Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1101/15.6T8PVZ.1.G1
Relator: ELISABETE COELHO DE MOURA ALVES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
CONDENAÇÃO GENÉRICA
FALTA DE LIQUIDAÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
A liquidez é a qualidade da obrigação que esteja quantitativamente determinada, sendo na medida da crédito liquidado que será determinada a extensão da execução do património do executado (artigo 735º do CPC), de que decorre que o exequente não pode na execução formular pedido ilíquido, sem proceder previamente à respectiva liquidação.

1. A compensação constitui um facto jurídico extintivo da obrigação.

2. Tendo a ré/reconvinte pedido a compensação do seu crédito considerando a procedência do pedido da autora e do pedido por si formulado a título reconvencional e, decidido na acção declarativa estarem verificados os pressupostos da mesma quer quanto ao crédito liquido quer quanto ao crédito ilíquido reconhecidos à reconvinte, tendo a autora tomado a iniciativa da execução do seu crédito teria necessariamente que a iniciar com o pedido prévio de liquidação, já que o seu crédito só existirá se e na medida em que lho permita o crédito da executada, que existe, mas carece, na parte ilíquida, de ser liquidado.

3. A condenação proferida não poderá assim deixar de se considerar genérica, e, porque ilíquida, insusceptível de execução imediata, já que o quantitativo da obrigação não se encontra ainda determinado, requerendo nos termos do disposto pelo artigo 609º n.2 e 704º n.6 do CPC a dedução de incidente prévio de liquidação no processo onde a sentença foi proferida nos termos do disposto pelos artigos 358º e segs, cuja admissão determina a renovação da instância extinta (artigo 358º n. 2 do CPC).

4. A falta de liquidação incidental de sentença genérica conduz ao indeferimento liminar do requerimento executivo pela falta de título executivo, nos termos do disposto pelos artigos 726º n.2 al. a) do CPC.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

«X - Madeiras de Portugal, Unipessoal Lda» instaurou execução para pagamento de quantia certa contra «Y - Soc. Comercial de Madeiras, Lda.», dando como título executivo a sentença proferida nos autos e como quantia exequenda o valor de € 216,576,75, acrescida de juros que liquida na quantia de € 39.967,31.

No requerimento executivo alegou que por sentença proferida nos autos, datada de 20.01.2017, e confirmada em 12.10.2017 pela 2ª. Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, já transitada em julgado, foi a executada condenada a pagar à aqui exequente a quantia de € 279.159,52, acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável as operações comerciais desde 21.08.2015 até efectivo e integral pagamento.

Na mesma sentença a exequente foi condenada a pagar à executada a quantia de € 62.582,77, quantia essa, que nos termos do art. 847º, do Código Civil, foi compensada com o crédito detido pela exequente sobre a executada, tendo a executada sido condenada a pagar à exequente o valor remanescente resultante da operação de compensação, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável as operações comerciais desde 21.08.2015, ate efectivo e integral pagamento.

A quantia resultante da operação de compensação consignada na douta sentença cifra-se no montante de €216.576,75.
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Conclusos os autos foi, nos termos do disposto pelo artigo 734º n.1 do C.P.C., proferido despacho que ao abrigo do disposto pelo artigo 726º n.2 alínea a) do C.P.C. rejeitou a execução, determinando a sua imediata extinção.
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Não se conformando com tal decisão veio a exequente «X - Madeiras de Portugal, Unipessoal Lda» interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. Vem a decisão de recurso interposto do despacho de indeferimento liminar da execução, proferido pelo Tribunal de 1ª Instância, datado de 02.05.2018, que decidiu:

“Ou seja, no nosso caso, a Autora deveria, porque a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, fazer uso do incidente de liquidação previsto no artigo 358º do Código de Processo Civil, no próprio processo declarativo.
Não o tendo feito, a agora exequente não dispõe de título executivo, implicando tal falta de título a imediata rejeição da execução nos termos conjugados do disposto nos artigos 358º, nº 2, 726º, nº 2, alínea a), e 734º, do Código de Processo Civil.

Em face do exposto, e nos termos do disposto nos artigos 726º, nº 2, alínea a), e 734º, do Código de Processo Civil, rejeito a execução, determinando a sua imediata extinção. “

II. A 20 de Janeiro de 2017 foi proferido, pelo douto tribunal a quo, a seguinte decisão:

“Em face do exposto, julgo a acção proposta por «X –Madeiras de Portugal, Unipessoal, Lda.» contra Y – Sociedade Comercial de Madeiras, Lda., procedente, por provada, e, consequentemente, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 279.159,52, acrescida de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento.

Mais julgo a reconvenção deduzida pela Ré contra a Autora, parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a Autora a pagar à Ré a quantia de € 62.582,77, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento, e ainda, metade da quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que corresponder aos “usos da praça” nos termos do artigo 404º do Código Comercial, aplicáveis ao depósito cujas características constam das alíneas k) a m), p) e r) do ponto II.1., acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento.

