Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
733/09.6PBGMR.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: PENA DE MULTA
CONVERSÃO PRISÃO SUBSIDIÁRIA
AUDIÇÃO PRÉVIA DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO VIA POSTAL
NULIDADE INSANÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Não tendo o condenado cumprido (voluntária ou coercivamente) a pena de multa, importa indagar qual a razão da falta de cumprimento dessa obrigação e só decidir sobre a conversão da multa não paga em prisão subsidiária com esse conhecimento, para o que se impõe, previamente à decisão, assegurar o exercício do contraditório, garantindo-se a audição do arguido – presencial ou nos autos após sua notificação – para se pronunciar sobre a possibilidade dessa conversão, assim lhe dando, pois, a oportunidade de requerer a aplicação de outras soluções que não o cumprimento de prisão.

II - Estando em causa uma modificação relevante do conteúdo decisório da sentença, que pode ter como efeito directo a privação de liberdade do arguido, justifica-se a notificação pessoal deste, não bastando a via postal, por se mostrar mais consentânea com as garantias de defesa que constitucionalmente lhe são asseguradas, relativamente a uma decisão que constitui autêntico desenvolvimento ou prolongamento da sentença.

III - A Lei 20/2013 de 23/09 estabeleceu, designadamente, que o TIR apenas se extingue com a extinção da pena, diferentemente do que até então sucedia em que tal medida de coação se extinguia logo com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que no caso sucedeu com o TIR prestado pelo arguido em data (03/05/2009) anterior àquela Lei, cuja aplicação retroactiva é proibida [art. 5º, nº 2, b), do CPP], bem como, é impertinente a aplicação analógica da jurisprudência fixada no acórdão uniformizador nº 6/2010.

IV - A preterição da formalidade da audição prévia do condenado deve ser enquadrada como nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do CPP, e, por conseguinte, de conhecimento oficioso enquanto a decisão que lhe suceder não transitar em julgado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

No âmbito do processo comum singular nº 733/09.6PBGMR do Juízo Local Criminal de Guimarães, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por decisão de 18/12/2017, foi indeferida a pretensão do Ministério Público no sentido de ser declarada a ineficácia da notificação efectuada ao arguido G. C., por via postal simples com prova de depósito, da possibilidade de conversão da pena de multa em que havia sido condenado em prisão subsidiária, considerando-se o mesmo validamente notificado por a notificação ter sido feita para a morada constante do TIR e por não respeitar a sentença e ou decisão final.

Inconformado com a referida decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«1. O arguido G. C. foi condenado pela prática de um crime de furto, na forma tentada, na pena de 80 dias de multa, à taxa de 6,50 €.
2. O arguido foi notificado para se pronunciar sobre a possibilidade de conversão da pena de multa em dias de prisão subsidiária através de via postal simples, com prova de depósito, para a morada do TIR.
3. Uma vez que o arguido prestou TIR em 03/05/2009, os respectivos efeitos extinguiram-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, por força do art.° 196°, nº 3 do Código de Processo Penal e do art.° 214°/1, al, e), do Código de Processo Penal, na redacção então vigente e anterior à entrada em vigor da Lei 20/2013, de 21/02.
4. A possibilidade do TIR produzir efeitos após o trânsito em julgado da sentença condenatória, através da aplicação retroactiva da actual redacção dos arts.° 196°/3, al. e), e 214°/1, al. e), do Código de Processo Penal, é proibida, por força do art.° 5°/2, al. a), do Código de Processo Penal.
5. Por outro lado, não é possível aplicar analogicamente o Ac. de Fixação de Jurisprudência 6/2010, uma vez que este também assentou na divisão da sentença condenatória em duas penas (pena suspensa e pena de prisão), com diferentes momentos de trânsito em julgado, e este raciocínio não é transponível para a conversão da multa em dias de prisão subsidiária, que se enquadra na execução duma única pena de muita.
6. Por todo o exposto, o arguido não foi validamente notificado para exercer o contraditório prévio sobre a conversão da pena de multa em dias de prisão subsidiária.
7. Esta falta de audição prévia do arguido configura a nulidade insanável do art° 119º, al. c), do Código de Processo Penal.
8. Ao considerar que aquela notificação era válida e que não se verificava qualquer nulidade, o despacho recorrido violou o disposto nas normas citadas.

Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por decisão que declare a referida nulidade insanável, assim se invalidando também, para além do mais, a decisão proferida nos autos que converteu a pena de multa em dias de prisão subsidiária; assim se fazendo Justiça.».

