Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO BEÇA PEREIRA | ||
Descritores: | MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA ARRESTO PROBABILIDADE SÉRIA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/15/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | Os factos objectivos alegados na petição inicial - os requeridos rescindiram infundadamente o contrato de mediação imobiliária e não reconhecem a sua obrigação de pagar à requerente a remuneração acordada - não são suficientes para deles se extrair, com a necessária certeza e segurança, a conclusão de que há uma probabilidade séria destes estarem na iminência de vender o seu prédio. E o facto da requerente do arresto (poder) estar "convencida (…) [de que a] intenção dos requeridos é vender o imóvel (…) sem lhe dar conhecimento", só por si, não se traduz no justo receio exigido no artigo 391.º n.º 1 CPC. | ||
Decisão Texto Integral: | C - Mediação Imobiliária L.da instaurou presente procedimento cautelar de arresto, que corre termos na Secção Cível da Instância Local de Vila Nova de Famalicão, da Comarca de Braga, contra Horácio V e Maria E, pedindo o arresto do seguinte imóvel: "fracção autónoma designada pelas letras "AM" correspondente à habitação, bloco D, segundo andar sul, apartamento 302 e na cave o aparcamento n.º 20 e o arrumo n.º 23, integrada no prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito no lugar de Meães, Rua da Fronteira, n.º 102, da freguesia de Calendário, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrita na competente C.R.P. n.º 1398, inscrita na matriz predial com o art.º 15". Alegou em síntese, que no exercício da sua actividade, celebrou com os requeridos em 18-3-2016, um contrato de mediação imobiliária, segundo o qual se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do mencionado prédio, obrigando-se estes a pagar-lhe a remuneração de € 6.150,00. Mais alega que conseguiu angariar uma interessada na compra do mesmo, que aceitou como preço os € 61 000,00 pretendidos pelos requeridos. Apesar de estar tudo preparado para outorga da escritura de compra e venda definitiva, os requeridos disseram não ter o capital necessário à liquidação da hipoteca que contrariam quando compraram a fracção e informam a requerente de que não pretendem concretizar o negócio. No dia 6 de Setembro de 2016, o requerido enviou-lhe uma carta rescindindo o contrato de mediação. Alegou ainda que não conhece outro património aos requeridos e que "está convencida que a intenção dos requeridos é vender o imóvel por um valor ao superior ao consigo contratado sem lhe dar conhecimento". O Meritíssimo Juiz proferiu o seguinte despacho: "Pelo exposto, indefiro liminarmente a petição de procedimento cautelar interposta por C - Mediação Imobiliária, L.da." Inconformada com esta decisão, a requerente dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: 1. A recorrente entende assim que o tribunal a quo deveria ter decidido de forma diversa relativamente a alguns concretos pontos de facto, que resultariam duma convicção diversa pelo tribunal a quo, e consequentemente no deferimento liminar do procedimento de arresto. 2. Mais entende que o tribunal não podia considerar o seu receio de perda do único bem capaz de satisfazer o seu crédito injustificado. 3. A requerente apenas conhece como património dos requeridos a fracção autónoma objecto do contrato de mediação imobiliária celebrado entre os intervenientes. 4. Revela a experiência que quando o vendedor desiste no último momento de concretizar o negócio já acordado, estando tudo preparado para a assinatura do contrato promessa de compra e venda, sem qualquer justificação plausível, apesar de ter demonstrado sempre interesse na realização do mesmo, a intenção daquele passa por celebrar o negócio de venda do imóvel e evitar o pagamento da remuneração devida à mediadora. 5. Assim, alegou a requerente na petição estar convencida de que a intenção dos requeridos é vender o imóvel por um valor superior ao por si contratado sem lhe dar conhecimento, privando a requerente da remuneração de que é credora. 6. Pois nada mais justifica a desistência de um negócio à ultima hora e cuja concretização sempre foi desejada! 7. E ainda que tenham sido somente estes os factos alegados pela requerente importa considerar que o artigo 391.º do CPC não encerra nenhum numerus clausus de comportamentos que podem conduzir ao fundado receio de perda de garantia patrimonial. 8. Deve admitir-se que, por si só, o facto dos requeridos não reconhecerem que devem o pagamento da remuneração à requerida e demonstrarem firme desejo em não cumprirem o seu dever contratual indicia que, recebendo o preço do imóvel o ocultarão e não o depositarão numa instituição bancária de forma a que a requerente não se possa pagar com o mesmo. 