 85.462,67€.

Que dizer?

Relembremos, antes de mais, o que de útil para a dilucidação desta questão vem dado como provado:

26.Por carta de 29-11-2013, a R. remeteu à A., que a recebeu, o mais tardar a 3-12-2013, a missiva junta a fls. 154-155, que se dá por reproduzida, e da qual consta, designadamente, que “face á posição assumida ao longo dos últimos tempos pela V/ empresa a qual, apesar de todos os contactos, diligências e advertências efectuadas, adoptou a posição de não cumprir de forma grosseira, com o estabelecido no contrato celebrado e obrigações assumidas, inexiste qualquer alternativa pela nossa parte que não seja a de ser tomada a decisão de proceder à resolução do contrato celebrado com a V/ empresa, o que ora fazemos de forma expressa e com efeitos imediatos. Realçamos que tal resolução não desonera a V/ empresa das responsabilidades decorrentes da má execução dos trabalhos, ou seja, quer sobre os valores que iremos ter de assumir, com uma terceira empresa, para a resolução, limpeza e rectificação dos defeitos existentes nos trabalhos de empreitada executados pela V/ empresa, quer quanto à possibilidade de aplicação de coima pelo dono de obra”.
27.À data da resolução do contrato, a obra apresentava as anomalias cuja reparação a R. havia pedido à A. nos termos constantes de 21., 23. e 24.
28.À data da resolução existiam caixas de saneamento sem cerzite e pintura, outras sem os degraus ou faltando-lhes alguns, com os maciços das tampas mal executados e com falta de armaduras, o que foi objecto da comunicação referida em 19).
29.Posteriormente à data da resolução, a R. verificou a ocorrência de mais anomalias da mesma natureza das referidas em 27.

«Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, diz o nº2 do artº 801º do CC, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro».
Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina – artº 1222º, nº 1 do Código Civil.
A resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 238).

Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade do negócio jurídico, nos termos do art. 433º do C.C.

Como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos” (Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, ed. da AAFDL, II, pág. 440 ).
A resolução tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes – artº. 434, nº1, do C.C.
Mesmo para a hipótese de o credor optar pela resolução do contrato se prevê o direito a indemnização.

Trata-se da indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou, por outras palavras, do prejuízo que ele não sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado (cfr. fórmula do artº 908º) que é a indemnização do chamado
interesse negativo ou de confiança. (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, pág. 104 e ss).

Neste sentido, veja-se também o Ac. do STJ de 24-01-2012, Proc. 343/04.4TBMTJ.P1.S1-6ª Sec. do sítio da ITIJ: « Em caso de resolução contratual, a posição clássica e largamente dominante, é a de que a tutela se resume ao interesse contratual negativo, ou seja, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado (Pires e Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., pág.58; Antunes Varela, das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., pág.109 ; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed, pág. 1045 e segs; António Pinto Monteiro, Sobre o não cumprimento na venda a prestações, O Direito, Ano 122 (1990), pág. 555 e em Cláusula Penal e Indemnização, pág. 693 e segs ; Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, pág, 248 e em Compra e Venda de Coisas Defeituosas : conformidade e segurança, págs 26 e 36 ; Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, pág. 349 e segs ; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 4º ed., pág. 267-268). Tal doutrina tem sido acolhida na jurisprudência, também largamente dominante, deste Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplos os Acórdãos de 26-3-98, 19-4-99, 3-9-04, 27-4-05, 12-7-05, 21-3-06, 23-1-07, 17-5-08, 22-1-08, 22-4-08 e 23-10-08, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Essa doutrina e jurisprudência defende a incompatibilidade de cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo, sobretudo com fundamento nos argumentos retirados do efeito retroactivo da resolução e da incoerência da posição do credor, ao pretender, depois de ter optado por extinguir o contrato pela resolução, basear-se nele para obter uma indemnização, correspondente ao interesse no seu cumprimento. Não vemos razão para deixar de seguir tal doutrina e jurisprudência, claramente predominantes.

Por isso, é de concluir que, por regra, a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido».

No quadro do regime legal vigente parece mais harmonioso que, em caso de opção voluntária do credor pelo accionamento do direito potestativo de resolução, em vez de exercitar o direito ao cumprimento contratual, sejam ressarcidos apenas, os danos correspondentes ao interesse contratual negativo.
Com a resolução do contrato fica o credor colocado na situação em que estaria se a “obrigação não tivesse sido celebrada”.
Pretender cumular com a resolução do contrato o ressarcimento do prejuízo que não sofreria se o contrato tivesse sido inteiramente cumprido significaria que em tal situação, apesar da resolução decretada, o credor acabaria por ser ressarcido de todos os prejuízos, como se tivesse optado pelo cumprimento do contrato, e, assim indiferente a um dos efeitos principais da resolução – a retroactividade.