O recurso foi admitido a subir em separado e com efeito suspensivo.

Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu alicerçado parecer em que defende que, apesar de não se suscitarem dúvidas de que o arguido não pode ser considerado validamente notificado para se pronunciar sobre a possibilidade de conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, é desnecessária essa audição antes daquela conversão por apelo ao preceituado no nº 2 do art. 49º do Código Penal, na medida em que o condenado pode a todo o tempo, evitar a execução da prisão subsidiária, pagando a multa, do mesmo modo que a execução da suspensão pode a todo o tempo, mesmo após a prolação do despacho de conversão, ser suspensa se o condenado provar que a razão do não pagamento lhe não é imputável. Nessa sequência, considera que as garantias de defesa do arguido e o princípio do contraditório, consagrados no art. 32º da Constituição da República, não se mostram violados. Ademais, sustenta que, mesmo que se entenda que o condenado tenha que ser ouvido antes da conversão, tal formalidade mostra-se cumprida na pessoa do seu defensor, uma vez que este foi notificado. Termina dizendo que não foi cometida qualquer nulidade, nomeadamente a que foi arguida pelo recorrente, devendo o recurso ser julgado improcedente.

Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP.

Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
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II- Fundamentação.

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 403º e 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente por obstarem à apreciação do seu mérito, suscitam-se neste recurso as questões de saber se: 1ª) é necessária a audição prévia do arguido para se pronunciar das razões do não pagamento da multa e da possibilidade de a mesma ser convertida em prisão, destinada a assegurar o contraditório, e, na afirmativa, se a omissão dessa formalidade gera a nulidade a que alude o artigo 119º, nº 1, al. c), do CPP; 2ª) o arguido se deve ter por validamente notificado.

Importa apreciar as enunciadas questões e decidir para o que são pertinentes: A) o teor da decisão recorrida; B) os factos e as ocorrências que se extraem da tramitação dos autos.

A) O teor da decisão recorrida (transcrição):

«O despacho proferido a fls. 350 mostra-se validamente notificado ao arguido através de notificação simples com prova de depósito, na morada do TIR que prestou nos autos, porquanto não se tratar de uma sentença e ou decisão final.
Além do mais se refira que a decisão de fis. 351, datada de 06.12.2015, proferida na sequência da aludida notificação, ainda não se mostra notificada ao arguido.
Pelo que não se verifica qualquer nulidade, indeferindo-se assim o promovido.
Notifique.».

B) Os factos e as ocorrências processuais que se extraem da tramitação dos autos (após consulta dos mesmos):

1) - O arguido G. C. prestou termo de identidade e residência (TIR) em 3/05/2009;
2) – Apesar de notificado, o arguido não compareceu à audiência de julgamento, tendo sido julgado na sua ausência e condenado por sentença proferida em 15/03/2011, depositada em 4/05/2011 e transitada em julgado em 15/09/2015, como autor de um crime de furto, na forma tentada, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 6,50.
3) - O arguido não procedeu ao pagamento voluntário da pena de multa aplicada na sentença condenatória.
4) - Em 16/11/2015, o Ministério Público, após ter constatado que o arguido não dispunha de bens susceptíveis de penhora, promoveu a conversão da pena de multa em dias de prisão subsidiária, nos termos do art. 49°, nº 1, do Código Penal.
5) - Por decisão de 17/11/2015, a Sra. Juíza determinou a notificação do arguido e do seu Ilustre Defensor para, no prazo de 10 dias, esclarecer das razões determinantes do não pagamento da pena de multa, uma vez que se perspectivava como possível a aplicação do art. 49º, nº 1, do Código Penal.
5) - O arguido foi notificado desta decisão por via postal, com prova de depósito, para a morada constante do TIR.
6) - Por decisão proferida em 9/12/2015, a pena de multa em que o arguido havia sido condenado foi convertida em 52 dias de prisão subsidiária.
7) - O arguido não foi notificado desta decisão e em 5/12/2017, o Ministério Público emitiu a seguinte promoção, sobre a qual recaiu o despacho aqui em crise: «Uma vez que o arguido prestou TIR na redacção anterior a 2013, a notificação de fls. 350 é ineficaz, pelo que verifica-se a nulidade do art.° 119°, al. c), do Código de Processo Penal. Como tal, promove-se se declare a nulidade dos actos praticados após fls. 350 e se ordene a repetição da notificação ordenada por fls. 346, desta feita por notificação pessoal, com prévia pesquisa na base de dados disponíveis sobre o eventual paradeiro do arguido.».
*
III. O Direito.