9. O que facilmente se perspectiva pois o dinheiro é o bem de mais fácil e rápida alienação e ocultação! 10. E esta informação, por si só, deve ser considerada bastante para preencher o critério do justo receio, pois como resulta da doutrina "qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é concretamente invocável pelo credor, constituindo o periculum in mora." 11. Assim, considera a requerente que perante os factos indiciadores de "fundado receio de perda da garantia patrimonial" referidos deve a providência cautelar de arresto ser deferida liminarmente, para posterior produção de prova e decisão de direito em conformidade com o que vier a ser provado em sede indiciária. 12. Mais, não pode a requerente concordar com a decisão do digníssimo tribunal de manifesta improcedência do pedido formulado pela mesma, pois que "deve reservar-se o indeferimento liminar por manifesta improcedência do pedido para quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente que se torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial", o que não é, de todo, o caso! 13. Ademais, constituindo o arresto uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva, in casu a recorrente, já prejudicada pelo incumprimento do pagamento da remuneração que lhe é devida perante o indeferimento liminar em causa fica novamente prejudicada sem possibilidade sequer de uma eficaz acção executiva! 14. Serviu, também, como fundamento do indeferimento liminar da providência cautelar que o alegado pela requerente "por si só, singelamente considerada, não nos permite conjecturar ou suspeitar da verificação do receio suscitado pelo requerente", 15. Todavia, tal não basta para o indeferimento liminar da providência! 16. Neste sentido tem decidido a jurisprudência: "uma deficiente alegação dos factos tendentes a comprovarem o justo receio de perda de garantia patrimonial não justifica o indeferimento liminar da providência, antes reclama o convite ao aperfeiçoamento da petição. ". 17. Assim, sem prescindir, não devia o douto tribunal decidir pelo indeferimento liminar da providência, ao invés, convidar a requerente a aperfeiçoar a sua petição, a fim de concretizar o circunstancialismo factual que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito. As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil (1), delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se: a) «perante os factos indiciadores de "fundado receio de perda da garantia patrimonial" referidos deve a providência cautelar de arresto ser deferida liminarmente, para posterior produção de prova e decisão de direito em conformidade com o que vier a ser provado em sede indiciária» (2); b) "não devia o douto tribunal decidir pelo indeferimento liminar da providência, ao invés, convidar a requerente a aperfeiçoar a sua petição, a fim de concretizar o circunstancialismo factual que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito" (3). 1.º Para a decisão destas questões importa ter presente o que acima já se deixou dito e também que o Meritíssimo Juiz considerou que: «(…) atento o supra exposto, forçoso é concluir que o factualismo alegado pelo requerente é insuficiente para configurar o "justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito" exigido para o decretamento da providência. Como tal, o pedido formulado é manifestamente improcedente. Nesta medida, deve o presente procedimento cautelar ser liminarmente rejeitado, nos termos conjugados dos arts. 226.º, n.º 4, al. b), e 590.º, n.º 1, ambos do CPC.» 2.º O n.º 1 do artigo 391.º estabelece, como pressuposto do arresto, que "o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito" (4). O Tribunal a quo considerou que, à luz do alegado na petição inicial, não há factos que correspondam a esse perigo de perda de garantia patrimonial, pelo que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar. Mas a requerente tem uma perspectiva diferente, pois entende que "o factualismo alegado pelo requerente é insuficiente para configurar" aquele pressuposto. Como é sabido, "o receio não é justo ou fundado quando assenta sobre vagas conjecturas subjectivas. É necessário que se aleguem factos positivos e concretos susceptíveis de exprimir a ameaça" (5) de se perder a garantia patrimonial. É, assim, preciso que ocorra "a prática de actos ou assunção de atitudes que inculquem a suspeita de que o devedor pretende subtrair os seus bens à acção dos credores torna justificável o receio de perda da garantia patrimonial do crédito" (6); é "indispensável que se aduzam factos a partir dos quais se objective, segundo o critério prudente do homem médio, a iminente perda ou grave degradação do acervo garantístico do crédito em causa." (7) É suficiente "a prova de actos preparatórios que permitam prever a ocorrência de um evento objectivamente