Isso é que não pode ser.

Neste contexto normativo, como bem se salienta na sentença sob recurso, «... ao decidir resolver o contrato, tal significa que o credor, face às anomalias verificadas e não eliminadas, já perdeu interesse na prestação e, assim, entende que a gravidade das mesmas é suficiente para pôr termo ao contrato e ser indemnizado dos danos, no caso positivos, decorrentes dessas mesmas anomalias.

O que não pode é resolver o contrato e continuar a denunciar defeitos, desde logo porque ao proceder dessa forma retira ao subempreiteiro o direito de os eliminar/reparar, desde logo também porque inexistindo a figura do contrato só parcialmente resolvido também inexiste um prazo de garantia parcial; ou seja, resolvido o contrato deixa de subsistir qualquer prazo de garantia, designadamente o previsto na cláusula 3ª, nº1, o que mostra bem que também inexiste qualquer dever de reparação uma vez resolvido o contrato.

Adiante-se, desde já, não colher a objecção que se poderia suscitar no caso concreto e que estaria ligada á urgência na conclusão da obra advinda de se ter já esgotado o prazo dessa conclusão e do consequente perigo de aplicação de multas por banda do dono da obra ao empreiteiro. E não colhe por duas razões: primeiro porque dos factos provados resulta que a obra foi entregue à CMB em Agosto de 2014 (8 meses depois da resolução) o que mostra bem que mesmo para a empreiteira o perigo era mais teórico do que tangível; segundo porque isso mesmo é corroborado pela conduta da Câmara que, não obstante tamanho atraso, não aplicou qualquer multa.

Do exposto flui que, independentemente da questão da culpa no alegado incumprimento, só serão de considerar os defeitos devidamente denunciados à Autora subempreiteira cuja eliminação/reparação haja sido pedida até à data da resolução do contrato, sendo irrelevantes os eventuais defeitos que possam ter surgido ou sido constatados após a cessação do contrato, pois quanto a estes cessou também a obrigação de garantia, ficando até impossibilitada a Autora de discutir a sua ocorrência à data e de eventualmente os poder reparar.
A apreciação do seu pontual cumprimento não pode ficar dependente da actividade dum terceiro ao contrato, o empreiteiro que terminará a obra, sendo-lhe, por outro lado, vedado desenvolver qualquer conduta no sentido do integral cumprimento da sua obrigação” (Acórdão do STJ de 20/11/2003, proc. 03B2751, www.dgsi.pt).

Doutro modo a Ré empreiteira conseguiria, mesmo após a resolução do contrato, através das sucessivas e ulteriores denúncias de eventuais defeitos cuja reparação determinou (visto não poder ser a reparação efectuada pelo subempreiteiro face a cessação do contrato), obter o seu reembolso e, assim, conseguir o cumprimento do contrato já resolvido, sobretudo em casos, como é o dos presentes autos, em que a resolução ocorre na fase de conclusão da obra. (…).

A 29.11.2013 a Ré resolveu o contrato.

Na comunicação da resolução do contrato a Ré adopta a seguinte posição: confere á resolução “efeitos imediatos” e “não desonera [a Autora] das responsabilidades decorrentes da má execução dos trabalhos, ou seja, sobre os valores que iremos ter de assumir com uma terceira empresa para a resolução, limpeza e rectificação dos defeitos existentes nos trabalhos da empreitada (…) e quanto á possibilidade de coima pelo dono da obra”; a própria Ré não deixa de limitar a sua pretensão aos “defeitos existentes” aquando da resolução (só em relação a esses, de resto, se pode falar de má execução).

Significa, pois, face ao que já se disse, que apenas esses defeitos denunciados até à resolução do contrato serão considerados».

Sufragamos inteiramente este entendimento.

Defende a Recorrente que a Recorrida à data de “abandono da obra” (sic), não detinha qualquer crédito vencido sobre a Recorrente e que as facturas e os autos de medição juntos pela Autora aos presentes autos não correspondem à verdade e, por outro lado, não são devidas porquanto a Recorrida não concluiu todos os trabalhos e recusou-se a reparar as anomalias verificadas nos trabalhos executados.
Com o devido respeito, uma tal tese defendida pela Recorrente não encontra apoio na factualidade provada.