1. A audição prévia do arguido.

Insurge-se o recorrente contra a modalidade de notificação ordenada no despacho recorrido, defendendo que a mesma não é válida, na medida em que o TIR, prestado pelo arguido em data anterior à Lei 20/2013 de 23/09, extinguiu-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo proibida a aplicação retroactiva da nova lei, assim como a aplicação analógica da jurisprudência fixada no acórdão uniformizador nº 6/2010.

Em abono da sua posição, cita vários acórdãos, mas todos eles tirados em relação a uma situação diferente da do caso concreto, pois todos eles se reportam à questão da obrigatoriedade da audição do arguido após o despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária. Diversamente, neste recurso, equaciona-se a questão, suscitada a montante, de saber se, previamente à conversão da multa não paga em prisão subsidiária, se impõe o exercício do contraditório, garantindo-se a audição do arguido – presencial ou nos autos após sua notificação – para se pronunciar sobre a possibilidade de vir a ser convertida em pena de prisão subsidiária a pena de multa em que haja sido condenado, assim lhe dando, pois, a oportunidade de requerer a aplicação de outras soluções que não o cumprimento de prisão.

Sobre este tema não existe convergência na jurisprudência, conquanto a maioritária defenda a necessidade de audição do arguido em obediência ao princípio do contraditório (art. 61º, nº 1, al. b) do CPP), ainda que quanto à modalidade dessa audição e aos efeitos desta omissão também sejam díspares os entendimentos (1).

No caso vertente, tanto a Sra. Juíza como o recorrente confluem no sentido da necessidade de notificação do despacho da natureza do que é objecto de recurso não só ao defensor do arguido, mas também ao próprio arguido, divergindo apenas na modalidade dessa notificação.
A Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta apartou-se dessa posição, defendendo com pertinente argumentação a desnecessidade dessa audição.

Embora reconhecendo que são excelentes e ponderosos os argumentos em contrário, adiantamos, desde já, que perfilhamos o entendimento consonante com o da jurisprudência dominante, no sentido da necessidade de audição prévia do arguido pela via da sua notificação pessoal.

Efectivamente, apesar de inexistir qualquer regime adjectivo específico que regule tal matéria, para além do preceituado no art. 491º, n.º 3, do Código de Processo Penal, relativamente à suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, há que atender aos princípios gerais, que visam assegurar o direito ao recurso e o contraditório sobre as razões do não pagamento da multa.

Não tendo o condenado cumprido a pena de multa (voluntária ou coercivamente), importa indagar qual a razão da falta de cumprimento dessa obrigação e só decidir com esse conhecimento sobre a aplicação da prisão subsidiária.

Como escreveu Maia Gonçalves em anotação no nº. 1 do art. 49º do Código Penal (2) «(…) o cumprimento da pena de prisão subsidiária é agora determinado após a verificação de que a multa não substituída por trabalho não foi paga, voluntária ou coercivamente. Não é, portanto, necessário que na sentença se fixe a pena subsidiária, como sucedia na vigência do art. 46º, n.º3 na versão originária do código quanto á prisão alternativa. No entanto, a ordem de cumprimento da prisão subsidiária terá que ser dada por despacho do juiz após verificação dos pressupostos enunciados no n.º1. Cremos não se poder dispensar a intervenção judicial, e mesmo o respeito pelo princípio do contraditório, já que isso violaria ditames constitucionais, designadamente o artigo 27º da CRP.» (sublinhado nosso).

E decorre do teor do art. 49º, n.º 3 do Código Penal que o mero incumprimento não conduz de imediato e irremediavelmente à aplicação da prisão subsidiária, uma vez que o condenado pode provar que o não pagamento lhe não é imputável. Relembre-se que a lei também prevê a audição do arguido nos casos em que é apreciada a possibilidade de suspensão da execução da prisão subsidiária (conforme está subjacente ao disposto no artigo 49º, n.º 3, do Código Penal), o que torna ainda mais premente a sua audição antes de ser decretada a pena de substituição uma vez que, nessa ocasião, também poderá ser desde logo ouvido sobre a possibilidade de suspensão da prisão subsidiária que poderá vir a ser aplicada.