Operando-se a compensação, nos termos do artigo 847º do Código de Processo Civil, julgo parcialmente extinto o crédito da Autora sobre a Ré no valor de € 62.582,77 (€ 279.159,52 - € 62.582,77) e no valor que resultar da liquidação supra determinada, condenando a Ré a pagar à Autora o remanescente (acrescido de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento) ou, no caso do montante a liquidar, juntamente com a parte já líquida, exceder o crédito da Autora, condenando esta a pagar à Ré o excedente (acrescido juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento). ”
III. O primeiro segmento decisório da sentença reveste a qualidade de condenação liquida, nos termos do art. 609., n.2, in fine, do CPC.
IV. Assim, como a condenação da aqui Exequente na compensação, nos termos do art. 847., do CPC, julgando parcialmente extinto o crédito da Exequente sobre a Executada no montante de € 62.582,77.
V. Liquido ficou, também, o valor correspondente à diferença entre a condenação da Executada e o valor operado pela compensação dos €62. 582,77, tendo resultado num valor de €216.576,75, que se peticiona nos presentes autos.
VI. Na sentença dada à execução a Exequente figura como credora e a Executada como devedora.
VII. A condenação da Exequente na compensação do valor – metade do valor que vier a ser apurado - nos termos e para os efeitos dos “usos da praça ”, nos termos do Código Comercial, resulta de uma segunda operação de compensação, que a Executada tem todo o interesse e legitimidade para promover, mas que ainda não o fez até hoje.
VIII. Aliás, pelo comportamento judicial da Executada nos autos de incidente de prestação de caução retira-se que esta não tem qualquer “interesse ” em promover a liquidação do que em sede de reconvenção, no tocante ao seu pedido, foi decidido.
IX. Porquanto, no âmbito daqueles autos 1101/15.6T8PVZ-A, prestou falsas declarações nomeadamente, indicando que só possuía o armazém onde labora, a maquinaria necessária a sua laboração, e as madeiras/mercadorias prestada sem caução. O que se revelou ser manifestamente falso.
X. Pois, no âmbito das diligências de penhora apurou-se existirem outros bens desta, adquiridos em momento muito anterior à interposição do incidente de prestação espontânea de caução, a saber:

a) Veículo automóvel com a matrícula (...);
b) Veículo automóvel com a matrícula (...);
c) Veículo automóvel com a matrícula (...);
d) Veículo automóvel com a matrícula (...);
e) Veículo automóvel com a matrícula (...);
f) Veículo automóvel com a matrícula (...);
g) Veículo automóvel com a matrícula (...);
h) Veículo automóvel com a matrícula (...);
i) Imóvel inscrito na matriz predial n. (...), da freguesia de (...), inscrito na 1. Conservatória do Registo Predial, sito no Lugar de ...;
j) Imóvel inscrito na matriz predial n. ..., da freguesia de (...), inscrito na 1. Conservatória do Registo Predial, sito no Lugar de ...;
k) Imóvel inscrito na matriz predial n. …, da freguesia de ..., inscrito na Conservatória do Registo Predial, sito na Zona Industrial do ..., 2. fase;
l) Imóvel inscrito na matriz predial n. …, da freguesia de ..., inscrito na Conservatória do Registo Predial, sito no Lugar de ....
XI. Sempre se impondo na presente data e, caso a Recorrida pretenda contra -alegar ou mesmo recorrer, que a mesma preste caução, porquanto, os efeitos deste sempre serão os devolutivos e, porque a caução a Requerer se reporta À mesma que pela Recorrida deveria ter sido prestada no âmbito do Recurso já interposto.
XII. Agora não se podendo furtar ou esquivar com a falta ou a inexistência de bens, porquanto estes já passaram a ser do conhecimento do Tribunal
XIII. Até porque, também, no imediato e após a decisão, haveria de colocar à venda, mais uma vez de má-fé, quatro lotes de terreno pelo valor unitário de €60.000,00, para subtrai-los ao processo e às garantias devidas à exequente, pela venda da mercadoria e ainda, a falta de pagamento daquela.
XIV. E, a inércia da Executada em promover o incidente de liquidação, a sonegação de bens ao tribunal e a tentativa de venda dos bens que detém, demonstra, claramente, que esta não tem qualquer “interesse “ em fazê-lo porquanto bem sabe, que á data do estabelecimento das relações comerciais e no período que mediou entre as mesmas, não existiam quaisquer “usos da praça “, no sentido de remunerar o deposito mercantil na área geográfica onde esta se encontra estabelecida.
XV. Pois, na zona geográfica de Viana do Castelo, onde a executada desalfandegava a mercadoria da A. e ora exequente, por referência aos usos de estacionamento e armazenagem do local de desembarque, a saber o Porto de Viana do Castelo eram estes inexistentes.
XVI. E nem a Recorrida sequer demonstrou qualquer prova em contrário ou de facto quanto a esta rúbrica.
XVII. A Administração do Porto, SA, enquanto entidade gestora do porto, não cobrava quaisquer valores pela armazenagem, depósito e estacionamento das mercadorias.
XVIII. A presente execução respeita o disposto no art. 10.n.5 , do CPC, pois o fim e os limites da acção executiva encontram-se respeitados.
XIX. Pois, a Exequente não pede mais do que o título lhe dá, mas tão só, o que na sentença em causa se encontra líquido.
XX. A sentença dada em execução constitui título executivo, pois impõe à Executada o cumprimento de uma obrigação, que se encontra expressamente declarada ou constituída na sentença, assim como decidiu o Ac. do TRL de 28.05.2013, proc.2094/08.1TBCSC-B.L1 -7, expressamente declarada ou constituída na sentença.\
XXI. Além disso, tal como decidido no Ac. do STJ de 10.12.2013, proc.2319/10.3TBOAZ-A.P1.S1 “Na execução a causa de pedir não é o próprio título executivo, mas antes os factos constitutivos da obrigação exequenda reflectidos naquele: o título terá de representar o acto jurídico pelo qual o executado reconhece uma obrigação para com o exequente “.
XXII. A Executada encontra-se a ser executada porque deve e deve porque a Exequente lhe forneceu as quantidades de madeiras descritas nas facturas n.112,113, 116, 117 e 120, no valor de 374. 159,59, do qual a Executada, apenas entregou a Exequente €95.000,00.
XXIII. Nos casos em que tenha havido condenação genérica, nos termos da 1ª. parte do n.2, do art. 609., do CPC, a sentença só constitui titulo executivo depois de proferida decisão no competente incidente de liquidação, sem prejuízo da possibilidade de ser executada imediatamente a parte sentença condenatória que já seja liquida.
XXIV. Mas, a parte da condenação accionada pela Exequente não necessita de incidente de liquidação, pois que se encontra líquida. E este só se aplica à parte ilíquida da mesma.
XXV. E, tanto assim é que a agora executada, aquando da interposição de recurso de Apelação da decisão agora em análise, com a referência citius 25093574, suscitou o incidente de prestação de caução, que correu termos no Ap. A., por forma a travar a imediata exequibilidade da sentença, na parte líquida da mesma.
XXVI. E, o douto Tribunal considerou, naquele apenso A., no despacho com a referência citius n.41070347, datado de 16.05.2017 que “O valor a caucionar será de € 216.576,75, uma vez que a liquidação a que se refere o segmento decisório dependendo de uma actividade processual da parte é, neste momento, configurável, apenas como uma eventualidade.“
XXVII. No presente caso a obrigação encontra–se perfeitamente delimitada, ao valor em numerário em que a Executada foi condenada a pagar, sendo este de € 279.159,52.
XXVIII. E, em face da sentença é possível determinar o valor resultante da operação de compensação, pela condenação específica da Exequente em €62.582,77.
XXIX. Face aos elementos do título executivo o conteúdo da obrigação da Executada é facilmente determinável.
XXX. Na sentença encontra-se, ainda, determinado que “condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de €279.159,52, acrescida de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, a taxa legal aplicável as operações comerciais, até integral e efectivo pagamento “
XXXI. E, tendo sido, como foi, devidamente notificada a Ré/Executada, e certo que a divida se dá por exigível.