Neste capítulo, provou-se, que:

11. A A. emitiu as facturas nºs 20130001, 20130005 e 20130011, com os montantes, datas de emissão e de vencimento, respectivamente: 18.894,41 €, 25-1-2013, 26-3-2013 (fls. 34); 8.617,97 €, 28-2-2013, 29-4-2013 (fls. 36); 8.912,44 €, 13-6-2013 e 12-8-2013 (fls. 32).
12. Às facturas referidas em 11) correspondem os autos de medição elaborados pela Ré e juntos aos autos a fls. 38-40 (551-553; factura 20130001), 41-43 (555-557; factura 20130005), 29-30 (factura 20130011).
13. Pelo menos as facturas nºs 20130001 e 20130005 foram objecto do denominado “contrato de factoring” (e aditamentos) celebrado pela A. com a o Banco A (doravante Banco A), junto a fls. 404-422, que se dá por reproduzido e através do qual, e designadamente, o Banco A tomou para si e a A. cedeu-lhos, os créditos constantes das referidas factura, adiantando à A. os respectivos valores, mediante o pagamento por banda desta, de comissões.
14. A R. foi notificada a 18-3-2013 (factura 20130001) e a 11-2-2013 (factura 20130005) e não se opôs ao referido em 13), conforme fls. 44-46 e 48-50.
15. Da factura 20130001, veio a ser paga pela Ré a quantia de 10.000 €, nada mais tendo pago dessa factura, nem da factura 20130005.
16.Por causa do referido em 15) e no âmbito do contrato referido em 13), a A. teve de devolver ao Banco A os montantes adiantados, o que lhe acarretou despesas acrescidas junto do Banco A, num total de 2.660,31€.

Por outro lado, tendo a Recorrente resolvido o contrato, não pode vir agora invocar a excepção de não cumprimento do contrato – Exceptio non (et non rite) adimpleti contractus – (artº 428º do Código Civil). Para que haja lugar à excepção é necessário que qualquer uma das prestações objecto do sinalagma esteja ainda por cumprir e que o respectivo cumprimento seja ainda possível. Se o incumprimento é definitivo, a excepção não pode actuar (cfr. Ac. RC, 8.6.1993: CJ, 1993, 3º-55).

Improcede, assim, este segmento do recurso.

Considera a Recorrente que o Tribunal deveria ter decidido quanto aos pedidos da Recorrida pelo abuso de direito, por desequilíbrio das prestações.
Analisemos agora a questão do abuso de direito.

Estipula o artigo 334º do Código Civil, que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, adoptou-se neste preceito a concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que " não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites " - cf. Código Civil Anotado, volume I, página 298. Não se contentou a lei, assim, com qualquer excesso; o excesso cometido tem que ser manifesto para poder desencadear a aplicabilidade do artigo 334º.

Por isso, os tribunais só podem fiscalizar a " moralidade dos actos prati­cados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso " - autores e obra citada.

Como refere o Professor Antunes Varela [Revista de Legislação e de Jurisprudência, 128º, 241.], este instituto é uma das válvulas de segurança mais úteis do sistema, que, ao lado da ‘correcção do enriquecimento sem causa’, da redução equitativa da cláusula penal excessiva e de outras soluções afins, melhor garantem a sobrevivência de inúmeros ‘direitos subjectivos’, “não obstante o seu carácter essencialmente formal, perante o sentimento implacável da justiça que habi\1ta permanentemente no espírito do homem de recta consciência”.

Escreve o citado Professor que o artigo 334.º “aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente, a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjectivo, de carga essencialmente formal, e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, dos direitos de certo tipo”.

No mesmo sentido, referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, 4.ª edição, Volume 1.º, pág. 298, 299.), que para que haja abuso de direito, se exige que o excesso cometido pelo respectivo titular, seja «manifesto»; citando Manuel Andrade, que seja «exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça (…) intoleravelmente ofensivo do nosso sentido ético jurídico»; citando Vaz Serra, que constitua uma «clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante».
Aplicando estes princípios ao caso vertente, não vemos de que modo a conduta do Autor possa configurar qualquer abuso de direito.

Nenhuma censura merece a sentença recorrida, que deverá ser mantida.

Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar inteiramente a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Amílcar Andrade
Maria Conceição Bucho
Maria Luísa Ramos