Em suma, antes de ser determinada a conversão da multa não paga em prisão subsidiária, torna-se necessário apurar as razões do não pagamento, nomeadamente para se saber se são ou não imputáveis ao arguido. Para tal, o art. 61º, n.º 1, b), do Código de Processo Penal impõe que o arguido seja ouvido pelo tribunal sempre que deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.

Trata-se de assegurar o princípio do contraditório e da audição prévia, segundo o qual assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo a que não seja proferida qualquer decisão surpresa contra o mesmo, por factos dos quais não teve oportunidade de se defender.

Tais princípios têm acolhimento constitucional como decorre da segunda parte do n.º 5 do art. 32º da Constituição da República, que assegura, o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo.

E, particularmente no que respeita ao arguido, estão em causa as «garantias de defesa» a que alude o n.º 1 do mesmo art. 32º. Perante os direitos fundamentais, o processo penal mostra-se orientado, neste domínio, para a defesa, não indiferente ou neutral. O contraditório funciona, assim, como instrumento de garantia desses direitos e corrige assimetrias processuais susceptíveis de pôr em causa o estatuto jurídico do arguido moldado pelo sistema garantístico constitucionalmente exigido, como sistematicamente vem afirmando o Tribunal Constitucional.

Não há a menor dúvida que uma decisão de conversão na pena subsidiária privativa da liberdade de uma pena não privativa da liberdade afecta pessoalmente o arguido em causa, tornando obrigatória a sua prévia audição, de modo a poder exercer o contraditório.

Com efeito, a amplitude de exigência do exercício do direito de contraditório e a conformação concreta da garantia das possibilidades efectivas para a defesa e pronúncia do arguido, não poderão deixar de corresponder proporcionalmente ao particular relevo e à importância do objecto de uma decisão que constitui autentico «desenvolvimento» ou «prolongamento» da sentença e de onde pode resultar o cumprimento de uma pena de prisão.

Por isso, à esmagadora maioria das decisões dos tribunais superiores tem presidido a concepção de que qualquer resolução que diga respeito ao arguido – o que inclui, naturalmente, a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária – deve ser precedida da sua audição prévia e tem enquadrado a preterição dessa formalidade como nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do C. Processo Penal, e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal enquanto a decisão que lhe sucedeu não transitar em julgado (3).

2. A regularidade da notificação efectuada ao arguido.

Considerando-se necessária a notificação do arguido, a questão que logo emerge da análise da decisão recorrida é a de saber qual modalidade da sua execução: se basta a notificação postal ou se é necessária a notificação pessoal.
Também aqui, não existindo norma que determine de forma expressa como deve ser feita essa notificação, esgrimem-se na jurisprudência argumentos num e noutro sentido.

Entendemos, como deixamos expresso, que a notificação deve ser pessoal, desde logo, por se estar perante uma modificação relevante do conteúdo decisório da sentença, que tem como efeito directo a privação de liberdade do arguido, justificando-se que a notificação seja pessoal por se mostrar mais consentânea com as garantias de defesa que constitucionalmente lhe são asseguradas.

Ademais, as consequências do despacho que eventualmente converta a multa em prisão subsidiária são bem mais graves do que várias situações previstas o artigo 113º, nº 10 do C. Processo Penal em que se exige a notificação pessoal do arguido.

A efectividade do direito ao recurso, que faz parte das garantias de defesa, é melhor defendida com a notificação pessoal, única forma que assegura o real conhecimento da decisão. Só a notificação pessoal satisfaz as exigências do processo equitativo, previstas no art. 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

A jurisprudência do Acórdão uniformizador n.º 6/10 não é aplicável ao caso porque tratou da notificação ao arguido de decisão diferente e porque a cisão, ali defendida, entre uma parte da sentença transitada e outra não transitada, no caso da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não é transponível para a situação da possível conversão da multa em prisão subsidiária.

Mas a razão primordial a atender no caso concreto prende-se com os efeitos decorrentes do TIR prestado pelo arguido.

Como se retira das incidências processuais que se deixaram transcritas, o arguido prestou TIR em 03/05/2009, na redacção então vigente e anterior à entrada em vigor da Lei 20/2013, de 21/02, que introduziu alterações na redacção dos arts. 196º n.º 3, alínea e) e 214º n.º 1, alínea e) do C. Processo Penal, estabelecendo, designadamente que o TIR apenas se extinguirá com a extinção da pena, sendo certo que, por força do disposto na alínea b), do n.º 2, do art. 5º do C. Processo Penal, o novo regime legal não é aplicável ao caso presente, daí que forçosamente se deverá concluir que o TIR se extinguiu imediata e automaticamente com o trânsito em julgado da sentença.