Ademais,
XXXII. da análise do titulo executivo resulta, claramente, que a Executada foi condenada num montante certo e determinado - € 279.159,52, que deveria ter pago desde 21.08.2015 e que nunca pagou.
XXXIII. E, no primeiro segmento da condenação, em sede de reconvenção, foi a Exequente condenada a pagar à Executada o montante, certo líquido e exigível de € 62.582,77, desde 30.09.2015.
XXXIV. Valor este que foi deduzido, numa primeira operação de compensação ao crédito da Exequente sobre a Executada.
XXXV. O primeiro segmento da douta sentença que serve de título executivo é um segmento determinado, certo e líquido, com juros de mora totalmente determinados, sendo, totalmente exigível à data da propositura da acção de execução.
XXXVI. A relegação para decisão ulterior da metade quantia apurada em sede de “usos da praça “, no tocante ao depósito mercantil, em nada mexe com a certeza, a liquidez e a exigibilidade do primeiro segmento decisório daquela douta decisão.
XXXVII. Como indica o art. 716. n.8, do CPC, se uma parte da obrigação for ilíquida e outra liquida o exequente pode, desde logo, promover a execução da parte da obrigação que já seja liquida.
XXXVIII. O que fez.

Assim,
XXXIX. na interpretação e apreciação da sentença que serve de base à instauração dos presentes autos de execução e das suas condenações, errou o douto tribunal a quo na apreciação dos pressupostos e requisitos da obrigação exequenda face aos elementos da relação/factos jurídicos constitutivos concretos da obrigação exequenda, em clara preterição do art. 609., n.2., in fine, art. 716., n.8, do CP C.
XL. Pelo que não violou a Exequente o disposto nos art. 358., n.2, art. 726., n.2, al a) e o art. 734., todos do CPC, porquanto o segmento decisório que a exequente accionou é perfeitamente certo, líquido e exigível.
XLI. E, não pode a Exequente, porque o mercado negocial não se compadece com tais delongas, ficar ad aeternum à espera de comportamento de facere da Executada, quando esta já demonstrou, no seguimento dos autos, mormente, no incidente de prestação espontânea de caução que litiga de má-fé, prestando falsas declarações e proferindo falsas informações ao Tribunal, no intuito de esconder o seu património bem como impedir a Exequente de obter pagamento do seu crédito, pela dissipação do seu património.
XLII. Assim, deverá o Tribunal a quo ordenar não a extinção da execução e os subsequentes levantamentos da penhora, mas a manutenção daquelas e ou a obrigatoriedade da Recorrida prestar caução.
XLIII. Adequando a mesma à garantia que a executada deveria ter prestado e, que dolosamente não prestou nos autos de incidente de prestação de caução.
XLIV. A garantia é pressuposto da caução exigida e devida pela executada.
XLV. a sentença formou caso julgado quanto à condenação liquida tanto em sede de pedido como em sede de reconvenção, nos termos do n.2., do art. 609., do CPC;
XLVI. A sentença não especificou concreta e detalhadamente o tipo de contrato de depósito mercantil, alegadamente, celebrado entre Exequente e Executada, e muito menos abordou a obrigação de restituição dos bens em depósito e ou sequer qual o quantitativo aferido por tal, apenas que a existir, ocorreria compensação entre ambas.
XLVII. Ao qual se encontra, hoje, precludido o poder jurisdicional;