idóneo a prejudicar o direito." Mas não chega que, em abstracto, haja a mera possibilidade de o acto de dissipação poder ser praticado; "não basta a prova de que o devedor é capaz de ocultar" (9) os seus bens. No caso dos autos, em matéria de justo receio de perda de garantia patrimonial, a requerente dá conta de que "está convencida que a intenção dos requeridos é vender o imóvel por um valor ao superior ao consigo contratado sem lhe dar conhecimento" (10). E encontra-se convencida disso porque, tendo os requeridos rescindindo infundadamente o contrato de mediação imobiliária e não reconhecendo eles que têm a obrigação de lhe pagar a remuneração de €6.100,00 que foi convencionada, a sua conduta só pode ter a explicação exposta nas conclusões 4.ª a 6.ª, da qual resulta "que a intenção dos requeridos é vender o imóvel". Salvo melhor juízo, os factos objectivos alegados na petição inicial - os requeridos rescindiram infundadamente o contrato de mediação imobiliária e não reconhecem a sua obrigação de pagar à requerente a remuneração acordada - não são suficientes para deles se extrair, com a necessária certeza e segurança, a conclusão de que há uma probabilidade séria destes estarem na iminência de vender o seu prédio. E o facto da requerente (poder) estar "convencida (…) [de que a] intenção dos requeridos é vender o imóvel (…) sem lhe dar conhecimento", só por si, não se traduz no justo receio exigido no artigo 391.º n.º 1. Quanto a este alegado propósito de vender, usando a linguagem de Alberto dos Reis, regista-se que a requerente se limita a apresentar "vagas conjecturas subjectivas"; não alega "factos positivos e concretos susceptíveis de exprimir (…) [uma] ameaça". Portanto, mesmo que se provassem todos os factos que a requerente descreve na petição inicial, nunca se poderia depois decretar o pretendido arresto por não se verificar, pelo menos, o requisito do justo receio de perda de garantia patrimonial (11). Esta "manifesta improcedência" deve, à luz do disposto no artigo 590.º n.º 1, conduzir ao indeferimento liminar decidido pelo Tribunal a quo. 3.º Sustenta ainda a requerente que "não devia o douto tribunal decidir pelo indeferimento liminar da providência, ao invés, convidar a requerente a aperfeiçoar a sua petição, a fim de concretizar o circunstancialismo factual que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito" (12). O artigo 590.º n.º 4 dispõe que "incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada". Nestes termos, é claro que o dever de o tribunal convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado pressupõe que há "insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada". A requerente alegou a realidade que é do seu conhecimento e que, no seu modo de ver, conduz às conclusões que extrai; a exposição que é feita da relação contratual não carece de "insuficiências ou imprecisões". Todavia, se, como se viu, dessa realidade, ao contrário do que defende a requerente, não se pode retirar tais conclusões, não estamos então na presença de um dos vícios descritos no n.º 4 do artigo 590.º. Estamos, sim, perante uma errada interpretação jurídica dos factos que a parte conhece e traz a juízo, o mesmo é dizer que, neste cenário, não há que formular o convite mencionado no n.º 4 do artigo 590.º. III Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela requerente. 15 de Dezembro de 2016 (António Beça Pereira) (Maria Amália Santos) (Ana Cristina Duarte) * 1) São deste código todas as disposições adiante mencionadas sem qualquer outra referência. 2) Cfr. conclusão 11.ª. 3) Cfr. conclusão 17.ª. 4) Sublinhado nosso. 5) Alberto dos Reis Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição (1949), pág. 25. Neste sentido veja-se Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. IV, 3.ª Edição, pág. 193, Ac. Rel. Coimbra de 30-6-2009 no Proc. 152/09.4TBSCD-A.C1, Ac. Rel. Coimbra de 17-1-06 no Proc. 3721/05, Ac. Rel. Lisboa de 23-11-2006 no Proc. 9000/06-6 e Ac. Rel. Évora de 3-6-2003 no Proc. 71/03- 2, todos em www.gde.mj.pt. 6) Ac. Rel. Coimbra de 9-5-2006 no Proc. 1236/06, www.gde.mj.pt. 7) Ac. Rel. Coimbra de 15-5-07 no Proc. 120/07.0TBPBL.C1, www.gde.mj.pt. 8) Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, 4.ª Edição, pág. 105 9) Alberto dos Reis Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição (1949), pág. 25. 10) Sublinhado nosso. Cfr. artigo 37.º da petição inicial. 11) E, deste modo, fica prejudicado o conhecimento da questão do restante património dos requeridos, pois neste capítulo o que a requerente alega é manifestamente insuficiente, dado que se limita a dizer que ela não lhes conhece outros bens, cfr. artigo 36.º da petição inicial. O que interessa não são os bens que a requerente conhece, mas sim os que os requeridos realmente têm. 12) Cfr. conclusão 17.ª. |