Na verdade, o TIR é uma verdadeira medida de coacção e, por isso, é-lhe aplicável o disposto no art. 214º do C. Processo Penal, concretamente a alínea e), do n.º 1, terminando a obrigação de o arguido manter actualizada a informação sobre o local da sua residência, passando a aplicar-se as regras gerais relativas à notificação dos actos.

Assim, tendo a decisão recorrida, notificado o arguido por carta postal simples com prova de depósito para a morada constante do TIR que se havia extinguido, ocorre o vício, insanável, que determina a sua nulidade, bem como de todos os demais actos que se lhe seguiram, devendo ser substituído por outro que, após realização das diligências necessárias, ordene a notificação pessoal do arguido.

Por conseguinte, declaram-se nulos os despachos judiciais que se seguiram à omissão da audição do arguido em relação à promoção da conversão da pena de multa na prisão subsidiária correspondente, devendo o arguido ser ouvido em relação a tal promoção, para exercer o necessário contraditório.
Procede, pois, o recurso quanto a esta questão.
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Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso e, por consequência, em declarar a nulidade do despacho recorrido e dos que se lhe seguiram, devendo ser substituído por outro que ordene a notificação pessoal do arguido G. C..
Guimarães, 3/12/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado

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1 No sentido da necessidade de audição prévia, acórdãos da RC de 29-06-2016 (p. 3479/09.1TACBR.C1), de 16-03-2016 (p. 243/12.4GCLRA.C1;), de 07-03-2012 (p. 334/07.3PBFIG.C1), de 27-11-2013 (p. 325/10.7TATNV-B.C1), de 12-04-2011 (p. 548/07.6TAAND-B.C1); da RP, de 23-11-2016 (p. 786/11.7PTPRT.P1), de 08-02-2017 (p. 13764/09.7TDPRT-A.P1), de 11/01/2017 (p. 1884/96.0JAPRT.P1); da RE de 26-04-2018 (p. 321/14.5PESTB.E1), de 23-01-2018 (p. 212/10.9GFSTB-A.E1), de 07-02-2017 (p. 509/14.9GESTB.E1), de 02-02-2016 (p. 1013/09.2PALGS-A.E1), de 02-02-2016 (p. 460/05.3PCSTB-A.E1), de 03-02-2015 (p. 252/12.3GBMMN.E1), de 25-03-2010 (p. 1345/99.6PCSTB-A.E1); da RL de 09-07-2014 (p. 350/09.0PDALM-9), de 20-04-2016 (p. 210/11.5TAPBL.S1), de 13-03-2018 (p. 1306/06.0TAALM-A.L1), de 04-06-2008 (p. 4602/2008-3); e desta Relação de 19-05-2014 (p. 355/12.4GCBRG-A.G1). Em sentido contrário, veja-se os acórdãos da RP de 28-09-2016 (p. 1239/06.0PTPRT-A.P1) e de 13-03-2013 (p. 1076/06.2PAESP.P1), da RC de 29-06-2016 (p. 113/12.6GBALD.C1) e desta RG de 08-05-2017 (p. 638//14.9PCBRG.G1).
2 In Código Penal Anotado, 13ª ed., p. 203.
3 V. Acs. da RL de 20-04-2016, de 9-7-2014, de 1-3-2005 (CJ, 2º/123) e de 10-2-2004, da RE de 02-02-2016, de 30-9-2014 e de 18-1-2005 e da RP de 08-02-2017, de 11-01-2017, de 23-11-2016 e de 4-3-2009. O citado Ac. da RE de 30-9-2014 acrescentou: «Tanto do ponto de vista gramatical, como sistemático e teleológico, não há nenhuma razão para que a referência do art. 119.º do CPP a qualquer fase do procedimento deva ser entendida como reportando-se unicamente às fases preliminares (inquérito e instrução) e à fase de julgamento do processo penal. Antes, abrange igualmente as nulidades insanáveis verificadas na fase de execução do processo penal, nomeadamente as respeitantes às normas do CPP que disciplinam a execução das penas não privativas da liberdade.». Realmente, não seria compaginável com os invocados princípios constitucionais o entendimento segundo a qual a falta de garantia do contraditório constitui uma mera irregularidade processual, sanável se não tiver sido suscitada pelo arguido no prazo de três dias após a notificação do despacho.