Nestes termos e nos mais de Direito, cujo douto suprimento de V. Exas, se invoca, deverá o presente recurso ser julgado procedente, nos termos das conclusões formuladas, pois só assim é de Direito e só desta forma será feita a mais costumada
JUSTIÇA!»
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A executada/recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida e a improcedência do recurso.

Contra alegou, em súmula, que por força da compensação declarada na sentença o crédito da apelante extinguiu-se (no todo ou em parte) havendo que deduzir àquele montante a quantia de € 62.582,77 e o valor que resultar da liquidação, sendo que após a liquidação pode até ser a recorrente que tem que pagar o remanescente à aqui recorrida, quantias a que acrescem juros de mora.

Só após a liquidação da quantia ilíquida do crédito do reconvinte se saberá o saldo daí resultante e qual será o eventual crédito exequendo da aqui recorrente sobre a recorrida ou vice-versa.

Que in casu estamos perante uma condenação genérica a qual carece de liquidação no âmbito do processo declarativo (704º n.6 do CPC), pelo que a sentença não é ainda exequível nem constitui título executivo, o que é do conhecimento da recorrente, que não obstante instaurou a execução e penhorou bens da recorrida.
Que sempre honrou os seus compromissos e o receio, decorrida a liquidação e verificado que quem tem que pagar é a recorrente, não consiga cobrar tais quantias ou reaver património, é seu.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou quanto à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
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Face às conclusões da motivação do recurso, a questão a decidir centra-se na aferição dos requisitos de exequibilidade da sentença condenatória proferida, mormente no que se refere ao requisito da liquidez relativo ao crédito da autora/exequente, considerando a compensação declarada na sentença relativamente ao contracrédito por esta também reconhecido à aí ré/reconvinte, quanto ao valor liquido e ilíquido deste e medida da extinção por via da compensação do crédito da autora.
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III – Fundamentação fáctica.

A factualidade a ter em conta para a apreciação e decisão do recurso é a que foi alegada pela exequente no respectivo requerimento executivo, e que, constando em súmula de I supra, aqui se tem por reproduzida, para os legais efeitos.

Acresce, da análise electrónica dos autos (processo principal e seus apensos) -art.º 607.º/4, ex vi art.º 663.º/2 do C. P. Civil-, que:

a) X – MADEIRAS DE PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., com sede na Rua das …, da freguesia de ..., concelho de Matosinhos intentou acção declarativa de condenação com processo comum contra Y – SOCIEDADE COMERCIAL DE MADEIRAS, LDA., com sede Zona Industrial ... – Viana do Castelo que correu termos com o Nº 1101/15.6T8PVZ, peticionando a final que na procedência da acção:
«- CONSEQUENTEMENTE, A RÉ SER CONDENADA A PAGAR À AUTORA A QUANTIA DE €279.159,52 (duzentos e setenta e nove mil, cento e cinquenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida de juros moratórios vincendos à taxa legal até integral e efectivo pagamento.
Caso assim se não entenda, o que apenas por mero raciocino académico se equaciona, ser
- SUBSIDIÁRIAMENTE A RÉ CONDENADA A RESTITUIR À AUTORA AS VERBAS AS QUAIS ILICITAMENTE PROCURA PRESENTEMENTE FAZER SUAS, PELO DENOMINADO INSTITUTO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, acrescido igualmente de juros moratórios vincendos à taxa legal até integral e efectivo pagamento.
- E, AINDA SER CONDENADA EM CONDIGNA PROCURADORIA E CUSTAS DE PARTE, que ora se fixam em €1.000,00 (mil) euros..»

b) Nessa acção a ré «Y - Sociedade Comercial de Madeiras, Lda» contestou pugnando pela improcedência da acção e deduziu pedido reconvencional, o qual foi admitido, peticionando, a final, para além do mais, que seja julgada:
c)
«…c) procedente e provada a Reconvenção deduzida e, por via dela ser a Reconvinda condenada a pagar à Reconvinte a quantia de €290 .344,33, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor;
e) operar - se a compensação, com as legais consequências , na hipótese que não se concede, da acção ser julgada total ou parcialmente procedente;…

d) Realizado o julgamento, foi proferida sentença final – ref.ª electrónica 40236402 - em cujo segmento decisório consta:

«Em face do exposto, julgo a acção proposta por X – Madeiras de Portugal, Unipessoal, Lda. contra Y – Sociedade Comercial de Madeiras, Lda., procedente, por provada, e, consequentemente, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 279.159,52, acrescida de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento.

Mais julgo a reconvenção deduzida pela Ré contra a Autora, parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a Autora a pagar à Ré a quantia de € 62.582,77, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento, e ainda, metade da quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que corresponder aos “usos da praça” nos termos do artigo 404º do Código Comercial, aplicáveis ao depósito cujas características constam das alíneas k) a m), p) e r) do ponto II.1., acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento.

Operando-se a compensação, nos termos do artigo 847º do Código de Processo Civil, julgo parcialmente extinto o crédito da Autora sobre a Ré no valor de € 62.582,77 (€ 279.159,52 - € 62.582,77) e no valor que resultar da liquidação supra determinada, condenando a Ré a pagar à Autora o remanescente (acrescido de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento) ou, no caso do montante a liquidar, juntamente com a parte já líquida, exceder o crédito da Autora, condenando esta a pagar à Ré o excedente (acrescido juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento).

e) Dessa decisão veio a ser interposto recurso pela ré, o qual, por acórdão de 12.10.2017 proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, foi julgado improcedente e mantida a decisão recorrida.
f) O recurso da sentença final foi admitido com efeito meramente devolutivo, tendo sido proferido a tal propósito o seguinte despacho com referência elect.- 41269137- «Atenta a decisão proferida no apenso A (incidente de prestação de caução) e atento o disposto no nº 4, do artigo 647º, do Código de Processo Civil (“o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução”), cumpre pronunciarmos- nos sobre o efeito a atribuir ao recurso interposto pela Ré.

Apesar de não ser líquido que a atribuição de efeito devolutivo ao recurso cause à Ré um prejuízo considerável, uma vez que a quantia em que esta foi condenada carece de liquidação, incumbindo à Autora promovê-la, se quiser executar, o que é certo é que a caução oferecida pela Ré foi julgada inidónea, pelo que, não se encontrando preenchido um dos pressupostos previstos na citada norma processual, o citado recurso deve ser admitido com efeito devolutivo.»
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IV - Fundamentação de Direito

Como resulta da decisão proferida nos autos de oposição à execução e das alegações de recurso, a questão decidenda centra-se na análise da exequibilidade do documento apresentado como título executivo – sentença proferida nos autos principais -, considerando que na decisão recorrida se entendeu que a decisão aí expressa sendo ilíquida e não dependendo de simples cálculo aritmético, deveria ter sido liquidada pelo exequente em incidente próprio, nos termos do artigo 358º do Código de Processo Civil, concluindo que não o tendo feito, a agora exequente não dispõe de título executivo.

Vejamos:

A acção executiva foi proposta em 11.04.2018, ou seja, já no âmbito da vigência da Lei 41/2013 de 26 de Junho, actual Código de Processo Civil, o qual lhe é aplicável (vide artigo 6º n.3 do CPC).

Decorre do art. 10º, nº5 do actual C.P.C. (art. 45º, nº1, do CPC na pregressa redacção) que: “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.

Na definição de Manuel de Andrade, citado por Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, Almedina, 6ª ed., p. 19, o título executivo é “o documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo (...)”.

O título executivo é condição necessária da execução, na medida em que os actos executivos não podem ser praticados senão na presença dele e é também condição suficiente da acção executiva, uma vez que, na sua presença, seguir-se-á imediatamente a execução, sem necessidade de qualquer indagação prévia sobre a existência do direito a que se refere.

Ou seja, o título executivo é a base de qualquer execução, por ele se determinam o fim e os limites da execução (art. 10º, do C.P.C.), a legitimidade activa e passiva (art. 53º, do C.P.C.) e se sabe se a obrigação é certa, líquida e exigível (art. 713º, do C.P.C.).

É pela análise do título executivo que se há-de determinar a espécie da prestação e da execução que lhe corresponde, bem como o quantum da prestação, isto é, a extensão e o conteúdo da obrigação do executado e, consequentemente, até onde pode ir a acção do exequente.

Ao tribunal compete interpretar e confrontar o requerimento executivo com o título executivo para aferir da conformidade entre os dois, considerando a necessária correspondência entre o concreto pedido da acção executiva e os limites traçados no título e deve ter por causa de pedir os factos que constam do título.

Deste modo importa aferir da validade do título executivo, se a obrigação se encontra vencida e se é exigível e líquida, se o título é dotado de força executiva e não carece de requisitos externos e se não faltam pressupostos processuais imprescindíveis à regularidade da instância executiva.

A certeza da obrigação, enquanto requisito da exequibilidade intrínseca da pretensão, constitui um dos pressupostos da exequibilidade do título, e pressupõe uma prestação que se encontra, qualitativamente, determinada, no momento da sua constituição.

Por sua vez a liquidez é a qualidade da obrigação que esteja quantitativamente determinada, sendo na medida da crédito liquidado que será determinada a extensão da execução do património do executado (artigo 735º do CPC), de que decorre que o exequente não pode na execução formular pedido ilíquido, sem proceder previamente à respectiva liquidação.

Fundando-se a execução em sentença condenatória (art. 703.º n.º 1 al. a) do C.P.C.), esta não só delimita a legitimidade de exequente e executado (art. 53.º do C.P.C.), como o objecto da execução, pois é com base no título executivo que se determina o fim e os limites da acção executiva (art. 10.º n.º 5 do C.P.C.).

Diz-nos por último o artigo 704º n. 6 do C.P.C. que: «Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º.»

Na situação dos autos a exequente, ora apelante, ««X - Madeiras de Portugal, Unipessoal Lda» intentou a execução para pagamento de quantia certa contra a executada ««Y - Soc. Comercial de Madeiras, Lda.», indicando como quantia exenquenda o valor de € 216,576,75, acrescida de juros que liquida na quantia de € 39.967,31, considerando a compensação operada em sede de sentença entre o crédito aí reconhecido à autora e o crédito também aí reconhecido à ré reconvinte.
Mas será que é dessa forma linear que o título executivo apresentado, in casu, fixa os termos da obrigação?

Vejamos.

Considerando que o título executivo é a sentença proferida nos autos principais, comecemos por atentar no seu teor de forma a aferir se este reúne os requisitos de exequibilidade acima indicados, ou, ao invés, como decidido no despacho recorrido, se a exequente não dispõe de título executivo nos termos do artigo 726º n.2 al. a) do CPC.

A este propósito diz-se na sentença recorrida: «Nos termos do disposto no artigo 734º, nº 1, do Código de Processo Civil, “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”. E de acordo com o nº 2, do mesmo artigo e diploma, “rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte”.

Recordemos o dispositivo da sentença já transitada em julgado:

«Em face do exposto, julgo a acção proposta por X – Madeiras de Portugal, Unipessoal, Lda. contra Y – Sociedade Comercial de Madeiras, Lda., procedente, por provada, e, consequentemente, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 279.159,52, acrescida de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento.

Mais julgo a reconvenção deduzida pela Ré contra a Autora, parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a Autora a pagar à Ré a quantia de € 62.582,77, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento, e ainda, metade da quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que corresponder aos “usos da praça” nos termos do artigo 404º do Código Comercial, aplicáveis ao depósito cujas características constam das alíneas k) a m), p) e r) do ponto II.1., acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento.

Operando-se a compensação, nos termos do artigo 847º do Código de Processo Civil, julgo parcialmente extinto o crédito da Autora sobre a Ré no valor de € 62.582,77 (€ 279.159,52 - € 62.582,77) e no valor que resultar da liquidação supra determinada, condenando a Ré a pagar à Autora o remanescente (acrescido de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento) ou, no caso do montante a liquidar, juntamente com a parte já líquida, exceder o crédito da Autora, condenando esta a pagar à Ré o excedente (acrescido juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento).»

Da leitura do dispositivo da sentença retira-se que a compensação se operou, ainda que o crédito da Ré seja parcialmente ilíquido (o que não impede, naturalmente a compensação, como afirma peremptoriamente o legislador no artigo 847º, nº 3, do Código Civil).

E dessa leitura também se retira que logo na sentença se equacionaram duas hipóteses: (i) condenação da Ré a pagar à Autora o remanescente depois de concretizada a liquidação ou (ii) no caso do montante a liquidar, juntamente com a parte já líquida, exceder o crédito da Autora, a condenação desta a pagar à Ré o excedente.

Portanto, não é líquido que a Autora seja credora da Ré. Neste momento, em face das hipóteses referidas, a Autora nem sequer pode dizer que tem um crédito parcialmente líquido.

Pode não ter e nem sequer pode dizer, com rigor, qual é a quantia exequenda. E em face da alternativa condenatória, tanto a Autora como a Ré têm interesse e legitimidade em promover a liquidação.

“Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.” - cfr. artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil.

“Tendo havido condenação genérica, nos termos do nº 2 do artigo 609º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no nº 7 do artigo 716º.” - cfr. artigo 704º, nº 6 do Código de Processo Civil.
“O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do nº 2 do artigo 609º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.” – cfr. artigo 358º, nº 2, do Código de Processo Civil.

“A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.” – cfr. artigo 713º, do Código de Processo Civil.

“Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.” – cfr. artigo 716º, 1 do Código de Processo Civil.

Ou seja, no nosso caso, a Autora deveria, porque a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, fazer uso do incidente de liquidação previsto no artigo 358º do Código de Processo Civil1, no próprio processo declarativo.
Não o tendo feito, a agora exequente não dispõe de título executivo, implicando tal falta de título a imediata rejeição da execução nos termos conjugados do disposto nos artigos 358º, nº 2, 726º, nº 2, alínea a), e 734º, do Código de Processo Civil.
Em face do exposto, e nos termos do disposto nos artigos 726º, nº 2, alínea a), e 734º, do Código de Processo Civil, rejeito a execução, determinando a sua imediata extinção.»

Os argumentos expendidos na decisão recorrida são claros e perfeitamente correctos em nosso entender, os quais, por isso, aqui se subscrevem.

Com efeito, o título é inexequível se a sentença não for condenatória, se não tiver transitado em julgado e ao recurso tiver sido fixado o efeito suspensivo, ou, tendo havido condenação genérica nos termos do art. 609º, nº 2, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, não se tiver procedido a liquidação no processo declarativo (art. 704º do CPC).

Vejamos então:

Compulsado o teor das alegações/conclusões de recurso, evidencia-se que o cerne da discordância da recorrente reside na interpretação que no despacho recorrido foi dado à decisão proferida em primeira instância que considerou tratar-se de uma condenação genérica e insusceptível de execução imediata dada a sua necessária liquidação em prévio incidente declarativo de liquidação de sentença.

A recorrente, por seu turno, defende que o primeiro segmento decisório da sentença reveste a qualidade de condenação líquida e que a compensação operada com o crédito aí liquidado da reconvinte que julgou parcialmente extinto o crédito da autora, é uma condenação liquida e susceptível de execução imediata nos termos do segmento final do n.2 do artigo 609º do CPC, arguindo, outrossim, que a compensação aí fixada do valor a liquidar, resulta de uma segunda operação de compensação, que a executada terá de promover.

Sustenta, que o valor fixado é certo e determinável e que não pode ficar ad aeternum à espera da liquidação relativa ao segundo segmento, a efectuar pela ré/reconvinte.
Não lhe assiste, contudo, razão.

Concretizemos:

Importa começar por referir que no âmbito da acção declarativa para além do crédito reconhecido à autora, foi reconhecido um contra-crédito à ré/reconvinte que abrange uma parte já liquidada e outra a liquidar em incidente próprio. Nessa acção a ré/ reconvinte excepcionou a compensação do seu crédito com o crédito da autora, a qual veio a ser reconhecida operar nos termos da decisão final proferida nessa acção relativamente à parte liquidada e a liquidar em incidente próprio (tendo presente que a iliquidez do crédito a não impede (n.3 do artigo 847º do CC).

Como se refere no Ac. STJ de 12-09-2013, processo 5478/06.6TVLSB.L1.S1 (1): «A “compensação” é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como subrogado dela, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor; quando o devedor é também credor do seu credor opera-se a circunstância jurídico-substantiva da “compensação”, através deste fenómeno jurídico se consentindo que o devedor se desonere do seu débito a expensas deste seu consubstanciado crédito.»

Por outras pa...s, através da compensação o devedor pode livrar-se da sua obrigação para com o credor com a obrigação recíproca deste, desde que o crédito do devedor seja judicialmente exigível e não proceda contra ele excepção peremptória ou dilatória de direito material, conquanto as obrigações tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade - artigo 847.º, n.º 1, a) e b) do Código Civil.

Deste modo, tratando-se de obrigação pecuniária (como é o caso), o devedor tem o direito de fazer extinguir a totalidade ou parte do seu débito, na medida em que o seu contracrédito sobre o credor seja igual, superior ou inferior ao seu débito (cfr. n.º 2). Como vimos, o devedor não deixa de ter este direito (de compensação) quando o seu crédito é ainda ilíquido (n.º 3 do citado artigo).
Nos termos do n.º 1 do art. 848° do C.Civil a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.
Do que vem de se expor resulta assim que a compensação constitui um facto jurídico extintivo da obrigação.

Ora, na sentença proferida no processo ficou decido e já transitado em julgado que:

«Em face do exposto, julgo a acção proposta por X – Madeiras de Portugal, Unipessoal, Lda. contra Y – Sociedade Comercial de Madeiras, Lda., procedente, por provada, e, consequentemente, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 279.159,52, acrescida de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento.

Mais julgo a reconvenção deduzida pela Ré contra a Autora, parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a Autora a pagar à Ré a quantia de € 62.582,77, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento, e ainda, metade da quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que corresponder aos “usos da praça” nos termos do artigo 404º do Código Comercial, aplicáveis ao depósito cujas características constam das alíneas k) a m), p) e r) do ponto II.1., acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento.

Operando-se a compensação, nos termos do artigo 847º do Código de Processo Civil, julgo parcialmente extinto o crédito da Autora sobre a Ré no valor de € 62.582,77 (€ 279.159,52 - € 62.582,77) e no valor que resultar da liquidação supra determinada, condenando a Ré a pagar à Autora o remanescente (acrescido de juros de mora a contar desde 21.08.2015 sobre esta quantia, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento) ou, no caso do montante a liquidar, juntamente com a parte já líquida, exceder o crédito da Autora, condenando esta a pagar à Ré o excedente (acrescido juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais contados desde 30.09.2015 sobre esse capital até integral e efectivo pagamento).»

Analisada a referida sentença condenatória e considerando a força de caso julgado (material) à expressão determinada da obrigação, nos termos em que condena, resulta evidenciado que julgada procedente a compensação invocada pela ré/reconvinte se declarou a sua operacionalidade relativamente ao contracrédito já liquidado e bem assim daquele que, reconhecido, se impunha ainda liquidar, ficando em consequência extinto o crédito da autora na medida já apurada e da que se viesse a apurar do contracrédito ilíquido da reconvinte. A decisão condenatória é outrossim explícita na condenação da autora a pagar à ré o excedente, no caso do montante a liquidar juntamente com a parte já líquida, exceder o crédito da Autora.

Se bem cremos a tese da apelante peca por olvidar o último segmento da decisão que operou a compensação nos termos aí indicados, mormente quanto à parte ilíquida do contracrédito da reconvinte, cindindo-a em dois segmentos como se a compensação não operasse relativamente a este último.

A compensação reveste a configuração de um direito potestativo que se exercita por meio de um negócio unilateral; e a importância desta declaração é decisiva, porquanto prescreve o art. 854.º do C. Civil que "feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornarem compensáveis" e, como referido, a ilíquidez não impede a compensação (artigo 847º, n.º 3, do C.Civil) (2).

Deste modo tendo a ré reconvinte pedido a compensação do seu crédito considerando a procedência do pedido da autora e do pedido por si formulado a título reconvencional e, decidido nessa acção estarem verificados os pressupostos da mesma quer quanto ao crédito liquido quer quanto ao crédito ilíquido reconhecidos à reconvinte, tendo a autora tomado a iniciativa da execução do seu crédito teria necessariamente que a iniciar com o pedido prévio de liquidação, já que o seu crédito só existirá se e na medida em que lho permita o crédito da executada, que existe, mas carece, na parte ilíquida, de ser liquidado.

Perante a procedência da compensação, ressalta, que se só após a liquidação do crédito da executada se haverá de saber qual é o montante do crédito da exequente, também o crédito da exequente se terá de considerar ilíquido e, desse modo para o executar, a autora teria previamente que o liquidar (3).

Aqui chegados resulta para nós inultrapassável a conclusão de que a condenação proferida não poderá deixar de se considerar genérica/ilíquida, e desse modo insusceptível de execução imediata, já que o quantitativo da obrigação não se encontra ainda determinado, requerendo nos termos do disposto pelo artigo 609º n.2 e 704º n.6 do CPC a dedução de incidente prévio de liquidação no processo onde a sentença foi proferida nos termos do disposto pelos artigos 358º e segs, cuja admissão determina a renovação da instância extinta (artigo 358º n. 2 do CPC) (4).

Na senda do entendimento exposto, mormente quanto à necessária e prévia dedução de incidente de liquidação pela autora, ora apelante, prejudicada fica a questão suscitada na alegação recursiva relativamente à invocada indefinição ad aeternum do seu crédito no pressuposto invocado de que teria de ser a ré/reconvinte a impulsionar a liquidação do seu crédito face ao desinteresse na sua promoção. Pressuposto afastado pela ilíquidez, nos termos expostos, do crédito da autora/ exequente.

Ademais e ainda que assim não fosse, e é, como vimos, conforme salienta Rui Pinto in «A Acção executiva», 2018, págs. 248, o incidente de liquidação pode, para além do autor, também ser deduzido pelo réu «que manifeste interesse em apurar a sua dívida para cumprir.»

Uma última nota para referir, em prol de tudo o que acima ficou expresso, que ainda que se entendesse, como defende a apelante, que o primeiro segmento decisório da sentença apresenta uma condenação liquida no valor exequendo, o que nos termos expostos, reitera-se, não podemos sufragar, a sua imediata exequibilidade inviabilizaria a possibilidade de dedução de oposição pela executada com fundamento na compensação que lhe foi reconhecida na sentença proferida na acção declarativa relativamente ao seu crédito ilíquido, considerando o disposto pelo artigo 729º alíneas g) e h) do CPC, e a circunstancia de que os factos extintivos ou modificativos da obrigação reconhecida na sentença só podem ser os posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração (os anteriores estão cobertos/incluídos pelo caso julgado material formado pela sentença) (5). Por outras pa...s, seria fazer letra morta da compensação operada na sentença relativamente ao crédito ilíquido reconhecido à reconvinte e do disposto pelo artigo 847º, n.º 3, do C. Civil.
*
Concluindo, a falta de liquidação incidental de sentença genérica, como é o caso, conduz ao indeferimento liminar do requerimento executivo pela falta de título executivo, nos termos do disposto pelos artigos 726º n.2 al. a) e 734º (dado o conhecimento superveniente dessa falta), do CPC.

Improcede, assim, in totum, a arguição efectuada em sede recursiva inexistindo qualquer reparo a efectuar à decisão recorrida, que julgou de forma correcta e conforme ao direito, a questão decidenda.
*
V. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas da apelação pela apelante.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)
Fernanda Proença Fernandes
Heitor Pereira Carvalho Gonçalves


1. In www.dgsi.pt
2. Como salienta A. Varela in C.C. Anotado Vol. II, págs. 132 …«embora a liquidação do crédito seja demorada, a verdade é que o credor não deve ser prejudicado com esse facto, quando, se o montante do crédito estivesse determinado poderia socorrer-se das vantagens que a compensação lhe assegurava. …»
3. A propósito vide o elucidativo Ac. R.C. de 4.05.2004, processo 636/04 in www.dgsi.pt
4. Tal liquidação, considerando o teor e fundamento da condenação ilíquida da reconvinda - preço acordado pelo depósito mercantil – poderá em última análise face ao disposto no artigo 404º do Código Comercial, ser realizada por meio de arbitramento (vide artigo 361º do CPC) na falta de usos da praça em que o depósito houver sido constituído, sendo irrelevante nesta sede a arguição pela apelante de quaisquer questões atinentes ao modo como foi fixada essa obrigação na sentença, face, designadamente, ao trânsito em julgado da mesma.
5. Ac. R.C. de 21-04-2015, processo 556/08.0TBPMS-A.C1, in www.dgsi.pt